ADVOCACIA-GERAL DA UNIÃO
PROCURADORIA-GERAL FEDERAL
PROCURADORIA FEDERAL JUNTO À AGÊNCIA NACIONAL DE ENERGIA ELÉTRICA
COORDENADORIA DE OUTORGAS E TARIFAS
PARECER n. 00338/2018/PFANEEL/PGF/AGU
NUP: 48500.004330/2017-16
INTERESSADO: ASSESSORIA DO DIRETOR RELATOR DO PROCESSO
ASSUNTO: REGIME ESPECIAL DE INCENTIVOS PARA O DESENVOLVIMENTO DA INFRAESTRUTURA - REIDI e MINIGERAÇÃO e MICROGERAÇÃO DISTRIBUÍDA.
EMENTA: Regime Especial de Incentivos para o Desenvolvimento da Infraestrutura - REIDI. Minigeração e Microgeração distribuída. Caso a Pardo Energia e a Pedra Lavada Energia preencham todos os requisitos para serem enquadradas como mini ou microgeração distribuída, nos termos postos pela Resolução nº 482/2012, inclusive pelos parágrafos 1º e 2º do art. 2º, a ANEEL deve permitir que as distribuidoras procedam ao referido enquadramento. A exigência de recolhimento dos tributos não pagos em virtude da isenção estabelecida pelo REIDI justifica-se apenas diante do que dispõe o art. 3º § 3o da Lei nº 11.488/2007, o art. 14, §1º do Decreto nº 6144/2007 e o art. 6º da Portaria nº 310/2013.
O Memorando nº 211/2018–ASD/ANEEL, da Assessoria do Diretor Relator do Processo nº 48500.004330/2017-16, solicita manifestação desta Procuradoria sobre o Memorial apresentado pela Pardo Energia S.A. e Pedra Lavada Energia S.A.
I – DOS FATOS
A Pardo Energia S.A. e a Pedra Lavada Energia S.A. são titulares de Centrais de Geração Hidrelétricas – CGHs enquadradas no Regime Especial de Incentivos para o Desenvolvimento da Infraestrutura – REIDI e pretendem ser enquadradas como micro ou minigeração distribuída.
Em dezembro de 2016 a Superintendência de Concessões e Autorizações de Geração – SCG encaminhou consulta à Procuradoria sobre a possibilidade de enquadramento de projetos de micro e minigeração distribuída no REIDI. Respondendo a consulta, a Procuradoria emitiu o Parecer nº 001/2017-PFANEEL/PGF/AGU, no qual concluiu que “não seria, em tese, permitido o enquadramento do consumidor que se utiliza da prerrogativa, disposta na REN nº 482/2012, de produzir energia por meio da micro ou da minigeração distribuída, no benefício do REIDI”.
Tendo em vista o teor do referido parecer, a Superintendência de Regulação dos Serviços de Distribuição – SRD elaborou o Ofício Circular nº 010/2017-SRD/ANEEL, no qual orienta as empresas de distribuição a não enquadrar os empreendimentos de geração que se valem do REIDI como micro ou minigeração distribuída.
Foi diante desse cenário que a Prime Projetos e Consultoria e a Associação Brasileira de Fomento às Pequenas Centrais Hidrelétricas - ABRAPCH dirigiram à ANEEL pedidos de suspensão/reconsideração do entendimento esposado no referido Ofício Circular. A Diretoria Colegiada, julgando os pleitos apresentados pela Prime e pela ABRAPCH, decidiu negar o enquadramento de unidades de micro e minigeração distribuída no Regime Especial de Incentivos para o Desenvolvimento da Infraestrutura – REIDI. O Extrato de Decisão da Diretoria, constante do processo, inclui ainda determinação à SRD e SCG para que essas identifiquem os empreendimentos que foram enquadrados como micro ou minigeração distribuída e que tenham sido habilitadas no REIDI, para que a Diretoria Colegiada possa avaliar esses casos, pois, conforme expressamente destacado, “não poderão conviver simultaneamente os dois regimes”. Veja-se, a seguir, o inteiro teor da decisão constante do Extrato de Decisão da Diretoria:
“Decisão: A Diretoria, por unanimidade, decidiu (i) conhecer do Requerimento Administrativo apresentado pela Prime Projetos e Consultoria e pela Associação Brasileira de Fomento às Pequenas Centrais Hidrelétricas - ABRAPCH com vistas ao enquadramento de unidades de micro e minigeração distribuída no Regime Especial de Incentivos para o Desenvolvimento da Infraestrutura – REIDI, para, no mérito, negar-lhe provimento, e (ii) determinar que a Superintendência de Regulação dos Serviços de Distribuição – SRD, em conjunto com a Superintendência de Concessões e Autorizações de Geração – SCG, instrua processo específico com vistas a identificar os empreendimentos enquadrados como micro ou minigeração distribuída e que tenham sido habilitadas no Regime Especial de Incentivos para o Desenvolvimento da Infraestrutura – Reidi e propor solução de encaminhamento, para posterior decisão deste colegiado observando que não poderão conviver simultaneamente os dois regimes.”
Não consta do processo o teor das discussões havidas na 43ª Reunião Pública Ordinária, ocorrida no dia 14 de novembro de 2017, quando foram julgados os pleitos da Prime e da ABRAPCH, mas os Memoriais apresentados pela Pardo Energia e Pedra Lavada Energia esclarecem que, no curso das discussões entabuladas na ocasião, a Diretoria teria sinalizado positivamente para a hipótese de a geradora beneficiada pelo REIDI devolver os benefícios tributários auferidos para ser enquadrada como geração distribuída. Assim, a geradora não estaria usufruindo dos dois regimes, mas apenas daquele proporcionado pela geração distribuída, visto que todos os benefícios auferidos com o seu enquadramento no REIDI seriam devolvidos, como se anulados fossem. Segue trecho dos memoriais protocolados pela Pardo Energia e Pedra Lavada Energia:
“11. Ainda que tenha seguido o voto do então Relator Diretor Reive Barros dos Santos no sentido de que empreendimentos de GD não podem se beneficiar do REIDI (na linha do Parecer AGU), a partir das sustentações dos representantes da Prime e da ABRAPCH, a própria Procuradoria autora do Parecer AGU e membros da Diretoria reconheceram na reunião a singularidade dos casos de unidades geradoras que gozaram regularmente do REIDI quando de sua implantação e que, com vistas a se enquadraram como GD, protocolaram seus pedidos de acesso nas distribuidoras antes da publicação da REN ANEEL n.º 786/2017.
12. Por essa razão, o dispositivo do referido voto constou em seu parágrafo 24 a orientação do Relator de “(...) (ii) determinar que a SRD, em conjunto com a SCG, instruam processo específico com vistas a identificar os empreendimentos enquadrados como micro ou minigeração distribuída e que tenham sido habilitadas no REIDI e propor solução de encaminhamento, para posterior decisão deste colegiado observando que não poderão conviver simultaneamente os dois regimes.”. (Grifos acrescidos ao original).
13. Vale ressaltar que, ao final da sustentação oral da ABRAPCH, foi levantada a dúvida sobre a possibilidade de, no limite, ser dado as unidades geradoras que estivessem na referida situação particular a opção de restituírem os benefícios auferidos pela habilitação no REIDI em troca do enquadramento como GD. Tal hipótese teve sinalização positiva da Diretoria.”
Diante disso, a Pardo Energia e a Pedra Lavada Energia enviaram correspondência à ANEEL (PAR 003/17 e PL 005/17) registrando que foi solicitado à Receita Federal o “cancelamento do seu REIDI” e pedindo que o regulador oriente às distribuidoras responsáveis a promover a adesão das usinas ao Sistema de Compensação de Energia Elétrica da Geração Distribuída - SCEE/GD.
Nas correspondências aludidas, as empresas ressaltam que foi definido na 43° Reunião da Diretoria da ANEEL, ocorrida em 14 de novembro de 2017, que as usinas que protocolaram seu pedido de adesão à Geração Distribuída antes da publicação da Resolução nº 786/17, que alterou a Resolução nº 482/12, tem seu direito de adesão garantido, ainda que tenham obtido o benefício do REIDI, desde que não tenham os dois benefícios (REIDI e GD) simultaneamente. Na realidade, como visto, tal solução não consta do voto e nem da decisão publicada na imprensa oficial, mas decorre das discussões havidas quando do julgamento dos pleitos da Prime e da ABRAPCH. De qualquer forma, as empresas, seguindo o referido entendimento, requereram o cancelamento do REIDI na Receita Federal, juntando aos autos o documento comprobatório da solicitação.
Em seguida, os agentes remetem nova correspondência à ANEEL (PAR 002-18 e PL 002-18), na qual, de forma irretratável e irrevogável, comprometem-se em seguir todos os procedimentos determinados pela Receita Federal para a devolução dos benefícios do REIDI “sob pena de pagamento das penalidades estabelecidas na legislação e exclusão da unidade geradora do ambiente de Geração Distribuída”. Com isso, solicitam, novamente, que a ANEEL oriente as distribuidoras envolvidas na controvérsia a promover a adesão das geradoras Pardo Energia e Pedra Lavada Energia ao Sistema de Compensação de Energia Elétrica.
O pedido da Pardo Energia e da Pedra Lavada Energia foi analisado pela SRD por meio da Nota Técnica n° 0040/2018-SRD/ANEEL.
O documento técnico referido esclarece que a Diretoria Colegiada decidiu que unidades geradoras que foram habilitadas ao REIDI não podem se enquadrar como micro ou minigeração distribuída. Assim, os dois benefícios, ou regimes, quais sejam, REIDI e Sistema de Compensação da Energia, não poderiam conviver.
Ocorre que, assim como os agentes, a SRD ressalta que nas discussões entabuladas na 43ª Reunião Pública Ordinária, foi levantada a possibilidade do agente enquadrado no REIDI devolver os benefícios tributários auferidos com o enquadramento para, assim, aderir ao Sistema de Compensação de Energia que a micro e minigeração distribuída fazem jus.
Para a SRD, todavia, o simples compromisso firmado pelos agentes de seguir os procedimentos impostos pela Receita Federal não é suficiente para permitir a adesão ao Sistema de Compensação de Energia, ainda que de forma precária, pois a Receita Federal pode entender que a devolução é inviável ou dispensável, o que redundaria no aproveitamento pelos agentes de ambos os regimes, o que a Diretoria já entendeu não ser possível. Diante disso, a SRD considerou imprudente permitir o enquadramento, ainda que precário, das usinas como minigeração distribuída. Veja-se trechos da Nota Técnica n° 0040/2018-SRD/ANEEL que detalham o entendimento da SRD sobre o tema:
“18. A manifestação da Diretoria da ANEEL sobre o tema se deu em resposta aos pleitos formulados pela ABRAPCH e pela empresa Prime. As requerentes contestaram o teor do Ofício Circular nº 0010/2017-SRD/ANEEL, que em seu item 1.3 expôs o entendimento de que unidades geradoras que foram habilitadas ao REIDI não podem se enquadrar como micro ou minigeração distribuída. Caberia, portanto, às distribuidoras identificar esses casos e negar a adesão desses empreendimentos no Sistema de Compensação de Energia. Em sua carta, a ABRAPCH requereu “reconsideração do item 1.3 do Ofício Circular nº 0010/2017-SRD/ANEEL, anulando seus efeitos”. Já a empresa Prime solicitou a suspensão da parte do Ofício Circular nº 010/2017-SRD/ANEEL relativa ao não enquadramento no Sistema de Compensação de centrais geradoras que tenham sido habilitadas no REIDI e do Parecer nº 00001/2017/PFANEEL/PGF/AGU, da Procuradoria Federal junto à ANEEL
19. Ambos os pleitos foram negados no Despacho n° 3.825/2017. No voto condutor do Despacho restou claro que os dois benefícios (benefício do REIDI e do Sistema de Compensação da Energia) não poderiam conviver. Tomando-se de forma literal a decisão da Diretoria, empreendimentos habilitados ao REIDI, como é o caso da CGH Pardo e CGH Pedra Lavada, não poderiam se enquadrar na REN n° 482/2012, mesmo que tenham tido seus pedidos de acesso à distribuidora formulados em data anterior ao prazo limite estabelecido na REN n° 786/2017.
20. No entanto, durante as discussões levantadas na 43ª Reunião Pública Ordinária de 2017, ocasião em que os pleitos da ABRAPCH e da empresa Prime foram submetidos à decisão da Diretoria Colegiada da ANEEL, aventou-se a possibilidade de cancelamento do REIDI e devolução dos recursos monetários auferidos em função do benefício, para fins de enquadramento na REN n° 482/2012.
21. Caso seja possível a devolução de todo e qualquer benefício que o agente tenha auferido em função de seu enquadramento no REIDI e essa devolução seja efetivamente realizada, o empreendimento poderia, em tese, pleitear enquadramento no âmbito da REN nº 482/2012, uma vez que, nesse caso, não haveria a convivência dos dois benefícios.
(...)
23. Ressalta-se, porém, que a opção de enquadramento no Sistema de Compensação com a devolução dos benefícios auferidos pelo REIDI somente poderia ocorrer caso essa devolução seja realmente possível. Na hipótese de a Receita Federal do Brasil entender que essa devolução voluntária seja inviável ou mesmo dispensável, caso ela entenda que o gerador já cumpriu com as obrigações decorrentes de sua habilitação e usufruto do REIDI, o enquadramento no Sistema de Compensação de Energia seria inaceitável (devido à decisão prévia da Diretoria de que o mesmo empreendimento não poderá ser beneficiado cumulativamente pelos dois regimes).
(...)
25. Uma vez que a definição da forma de ação da ANEEL frente aos empreendimentos que receberam o REIDI e desejam participar do Sistema de Compensação de Energia depende do posicionamento da RFB acerca da possibilidade de devolução dos benefícios do REIDI, entende-se que a ANEEL não deva permitir que um empreendimento já beneficiado por esse regime de incentivos seja enquadrado nas regras da REN nº 482/2012 enquanto não houver resposta formal do órgão tributário. Isso porque, caso a RFB entenda não ser possível a devolução voluntária dos benefícios regularmente auferidos, a ANEEL teria deliberadamente permitido que um agente se beneficiasse indevidamente dos dois regimes.
(...)
29. Em reunião com o Diretor André Pepitone, as empresas foram orientadas a formalizar documento junto à ANEEL comprometendo-se a devolver, em caráter irretratável, todo e qualquer benefício auferido com o REIDI. No sentido de evitar que os agentes se vissem obrigados a aguardar as definições dos trâmites da RFB para devolução dos benefícios, que podem durar meses, foi solicitado pelos agentes o enquadramento como minigeração das CGH em caráter precário. Ou seja, a ANEEL avaliaria aceitar esse enquadramento em caráter precário e excepcional para evitar prejuízos ao empreendedor em função da burocracia estatal, com a condição de que as empresas garantissem a devolução dos benefícios.
30. Todavia, no momento de assumir o compromisso, as empresas formalizaram documento com o seguinte texto:
“[...] a Pedra Lavada Energia S.A. se compromete com esta Agência, de forma irretratável e irrevogável, a cumprir com os procedimentos que forem determinados pela Receita Federal para devolução do benefício obtido”
31. Assim, ao invés de comprometer-se em efetuar a devolução, os empreendedores preferiam “cumprir com os procedimentos que forem determinados pela Receita Federal para devolução”. Após o seu eventual enquadramento precário, há diferença significativa entre “fazer a devolução de todos os benefícios auferidos com o REIDI” (compromisso que deveria ter sido assumido) e “cumprir com os procedimentos que forem determinados pela Receita Federal para devolução” (compromisso efetivamente declarado pelos agentes).
32. A devolução enseja a anulação dos efeitos dos benefícios que as centrais geradoras obtiveram com o REIDI, o que seria uma espécie de renúncia voluntária às vantagens já auferidas. Assim procedendo, na prática, seria como se a central geradora emulasse uma realidade em que nunca houvesse recebido o REIDI, e, assim, poderia conviver como minigeração distribuída.
33. Já ao buscar seguir procedimentos indicados pela RFB, as empresas tentam externar empenho em devolver os benefícios, mas acabam comprometendo-se a cumprir aquilo que a RFB orientar, o que pode ser diferente de efetuar a devolução. Caso a RFB entenda que a devolução é dispensável ou impossível de ser realizada, o compromisso do agente estaria cumprido, mas a restituição dos ganhos – critério exigido pela ANEEL para enquadramento como minigeração distribuída – não. Ou seja, ainda que as palavras sejam parecidas, os empreendedores escolheram uma opção que lhes permitiria ser enquadrados como minigerador distribuído mesmo tendo sido beneficiados com o REIDI, o que contrariaria a decisão da ANEEL.
(...)
41. Assim, considerando que as empresas não assumiram devidamente o compromisso de efetuar a devolução dos benefícios auferidos com o REIDI e diante da existência de razoável risco de impossibilidade de regularização futura (a depender da manifestação da RFB), julga-se imprudente permitir o enquadramento, ainda que precário, das referidas CGH no Sistema de Compensação de Energia.”
Após a emissão da Nota Técnica n° 0040/2018-SRD/ANEEL, os agentes apresentaram memoriais expondo seu posicionamento sobre o tema. No documento, os agentes abordam, no primeiro tópico, a exigência da SRD de que os agentes se comprometam a devolver os benefícios auferidos com o REIDI e não apenas que se comprometam a seguir todos os procedimentos determinados pela Receita para a devolução.
Para eles, o compromisso é suficiente, pois cabe a Receita definir se os benefícios podem ser devolvidos e como. Assim, entendem que se a Receita Federal considerar que os benefícios foram legitimamente gozados pelos agentes, não podendo ser restituídos, a ANEEL não poderia negar seu direito de adesão ao Sistema de Compensação de Energia por descumprimento de uma exigência impossível de ser cumprida.
No segundo tópico dos memorais, os agentes defendem que o Ofício Circular nº 010/2017-SRD/ANEEL inovou o teor do Parecer nº 001/2017-PFANEEL/PGF/AGU, pois enquanto o primeiro trata da possibilidade de enquadramento como micro e minigeração distribuída de unidades geradoras habilitadas no REIDI, o segundo trata da possibilidade de enquadramento de projetos de micro e minigeração distribuída no REIDI.
Já no terceiro tópico dos seus memoriais, os agentes argumentam a favor da nulidade do Ofício Circular nº 010/2017-SRD/ANEEL por invasão de competência normativa da Diretoria Geral da ANEEL e violação dos princípios da segurança jurídica e da proteção da confiança. Para os agentes, o Ofício Circular em questão invadiu a competência privativa da Diretoria da ANEEL para expedir atos normativos gerais e abstratos na forma de resoluções, o que redundaria na sua nulidade.
Sobre a violação aos princípios da segurança jurídica e da proteção da confiança, os agentes explicam que todas as decisões tomadas por eles levaram em consideração o ambiente regulatório vigente à época: um ambiente que “não contava com regulamentação diferente da REN ANEEL n.º 482/2012, que não colocava (e ainda não coloca) qualquer restrição ao enquadramento das CGHs das Requerentes como GD, e também não contava com qualquer pronunciamento desta agência contrário a esse enquadramento (o Parecer AGU e o Ofício Circular são de 2017)”.
Por fim, defendem os agentes que o Ofício Circular nº 010/2017-SRD/ANEEL é nulo por desvio de finalidade, pois tem o condão de revogar indevidamente isenção tributária onerosa por via oblíqua. Conforme pontuam os agentes, “tratando-se o REIDI de isenção onerosa concedida às Requerentes cujas condições encontram-se perfeitamente atendidas, se nem a lei tem o condão de revogá-la, muito menos ato administrativo da ANEEL poderá fazê-lo (art. 178 da Lei federal n.º 5.172/1966)”. Assim, acreditam que o ofício referido busca não fiscalizar e controlar os requisitos técnicos e regulamentares para enquadramento de CGHs como minigeração distribuída, mas sim revogar a referida isenção onerosa oriunda do REIDI.
O processo foi, então, distribuído para um Diretor Relator, tendo a sua Assessoria, por meio do Memorando nº 211/2018–ASD/ANEEL, solicitado desta Procuradoria a emissão de Parecer jurídico sobre a questão.
É o relatório. Passo a opinar.
II – DA ANÁLISE
II.1 - Regime Especial de Incentivos para o Desenvolvimento da Infraestrutura REIDI
O Regime Especial de Incentivos para o Desenvolvimento da Infraestrutura – REIDI foi criado pela Medida Provisória nº 351/2007, posteriormente convertida na Lei nº 11.488/2007. Trata-se de um incentivo fiscal gestado no âmbito do Programa de Aceleração do Crescimento – PAC do Governo Federal e seu objetivo é incentivar a realização de obras de infraestrutura e, conseguintemente, o crescimento econômico do país.
Nos termos da lei referida, a pessoa jurídica que tenha projeto aprovado para implantação de obras de infraestrutura nos setores de transportes, portos, energia, saneamento básico e irrigação pode requerer habilitação no REIDI. Devidamente habilitada, a pessoa jurídica pode ter suspensa a exigência da Contribuição para o Programa de Integração Social e de Formação do Patrimônio do Servidor Público - PIS/PASEP e da Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social – COFINS tanto sobre a venda ou importação de máquinas, aparelhos, instrumentos e equipamentos novos, e de materiais de construção para utilização ou incorporação em obras de infraestrutura destinadas ao ativo imobilizado (art. 3º), quanto sobre a venda ou importação de serviços destinados a obras de infraestrutura para incorporação ao mesmo ativo imobilizado (art. 4º):
“Art. 3o No caso de venda ou de importação de máquinas, aparelhos, instrumentos e equipamentos, novos, e de materiais de construção para utilização ou incorporação em obras de infra-estrutura destinadas ao ativo imobilizado, fica suspensa a exigência: (Regulamento)
I - da Contribuição para o Programa de Integração Social e de Formação do Patrimônio do Servidor Público PIS/PASEP e da Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social - COFINS incidentes sobre a venda no mercado interno quando os referidos bens ou materiais de construção forem adquiridos por pessoa jurídica beneficiária do Reidi;
II - da Contribuição para o PIS/Pasep-Importação e da Cofins-Importação quando os referidos bens ou materiais de construção forem importados diretamente por pessoa jurídica beneficiária do Reidi.”
“Art. 4o No caso de venda ou importação de serviços destinados a obras de infra-estrutura para incorporação ao ativo imobilizado, fica suspensa a exigência: (Regulamento)
I - da Contribuição para o PIS/Pasep e da Cofins incidentes sobre a prestação de serviços efetuada por pessoa jurídica estabelecida no País quando os referidos serviços forem prestados à pessoa jurídica beneficiária do Reidi; ou
II - da Contribuição para o PIS/Pasep-Importação e da Cofins-Importação incidentes sobre serviços quando os referidos serviços forem importados diretamente por pessoa jurídica beneficiária do Reidi.”
Essa suspensão da incidência tributária estabelecida pela lei converte-se em alíquota zero após a utilização ou incorporação do bem ou material de construção na obra de infraestrutura. Assim, a obra tem seu custo de instalação reduzido, o que o legislador, responsável por gestar a política setorial, considerou um estímulo econômico suficiente para o aumento dos investimentos em infraestrutura no país.
É importante ter em vista que as normas contidas na Lei nº 11.488/2007 têm natureza de regras de isenção tributária, pois são normas que dispensam o pagamento de determinado tributo, consideradas determinadas condicionantes. Ou seja, o tributo é devido, mas não será exigido em virtude da dispensa legal.
As isenções referidas, ainda nos termos da lei, incidirão sobre as aquisições e importações realizadas no período de cinco anos a partir da data de habilitação das pessoas jurídicas no REIDI (art. 5º), desde que, logicamente, tais aquisições e importações dirijam-se à incorporação na obra de infraestrutura especificada e desde que sejam destinadas ao ativo imobilizado:
“Art. 5o O benefício de que tratam os arts. 3o e 4o desta Lei poderá ser usufruído nas aquisições e importações realizadas no período de 5 (cinco) anos, contado da data da habilitação da pessoa jurídica, titular do projeto de infraestrutura. (Redação dada pela Lei nº 12.249, de 2010)
Parágrafo único. O prazo para fruição do regime, para pessoa jurídica já habilitada na data de publicação da Medida Provisória no 472, de 15 de dezembro de 2009, fica acrescido do período transcorrido entre a data da aprovação do projeto e a data da habilitação da pessoa jurídica. (Incluído pela Lei nº 12.249, de 2010)”
A Lei nº 11.488/2007 somente menciona hipótese de perda do benefício no §3º do seu art. 3º, quando determina que a pessoa jurídica que não utilizar ou incorporar o bem ou material de construção na obra de infra-estrutura fica obrigada a recolher as contribuições não pagas em decorrência da isenção, acrescida dos encargos de mora:
“Art. 3º § 3o A pessoa jurídica que não utilizar ou incorporar o bem ou material de construção na obra de infra-estrutura fica obrigada a recolher as contribuições não pagas em decorrência da suspensão de que trata este artigo, acrescidas de juros e multa de mora, na forma da lei, contados a partir da data da aquisição ou do registro da Declaração de Importação - DI, na condição:
I - de contribuinte, em relação à Contribuição para o PIS/Pasep-Importação e à Cofins-Importação;
II - de responsável, em relação à Contribuição para o PIS/Pasep e à Cofins.”
A mesma hipótese de perda do benefício constante da lei é repetida pelo Decreto nº 6144/2007, norma que regulamentou a Lei nº 11.488/2007.
“Art. 14. A suspensão de que trata o art. 2o converte-se em alíquota zero após a incorporação ou utilização, na obra de infra-estrutura, dos bens ou dos serviços adquiridos ou importados com o regime do REIDI.
§ 1o Na hipótese de não ser efetuada a incorporação ou utilização de que trata o caput, a pessoa jurídica beneficiária do REIDI fica obrigada a recolher as contribuições não pagas em função da suspensão de que trata o art. 2o, acrescidas de juros e multa de mora ou de ofício, na forma da lei, contados a partir da data de aquisição ou do registro da Declaração de Importação - DI, na condição de:
I - contribuinte, em relação à Contribuição para o PIS/PASEP-Importação e à COFINS-Importação; ou
II - responsável, em relação à Contribuição para o PIS/PASEP e à COFINS.”
Além da hipótese acima, o Decreto nº 6144/2007 menciona nos seus artigos 9º e 10º a possibilidade de cancelamento do benefício. O regulamento manda que após 30 dias do adimplemento do objeto contratual, a pessoa jurídica solicite o cancelamento da sua habilitação no REIDI (art. 9º). O cancelamento aludido poder ser, portanto, solicitado a pedido da pessoa jurídica, mas pode ser também realizado de ofício, “sempre que se apure que o beneficiário não satisfazia ou deixou de satisfazer, ou não cumpria ou deixou de cumprir os requisitos para habilitação ou co-habilitação ao regime”.
“Art. 9o Concluída a participação da pessoa jurídica no projeto, deverá ser solicitado, no prazo de trinta dias, contado da data em que adimplido o objeto do contrato, o cancelamento da respectiva habilitação ou co-habilitação, nos termos do inciso I do art. 10. (Redação dada pelo Decreto nº 7.367, de 2010)
(...)
Art. 10. O cancelamento da habilitação ou co-habilitação ocorrerá:
I - a pedido; ou
II - de ofício, sempre que se apure que o beneficiário não satisfazia ou deixou de satisfazer, ou não cumpria ou deixou de cumprir os requisitos para habilitação ou co-habilitação ao regime.”
Registre-se, ainda, que a Portaria nº 310/2013 prevê outra possibilidade de exclusão do REIDI. Determina a norma que a portaria que enquadra um determinado projeto no REIDI pode ser tornada sem efeito sempre que (i) o empreendimento não entrar em operação comercial ou não for registrado junto à ANEEL no prazo de cinco anos a contar da data da habilitação, (ii) a outorga de autorização for revogada ou (iii) o registro da usina for cancelado:
“Art. 6º A Portaria que aprova o enquadramento de projeto ao REIDI, nos termos desta Portaria, poderá ser tornada sem efeito e o projeto considerado não implantado, nos seguintes casos: (Redação dada pela PRT MME 487, de 15.12.2017)
I - o empreendimento não ter entrado em operação comercial ou não ser registrado junto à ANEEL, no prazo de cinco anos a contar da data da habilitação do titular do projeto ao REIDI; (Redação dada pela PRT MME 487, de 15.12.2017)
II - revogação da outorga de autorização; ou
III - cancelamento de registro.
Parágrafo único. A ANEEL informará ao Ministério de Minas e Energia e à Secretaria da Receita Federal do Brasil a ocorrência dos casos descritos no caput.”
São esses os casos de exclusão do REIDIque encontramos nas normas pesquisadas. Vejamos se as usinas implantadas com o benefício tributário do REIDI podem ser enquadradas como mini ou microgeração distribuída, nos termos da Resolução nº 482/2012.
II.2 – Minigeração e Microgeração Distribuída
A Resolução nº 482/2012 estabelece as condições para o acesso das microgeração e minigeração distribuídas aos sistemas de distribuição de energia elétrica, além de inaugurar o sistema de compensação de energia elétrica.
Nos termos da norma referida, centrais geradoras que obedeçam a um limite de potência instalada (menor ou igual a 75 kW, no caso da microgeração distribuída e superior a 75 kW e menor ou igual a 5 MW, no caso da minigeração distribuída) e que utilizem fontes com base em energia hidráulica, solar, eólica, biomassa ou cogeração qualificada, poderão conectar-se na rede de distribuição por meio de instalações de unidades consumidoras, injetando na rede o excedente de energia não consumida, por meio de empréstimo gratuito. Ainda nos termos da norma, a energia cedida à distribuidora será posteriormente compensada com o consumo de energia elétrica ativa da mesma unidade consumidora ou de outra unidade de mesma titularidade daquela onde os créditos foram gerados.
Ao instalar, manter e operar o seu ativo, utilizando a energia por ele gerada, o consumidor atua como um gerador, não um gerador detentor de concessão, permissão ou mesmo autorização, mas um gerador singular, com características delineadas pela Resolução nº 482/2012. Na realidade, trata-se de um híbrido de consumidor e gerador, um híbrido que se tem convencionado denominar de “prossumidor”.
Esse prossumidor, como ficou estabelecido no Parecer nº 001/2017-PFANEEL/PGF/AGU, não pode se valer do benefício tributário disposto no REIDI. A vedação, conforme explicitado no opinativo jurídico referido, encontra-se na própria lei que instituiu o REIDI, pois essa coloca como beneficiária do REIDI a pessoa jurídica que tenha projeto aprovado para implantação de obras de infra-estrutura nos setores de transportes, portos, energia, saneamento básico e irrigação, e a instalação da microgeração e da minigeração previstas na Resolução nº 482/2012 não se equipara a uma obra de infraestrutura. Segue o trecho do Parecer nº 001/2017-PFANEEL/PGF/AGU que esclarece a impossibilidade dos projetos referidos valerem-se dos benefícios do REIDI:
“Com efeito, como visto, o Decreto n. 6.144/2007, no art. 6º, estabeleceu diretrizes e determinou que o MME definisse, em portaria, os projetos que poderiam ser habilitados para obtenção do benefício fiscal. Para o setor de energia, deve se tratar de projeto de (a) geração, co-geração, transmissão e distribuição de energia elétrica; ou (b) produção e processamento de gás natural em qualquer estado físico.
Assim, embora, conforme previsão legal, não se exija, para o enquadramento do projeto no REIDI, que a pessoa jurídica seja detentora de título jurídico que o habilite a promover obras de geração, transmissão ou distribuição de energia elétrica, as atividades integrantes do setor de energia elétrica não se inserem no âmbito da livre iniciativa, enquadrando-se, antes, como serviço público ou atividade privada de interesse público.
Para que possa haver alguma atuação privada em atividade do setor elétrico, é necessária a obtenção de título jurídico (concessão ou permissão, nas hipóteses de serviço público, ou autorização, nas hipóteses de atividades privadas de interesse público). Outra possibilidade consiste na obtenção de outorga de autorização específica para que um agente, tal como o consumidor livre, que não é detentor de concessão, permissão ou autorização, venha a executar alguma obra no setor de energia.
No caso do consumidor que não se enquadra na categoria de consumidor livre ou de consumidor especial, não há previsão legal ou normativa para que ele obtenha qualquer título jurídico, conforme elenco acima. Importante destacar, por oportuno, que o registro previsto no art. 13[11] da REN n.º 482/2012 diz respeito apenas aos dados das unidades consumidoras, de responsabilidade das distribuidoras e não propriamente do consumidor, não se tratando, outrossim, de registro da central geradora, como ocorre no caso dos empreendimentos de geração de capacidade reduzida.
Ademais, na hipótese da micro e da minigeraçao distribuída, o consumidor não exerce qualquer relação sistêmica; há apenas uma relação bilateral com a distribuidora. Além disso, as obras de conexão são realizadas pela própria distribuidora, conforme se deduz da disciplina regulatória contida na REN n.º 482/2012.
Com efeito, diferentemente da hipótese em que o consumidor livre obtém autorização da ANEEL para realizar a construção das instalações necessárias ao seu acesso à Rede Básica e, assim, encontra-se titulado a promover a execução da obra, no caso da micro ou da minigeração distribuída, as instalações necessárias ao acesso são disponibilizadas pela distribuidora e não pelo consumidor, embora, em determinadas situações, a distribuidora possa exigir a participação financeira do consumidor.
Para além disso, embora o consumidor tenha que implantar sua própria central geradora para que consiga participar do sistema de compensação previsto na REN n.º 482/2012, de obra de infraestrutura de geração, ainda que privada, não se trata, pois ele não exerce propriamente uma atividade de geração de energia elétrica segundo aqueles regimes jurídicos já indicados, a saber: o regime de autoprodução, que tem por finalidade gerar energia para fins próprios e o regime da produção independente de energia elétrica, introduzido pela lei 9.074, de 1995, cuja finalidade primordial é comercializar toda ou apenas parte da energia produzida. Como visto, trata-se de central geradora de pequeno porte para produção de energia em pequena escala para consumo próprio e sem possibilidade de comercialização, seja no ACR, seja no ACL, não se inserindo, portanto, em qualquer desses regimes. Não caracteriza, também, atividade econômica privada de interesse público.
Por esse motivo, em princípio, ele não submete seu projeto à aprovação de qualquer autoridade setorial. Como dito, há apenas uma relação bilateral entre o consumidor e a distribuidora local. Vale observar, ainda, que a energia produzida, no sistema de compensação, também não é computada para fins do disposto no art. 15, § 1º do Decreto n º 5.163/2004.
Reforça essa tese o fato de que as Portarias do MME pressupõem que os projetos, para serem submetidos à aprovação, referem-se a empreendimentos que pretendem comercializar energia no ACR ou no ACL (serviços públicos ou atividades econômicas de interesse público). Ademais, a própria Portaria n.º 274/2013 dispor, no art. 4º[12], que os projetos de geração de energia elétrica devem ser decorrentes de participação de licitação, na modalidade Leilão no Ambiente de Contratação Regulado, enquanto o art. 6º[13] da Portaria n.º 310/2013 pressupõe que o empreendimento de geração seja detentor de título jurídico: outorga (atividade econômica de interesse público) ou registro (quando se trata de empreendimento de capacidade reduzida).
Do exposto, entendo que, a princípio, não seria possível enquadrar o consumidor que se utiliza da prerrogativa, disposta na REN n.º 482/2012, de produzir energia por meio da micro ou da minigeração distribuída, no benefício do REIDI, instituído pela Lei n.º 11.488/2007, sob pena de desnaturar o conceito de “projeto aprovado para implantação de obras de infra-estrutura” no setor de energia elétrica.”
A ANEEL, como ficou explicitado no tópico relativo aos fatos, concluiu que, se a micro e a minigeração distribuída previstas na Resolução nº 482/2012 não são obras de infraestrutura e não podem ser enquadradas no REIDI, então o contrário também seria verdadeiro: projetos enquadrados no REIDI não poderiam ser enquadrados como mini e microgeração distribuída nos termos da Resolução nº 482/2012.
Na realidade, no atual cenário normativo, o referido movimento seria impossível, pois a Resolução nº 786/2017 vedou o enquadramento como microgeração ou minigeração distribuída das centrais geradoras que já tenham sido objeto de registro, concessão, permissão ou autorização, ou tenham entrado em operação comercial ou tenham tido sua energia elétrica contabilizada no âmbito da CCEE ou comprometida diretamente com concessionária ou permissionária de distribuição de energia elétrica. Assim, com o advento da Resolução nº 786/2017, que acrescentou o §1º ao art. 2º da Resolução nº 482/2012, qualquer central geradora já autorizada, beneficiária ou não do REIDI, não pode ser enquadrada como microgeração ou minigeração distribuída.
Semelhante vedação, todavia, por expressa disposição do §2º do art. 2º da Resolução nº 482/2012, também acrescido à norma pela Resolução nº 786/2017, não se aplica aos empreendimentos que tenham protocolado a solicitação de acesso em data anterior a publicação da Resolução nº 786/2017. Veja-se o teor dos dispositivos referidos:
“Art. 2º §1º É vedado o enquadramento como microgeração ou minigeração distribuída das centrais geradoras que já tenham sido objeto de registro, concessão, permissão ou autorização, ou tenham entrado em operação comercial ou tenham tido sua energia elétrica contabilizada no âmbito da CCEE ou comprometida diretamente com concessionária ou permissionária de distribuição de energia elétrica, devendo a distribuidora identificar esses casos. (Inserido pela REN ANEEL 786, de 17.10.2017)
§2º A vedação de que trata o §1º não se aplica aos empreendimentos que tenham protocolado a solicitação de acesso, nos termos da Seção 3.7 do Módulo 3 do PRODIST, em data anterior a publicação deste regulamento. (Inserido pela REN ANEEL 786, de 17.10.2017)”
A questão é que, como esclarecido acima, a ANEEL entendeu que no caso específico de projetos beneficiados pelo REIDI, tal enquadramento seria sempre impossível: ainda que a solicitação de acesso tenha sido protocolada em data anterior a publicação da Resolução nº 786/2017, a central geradora não poderia ser enquadrada como mini ou microgeração distribuída, salvo se todos os benefícios auferidos com o REIDI fossem devolvidos, ou melhor, suprimidos por meio do recolhimento dos impostos devidos mas não exigidos em virtude da dispensa legal, o que tem o mesmo efeito de eliminar o REIDI para aquele agente específico.
Cumpre, portanto, verificar, se semelhante interpretação encontra base jurídica.
II.3 – Enquadramento de central geradora beneficiada pelo REIDI como mini ou microgeração distribuída
Do que se colhe dos autos, a Pardo Energia e Pedra Lavada Energia foram habilitadas no REIDI, conforme disposição das Portarias nº 108/2012 e 146/2015:
Portaria nº 108/2012
“Art. 1º Aprovar o enquadramento da Central Geradora Hidrelétrica denominada CGH Pardo, de titularidade da empresa Pardo Energia S.A., inscrita no CNPJ/MF sob o nº 11.305.613/0001-53, no Regime Especial de Incentivos para o Desenvolvimento da Infra-Estrutura - REIDI, conforme descrito no Anexo à presente Portaria. (...)”
Portaria nº 146/2015
“Art. 1º Aprovar o enquadramento no Regime Especial de Incentivos para o Desenvolvimento da Infraestrutura - REIDI do projeto de geração de energia elétrica da Central Geradora Hidrelétrica denominada CGH Pedra Lavada, de titularidade da empresa Pedra Lavada Energia S.A., inscrita no CNPJ/MF sob o nº 20.598.620/0001-81, detalhado no Anexo à presente Portaria. (...)”
Se foram habilitadas no REIDI, presume-se que as CGHs referidas foram consideradas pelas autoridades competentes como obras de infraestrutura, obras capazes de contribuir, em tese, para o crescimento econômico do país.
Já vimos que, nos termos do Parecer nº 001/2017-PFANEEL/PGF/AGU, a mini e a microgeração distribuída constantes da Resolução nº 482/2012 não podem ser equiparadas a obras de infraestrutura, pois não possuem caráter sistêmico.
Diante disso, surgem duas importantes perguntas referentes ao tema: (i) se uma central geradora habilitada no REIDI for enquadrada como mini ou microgeração distribuída, nos termos da Resolução nº 482/2012, ela perde o caráter ou qualidade de obra de infraestrutura detida pelos projetos de usina beneficiários do REIDI? (ii) perdendo essa qualidade, poderia a sua habilitação ao REIDI ser cancelada, nos termos do art. 10, II do Decreto nº 6144/2007?
Como introduzido anteriormente, não há na mini e microgeração distribuída da Resolução nº 482/2012 qualquer relação sistêmica. A relação estabelece-se entre a concessionária de distribuição e o consumidor ou prossumidor. Não há compra e venda de energia e a geração se faz no interesse exclusivo do consumidor. De fato, parece acertada a conclusão do Parecer nº 001/2017-PFANEEL/PGF/AGU de que a central de geração inserida em semelhante arranjo não pode ser classificada ou equiparada a uma obra de infraestrutura, pois tal caracterização não depende apenas das qualidades físicas da usina, mas também da destinação da sua energia.
Assim, mesmo uma usina cujo projeto tenha características de obra de infraestrutura, perde essa qualidade enquanto estiver enquadrada como mini ou microgeração distribuída, pois qualquer geração realizada por uma usina de mini ou microgeração distribuída faz-se no interesse exclusivo do consumidor ou prossumidor,
Desvinculando-se do enquadramento como mini ou microgeração distribuída, todavia, essa mesma usina poderá ser novamente vista como uma obra de infraestrutura, caso sua geração deixe de se fazer no interesse exclusivo de um consumidor e passe a contribuir, ao menos em tese, com o crescimento econômico do país.
A perda da qualidade de obra de infraestrutura para essas usinas, portanto, é temporária e pode ser revertida.
Mas essa perda temporária da característica de obra de infraestrutura poderia levar ao cancelamento do REIDI nos termos do art. 10, II do Decreto nº 6144/2007?
Já vimos que o art. 10, II do Decreto nº 6144/2007 dispõe que o REIDI pode ser cancelado de ofício, “sempre que se apure que o beneficiário não satisfazia ou deixou de satisfazer, ou não cumpria ou deixou de cumprir os requisitos para habilitação ou co-habilitação ao regime”.
Acreditamos, todavia, que o referido cancelamento dirige-se a projetos habilitados ainda não concluídos, isso diante do que dispõe o art. 9º do Decreto nº 6144/2007:
“Art. 9o Concluída a participação da pessoa jurídica no projeto, deverá ser solicitado, no prazo de trinta dias, contado da data em que adimplido o objeto do contrato, o cancelamento da respectiva habilitação ou co-habilitação, nos termos do inciso I do art. 10. (Redação dada pelo Decreto nº 7.367, de 2010)
Parágrafo único. O descumprimento do disposto no caput sujeita a pessoa jurídica à multa de R$ 5.000,00 (cinco mil reais) por mês-calendário ou fração de atraso, nos termos do art. 57, inciso I, da Medida Provisória no 2.158-35, de 24 de agosto de 2001, sem prejuízo das demais sanções cabíveis.
Art. 10. O cancelamento da habilitação ou co-habilitação ocorrerá:
I - a pedido; ou
II - de ofício, sempre que se apure que o beneficiário não satisfazia ou deixou de satisfazer, ou não cumpria ou deixou de cumprir os requisitos para habilitação ou co-habilitação ao regime.”
Note-se que, concluída a participação da pessoa jurídica no projeto, o REIDI deve ser cancelado, nos termos do art. 9º do Decreto nº 6144/2007. Ora, a conclusão da participação da pessoa jurídica dá-se na data em que for adimplido o objeto do contrato, conforme o próprio texto do dispositivo. Parece-nos que essa conclusão equivale à data em que o bem ou material de construção for utilizado ou incorporado na obra de infraestrutura.
Por isso o cancelamento a que se refere o art. 10, II do Decreto nº 6144/2007 parece ser dirigido aos projetos habilitados ainda não concluídos, cujos bens e materiais ainda não foram incorporados e utilizados na obra de infraestrutura. Afinal, após a conclusão da obra, com a referida incorporação e utilização, o REIDI deve ser cancelado, inclusive pelo próprio beneficiário, sob pena de multa.
Além disso, ainda que se entenda possível o cancelamento nesse caso, o simples cacelamento do REIDI não gera a necessidade de recolher os tributos não pagos em decorrência da isenção. É que tanto a Lei nº 11.488/2007 quanto o Decreto nº 6144/2007 somente preveem semelhante hipótese nos casos de não utilização ou incorporação do bem ou material de construção na obra de infraestrutura:
Lei nº 11.488/2007
“Art. 3º § 3o A pessoa jurídica que não utilizar ou incorporar o bem ou material de construção na obra de infra-estrutura fica obrigada a recolher as contribuições não pagas em decorrência da suspensão de que trata este artigo, acrescidas de juros e multa de mora, na forma da lei, contados a partir da data da aquisição ou do registro da Declaração de Importação - DI, na condição:
I - de contribuinte, em relação à Contribuição para o PIS/Pasep-Importação e à Cofins-Importação;
II - de responsável, em relação à Contribuição para o PIS/Pasep e à Cofins.”
Decreto nº 6144/2007
“Art. 14. A suspensão de que trata o art. 2o converte-se em alíquota zero após a incorporação ou utilização, na obra de infra-estrutura, dos bens ou dos serviços adquiridos ou importados com o regime do REIDI.
§ 1o Na hipótese de não ser efetuada a incorporação ou utilização de que trata o caput, a pessoa jurídica beneficiária do REIDI fica obrigada a recolher as contribuições não pagas em função da suspensão de que trata o art. 2o, acrescidas de juros e multa de mora ou de ofício, na forma da lei, contados a partir da data de aquisição ou do registro da Declaração de Importação - DI, na condição de:
I - contribuinte, em relação à Contribuição para o PIS/PASEP-Importação e à COFINS-Importação; ou
II - responsável, em relação à Contribuição para o PIS/PASEP e à COFINS.”
Assim, com ou sem o cancelamento do REIDI, caso se constate que os bens objeto da isenção tributária não foram incorporados à obra, o beneficiário terá que recolher os tributos não pagos, inclusive com os encargos moratórios.
Deve-se ter em vista que a não incorporação ou não utilização também engloba os casos previstos na Portaria nº 310/2013. A Portaria nº 310/2013 determina que a não entrada em operação comercial por cinco anos, a revogação da outorga e o cancelamento do registro equivalem a não implantação do projeto e a conseguinte não incorporação do bem na obra de infraestrutura. Nos casos dispostos na Portaria nº 310/2013, portanto, o enquadramento no REIDI é tornado sem efeito e, conseguintemente, os tributos não pagos por força da isenção devem ser adimplidos:
“Art. 6º A Portaria que aprova o enquadramento de projeto ao REIDI, nos termos desta Portaria, poderá ser tornada sem efeito e o projeto considerado não implantado, nos seguintes casos: (Redação dada pela PRT MME 487, de 15.12.2017)
I - o empreendimento não ter entrado em operação comercial ou não ser registrado junto à ANEEL, no prazo de cinco anos a contar da data da habilitação do titular do projeto ao REIDI; (Redação dada pela PRT MME 487, de 15.12.2017)
II - revogação da outorga de autorização; ou
III - cancelamento de registro.
Parágrafo único. A ANEEL informará ao Ministério de Minas e Energia e à Secretaria da Receita Federal do Brasil a ocorrência dos casos descritos no caput.”
Diante disso, entendemos que, diante da normatização setorial, o recolhimento dos tributos não pagos por força da isenção do REIDI somente se dá nos casos de não incorporação e não utilização dos bens nas obras de infraestrutura, o que inclui a não entrada em operação comercial da usina no prazo de cinco anos a partir da habilitação, a revogação da outorga e o cancelamento do registro. Fora desses casos, acreditamos que não há como obrigar o beneficiário do REIDI a promover o aludido recolhimento.
Logo, concluímos que não há fundamento jurídico para a ANEEL condicionar o enquadramento como mini ou microgeração distribuída ao recolhimento dos tributos não pagos por força da habilitação no REIDI. É bem verdade que utilização de usinas habilitadas no REIDI para gerar energia como mini ou microgeração distribuída desvirtua o REIDI, incentivo fiscal voltado a desenvolver a infraestrutura do país. Ocorre que, acreditamos que o caso espelhava uma lacuna regulatória – já suprida pelo advento da Resolução nº 786/2017 – lacuna que não impunha barreiras a migração dessas usinas para o sistema inaugurado pela Resolução nº 482/2012.
Em resumo, não encontramos óbices na normatização setorial a que uma usina habilitada no REIDI seja enquadrada como mini ou microgeração distribuída, caso preencha os requisitos da Resolução nº 482/2012 e tenha realizado a solicitação de acesso em data anterior à publicação da Resolução nº 786/2017. Também acreditamos que a exigência de recolhimento dos tributos não pagos por força da isenção do REIDI somente se justifica diante do que dispõe o art. 3º § 3o da Lei nº 11.488/2007, o art. 14, §1º do Decreto nº 6144/2007 e o art. 6º da Portaria nº 310/2013 e não tão somente por força do enquadramento como mini ou microgeração distribuída.
Assim, caso a Pardo Energia e a Pedra Lavada Energia preencham todos os requisitos para serem enquadradas como mini ou microgeração distribuída, nos termos postos pela Resolução nº 482/2012, opinamos que a ANEEL permita que as distribuidoras procedam ao referido enquadramento. Além disso, opinamos no sentido de que a exigência de recolhimento dos tributos não pagos em virtude da isenção estabelecida pelo REIDI justifica-se apenas diante do que dispõe o art. 3º § 3o da Lei nº 11.488/2007, o art. 14, §1º do Decreto nº 6144/2007 e o art. 6º da Portaria nº 310/2013.
III – DA CONCLUSÃO
Diante do exposto, a Procuradoria opina no sentido de que, caso a Pardo Energia e a Pedra Lavada Energia preencham todos os requisitos para serem enquadradas como mini ou microgeração distribuída, nos termos postos pela Resolução nº 482/2012, inclusive pelos parágrafos 1º e 2º do art. 2º, a ANEEL permita que as distribuidoras procedam ao referido enquadramento. Além disso, opinamos no sentido de que a exigência de recolhimento dos tributos não pagos em virtude da isenção estabelecida pelo REIDI justifica-se apenas diante do que dispõe o art. 3º § 3o da Lei nº 11.488/2007, o art. 14, §1º do Decreto nº 6144/2007 e o art. 6º da Portaria nº 310/2013.
É o parecer, que se submete à consideração do Senhor Procurador-Geral para posterior encaminhamento ao Diretor Relator Tiago de Barros Correia .
Brasília, 26 de julho de 2018.
KARINE LYRA CORRÊA
Procuradora Federal
Atenção, a consulta ao processo eletrônico está disponível em http://sapiens.agu.gov.br mediante o fornecimento do Número Único de Protocolo (NUP) 48500004330201716 e da chave de acesso 60707c2e