ADVOCACIA-GERAL DA UNIÃO
CONSULTORIA-GERAL DA UNIÃO
CONSULTORIA JURÍDICA JUNTO AO MINISTÉRIO DA CULTURA
COORDENAÇÃO-GERAL DE POLÍTICAS CULTURAIS

 

PARECER n. 00172/2024/CONJUR-MINC/CGU/AGU

 

NUP: 01400.010702/2024-37

INTERESSADOS: COORDENAÇÃO DE ASSUNTOS PARLAMENTARES CAP/ASPAR/GM

ASSUNTOS: ATOS ADMINISTRATIVOS

 

EMENTA:  Indicação nº 336, de 2024, de autoria da Deputada Rosena Sarney. Registro do Arroz de Cuxá como patrimônio imaterial do Brasil. Análise jurídica.
 
 

1. O Despacho nº 1788069/2024/CAP/ASPAR/MinC encaminhou os autos a esse Consultivo, para análise acerca da Indicação nº 336, de 2024, de autoria da Deputada Roseana Sarney, que solicitou à Câmara dos Deputados a adoção das tratativas necessárias no sentido de registrar o modo do fazer do “Arroz de Cuxá” no livro dos saberes do patrimônio cultural imaterial.[1]

 

2. Os autos foram instruídos com os seguintes documentos: (a) a Indicação nº 336, de 2024 (1730030); (b) o Parecer IPHAN nº 336/2024 (1769444); e (c) o Despacho nº 1788069/2024/CAP/ASPAR/MinC.

 

3. É o relatório. Passo à análise.

 

II. ANÁLISE JURÍDICA

 

4. O art. 131 da CF/88 dispõe sobre a Advocacia-Geral da União - AGU, responsável pelas atividades de consultoria e assessoramento jurídico ao Poder Executivo. E o art. 11, incisos I e V, da Lei Complementar n.º 73/1993 (Lei Orgânica da AGU), estabeleceu a competência das Consultorias Jurídicas para assistir a autoridade assessorada no controle interno da constitucionalidade e legalidade dos atos a serem por ela praticados.[2]

 

5. Destaco, desde já, que este controle interno pelas Consultorias Jurídicas não deve se imiscuir em aspectos relativos à conveniência e à oportunidade da prática dos atos administrativos (reservados à esfera discricionária do administrador público), tampouco examinar questões de natureza eminentemente técnica, administrativa e/ou financeira, nos termos do Enunciado nº 7 do Manual de Boas Práticas Consultivas da AGU[3].

 

6. Elaboradas essas considerações preliminares, passa-se à análise da Indicação nº 336, de 2024, da Deputada Roseana Sarney (1730030), que solicitou à Câmara dos Deputados a adoção das tratativas necessárias no sentido de registrar o modo do fazer do “Arroz de Cuxá” no livro dos saberes do patrimônio cultural imaterial.

 

 7. O fundamento para a Indicação ora analisada segue abaixo:

Tendo como pressuposto a necessidade de preservação da nossa cultura, por meio desta Indicação, fazemos um manifesto em favor da cultura maranhense e nordestina e, de modo respeitoso, requeremos a Vossa Excelência, Senhora Ministra, que o modo de fazer do “Arroz de Cuxá maranhense” seja registrado no Livro do Registro dos Saberes e, portanto, legitimamente considerado Patrimônio Cultural de Natureza Imaterial.
O “Arroz de Cuxá”, resultante da influência da culinária indígena, africana e portuguesa, é um dos elementos mais representativos da culinária maranhense, parte importante da história e da dieta do meu Estado. Feito de vinagreira cozida e refogada com cebolinha, tomate, gergelim, camarão seco, farinha de mandioca, pimenta de cheiro e outros ingredientes, foi criado e consumido pelos escravos provenientes da Guiné, na metade do século XVIII.
O registro no Livro de Saberes do “Arroz de Cuxá” – a exemplo dos já registrados “Modo de Fazer o Queijo Minas Artesanal” e “Ofício das Baianas do Acarajé” – como patrimônio imaterial é relevante para o reconhecimento da cultura do Maranhão, para salvaguardar uma expressão cultural típica da culinária maranhense e para homenagear as famílias e os trabalhadores que diuturnamente se dedicam na preparação dessa deliciosa iguaria, que tem angariado reconhecimento em todo o País.

 

8. Nos termos do inciso II do art. 1º do Decreto nº 3.351, de 2000, o registro de bens culturais imateriais que constituem o patrimônio cultural brasileiro compete ao IPHAN.

 

9. Desta forma, os autos foram enviados ao IPHAN, que elaborou o Parecer nº 336/2024 (1769444), no qual consta a seguinte manifestação técnica:

No âmbito do Iphan, o primeiro ato normativo a ser observado é o Decreto nº 3.551, de 4 de agosto de 2000, que institui o Registro de bens culturais de natureza imaterial que constituem o patrimônio imaterial brasileiro. Ele estabelece quais são as partes legítimas para propor um registro, a competência do Iphan para coordenar e supervisionar o processo, bem como as etapas obrigatórias para o processo administrativo desde a apresentação de informações mínimas sobre o bem cultural no momento da proposição; passando pela instrução técnica (relativa a estudos, pesquisas etnográficas e produção textual e audiovisual); até a apreciação e deliberação pelo Conselho Consultivo do Patrimônio Cultural. Finalizada todas essas etapas, o bem cultural deverá ser registrado em um destes livros:
Livro de Registro dos Saberes, onde serão inscritos conhecimentos e modos de fazer enraizados no cotidiano das comunidades;
Livro de Registros das Celebrações, onde serão inscritos rituais e festas que marcam a vivência coletiva no trabalho, da religiosidade, do entretenimento e de outras práticas da vida social;
Livro de Registro das Formas de Expressão, onde serão inscritas manifestações literárias, musicais, plásticas, cênicas e lúdicas;
Livro de Registro dos Lugares, onde serão inscritos mercados, feiras, santuários, praças e demais espaços onde se concentram e reproduzem práticas culturais coletivas.
O segundo ato normativo a ser observado para a instrução do processo é a Resolução nº 001/2006, o Iphan. A Resolução detalha e pormenoriza os comandos do Decreto supracitado, com rol de partes legítimas para a apresentação do requerimento, lista de documentos necessários e caminho processual a ser percorrido.
No tocante à participação social nos processos de Registro, informamos que as propostas de estudos, mapeamentos, inventários ou demais ações voltadas para o Registro de um bem cultural imaterial devem representar uma demanda coletiva - proveniente de grupos sociais ou comunidades -, visto que a política de Patrimônio Imaterial em âmbito federal não reconhece como legítimas solicitações realizadas por demanda individual. O pleito para o Registro pressupõe que a comunidade tradicional concordou com a solicitação ao Iphan e participará das fases de pesquisa e documentação que integram o processo de Registro. A participação social é parte indissociável da perspectiva da salvaguarda do patrimônio imaterial, visto que condiciona as ações de apoio e fomento ao bem imaterial na fase posterior à outorga do título de "Patrimônio Cultural do Brasil".
Ademais, vale ressaltar a primeira decisão do Iphan a respeito da patrimonialização de comidas foi expressa na 5ª reunião da Câmara do Patrimônio Imaterial, e o Iphan tem trabalhado na perspectiva de que o Registro não se destina ao reconhecimento de receitas de comida (ou de modos de fazer determinado produto) segundo padrões de autenticidade e originalidade. As Comidas – seu preparo e consumo – são contempladas enquanto saberes e fazeres construídos nos processos de sobrevivência, de apropriação e transformação dos recursos naturais, enquanto formas de sociabilidade reiteradas em festas e celebrações, ou como práticas coletivas enraizadas no cotidiano de grupos sociais e que constituem referências culturais para esses grupos.
(...)
Já o reconhecimento de “pratos típicos” estão apoiados em uma lógica de autenticidade, exclusividade e/ou originalidade, conceitos que não justificam o reconhecimento de bens culturais imateriais. Por essas questões, não cabe tratar de alimentos dentro de uma perspectiva de “traços culturais”, de tipificação de determinados itens culinários fundamentais na alimentação de grupos sociais. As receitas, quando levadas para processos de patrimonialização, reforçam essa perspectiva e levam à caracterização de áreas culturais através de comidas típicas pois quando focando em produtos e objetos, enquanto as ações relativas à salvaguarda do patrimônio imaterial se concentram em processos sociais e culturais que produzem e reproduzem expressões culturais enraizadas no cotidiano de suas comunidades detentoras.
Dessa forma, entende-se que comidas e seus modos de produção e consumo deverão ser consideradas como parte dos Registros de celebrações, lugares ou formas de expressão. Ou ainda como parte de sistemas agrícolas, alimentares ou culinários, nos quais sejam identificados e claramente descritos o conhecimento/saber/técnica implicados nos processos de seleção, apresentação, produção e/ou obtenção de alimentos e seus modos de preparação e consumo, relacionados a grupos e/ou comunidades que lhes atribuem sentido e significado e que, por sua vez, se comprometem com a produção e reprodução do bem que se deseja registrar. Foi, assim, que o Inventário do Acarajé foi repensado para a identificação do Ofício de Baianas de Acarajé, por exemplo.

 

10. Assim, no que tange à Indicação ora analisada, a manifestação técnica proferida pelo IPHAN foi no sentido de que: (a) a participação social é intrínseca à salvaguarda do patrimônio cultural imaterial, e por essa razão as propostas voltadas para o registro de um bem cultural imaterial devem representar uma demanda coletiva, pois essa política não reconhece como legítima solicitações feitas por uma única pessoa; (b) o reconhecimento de pratos típicos apoiam-se em uma lógica de autenticidade e/ou originalidade, conceitos que não justificam o reconhecimento de bens culturais imateriais; e (c) por essa razão, as comidas e seus modos de produção são passíveis de registro nos livros de registros de celebração, forma de expressão ou lugarese não no livro de saberes, como requerido pela Deputada Roseana Sarney.

 

11. A fundamentação técnica apresentada pelo IPHAN encontra respaldo jurídico nos arts. 216, p. 1º da CF/88, c/c o art. 1º e 3º do Decreto nº 3.351, de 2000:

Constituição Federal
Art. 216, p. 1º: O Poder Público, com a colaboração da comunidade, promoverá e protegerá o patrimônio cultural brasileiro, por meio de inventários, registros, vigilância, tombamento e desapropriação, e de outras formas de acautelamento e preservação.
Decreto nº 3.351, de 2000:
Art. 1o  Fica instituído o Registro de Bens Culturais de Natureza Imaterial que constituem patrimônio cultural brasileiro.
§ 1o  Esse registro se fará em um dos seguintes livros:
I - Livro de Registro dos Saberes, onde serão inscritos conhecimentos e modos de fazer enraizados no cotidiano das comunidades;
II - Livro de Registro das Celebrações, onde serão inscritos rituais e festas que marcam a vivência coletiva do trabalho, da religiosidade, do entretenimento e de outras práticas da vida social;
III - Livro de Registro das Formas de Expressão, onde serão inscritas manifestações literárias, musicais, plásticas, cênicas e lúdicas;
IV - Livro de Registro dos Lugares, onde serão inscritos mercados, feiras, santuários, praças e demais espaços onde se concentram e reproduzem práticas culturais coletivas.
§ 2o  A inscrição num dos livros de registro terá sempre como referência a continuidade histórica do bem e sua relevância nacional para a memória, a identidade e a formação da sociedade brasileira.
Art. 3o  As propostas para registro, acompanhadas de sua documentação técnica, serão dirigidas ao Presidente do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional - IPHAN, que as submeterá ao Conselho Consultivo do Patrimônio Cultural.
 

12. A Indicação encontra-se prevista no art. 113, inciso I, do Regimento Interno da Câmara dos Deputados, nos seguintes termos:

Art. 113. Indicação é a proposição através da qual o deputado:
I - sugere a outro Poder a adoção de providência, a realização de ato administrativo ou de gestão, ou o envio de projeto sobre a matéria de sua iniciativa exclusiva; (grifamos)

 

13. Assim sendo, e tendo-se em vista a fundamentação técnica e jurídica acima apresentada, entendo que, para o momento, a Indicação nº 336, de 2024, foi cumprida. Isso porque, ao enviar os autos ao IPHAN, que proferiu a manifestação técnica cabível ao caso, o MinC adotou as providências cabíveis, tendo sido elaborados os atos administrativos necessários à elucidação das razões pelas quais, no caso, não foi possível avançar-se no processo de registro, conforme requerido pela Deputada Roseane Sarney.

 

III. CONCLUSÃO 

 

14. Diante do exposto, sem adentrar nos valores de conveniência e oportunidade, alheios ao crivo dessa Consultoria Jurídica, manifesto-me no sentido de que a Indicação nº 336, de 2024, foi devidamente cumprida pelo MinC, podendo ser respondida, nos termos da fundamentação técnica e jurídica apresentada neste Parecer.

 

15. É o Parecer.

 

 

Brasília, 20 de junho de 2024.

 

 

LARISSA FERNANDES NOGUEIRA DA GAMA

ADVOGADA DA UNIÃO

 


[1] Nos termos da Convenção para a salvaguarda do Patrimônio Cultural Imaterial (UNESCO, 2003), entende-se por “patrimônio cultural imaterial” as práticas, representações, expressões, conhecimentos e técnicas - junto com os instrumentos, objetos, artefatos e lugares culturais que lhes são associados - que as comunidades, os grupos e, em alguns casos, os indivíduos reconhecem como parte integrante de seu patrimônio cultural. Este patrimônio cultural imaterial, que se transmite de geração em geração, é constantemente recriado pelas comunidades e grupos em função de seu ambiente, de sua interação com a natureza e de sua história, gerando um sentimento de identidade e continuidade e contribuindo assim para promover o respeito à diversidade cultural e à criatividade humana.

[2] Art. 11 - Às Consultorias Jurídicas, órgãos administrativamente subordinados aos Ministros de Estado, ao Secretário-Geral e aos demais titulares de Secretarias da Presidência da República e ao Chefe do Estado-Maior das Forças Armadas, compete, especialmente:

I - assessorar as autoridades indicadas no caput deste artigo;

(...)

V - assistir a autoridade assessorada no controle interno da legalidade administrativa dos atos a serem por ela praticados ou já efetivados, e daqueles oriundos de órgão ou entidade sob sua coordenação jurídica;

 

[3] A manifestação consultiva que adentrar questão jurídica com potencial de significativo reflexo em aspecto técnico deve conter justificativa da necessidade de fazê-lo, evitando-se posicionamentos conclusivos sobre temas não jurídicos, tais como os técnicos, administrativos ou de conveniência ou oportunidade, podendo-se, porém, sobre estes emitir opinião ou formular recomendações, desde que enfatizando o caráter discricionário de seu acatamento.


Atenção, a consulta ao processo eletrônico está disponível em https://supersapiens.agu.gov.br mediante o fornecimento do Número Único de Protocolo (NUP) 01400010702202437 e da chave de acesso 25bc633d

 




Documento assinado eletronicamente por LARISSA FERNANDES NOGUEIRA DA GAMA, com certificado A1 institucional (*.agu.gov.br), de acordo com os normativos legais aplicáveis. A conferência da autenticidade do documento está disponível com o código 1535939317 no endereço eletrônico http://sapiens.agu.gov.br. Informações adicionais: Signatário (a): LARISSA FERNANDES NOGUEIRA DA GAMA, com certificado A1 institucional (*.agu.gov.br). Data e Hora: 20-06-2024 20:23. Número de Série: 65437255745187764576406211080. Emissor: Autoridade Certificadora do SERPRO SSLv1.