ADVOCACIA-GERAL DA UNIÃO
CONSULTORIA-GERAL DA UNIÃO
CONSULTORIA JURÍDICA JUNTO AO MINISTÉRIO DA CULTURA
COORDENAÇÃO-GERAL DE POLÍTICAS CULTURAIS

 

PARECER n. 00182/2024/CONJUR-MINC/CGU/AGU

 

NUP: 01400.014196/2024-55

INTERESSADOS: GABINETE DA MINISTRA - GM/MINC

ASSUNTOS: ATOS ADMINISTRATIVOS

 

 

I - Ato administrativo. Tombamento. Processo nº 1511-T-03. Casa de Vidro, projetada por Lina Bo Bardi, com acervo e jardim.

II – “Se esta obra pode ter origem numa cultura trazida de fora, há muito está integrada ao patrimônio da arquitetura moderna brasileira. Se o ato de adoção de uma nova pátria pode ser o resultado de uma escolha individual, o reconhecimento do valor de uma obra como patrimônio nacional seria uma retribuição modesta diante da rica e generosa contribuição desta artista que escolheu ser brasileira.” (Carrilho, Marco J. - p. 119)

III - Minuta de portaria da Ministra da Cultura que homologa o tombamento. Viabilidade jurídica.

 

 

 

1. O Ofício nº 2438/2024/GM/MinC (1782140) encaminhou os autos a este Consultivo, para conhecimento e manifestação jurídica no que tange ao processo IPHAN nº 1511-T-03, que tem por objeto o tombamento da Casa de Vidro, projetada por Lina Bo Bardi, incluído o acervo e o jardim.

 

2.  Os autos foram instruídos com os seguintes documentos: (a) o Ofício nº 2536/2024/GAB PRESI/PRESI/IPHAN (1782108); (b) cópia do processo 01450.015786/2006-28 (1782109); (c) a minuta de Portaria (1782110); (d) a Ata da 104ª Reunião do CCPC (1782111); e (e) o Ofício nº 2438/2024/GM/MinC (1782140).

 

3. É o relatório. Passo à análise.

 

II. ANÁLISE JURÍDICA

 

4. O art. 131 da CF/88 dispõe sobre a Advocacia-Geral da União - AGU, responsável pelas atividades de consultoria e assessoramento jurídico ao Poder Executivo. E o art. 11, incisos I e V, da Lei Complementar n.º 73/1993 (Lei Orgânica da AGU), estabeleceu a competência das Consultorias Jurídicas para assistir a autoridade assessorada no controle interno da constitucionalidade e legalidade dos atos a serem por ela praticados.[1]

 

5. Destaco, desde já, que este controle interno pelas Consultorias Jurídicas não deve se imiscuir em aspectos relativos à conveniência e à oportunidade da prática dos atos administrativos (reservados à esfera discricionária do administrador público), tampouco examinar questões de natureza eminentemente técnica, administrativa e/ou financeira, nos termos do Enunciado nº 7 do Manual de Boas Práticas Consultivas da AGU[2].

 

6. Elaboradas essas considerações preliminares, passa-se à análise do processo   IPHAN nº 1511-T-03, que tem por objeto o tombamento da Casa de Vidro, projetada por Lina Bo Bardi, incluído o acervo e o jardim.

 

7.  O pedido de tombamento da Casa de Vidro foi encaminhado ao IPHAN em 16.06.2003 pelo arquiteto André Vainer, que foi conselheiro do Instituto Lina Bo Bardi e Pietro Maria Bardi, tendo-se em vista que o conjunto das edificações, a casa, a garagem, o escritório e as diversas construções no jardim, projetadas em épocas e com técnicas distintas, representam a síntese do pensamento político-arquitetônico de Lina Bo Bardi.

 

8. Sobre a Casa de Vidro, Marcelo Carvalho Ferraz esclarece:

Escondida num pedaço de mata Atântica, numa das mais altas colinas do Morumbi, está a famosa Casa de Vidro, residência do não menos famoso casal Lina Bo Bardi e Pietro Maria Bardi.
Construída entre 1950 e 1961, quando a cidade ainda dava os primeiros passos na ocupação da outra margem do rio Pinheiros, a casa, juntamente com a mata que a envolve, é (...) um marco da arquitetura moderna brasileira em São Paulo.
Todas as lições do Movimento Moderno, toda a garra de construir e experimentar, reprimidas ou represadas por anos de guerras, estão presentes neste projeto singular (...) Estão lá os elegantes pilotis sustentando a caixa de vidro na encosta e a escada metálica, que balança como aquelas que acessam os barcos, nos levando ao supreendente interior da casa.
É um projeto sóbrio, racional, podemos até dizer “miesiano”, mas já abrasileirado pela natureza que o acolhe, mais orgânico e mais feminino. Feminino pela delicadeza dos detalhes, pelo vidrotil azul-celeste do piso, pelas cortinas a substituir paredes, pela sutil curva da cobertura e pelo cuidado em aconchegar. É uma casa para receber pessoas. “Minha casa é uma open-house”, disse Lina inúmeras vezes.[3] (grifamos)

 

9. Após a devida instrução processual, o processo foi encaminhado ao Conselho Consultivo do Patrimônio Cultural – CCPC, que, na sua 52ª Reunião, realizada no dia 09.02. 2007, deliberou no seguinte sentido:

Não havendo manifestação contrária, ficaram aprovados, por unanimidade, o tombamento da Casa de Vidro, Sede do Instituto Lina Bo e Pietro Maria Bardi, na Cidade de São Paulo, Estado de São Paulo, e a delilmtação do seu entorno, nos termos do parecer do Conselheiro Relator. (grifamos)
 

10. No voto do Relator, contudo, constava que deveria ser tombada não somente a casa, mas igualmente o seu acervo.

 

11. Por essa razão, o Parecer nº 080/2013-PF/IPHAN/SEDE manifestou-se no seguinte sentido:

15. Assim, considerando que as notificações e comunicações expedidas se restringiram a Casa de Vidro, não abrangendo os bens incluídos pelo Conselho Consultivo do Património Cultural em sua 52º Reunião, realizada em 09 de fevereiro de 2007, que aprovou, por unanimidade, o tombamento não só da Casa de Vidro, incluindo também o jardim, o terreno de 4725m:, o acervo de obras de arte, de mobiliário, de design, e de objetos, além de indicar a inscrição no Livro do Tombo Arqueológico, Etnográfico e Paisagístico, e não apenas no Livro de Tombo de Belas Artes, mister se faz proceder à notificação e comunicação do tombamento contemplando todos os bens objeto de tombamento. (grifamos)
 

12. A ampliação do tombamento foi apreciada na 79ª Reunião do CCPC, realizada no dia 11.05.2015, que deliberou no seguinte sentido:

Após a apresentação, o Conselho aprovou a decisão de ratificar o tombamento da Casa de Vidro como um edifício isolado, considerando sua poligonal de entorno o limite do lote em que está inserido, conforme decisão da 9' Câmara Setorial de Arquitetura e Urbanismo; (grifamos)

 

13. Os autos foram novamente enviados à Procuradoria Federal junto ao IPHAN, que, por meio da Nota nº 52/2015-PF/IPHAN/SEDE, entendeu que:

02.- Ao se compulsar os autos, verificamos da leitura do Extrato das Decisões da 79ª Reunião do Conselho Consultivo do Património Cultural, ocorrida em 11.06.2015, que o posicionamento do Conselho Consultivo do Património Cultural, o qual baseou-se na decisão da 9º Sessão da Câmara Setorial de Arquitetura e Urbanismo, realizada em 14.05.2014, não está consonante com os elementos contidos nestes autos.
03.- Isto porque, o Conselho Consultivo ao ratificar o tombamento da Casa de Vidro como um edifício isolado, considerando sua poligonal de entorno o limite do lote em que está inserido, conforme decisão da 9º Sessão da Câmara Setorial de Arquitetura e Urbanismo, se olvidou de mencionar que o jardim e o acervo móvel, constante do Inventário de Bens Móveis, anexo 1, deste processo de tombamento encontram-se igualmente tombados.
08.- Assim, antes de se encaminhar o presente processo para a homologação ministerial, recomenda-se que os presentes autos sejam encaminhados ao Conselho Consultivo do Património Cultural, a fim de que seja retificada a decisão constante da Ata da 79ª Reunião desse Conselho, de forma que ela passe a incluir todos os bens tombados que abrangem o presente processo de tombamento, quais sejam: a Casa de Vidro, o seu jardim e o acervo móvel integrado, o qual está descrito no Anexo l desse processo, conforme acima assinado. (grifamos)

 

14. Os autos retornaram à área técnica, e o Parecer Técnico nº 6/2023/COREC/CGID/DEPAM manifestou-se da forma que segue abaixo:

A proposta de tombamento federal enquadra a Casa de Vidro, projetada pela arquiteta Lina Bo Bardi, para sua residência, incluindo o acervo indicado em Proposta para Inventário de Bens Móveis Pinturas e Desenhos do Instituto Lina Bo e P. M. Bardi (SEI nº 0473519, 0473638, 0473778 e 0473784 – Anexo I), e o jardim em toda a extensão dos lotes 4, 5 e 6 da quadra 8 do Loteamento do Morumby. A seleção de objetos que integram o acervo baseou-se naqueles que ocupam os ambientes da casa e que assim a configuram como residência do casal Bardi. Como elementos de destaque do jardim têm-se imóveis de apoio (casa do caseiro e garagem), muros de arrimo, pavimentação, espelho d´água/coletor de água de chuva, forno, churrasqueira, os percursos, peça de piso externo com desenho no concreto, canteiros hortaliças e o muro de fechamento do terreno, com portão projetado em 1987.
Considerando que as informações apresentadas complementam as necessárias para reapresentar a proposta de tombamento federal da Casa de Vidro, projetada por Lina Bo Bardi, com acervo e jardim para nova apreciação do CCPC do Iphan, que o tombamento federal aprovado desde 2007 nunca foi homologado e que em 2024 completará 110 anos do nascimento da arquiteta modernista ítalo-brasileira, naturalizada no Brasil após a Segunda Guerra Mundial, recomenda-se que o presente processo seja encaminhado para a Procuradoria Federal no IPHAN, visando sua análise antes de ser notificada a alteração do objeto para o proprietário, dando prosseguimento ao rito prescrito pela Portaria nº 11, de 1986.
 

15.  Desta forma, os autos foram novamente encaminhados à Procuradoria-Federal junto ao IPHAN, que, por meio do Parecer nº 00041/2024/PFIPHAN/PGF/AGU, além de reafirmar a necessidade de reapreciação da matéria pelo CCPC, apontou a necessidade de saneamento dos autos, quanto aos seguintes pontos:

51. No entanto, considerando que a proposta em tela indica a inscrição do bem no Livro de Tombo de Belas Artes e no Livro do Tombo Arqueológico, Etnográfico e Paisagístico, pelo valor artístico e paisagístico, se faz necessário complementar a justificativa existente nos autos para explicitar os referidos valores no que se refere aos elementos construídos integrantes do jardim que se pretende incluir como objeto de tombamento.
52. Cumpre esclarecer que o instituto do tombamento tem como pressuposto a materialidade, sendo que o modo de vida quando objeto de acautelamento ocorre por intermédio do instrumento do registro.
53. Assim, não se verifica a presença de motivação nos autos suficiente para justificar o tombamento dos elementos construídos integrantes do jardim, no que se refere à explicitação de seus valores artísticos e/ou paisagísticos a ensejar o seu tombamento, devendo ser complementados pela área técnica.
54. Importa destacar que se houver motivação para inclusão de alguns elementos construídos (e não de todos) no objeto do tombamento (ex: garagem) esses deverão ser nominalmente explicitados.
66. No entanto, recomenda-se que o IPHAN explicite as razões que levaram ao estabelecimento da poligonal de entorno, com fins à proteção do bem tombado, em especial no que se refere aos valores artísticos e paisagísticos reconhecidos em âmbito nacional.

 

16.  Na sequência, o IPHAN, por meio de Parecer Técnico, apresentou esclarecimentos aos apontamentos feitos pela Procuradoria-Federal junto ao IPHAN no Parecer acima citado.

 

17.  Além disso, foi publicado o Edital de Notificação a respeito do tombamento da Casa de Vidro, com o acervo e jardim, e enviadas notificações à Superintendência do Patrimônio da União em São Paulo, à Prefeitura Municipal de São Paulo, ao Governo do Estado de São Paulo e ao Presidente do Instituto Bardi – Casa de Vidro.

 

18. Após todas essas diligências, a Conselheira Relatora do CCPC Flávia Brito do Nascimento apresentou Parecer, no seguinte sentido:

E, no seu conjunto – jardim, acervo e casa – recomendo a sua proteção como patrimônio nacional, acompanhando os pareces das áreas técnicas do Iphan, com uma sugestão de acréscimo do Atelier/Casinha que constava do pedido original de tombamento:
1. a casa de vidro;
2. o acervo de obras de arte, de mobiliário, de design e de objetos conforme o Inventário de Bens Móveis anexo ao processo;
3. o jardim da casa com os três lotes (4, 5 e 6 da quadra 8 do Loteamento do Morumbi) e os elementos integrados (casa do caseiro, garagem, muros de arrimo delimitando percursos de contenção e desníveis, pavimentação externa de percursos e de patamares, percursos, tanques, forno, churrasqueira, peça de piso de concreto com desenho no concreto, delimitação dos canteiros de hortaliças e muro de fechamento do portão de 1987 e o Atelier/casinha de 1987, projetado com Marcelo Ferraz e André Vainer;
4. a área de entorno definida pelo Conpresp (órgão municipal de preservação) para o tombamento

 

19.  A matéria foi novamente apreciada pelo CCPC, que, em sua 104º Reunião, ocorrida no dia 08.05.2024, deliberou no seguinte sentido:

A Conselheira Relatora Flávia Brito leu seu parecer na íntegra (5345288). Estavam presentes Presidente e Vice-Presidente do Instituto Casa Lina Bo Bardi e o superintendente do IPHAN em São Paulo. Após a leiura, as(os) Conselheiros parabenizaram a relatora pelo magnífico parecer, destacaram que já haver plano de gestão e de conservação  a rerratificação do tombamento, graças ao Instituto Lina Bo Bardi, é algo a ser almejado por todos os processos de tombamento; mencionaram a importância da arquiteta Lina Bo Bardi, o empenho de todas(os) as (os) servidores do Iphan e pesquisadoras (es) que contribuíram nesse processo de rerratificação do tombamento, enfatizaram o trabalho cuidadoso de pesquisa feito pela relatoria, a importância da perspectiva de gênero que foi devidamente dada, a argumentação desenvolvida, de vida e obra entrelaçadas. Parecer com dados consistentes e complexos, reconhecendo as arquitetas em seu prório território. A única ressalva foi que no parecer (pág. 12), a conselheira recomendou que o tombamento também abrangesse o Atelier/Casinha; e o diretor Andrey sugeriu a aprovação de tombamento e, posteriormente, um novo processo para incluir o Atelier/Casinha. Houve votação nominal e o parecer, com essa alteração, foi aprovado por unanimidade. O Presidente do Conselho proferiu o resultado da votação, declarando aprovado, pelo conselho consultivo, por unanimidade, a rerratificação do tombamento para inscrição no livro de tombo de belas artes e no livro de tombo arqueológico, etnográfico e paisagístico, a Casa de Vidro, seu acervo conforme o Inventário, e seu jardim, conforme parecer. (grifamos)

 

20. Após a reunião do CCPC, os autos foram enviados à Procuradoria-Federal junto ao IPHAN, que, por meio da Nota Jurídica nº 00272/2024/PFIPHAN/PGF/AGU, manifestou-se no seguinte sentido:

10. Há de se asseverar que não obstante o Atelier/Casinha não tenha sido incluído na notificação de tombamento provisório se está diante de tombamento individual sendo que, consoante relatado no processo administrativo, era desejo do casal o tombamento do bem em questão. Observe-se que o tombamento do Atelier/Casinha constava do pedido original de tombamento. Ademais, é digno de nota, nos termos da ata da 104ª reunião do Conselho Consultivo do Patrimônio Cultural (SEI 5378235), que estavam presentes na reunião o Presidente e o Vice-Presidente do Instituto Casa Lina Bo Bardi. Acrescente-se que foi oportunizada palavra ao Vice-Presidente do Instituto Casa Lino Bo Bardi, Renato Anelli, "que falou da enorme satisfação com esse reconhecimento. Agradeceu à Flávia Brito pelo parecer de excelência e enorme qualidade, relembrou toda a trajetória de reconhecimento da Casa de Vidro e toda a luta pela manutenção do Instituto na qualidade que é necessária." De mais a mais, também estavam presentes Giuseppe D'Anna, Presidente da Casa de Vidro e Sandra Papais Velasco, Conselheira do Instituto Lina Bo Bardi.
11. Portanto, resta evidenciado que o representante do proprietário da Casa de Vidro -Instituto Lina Bo e P.M. Bardi - se encontrava presente na reunião do Conselho Consultivo do Patrimônio Cultural, ocasião em que teve ciência da inclusão do Atelier/Casinha no tombamento em tela não tendo apresentado nenhuma impugnação. Ao contrário, houve manifestação de satisfação com o tombamento do bem. Nesse contexto, a não inclusão do Atelier/Casinha na notificação de tombamento provisório não resulta nenhum prejuízo ao exercício do contraditório e da ampla defesa. Logo, a presença do Instituto Lina Bo e P.M. Bardi na reunião do Conselho Consultivo do Patrimônio Cultural, bem como sua manifestação favorável ao tombamento supre a necessidade de eventual notificação do proprietário no que tange à inclusão do Atelier/Casinha no tombamento, em consonância com o princípio da instrumentalidade das formas.
(...)
13. Assim, consoante ata da 104ª reunião do Conselho Consultivo realizada nos dias 08 e 09 de maio de 2024 (SEI 5378235), verifica-se a observância do quórum de instalação e deliberação.
14. Portanto, o presente processo de tombamento se encontra em condições de ser encaminhado à Ministra de Estado da Cultura, para os fins do art. 21 da Portaria IPHAN nº 11, de 11 de setembro de 1986.
15. Assim, deve ser encaminhado ofício pelo Presidente do IPHAN à Ministra de Estado da Cultura, para homologação da decisão do Conselho Consultivo, nos termos da Lei 6.292, de 15 de dezembro de 1975, consoante minuta a seguir. (grifamos)
 

21. Desta forma, o Ofício nº 2536/2024/GAB PRESI/PRESI-IPHAN encaminhou o processo à Ministra de Estado da Cultura, para apreciação do processo IPHAN nº 1511-T-03, e homologação do tombamento da Casa de Vidro, seu acervo e jardim, de acordo com o disposto no art. 1º da Lei nº 6.292, de 1975.

 

I – Do tombamento:

 

22.  O art. 216 da Constituição Federal define os bens que integram o património cultural brasileiro e estabelece normas de proteção a esse patrimônio:

Art. 216. Constituem patrimônio cultural brasileiro os bens de natureza material e imaterial, tomados individualmente ou em conjunto, portadores de referência à identidade, à ação, à memória dos diferentes grupos formadores da sociedade brasileira, nos quais se incluem:
I - as formas de expressão;
II - os modos de criar, fazer e viver;
III - as criações científicas, artísticas e tecnológicas;
IV - as obras, objetos, documentos, edificações e demais espaços destinados às manifestações artístico-culturais;
V - os conjuntos urbanos e sítios de valor histórico, paisagístico, artístico, arqueológico, paleontológico, ecológico e científico.
§ 1º O Poder Público, com a colaboração da comunidade, promoverá e protegerá o patrimônio cultural brasileiro, por meio de inventários, registros, vigilância, tombamento e desapropriação, e de outras formas de acautelamento e preservação. (grifamos)

 

23. José Eduardo Ramos Rodrigues define o tombamento como sendo:

Um ato administrativo pelo qual o Poder Público declara o valor de coisas móveis ou imóveis, inscrevendo-as no respectivo Livro do Tombo, sujeitando-as a um regime especial que impõe limitações ao exercício da propriedade, com a finalidade de preservá-las. Portanto, trata-se de ato ao mesmo tempo declaratório, já que declara um bem de valor cultural, e constitutivo, uma vez que altera o seu regime jurídico[4].
 

24. O tombamento é regido pelo Decreto-Lei nº 25, de 1937:

Art. 1º Constitue o patrimônio histórico e artístico nacional o conjunto dos bens móveis e imóveis existentes no país e cuja conservação seja de interêsse público, quer por sua vinculação a fatos memoráveis da história do Brasil, quer por seu excepcional valor arqueológico ou etnográfico, bibliográfico ou artístico.
 § 1º Os bens a que se refere o presente artigo só serão considerados parte integrante do patrimônio histórico o artístico nacional, depois de inscritos separada ou agrupadamente num dos quatro Livros do Tombo, de que trata o art. 4º desta lei.
(...)
Art. 4º O Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional possuirá quatro Livros do Tombo, nos quais serão inscritas as obras a que se refere o art. 1º desta lei, a saber:
1) no Livro do Tombo Arqueológico, Etnográfico e Paisagístico, as coisas pertencentes às categorias de arte arqueológica, etnográfica, ameríndia e popular, e bem assim as mencionadas no § 2º do citado art. 1º.
 2) no Livro do Tombo Histórico, as coisas de interêsse histórico e as obras de arte histórica;
 3) no Livro do Tombo das Belas Artes, as coisas de arte erudita, nacional ou estrangeira;
 4) no Livro do Tombo das Artes Aplicadas, as obras que se incluírem na categoria das artes aplicadas, nacionais ou estrangeiras.

 

25. O processo de tombamento, conforme a Portaria SPHAN nº 11, de 1986, é de competência do IPHAN:

Artigo 1º - A inscrição de bens nos livros do Tombo a que se refere o Decreto-Lei nº 25/37 será precedida de processo.

 

26. No caso, a decisão do CCPC foi no sentido de registrar a Casa de Vidro, seu acervo e jardim no Livro de Tombo de Belas Artes e no Livro de Tombo Arqueológico, Etnográfico e Paisagístico.

 

27. Nos termos do art. 1º da Lei nº 6.292, de 1975, o tombamento depende de homologação da Ministra da Cultura:

Art. 1º O tombamento de bens no Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN), previsto no Decreto-lei nº 25, de 30 de novembro de 1937, dependerá de homologação do Ministro de Estado da Educação de Cultura, após parecer do respectivo Conselho Consultivo.
 

28. Desta forma, os autos foram encaminhados ao MinC, após exaurido o processo de tombamento no âmbito do IPHAN, para publicação de Portaria que homologará o tombamento.

 

II – Da minuta de Portaria que homologa o tombamento:

 

29. A minuta ora analisada reveste-se de constitucionalidade de legalidade, tendo sido apresentada em consonância com as regras previstas na Lei Complementar nº 95, de 26 de fevereiro de 1998, e no Decreto nº 12.002, de 2024, que estabelecem normas para a elaboração, redação, alteração e consolidação dos atos normativos.

 

30. Além disso, foi redigida conforme as normas de hierarquia superior que regem a matéria (a Constituição Federal, o Decreto-Lei nº 25, de 1937, a Lei nº 6.292, de 1975 e a Portaria SPHAN nº 11, de 1986).

 

31. E, por último, respeita a competência da Ministra da Cultura, que, nos termos do art. 1º da Lei nº 6.292, de 1975, é a autoridade responsável pela homologação do tombamento.

 

32. Quanto ao texto proposto, sugiro apenas, em nome da técnica legislativa, a substituição, no preâmbulo, da expressão “no uso das atribuições conferidas pelo inciso II do art. 87 da Constituição Federal” por “no uso das atribuições previstas no art.  87, inciso I, da Constituição Federal”.

 

III. CONCLUSÃO 

 

33. Diante do exposto, sem adentrar nos valores de conveniência e oportunidade, alheios ao crivo dessa Consultoria Jurídica, manifesto-me pela regularidade formal e material da minuta de Portaria SEI 1782110.

 

34. É o Parecer.

 

 

Brasília, 27 de junho de 2024.

 

 

LARISSA FERNANDES NOGUEIRA DA GAMA

ADVOGADA DA UNIÃO

 

 


[1] Art. 11 - Às Consultorias Jurídicas, órgãos administrativamente subordinados aos Ministros de Estado, ao Secretário-Geral e aos demais titulares de Secretarias da Presidência da República e ao Chefe do Estado-Maior das Forças Armadas, compete, especialmente:

I - assessorar as autoridades indicadas no caput deste artigo;

(...)

V - assistir a autoridade assessorada no controle interno da legalidade administrativa dos atos a serem por ela praticados ou já efetivados, e daqueles oriundos de órgão ou entidade sob sua coordenação jurídica;

 

[2] A manifestação consultiva que adentrar questão jurídica com potencial de significativo reflexo em aspecto técnico deve conter justificativa da necessidade de fazê-lo, evitando-se posicionamentos conclusivos sobre temas não jurídicos, tais como os técnicos, administrativos ou de conveniência ou oportunidade, podendo-se, porém, sobre estes emitir opinião ou formular recomendações, desde que enfatizando o caráter discricionário de seu acatamento.

 

[3] FERRAZ, Marcelo Carvalho (org.). Lina Bo Cardi Casa de Vidro The Glass House. São Paulo: Edições SESC, 2015, ps. 32-34.

 

[4] RODRIGUES, José Eduardo Ramos. Meio ambiente cultural: Tombamento – Ação Civil Pública  e Aspectos Criminais. In: Ação Civil Pública – Lei 7.347/1985 – 15 anos. Coordenador Edis Milaré. São Paulo. Revista dos Tribunais, 2001. p. 313.

 


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