ADVOCACIA-GERAL DA UNIÃO
CONSULTORIA-GERAL DA UNIÃO
CONSULTORIA JURÍDICA JUNTO AO MINISTÉRIO DA CULTURA
COORDENAÇÃO-GERAL DE POLÍTICAS CULTURAIS

 

PARECER n. 00176/2024/CONJUR-MINC/CGU/AGU

 

NUP: 01400.010930/2024-15

INTERESSADOS: DIRETORIA DE FOMENTO INDIRETO DFIND/SECFC/GM/MINC

ASSUNTOS: ATOS ADMINISTRATIVOS

 

 

EMENTA: Lei Rouanet. Viabilidade jurídica de associados de Associação sem fins lucrativos realizarem doações ou patrocínios a PRONAC proposto pela Associação. Esclarecimentos.
 

 

1. A Nota Técnica nº 30/2024/DFIND/SECFC/GM/MinC (1733955) encaminhou os autos a essa Consultoria Jurídica, para consulta acerca da possibilidade de associados a instituições sem fins lucrativos realizarem doações ou patrocínios à instituição a qual são associados e, por consequência, poderem exercer o direito do benefício fiscal aplicados aos doadores/incentivadores de projetos aprovados no âmbito da Lei Rouanet.

 

2. Os autos foram instruídos com os seguintes documentos: (a) Ofício ICT – CHPBIO (1733947); e (b) Nota Técnica nº 30/2024/DFIND/SECFC/GM/MinC (1733955).

 

3. É o relatório. Passo à análise.

 

II. ANÁLISE JURÍDICA

 

4. O art. 131 da Constituição Federal dispõe sobre a Advocacia-Geral da União - AGU, responsável pelas atividades de consultoria e assessoramento jurídico ao Poder Executivo. Além disso, o art. 11, incisos I e V, da Lei Complementar n.º 73, de 1993 (Lei Orgânica da AGU), estabelece a competência das Consultorias Jurídicas para assistir a autoridade assessorada no controle interno da constitucionalidade e legalidade administrativa dos atos a serem por ela praticados[1].

 

5. Destaco que, ao exercer este controle, essa Conjur/MinC não deve se imiscuir em aspectos relativos à conveniência e à oportunidade da prática dos atos administrativos (reservados à esfera discricionária do administrador público competente), tampouco examinar questões de natureza eminentemente técnica, administrativa e/ou financeira, nos termos do Enunciado nº 7 do Manual de Boas Práticas Consultivas da AGU[2].

 

6. Elaboradas essas considerações preliminares, passa-se à análise da dúvida jurídica suscitada nos autos: a viabilidade jurídica de associados a instituições sem fins lucrativos realizarem doações ou patrocínios a essa associação, para exercer o direito do benefício fiscal previsto na Lei Rouanet.

 

7. Segundo consta na Nota Técnica 1733955, a área técnica entende que:

3. ANÁLISE
3.1. Considerando o que diz o artigo 27 da Lei 8313/91, entendemos que não há vedação em relação a pessoas físicas realizarem patrocínio ou doação a instituições sem fins lucrativos das quais são associadas, visto que associados não são considerados administradores, gerentes, acionista ou sócios.

 

8. Em primeiro lugar, há que se diferenciar sociedade e associação.

 

9. A sociedade encontra-se prevista no art. 981 do Código Civil:

Art. 981. Celebram contrato de sociedade as pessoas que reciprocamente se obrigam a contribuir, com bens ou serviços, para o exercício de atividade econômica e a partilha, entre si, dos resultados.
 

10. Na sociedade, os sócios celebram um contrato com a intenção se de unirem (por meio de contribuição com bens ou serviços) para assumir os riscos e partilhar os resultados do exercício da atividade econômica. Ou seja, a sociedade é constituída com finalidade lucrativa.

 

11.  Além disso, nas sociedades, há um elemento distintivo, a “affectio societatis”, que pode ser traduzido como sendo a vontade de união, aceitação de cláusulas e participação ativa no objeto da sociedade. Esse elemento é distintivo do contrato de sociedade -  posto que, nos contratos em geral, esse elemento subjetivo não existe.

 

12.  Por sua vez, a associação é conceituada no art. 53 do Código Civil:

Art. 53. Constituem-se as associações pela união de pessoas que se organizem para fins não econômicos.
Parágrafo único. Não há, entre os associados, direitos e obrigações recíprocos.
 

13.  Assim, as associações podem ser conceituadas como sendo a união de pessoas (os associados), que se organizam para finalidades não lucrativas, sem que haja entre os associados, direitos e obrigações recíprocos.

 

14.  No que tange à consulta ora formulada, destaco o art. 27 da Lei Rouanet:

Art. 27.  A doação ou o patrocínio não poderá ser efetuada a pessoa ou instituição vinculada ao agente.
§ 1o  Consideram-se vinculados ao doador ou patrocinador:
a) a pessoa jurídica da qual o doador ou patrocinador seja titular, administrador, gerente, acionista ou sócio, na data da operação, ou nos doze meses anteriores;
b) o cônjuge, os parentes até o terceiro grau, inclusive os afins, e os dependentes do doador ou patrocinador ou dos titulares, administradores, acionistas ou sócios de pessoa jurídica vinculada ao doador ou patrocinador, nos termos da alínea anterior;
c) outra pessoa jurídica da qual o doador ou patrocinador seja sócio.
§ 2o  Não se consideram vinculadas as instituições culturais sem fins lucrativos, criadas pelo doador ou patrocinador, desde que devidamente constituídas e em funcionamento, na forma da legislação em vigor.  

 

15.  O art. 27 da Lei Rouanet tem por objetivo vedar a doação ou o patrocínio a pessoa jurídica ou instituição vinculada ao agente doador ou patrocinador.

 

16. O p. 1º do art. 27 determina qual tipo de pessoas jurídicas devem ser consideradas como sendo vinculadas ao agente doador ou patrocinador. Nestas regras, fica claro que há a vinculação quando o doador ou patrocinador ostentam a qualidade de titular, administrador, gerente, acionista ou sócio da pessoa jurídica jurídica a ser incentivada. Ou seja, a vinculação ocorre quando eles possuem governança sobre a pessoa jurídica.

 

16. E, por sua vez, o p. 2º do art. 27 da Lei Rouanet esclarece que a vinculação não ocorre quando o doador ou patrocinador cria uma instituição cultural sem fins lucrativos.

 

17. Dessa forma, entendo que a interpretação a ser dada à questão da vinculação deve ser a de que o art. 27 da Lei Rouanet não veda a doação ou o patrocínio por associados a uma determinada associação de que façam parte, desde que eles não participem do órgão responsável pela gestão dessa associação (a Diretoria) - essa análise deve ser feita caso a caso, de acordo com as regras dos respectivos Estatutos Sociais. 

 

18. A meu ver, essa interpretação guarda consonância tanto com a natureza jurídica da associação quanto com o espírito do p. 1º do art. 27 da Lei Rouanet, que considera presente a vinculação desde que haja algum nível de governança do doador ou patrocinador sobre a pessoa jurídica.

 

19. Além disso, embora na associação não haja o “affectio societatis” que se verifica na sociedade, há sim uma certa ligação entre a associação e os associados. Dessa forma, há que se ressaltar que, caso ocorra o patrocínio (nos termos do item 17 deste Parecer), deve ser observada a regra prevista no p. 1º do art. 23 da Lei Rouanet:

§ 1o  Constitui infração a esta Lei o recebimento pelo patrocinador, de qualquer vantagem financeira ou material em decorrência do patrocínio que efetuar. (grifamos)
 

20. A Lei Rouanet não define o que deve ser considerado como sendo uma vantagem financeira ou material.

 

 21. Contudo, o art. 61 do Decreto nº 11.453, de 2023, e o art. 51 da IN MinC nº 11, de 2024, conceituam o que não se considera vantagem financeira ou material, da seguinte forma:

Decreto nº 11.453, de 2023
Art. 61.  Não constitui vantagem financeira ou material nos termos do disposto no § 1º do art. 23 da Lei nº 8.313, de 1991:
I - a destinação ao patrocinador de até dez por cento dos produtos resultantes do programa, do projeto ou da ação cultural, com a finalidade de distribuição gratuita promocional, nos termos do plano de distribuição apresentado na inscrição do programa, do projeto ou da ação, desde que previamente autorizado pelo Ministério da Cultura; e
II - a aplicação de marcas do patrocinador em material de divulgação das ações culturais realizadas com recursos incentivados, observadas as regras estabelecidas pelo Ministério da Cultura.
IN MinC nº 11, de 2024
Art. 51. Para os efeitos do § 1º do art. 23 da Lei nº 8.313, de 1991 e do art. 61 do Decreto nº 11.453, de 2023, não configuram vantagem financeira ou material, as seguintes práticas:
I - ações adicionais realizadas pelo patrocinador, pelos proponentes ou pelos captadores destinadas à prospecção comercial, programas de relacionamento, ampliação da divulgação ou promoção do patrocinador e de suas marcas e produtos, desde que com a comprovada anuência do proponente e custeadas com recursos não-incentivados;
II - fornecimento de produtos ou serviços do incentivador ao projeto cultural, desde que comprovada a maior economicidade ou exclusividade;
III - concessão de acesso a ensaios, apresentações, visitas ou quaisquer atividades associadas ou não ao projeto cultural;
IV - a comercialização de produtos e subprodutos do projeto cultural em condições promocionais;
V - realização de sessão comercializada de forma adicional ao plano de distribuição aprovado;
VI - a destinação ao patrocinador de até dez por cento dos produtos resultantes do programa, do projeto ou da ação cultural, com a finalidade de distribuição gratuita promocional, nos termos do plano de distribuição apresentado, desde que previamente autorizado pelo Ministério da Cultura; e
VII - a aplicação de marcas do patrocinador em material de divulgação das ações culturais realizadas com recursos incentivados, observadas as regras estabelecidas pelo Ministério da Cultura.

 

22. Desta forma, embora a observância às regras previstas no art. 61 do Decreto nº 11.453, de 2023, c/c o art. 51 da IN MinC nº 11, de 2024, deva ocorrer sempre, entendo que, na hipótese em que se verifique o patrocínio de um associado a uma associação da qual faça parte, essas regras merecem especial destaque, com vistas a se evitar a configuração de vantagem material ou financeira.

 

III. CONCLUSÃO 

 

23. O art. 27 da Lei Rouanet não veda a doação ou o patrocínio por associados a uma determinada associação de que façam parte, desde que eles não participem do órgão responsável pela gestão dessa associação (a Diretoria)

 

24. Essa análise deve ser feita caso a caso, de acordo com as regras dos respectivos Estatutos Sociais. 

 

25. Há uma certa ligação entre os associados e pessoa jurídica da associação. Por esta razão, e com vistas a se evitar a infração prevista no § 1o  do art. 23 da Lei Rouanet,  fica apenas a sugestão à área técnica de, quando da elaboração de resposta ao proponente, sejam destacadas as regras previstas no § 1o  do art. 23 da Lei Rouanet, c/c o art. 61 do Decreto nº 11.453, de 2023, c/c o art. 51 da IN MinC nº 11, de 2024.

 

26. É o Parecer.

 

27. O presente processo foi analisado fora do prazo previsto no art. 42 da Lei nº 9.784, de 29 de janeiro de 1999, devido ao elevado número de processos distribuídos na mesma data (26.06.2024), aliada à necessidade de priorização da análise dos processos 01400.012031/2024-89 e 01400.012428/2023-50.

 

Brasília, 24 de junho de 2024.

 

                    

LARISSA FERNANDES NOGUEIRA DA GAMA

ADVOGADA DA UNIÃO

 


[1] Art. 11 - Às Consultorias Jurídicas, órgãos administrativamente subordinados aos Ministros de Estado, ao Secretário-Geral e aos demais titulares de Secretarias da Presidência da República e ao Chefe do Estado-Maior das Forças Armadas, compete, especialmente:

I - assessorar as autoridades indicadas no caput deste artigo;

(...)

V - assistir a autoridade assessorada no controle interno da legalidade administrativa dos atos a serem por ela praticados ou já efetivados, e daqueles oriundos de órgão ou entidade sob sua coordenação jurídica;

 

[2] A manifestação consultiva que adentrar questão jurídica com potencial de significativo reflexo em aspecto técnico deve conter justificativa da necessidade de fazê-lo, evitando-se posicionamentos conclusivos sobre temas não jurídicos, tais como os técnicos, administrativos ou de conveniência ou oportunidade, podendo-se, porém, sobre estes emitir opinião ou formular recomendações, desde que enfatizando o caráter discricionário de seu acatamento.


Atenção, a consulta ao processo eletrônico está disponível em https://supersapiens.agu.gov.br mediante o fornecimento do Número Único de Protocolo (NUP) 01400010930202415 e da chave de acesso 26a7a7a0

 




Documento assinado eletronicamente por LARISSA FERNANDES NOGUEIRA DA GAMA, com certificado A1 institucional (*.agu.gov.br), de acordo com os normativos legais aplicáveis. A conferência da autenticidade do documento está disponível com o código 1538892266 no endereço eletrônico http://sapiens.agu.gov.br. Informações adicionais: Signatário (a): LARISSA FERNANDES NOGUEIRA DA GAMA, com certificado A1 institucional (*.agu.gov.br). Data e Hora: 24-06-2024 19:34. Número de Série: 65437255745187764576406211080. Emissor: Autoridade Certificadora do SERPRO SSLv1.