ADVOCACIA-GERAL DA UNIÃO
CONSULTORIA-GERAL DA UNIÃO
CÂMARA NACIONAL DE PROCEDIMENTOS ADMINISTRATIVOS DISCIPLINARES - CNPAD/DECOR/CGU
PARECER n. 00003/2024/CNPAD/CGU/AGU
NUP: 00688.000720/2019-10.
INTERESSADO: DECOR.
ASSUNTO: Aplicação da penalidade de demissão em face de servidor público exonerado de cargo efetivo.
PROCESSO ADMINISTRATIVO DISCIPLINAR. APLICAÇÃO DA PENALIDADE DE DEMISSÃO EM FACE DE SERVIDOR PÚBLICO EXONERADO DE CARGO EFETIVO. REGISTRO ADICIONAL DA PENALIDADE DE DEMISSÃO NOS ASSENTAMENTOS FUNCIONAIS. EFEITOS LEGAIS. PROPOSTA DE REVISÃO PARCIAL DO ENTENDIMENTO CONTIDO NO PARECER Nº 02/2018/CPPAD/DECOR/CGU/AGU.
I – Apresenta-se juridicamente viável a aplicação da penalidade de demissão em face de servidor público exonerado de cargo efetivo, devendo haver, nesse caso, a preservação do ato de exoneração, cumulada com a realização do registro da penalidade de demissão nos assentamentos funcionais, a fim de que surta os devidos efeitos legais.
II – Proposta de revisão parcial do entendimento consubstanciado no PARECER Nº 02/2018/CPPAD/DECOR/CGU/AGU.
Sra. Diretora do DECOR,
I – RELATÓRIO:
01. Trata a presente manifestação da Câmara Nacional de Procedimentos Administrativos Disciplinares – CNPAD, prevista na Portaria CGU nº 3, de 14 de junho de 2019, de análise acerca da possibilidade de aplicação de penalidade de demissão em face de servidor público exonerado de cargo efetivo e das respectivas implicações.
02. É o relatório. Passa-se a opinar.
II – ANÁLISE JURÍDICA:
03. Inicialmente, vale expor que a Lei nº 8.112/90 prevê a penalidade de “conversão da exoneração em destituição de cargo em comissão” (art. 127, V c/c art. 135) para servidores não efetivos punidos após terem se exonerado.
04. Porém, a lei não prevê a penalidade de “conversão da exoneração a pedido em demissão”, em face de servidor público exonerado de cargo efetivo.
05. Contudo, ao analisarmos alguns artigos da Lei 8.112/90 percebemos que ela incentiva a instauração e conclusão de processos disciplinares independentemente de o servidor acusado estar ocupando, ou não, o respectivo cargo público.
06. Por exemplo, o art. 143 da Lei nº 8.112/90 dispõe que a autoridade deve apurar irregularidades que tiver ciência, não exigindo, em momento algum, que sejam atinentes apenas a irregularidades em que o acusado ainda possa ser alcançado por uma penalidade administrativa, senão vejamos:
Art. 143. A autoridade que tiver ciência de irregularidade no serviço público é obrigada a promover a sua apuração imediata, mediante sindicância ou processo administrativo disciplinar, assegurada ao acusado ampla defesa.
07. No art. 135 e no seu parágrafo único, da Lei nº 8.112/90, por sua vez, resta evidente que o ocupante em cargo em comissão deverá, constatada a prática de irregularidade, ser processado, mesmo após a sua exoneração ter ocorrido, de modo que, uma vez provada a falta funcional nos casos de enquadramento às penalidades de suspensão ou de demissão, ocorrerá a destituição de cargo em comissão, ou seja, a exoneração será convertida em destituição em cargo em comissão, nestes termos:
Art. 135. A destituição de cargo em comissão exercido por não ocupante de cargo efetivo será aplicada nos casos de infração sujeita às penalidades de suspensão e de demissão.
Parágrafo único. Constatada a hipótese de que trata este artigo, a exoneração efetuada nos termos do art. 35 será convertida em destituição de cargo em comissão.
08. Assim, o mesmo raciocínio deve ser aplicado ao servidor público exonerado de cargo público efetivo, de modo a ser possível a aplicação, a posteriori, da penalidade de demissão, em face de servidor público efetivo exonerado.
09. Até porque, a exoneração não pode representar uma alternativa para que o servidor público faltoso se desonere de qualquer sanção disciplinar.
10. Com efeito, se o servidor não efetivo terá registrado em seus assentamentos funcionais que foi punido com a penalidade de demissão (que traz consequências que, dentre outras, implicam em limitações a assunção de novos cargos públicos), tanto, ou mais, o servidor efetivo deve estar submetido à mesma regra, de modo que não parece razoável um tratamento desigual para situações muito semelhantes.
11. Nessa direção, a então Comissão Permanente de Procedimentos Disciplinares da Consultoria-Geral da União – CPPAD/CGU (sucedida por esta CNPAD/CGU), no âmbito do NUP 00688.000541/2017-11, por meio do PARECER Nº 02/2018/CPPAD/DECOR/CGU/AGU (Seq. 237), aprovado pelo Despacho do Consultor-Geral da União nº 689/2018/GAB/CGU/AGU (Seq. 239), exarou o entendimento no sentido de que “ainda que o servidor tenha pedido exoneração do cargo, deve-se proceder a apuração dos fatos tido por irregulares, por intermédio dos procedimentos disciplinares competentes, procedendo-se, inclusive, o julgamento definitivo, com a publicação da respectiva portaria, de modo que eventual penalidade nestes casos será anotada nos assentamentos funcionais em razão dos demais efeitos decorrentes da pena”.
12. Com efeito, o processo administrativo disciplinar pode prosseguir mesmo com o rompimento do vínculo entre o servidor e a Administração Pública quanto aos fatos ocorridos em atividade, com a anotação da eventual penalidade aplicada em seus registros, conforme é feito, por exemplo, naqueles casos em que somente depois da aposentadoria ou da exoneração do agente é que se descobrem fatos irregulares em sua atuação[1].
13. Na mesma linha, o entendimento da Controladoria-Geral da União, órgão central do Sistema de Correição do Poder Executivo Federal[2], está assim consignado em seu Manual de Processo Administrativo Disciplinar[3]:
(…) Contudo, o eventual conhecimento tardio do suposto ilícito disciplinar poderá resultar em processo disciplinar instaurado para apurar a conduta de servidor já desvinculado do serviço público (ex-servidor), tais como o aposentado, o exonerado (a pedido ou de ofício, como no caso de não aprovação no estágio probatório), o demitido, ou aquele que tenha pedido vacância por posse em outro cargo, acumulável ou inacumulável.
14. Assim, consolidando o mérito da questão, a Comissão de Coordenação de Correição (CCC) da Controladoria-Geral da União, aprovou o Enunciado CGU nº 2, de 4 de maio de 2011, nos seguintes termos:
EX-SERVIDOR. APURAÇÃO. A aposentadoria, a demissão, a exoneração de cargo efetivo ou em comissão e a destituição do cargo em comissão não obstam a instauração do procedimento disciplinar visando à apuração de irregularidade verificada quando do exercício da função ou cargo público. (Enunciado CGU nº 2, publicado no DOU de 5/5/11, seção 1, página 22). (destacou-se)
15. Nesse compasso, sobre a apuração de ilícito funcional cometido por ex-servidor público também já se manifestou a Advocacia-Geral da União (AGU), no vinculante Parecer-AGU nº GM-1, de 15 de março de 2000, ao apontar a manutenção do processo e do regime disciplinares nos casos de desvinculação do serviço público depois do cometimento da falta funcional:
Ementa: Não é impeditivo da apuração de irregularidade verificada na Administração Federal e de sua autoria o fato de os principais envolvidos terem se desvinculado do serviço público, anteriormente à instauração do processo disciplinar.
(...)
9. Impõe-se a apuração se o ilícito ocorre ´no serviço público´, poder-dever de que a autoridade administrativa não pode esquivar-se sob a alegação de que os possíveis autores não mais se encontram investidos nos cargos em razão dos quais perpetraram as infrações (...).
17. Embora a penalidade constitua o corolário da responsabilidade administrativa, a inviabilidade jurídica da atuação punitiva do Estado, advinda do fato de alguns dos envolvidos nas transgressões haverem se desligado do serviço público, não é de molde a obstar a apuração e a determinação de autoria no tocante a todos os envolvidos, inclusive em se considerando o plausível envolvimento de servidores federais, bem assim o julgamento do processo, com a consequente anotação da prática do ilícito nas pastas de assentamentos funcionais, por isso que, em derivação dessa medida:
(...)
c) no caso de reingresso e não ter-se extinguido a punibilidade, por força do decurso do tempo (prescrição), o servidor pode vir a ser punido pelas faltas investigadas no processo objeto do julgamento ou considerado reincidente
(...) (grifos acrescidos)
16. Sendo assim, assim como ocorre com a aposentadoria e com a aplicação da penalidade de demissão em outro processo administrativo, a exoneração não impede a apuração de irregularidade praticada quando o servidor se encontrava legalmente investido em cargo público efetivo à época dos fatos.
17. Só por isso já fica claro que há a necessidade de registro a ser feito no SIAPE nas hipóteses em que um servidor, apesar de já exonerado a pedido, vier a ser condenado posteriormente à penalidade de demissão em um PAD.
18. Aliás, como dito, existe previsão legal para a hipótese de conversão da exoneração de cargo em comissão em destituição de cargo em comissão (parágrafo único do art. 135 da Lei 8.112/90), frisando-se, em adição, que a legislação preconiza a cassação da aposentadoria no caso de se ter praticado, na atividade, falta punível com a demissão (art. 134 da Lei nº 8.112/90).
19. Inclusive, quanto à necessidade de se atribuir tratamento isonômico entre servidores e ex-servidores (entre eles, os aposentados, os exonerados a pedido ou os exonerados de ofício), interessante colacionar o que entendeu o STF ao apreciar a ADPF nº 418, senão vejamos:
ARGUIÇÃO DE DESCUMPRIMENTO DE PRECEITO FUNDAMENTAL. CONSTITUCIONAL E ADMINISTRATIVO. ARTS. 127, IV, E 134 DA LEI 8.112/1990. PENALIDADE DISCIPLINAR DE CASSAÇÃO DE APOSENTADORIA OU DISPONIBILIDADE. EMENDAS CONSTITUCIONAIS 3/1993, 20/1998 E 41/2003. PENALIDADE QUE SE COMPATIBILIZA COM O CARÁTER CONTRIBUTIVO E SOLIDÁRIO DO REGIME PRÓPRIO DE PREVIDÊNCIA DOS SERVIDORES. PODER DISCIPLINAR DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA. AÇÃO JULGADA IMPROCEDENTE.
1. As Emendas Constitucionais 3/1993, 20/1998 e 41/2003 estabeleceram o caráter contributivo e o princípio da solidariedade para o financiamento do regime próprio de previdência dos servidores públicos. Sistemática que demanda atuação colaborativa entre o respectivo ente público, os servidores ativos, os servidores inativos e os pensionistas.
2. A contribuição previdenciária paga pelo servidor público não é um direito representativo de uma relação sinalagmática entre a contribuição e eventual benefício previdenciário futuro.
3. A aplicação da penalidade de cassação de aposentadoria ou disponibilidade é compatível com o caráter contributivo e solidário do regime próprio de previdência dos servidores públicos. Precedentes.
4. A perda do cargo público foi prevista no texto constitucional como uma sanção que integra o poder disciplinar da Administração. É medida extrema aplicável ao servidor que apresentar conduta contrária aos princípios básicos e deveres funcionais que fundamentam a atuação da Administração Pública.
5. A impossibilidade de aplicação de sanção administrativa a servidor aposentado, a quem a penalidade de cassação de aposentadoria se mostra como única sanção à disposição da Administração, resultaria em tratamento diverso entre servidores ativos e inativos, para o sancionamento dos mesmos ilícitos, em prejuízo do princípio isonômico e da moralidade administrativa, e representaria indevida restrição ao poder disciplinar da Administração em relação a servidores aposentados que cometeram faltas graves enquanto em atividade, favorecendo a impunidade. 6. Arguição conhecida e julgada improcedente. (STF - ADPF: 418 DF, Relator: ALEXANDRE DE MORAES, Data de Julgamento: 15/04/2020, Tribunal Pleno, Data de Publicação: 30/04/2020) (grifos acrescidos)
20. A doutrina[4] ratifica o entendimento aqui esposado, deste modo:
Ademais, a exoneração pode ser convertida em demissão, no caso de servidor efetivo, ou em destituição de cargo em comissão, no caso de servidor ocupante de cargo puramente comissionado, razão pela qual, sempre há interesse na instauração do Processo Administrativo Disciplinar, pois a exoneração ou a aposentadoria não afasta a indisponibilidade dos bens, o ressarcimento ao erário, a proibição de investidura em cargo público federal pelo prazo de 05 (cinco) anos e a proibição de retorno ao serviço público federal, a depender da adequação do caso concreto às hipóteses dos artigos 136 e 137, caput e parágrafo único, todos da Lei 8.112/90.
(...)
Portanto, viável a instauração de processo disciplinar contra ex-servidor, exonerado a pedido ou aposentado voluntariamente. No tocante as penas administrativas passíveis de aplicação após a conclusão do processo, devem ser anotadas nos assentos funcionais do servidor, de modo que no caso de reingresso no serviço público, não estando extinta a punibilidade pelo decurso do tempo, a punição deve ser aplicada. Sendo o caso de aplicação das penas de demissão ou destituição de cargo em comissão, a exoneração deve ser convertida nestas cominações, fazendo-se incidir as restrições previstas nos artigos 136 e 137, caput e parágrafo único da Lei 8.112/1990. (grifos acrescidos)
21. A jurisprudência STJ também é pacífica quanto à matéria, senão vejamos:
ADMINISTRATIVO. AGRAVO INTERNO NO RECURSO ESPECIAL. PROCESSO ADMINISTRATIVO DISCIPLINAR. INSTAURAÇÃO E PROSSEGUIMENTO DO FEITO DISCIPLINAR. O FATO DE O SERVIDOR OBJETO DO PAD JÁ TER SIDO EXONERADO OU DEMITIDO DO CARGO NÃO ELIDE A OBRIGAÇÃO DA ADMINISTRAÇÃO EM APURAR AS FALTAS COMETIDAS. AGRAVO INTERNO DO PARTICULAR A QUE SE NEGA PROVIMENTO.
1. O fato do Servidor já não mais ostentar a condição de Servidor Público, não elide a obrigação da Administração a apurar a responsabilidade administrativo de Servidor Público resultante de sua atuação no exercício do cargo, por meio da instauração de sindicância ou do processo administrativo. Precedentes: MS 14.407/DF, Rel. Min. ROGERIO SCHIETTI CRUZ, DJe 16.12.2015; RMS 44.138/RS, Rel. Min. HUMBERTO MARTINS, DJe 10.2.2014; MS 13.916/DF, Rel. Min. LAURITA VAZ, DJe 23.2.2012.
2. Não pode se desconsiderar que da apuração da responsabilidade administrativa pode decorrer outros desdobramentos, diferentes da penalidade administrativa, tais como: remessa do relatório ao Ministério Público para eventual propositura de ação penal, obrigatoriedade de a Advocacia-Geral da União de ingressar com ação de reparação de danos civis e registro nos assentamentos funcionais, para efeito de reincidência no caso de reingresso no serviço público.
3. Agravo Interno do particular a que se nega provimento.
(STJ - AgInt no REsp: 1371490 DF 2013/0058794-9, Relator: Ministro NAPOLEÃO NUNES MAIA FILHO, Data de Julgamento: 20/02/2018, T1 - PRIMEIRA TURMA, Data de Publicação: DJe 07/03/2018) (destacamos)
***
ADMINISTRATIVO. MANDADO DE SEGURANÇA. PROCESSO ADMINISTRATIVO DISCIPLINAR. PROCURADOR FEDERAL DO INSS. PRAZO DE PRESCRIÇÃO. FLUÊNCIA A CONTAR DA CIÊNCIA DO FATO PELA AUTORIDADE COMPETENTE. PROCEDIMENTO INSTAURADO CONTRA SERVIDOR EXONERADO A PEDIDO. POSSIBILIDADE. DENEGAÇÃO DA SEGURANÇA.
[...]
4. Na apuração da responsabilidade administrativa do servidor público, podem advir desdobramentos, como consequência da aplicação da penalidade administrativa, a justificar a instauração de procedimento disciplinar contra ex-servidor exonerado, a pedido, para apuração de supostas irregularidades por ele cometidas durante o exercício do cargo. Precedentes.
5. Segurança denegada.
(STJ - MS: 14407 DF 2009/0110894-8, Relator: Ministro ROGERIO SCHIETTI CRUZ, Data de Julgamento: 09/12/2015, S3 - TERCEIRA SEÇÃO, Data de Publicação: DJe 16/12/2015) (destaque nosso)
***
MANDADO DE SEGURANÇA. ADMINISTRATIVO. MINISTRO DOS TRANSPORTES. EX-SERVIDORES DO DNER. PROCEDIMENTO ADMINISTRATIVO. APURAÇÃO DAS IRREGULARIDADES POSSIVELMENTE COMETIDAS QUANDO NO EXERCÍCIO DAS RESPECTIVAS FUNÇÕES. POSSIBILIDADE. AUSÊNCIA DO ALEGADO DIREITO LÍQUIDO E CERTO.
Não se vislumbra o alegado direito líquido e certo, considerando que a Administração está, no exercício de seu direito, apurando as possíveis irregularidades dos impetrantes, quando no exercício de suas funções.
Ordem denegada.
(MS n. 9.497/DF, relator Ministro José Arnaldo da Fonseca, Terceira Seção, julgado em 22/9/2004, DJ de 18/10/2004, p. 186.) (destacamos)
22. Na mesma linha, assim entendem outros tribunais:
ADMINISTRATIVO. SERVIDOR PÚBLICO. PROCESSO ADMINISTRATIVO DISCIPLINAR. PEDIDO DE EXONERAÇÃO PELO SERVIDOR. IMPOSSIBILIDADE.
1. Não há direito líquido e certo para que o autor seja exonerado no curso de PAD, forte no art. 172, da Lei 8.112/90.
2. Ainda que a finalidade específica de aplicação de penalidade possa resultar prejudicada pelo afastamento voluntário do servidor (pedido de exoneração), restam outros fins a serem alcançados pela investigação na esfera administrava, qual seja, a possibilidade de conversão da exoneração em demissão por interesse público, impossibilitando a impetrante de nova investidura em cargo público federal pelo prazo de cinco anos, nos moldes do art. 137 da Lei n. 8.112/90.
3. É esta a situação a ser protegida quando impossibilita-se a exoneração durante a tramitação de PAD.
(TRF-4 - AC: 50059528720194047200 SC 5005952-87.2019.4.04.7200, Relator: MARGA INGE BARTH TESSLER, Data de Julgamento: 02/06/2020, TERCEIRA TURMA). (destacamos)
***
ADMINISTRATIVO. PROCESSO ADMINISTRATIVO DISCIPLINAR. PRAZO PRESCRICIONAL. PENA DE SUSPENSÃO. APLICAÇÃO DO PRAZO BIENAL PREVISTO NA LEGISLAÇÃO ADMINISTRATIVA (ART. 142 DA LEI 8.112/90). INSTAURAÇÃO DE PAD. INTERRUPÇÃO DO PRAZO PRESCRICIONAL. REINÍCIO APÓS 140 DIAS. PEDIDO DE EXONERAÇÃO PELO SERVIDOR. IMPOSSIBILIDADE. APELAÇÃO IMPROVIDA.
[...]
4. No PAD em causa, aplicou-se a pena de suspensão de 45 (quarenta e cinco) dias, convertida em destituição de cargo em comissão.
5. Não poderia a parte autora ter sido exonerada do cargo que ocupava na data do cometimento da infração disciplinar, uma vez que há a vedação legal da exoneração a pedido enquanto não concluído o processo administrativo disciplinar a que responda, de acordo com o art. 172 da Lei nº 8.112/90.
6. Ainda que a finalidade específica de aplicação de penalidade possa resultar prejudicada pelo afastamento voluntário do servidor (pedido de exoneração), restam outros fins a serem alcançados pela investigação na esfera administrava, qual seja, a possibilidade de conversão da exoneração em demissão por interesse público, impossibilitando a impetrante de nova investidura em cargo público federal pelo prazo de cinco anos, nos moldes do art. 137 da Lei n. 8.112/90. (REsp n. 1.186.908/SP, relator Ministro Humberto Martins, Segunda Turma, julgado em 4/11/2010, DJe de 11/11/2010.)
[...]
8. Apelação improvida
(TRF-1 - AC: 00706645120154013400, Relator: DESEMBARGADOR FEDERAL MORAIS DA ROCHA, Data de Julgamento: 31/08/2022, 1ª Turma, Data de Publicação: PJe 31/08/2022 PAG PJe 31/08/2022 PAG). (grifos acrescidos)
23. Em acréscimo, destaca-se que, apesar de o parágrafo único do art. 137 da Lei nº 8.112/1990 ter sido declarado inconstitucional[5], o caput do mencionado artigo continua em vigor.
24. Inclusive, acerca dos efeitos decorrentes da aplicação da respectiva penalidade de demissão, vale registrar que a Advocacia-Geral da União, por meio PARECER Nº 00001/2023/CNPAD/DECOR/CGU/AGU (Seq. 737 – NUP 00688.000720/2019-10), exarado por esta CNPAD/CGU, aprovado por DESPACHO DO MINISTRO CHEFE DA ADVOCACIA GERAL DA UNIÃO Nº 054 (Seq. 742 – NUP 00688.000720/2019-10), explicitou o entendimento no sentido de que quaisquer demissões decorrentes de processo administrativo disciplinar incompatibiliza o ex-servidor para nova investidura em cargo público federal pelo prazo de 8 (oito) anos, conforme se verifica na Ementa do mencionado opinativo, nestes termos:
DIREITO ADMINISTRATIVO. PROCESSO ADMINISTRATIVO DISCIPLINAR. DEMISSÃO DECORRENTE DE PAD. PRAZO DE INCOMPATIBILIDADE DO EXSERVIDOR PARA NOVA INVESTIDURA EM CARGO PÚBLICO FEDERAL. ART. 137 DA LEI Nº 8.112, DE 1990. ART. 1º, INCISO I, ALÍNEA “O”, DA LEI COMPLEMENTAR Nº 64, DE 1990. ART. 5º, INCISO II, DA LEI Nº 8.112, DE 1990. TEORIA DO “DIÁLOGO DAS FONTES”. APLICAÇÃO CONJUNTA E HARMÔNICA DAS NORMAS. INCIDÊNCIA DO PRAZO DE OITO ANOS. OBSERVÂNCIA AO ENTENDIMENTO EXARADO PELO STF NA ADI Nº 2975.
1. O ordenamento jurídico pátrio possui, em plena vigência, o artigo 1º, I, "o", da Lei Complementar nº. 64, de 18 de maio de 1990, o qual instituiu inelegibilidade aos que forem demitidos do serviço público em decorrência de processo administrativo ou judicial, pelo prazo de 8 (oito) anos.
2. Via de consequência, os demitidos do serviço público após processo administrativo disciplinar não poderão tomar posse em novo cargo público pelo mesmo prazo de oito anos, pois o artigo 5º, inciso II, da Lei nº. 8.112, de 1990, impõe o pleno gozo dos direitos políticos pelo cidadão, como condição para investidura em cargos públicos.
3. O artigo 1º, I, "o", da Lei Complementar nº. 64, de 1990, deve ser aplicado em harmonia com o artigo 137 da Lei n º. 8.112, de 1990, sem se olvidar do entendimento exarado pelo STF nos autos da ADI nº 2975, em que se estabeleceu, aos casos preceituados no parágrafo único do art. 137 da Lei nº 8.112, de 1990, a aplicação do prazo de, no mínimo, cinco anos, previsto no caput do mencionado artigo, de proibição de retorno ao serviço público aos demitidos pelas respectivas infrações.
4. Aplicando-se os dispositivos conjuntamente, há uma interseção entre os prazos, e, assim, os oito anos são aplicados para todas as demissões do serviço público, em decorrência do requisito de investidura em cargo público constante do artigo 5º, II, da Lei nº. 8.112, de 1990.
5. Assim, na prática, quaisquer demissões decorrentes de processo administrativo disciplinar incompatibiliza o ex-servidor para nova investidura em cargo público federal pelo prazo de 8 (oito) anos, nos termos do art. 1º, inciso I, alínea “o”, da Lei Complementar nº 64, de 1990, cumulado com o art. 5º, inciso II, da Lei nº 8.112, de 1990. (grifamos)
25. Assim, evidente o interesse da Administração Pública em manter a apuração do fato ainda que o servidor acusado não esteja mais no respectivo cargo efetivo, tendo em vista que a aplicação da penalidade de demissão em face de servidor público exonerado do cargo efetivo tem o condão de produzir os respectivos efeitos legais.
26. Aliás, é bastante comum ocorrer de a Administração Pública aplicar mais de uma penalidade de demissão em face do mesmo servidor público em processos diferentes e por fatos distintos.
27. Até porque, se, por exemplo, um dos processos administrativos disciplinares for, eventualmente, anulado pelo Poder Judiciário, o outro processo administrativo disciplinar, com a respectiva penalidade de demissão aplicada, poderá surtir, normalmente, os seus respectivos efeitos.
28. Além disso, deve-se atribuir as consequências secundárias da aplicação da respectiva penalidade em cada processo administrativo, de modo que a penalidade deve ser registrada e aplicada[6].
29. Em adição, a penalidade pode ser considerada para fins de “reincidência” em outro PAD que tenha sido instaurado contra o servidor ou, até mesmo, para efeito de reincidência no caso de reingresso no serviço público, conforme mencionado na jurisprudência do STJ supracitada.
30. Com isso, vê-se que o servidor público efetivo que pede exoneração pode ser, posteriormente, demitido, devendo a penalidade de demissão ser registrada e ter as consequências que a lei prevê, notadamente, a de impedir o retorno imediato a outros cargos públicos e, dependendo dos motivos, a indisponibilidade dos bens e a obrigação de ressarcir ao erário (art. 136 da Lei 8.112/90).
31. Logo, na hipótese em apreço, a penalidade a ser aplicada é a de demissão, com a preservação do respectivo ato de exoneração, não havendo que se falar em conversão da exoneração em demissão, conversão essa que sequer possui previsão legal.
32. Portanto, apresenta-se juridicamente viável a aplicação da penalidade de demissão em face de servidor público exonerado de cargo efetivo, devendo haver, nesse caso, a preservação do ato de exoneração, cumulada com a realização do registro da penalidade de demissão nos assentamentos funcionais, a fim de que surta os devidos efeitos legais.
33. Avançando, por conseguinte, mostra-se oportuno propor a revisão parcial do PARECER Nº 02/2018/CPPAD/DECOR/CGU/AGU, especificamente, no ponto que externou, na hipótese nele prevista (“se ficar definido que o pedido desta visava afastar a aplicação de eventual penalidade”), a possibilidade de eventual anulação do ato de exoneração, em caso de aplicação da penalidade de demissão em face de ex-servidor público exonerado, senão vejamos no trecho grifado da ementa do referido opinativo:
[...]
2 – A Administração Federal poderá recusar o pedido de exoneração quando em apuração os fatos irregulares praticados pelo servidor (art. 172, da Lei nº 8.112/90) ou, se já exonerado, anular o referido ato, se ficar definido que o pedido desta visava afastar a aplicação de eventual penalidade, pois se entende que o ato de exoneração é eivado de nulidade, sendo cabível a sua anulação e a respectiva punição do servidor, respeitado o devido processo legal.
[...] (grifamos)
34. Isso porque, vê-se, neste momento, que não há fundamentação jurídica robusta para embasar a tese de anulação do ato de exoneração, notadamente se considerarmos que o ato de exoneração, em tese, consubstancia um ato jurídico perfeito, frisando-se, inclusive, que devem ser preservados os respectivos efeitos jurídicos decorrentes do ato de exoneração em tela.
35. Além disso, enquanto o PARECER Nº 02/2018/CPPAD/DECOR/CGU/AGU entendeu que a anulação do ato de exoneração poderia ocorrer se ficasse definido que o pedido de exoneração visava a afastar a aplicação de eventual penalidade, vale dizer que, na verdade, a aplicação da penalidade de demissão, com a preservação do respectivo ato de exoneração, deve ser efetivada independentemente de ter havido, ou não, uma exoneração prévia com o intuito de se esquivar de uma suposta penalidade administrativa.
36. Assim, propõe-se a revisão parcial do PARECER Nº 02/2018/CPPAD/DECOR/CGU/AGU, especificamente, no ponto que externou, na hipótese nele prevista, a possibilidade de eventual anulação do ato de exoneração, em caso de aplicação da penalidade de demissão em face de servidor público exonerado de cargo efetivo.
37. Ademais, caso o respectivo sistema utilizado na Administração Pública Federal não viabilize o registro adicional da penalidade de demissão em face de servidor público exonerado de cargo efetivo, sugere-se que o órgão setorial de pessoal civil informe esse fato ao órgão central, para que se providenciem os ajustes e atualizações necessárias no sistema, a fim de comportar a presente hipótese, posto que juridicamente viável.
III – CONCLUSÃO:
38. Ante o exposto, conclui-se que há viabilidade jurídica de se aplicar a penalidade de demissão em face de servidor público exonerado de cargo efetivo, devendo haver, nesse caso, a preservação do ato de exoneração, cumulada com a realização do registro da penalidade de demissão nos assentamentos funcionais, a fim de que surta os devidos efeitos legais.
39. Com isso, propõe-se a revisão parcial de entendimento insculpido no PARECER Nº 02/2018/CPPAD/DECOR/CGU/AGU, especificamente, no ponto que externou, na hipótese nele prevista, a possibilidade de eventual anulação do ato de exoneração, em caso de aplicação da penalidade de demissão em face de servidor público exonerado de cargo efetivo.
40. Por fim, caso o respectivo sistema utilizado na Administração Pública Federal não viabilize o registro adicional da penalidade de demissão em face de servidor público exonerado de cargo efetivo, sugere-se que o órgão setorial de pessoal civil informe esse fato ao órgão central, para que se providenciem os ajustes e atualizações necessárias no sistema, a fim de comportar a presente hipótese, posto que juridicamente viável.
41. Sendo assim, propõe-se a edição do seguinte Enunciado da CNPAD:
Apresenta-se juridicamente viável a aplicação da penalidade de demissão em face de servidor público exonerado de cargo efetivo, devendo haver, nesse caso, a preservação do ato de exoneração, cumulada com a realização do registro da penalidade de demissão nos assentamentos funcionais, a fim de que surta os devidos efeitos legais.
À consideração superior.
Brasília, 02 de julho de 2024.
VINICIUS DE CARVALHO MADEIRA
Procurador Federal
Relator
De acordo com o Relator:
ANA LUIZA DE CARVALHO MONTENEGRO MAGALHÃES
Advogada da União
BRUNO MEDEIROS BASTOS
Procurador Federal
DEBORA VASTI DA SILVA DO BONFIM DENYS
Procuradora Federal
GUILHERME RASO MARQUES
Procurador da Fazenda Nacional
JAILOR CAPELOSSI CARNEIRO
Advogado da União
JULIANA DE MELO SANT’ANA
Procuradora Federal
LUZIA FONSECA AZEVEDO
Procuradora da Fazenda Nacional
NEIDE MARCOS DA SILVA
Advogada da União
RAFAEL MONTEIRO DE CASTRO NASCIMENTO
Advogado da União
RENATO DO REGO VALENÇA
Advogado da União
[1] Disponível em: https://www.conjur.com.br/2023-jul-16/francae-brunelli-decisao-adi-6591-consequencias/
[2] Art. 2º, inciso I, c/c art. 4º, inciso I, ambos do Decreto nº 5480, de 30 de junho de 2005. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2004-2006/2005/decreto/d5480.htm
[3] Controladoria-Geral da União. Manual de Processo administrativo disciplinar. 2022, p. 24.
[4] Morais, Roberto Inácio, Consultor Jurídico, 2011, Disponível em:
https://www.conjur.com.br/2011-dez-27/pad-instaurado-servidor-exonerado-pedido#:~:text=Ademais%2C%20a%20exonera%C3%A7%C3%A3o%20pode%20ser,exonera%C3%A7%C3%A3o%20ou%20a%20aposentadoria%20n%C3%A3o - acesso em 18 de abril de 2023.
[5] Decisão do Supremo Tribunal Federal na Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 2975 declarou a inconstitucionalidade do parágrafo único do art. 137 da Lei nº 8.112, de 1990, com determinação do encaminhamento da matéria ao Congresso Nacional, para deliberação sobre o prazo de proibição de retorno ao serviço público na hipótese de demissão por infração ao art. 132, incisos I, IV, VIII, X e XI.
[6] Neste sentido ver Alves, Léo da Silva in A possibilidade jurídica de demitir quem já foi demitido (https://jus.com.br/artigos/8788/a-possibilidade-juridica-de-demitir-quem-ja-foi-demitido acesso em 18 de abril de 2023).
Atenção, a consulta ao processo eletrônico está disponível em https://supersapiens.agu.gov.br mediante o fornecimento do Número Único de Protocolo (NUP) 00688000720201910 e da chave de acesso 743535a6