ADVOCACIA-GERAL DA UNIÃO
CONSULTORIA-GERAL DA UNIÃO
CONSULTORIA JURÍDICA JUNTO AO MINISTÉRIO DA CULTURA
GABINETE

 

PARECER n. 00197/2024/CONJUR-MINC/CGU/AGU

 

NUP: 01400.017587/2024-21

INTERESSADOS: GABINETE DA SECRETARIA-EXECUTIVA GSE/GM/MINC

ASSUNTOS: ATOS ADMINISTRATIVOS. ABERTURA DE CRÉDITO EXTRAORDINÁRIO.

 

 

 

I - Documento preparatório, nos termos do art. 7º, § 3º, da Lei no 12.527, de 18 de novembro de 2011. Acesso restrito até a tomada de decisão ou a publicação do ato normativo (art. 20, parágrafo único, do Decreto nº 7.724, de 16 de maio de 2012)

II. Direito Constitucional. Direito Financeiro. Manifestação acerca da viabilidade jurídica de pedido de abertura de crédito extraordinário, por meio de medida provisória. Estado do Rio Grande do Sul.

III. Arts. 62, § 1º, I, “d", c/c o art. 167, § 3º, da Constituição Federal. Art. 41, III, da Lei nº 4.320/1964.

IV.  Decreto Legislativo nº 36, de 2024 e Portaria SOF/MPO nº 34, de 8 de fevereiro de 2024.

V. Demonstração, pelo órgão técnico, do atendimento dos pressupostos de urgência, relevância e imprevisibilidade para edição de medida provisória em créditos extraordinários. 

 

 

1. O Ofício nº 3707/2024/GSE/GM/MinC (1837103) encaminhou os autos a este Consultivo, para análise e emissão de Parecer  sobre o cumprimento dos requisitos constitucionais para o pedido de abertura de crédito extraordinário, com fundamento no Decreto Legislativo nº 36, de 2024, atestando-se o cumprimento aos arts 12 a 18 da Lei de Diretrizes Orçamentárias – LDO.

 

2. Os autos foram instruídos com os seguintes documentos: (a) a Nota Técnica nº 283/2024/GSE/GM/MinC (1835457); (b) Relatório de prejuízos ao setor cultural do RS (1836669); (c) cópias de atos normativos já publicados (1836670, 1836671, 1836672 e 1836673); (d) Tabela de Cálculo (1837173); e (e) o Ofício nº 3707/2024/GSE/GM/MinC (1837103).

 

3. É o relatório.

 

II – ANÁLISE JURÍDICA

 

4. O art. 131 da Constituição Federal dispõe sobre a Advocacia-Geral da União - AGU, responsável pelas atividades de consultoria e assessoramento jurídico ao Poder Executivo. E os incisos I e V do art. 11 da Lei Complementar n.º 73, de 1993 (Lei Orgânica da AGU) (1), estabelecem a competência das Consultorias Jurídicas para assistir a autoridade assessorada no controle constitucionalidade e legalidade administrativa dos atos a serem por ela praticados.

 

5. Destaco que, nos termos do Enunciado nº 7 do Manual de Boas Práticas Consultivas da AGU (2), este controle interno a ser exercido pelas Consultorias Jurídicas não deve se manifestar quanto aos aspectos relativos à conveniência e à oportunidade dos atos administrativos (reservados à esfera discricionária do administrador público legalmente competente), tampouco examinar questões de natureza eminentemente técnica, administrativa e/ou financeira.

 

6. Desta forma, passa-se à análise da Nota Técnica 1835457, que apresenta a fundamentação técnica para a abertura de crédito extraordinário, que visa a implementação do Programa Retomada Cultural RS, composto por três ações destinadas ao setor cultural do Estado (a Bolsa Retomada Cultural, o Prêmio Retomada – Diversidade Cultural e a Retomada Cultural – Ações Artísticas Continuadas).

 

7. Desta forma, cumpre analisar o cumprimento dos requisitos constitucionais para a abertura de crédito extraordinário, para atender as demandas do setor cultural do Estado do Rio Grande do Sul.

 

I – Do pedido de abertura de crédito extraordinário:

 

8. O pedido de pedido de abertura de crédito extraordinário, formulado por meio da Nota Técnica 1835457, tem por objetivo subsidiar a Casa Civil e o Ministério do Planejamento e Orçamento na elaboração da Exposição de Motivos atinente à Medida Provisória  que proverá recursos extraordinários ao Ministério da Cultura, visando a implementação do Programa Retomada Cultural RS, composto por três ações.

 

9. Destaco, inicialmente, os seguintes trechos da Nota Técnica 1835457, que apresentam a caracterização da relevância, urgência e imprevisibilidade relativa ao caso:

3.1. Em maio de 2024, o estado do Rio Grande do Sul foi severamente afetado por uma calamidade climática que resultou em prejuízos significativos para diversas áreas, incluindo o setor cultural. Reconhecendo a necessidade de uma resposta rápida e eficaz para mitigar os impactos dessa tragédia, o Ministério da Cultura propôs o Programa Retomada Cultural RS.
3.2. Visando auxiliar o setor cultural dos municípios do Rio Grande do Sul que se encontram em estado de calamidade pública, o Programa possibilita uma  resposta estratégica e necessária às circunstâncias excepcionais enfrentadas no estado.  As ações visam a execução de ação formativa, apoio financeiro, incentivo à diversidade cultural e promoção de ações artísticas continuadas, contribuindo para a recuperação e o fortalecimento das comunidades culturais afetadas pela calamidade climática.
3.3. A presente nota técnica percorre o diagnóstico de danos ao setor cultural do RS, as medidas já adotadas pelo Ministério da Cultura e as minúncias do Programa a fim de subsidiar a Casa Civil e o Ministério do Planejamento e Orçamento na elaboração da Exposição de Motivos atinente à Medida Provisória para prover recursos extraordinários ao Ministério da Cultura, visando a implementação do Programa Retomada Cultural RS, com três ações destinadas ao setor cultural do estado.
(...)
4.3. Os artigos 62, caput, e 167, § 3º, da Constituição Federal, estabelecem a necessidade de cumprir os requisitos de relevância, urgência e imprevisibilidade para a abertura de crédito extraordinário. No caso em questão, as razões que motivam e justificam a edição da MP são:
I - Urgência e relevância: decorrem da necessidade de atendimento rápido às populações afetadas por desastres naturais, gerando prejuízos sem precedentes e afetando de forma intensa e inesperada a população e as atividades econômicas nas regiões atingidas.
II - Imprevisibilidade: resulta da ocorrência de desastres naturais graves, principalmente devido a chuvas intensas, com consequências imprevisíveis para a ordem pública e a paz social, levando à decretação de calamidade pública e aumentando a demanda por ações de resposta e recuperação em volume inesperado.
4.4. É de conhecimento público que o Estado do Rio Grande do Sul enfrenta uma grande calamidade devido a desastres naturais de enormes proporções, como as chuvas intensas ocorridas entre abril e maio. Essa situação exige uma ação urgente do Governo para atender às famílias afetadas por esses eventos climáticos extremos, que causaram destruição de estradas, lavouras, pontilhões, pontes, alagamentos, enxurradas que impedem a locomoção nos municípios, além de danos à infraestrutura dos serviços públicos, com forte impacto social e econômico, inclusive no setor cultural.
(...)
4.8. Os recursos indicados nesta Nota Técnica são destinados a atender a atual situação de emergência no Estado do Rio Grande do Sul, estando vinculados à calamidade pública tratada pelo Decreto Legislativo nº 36, de 2024.
(...)
6.4. Além o mapeamento feito pela sociedade civil, o Sistema MinC realizou diversas escutas públicas dos setores atingidos:
(...)
 6.5. Frente às escutas, o Ministério da Cultura adotou uma série de ações iniciais para mitigar os impactos da calamidade climática ao setor cultural do estado:
(...)
6.6. Ainda assim, persistia a necessidade de o poder público dar uma resposta para assegurar que o setor cultural do Rio Grande do Sul possa se recuperar e prosperar após a calamidade climática. Para isso, foi criado o Programa Retomada Cultural RS, cujas ações emergenciais propostas não só ajudarão a mitigar os danos imediatos, mas também contribuirão para a construção de um ambiente cultural mais resiliente e dinâmico, capaz de continuar enriquecendo a vida das comunidades locais e preservando a identidade cultural da região. Através de ações formativas, suporte financeiro, reconhecimento de entidades culturais e promoção de atividades artísticas contínuas, o programa Retomada Cultural RS busca assegurar a resiliência e a sustentabilidade da rica diversidade cultural do estado.
6.7. São objetivos das Ações do Programa Retomada Cultural RS:
a) Fortalecer a Resiliência Cultural: Promover iniciativas que incentivem a capacitação técnica e artística dos agentes culturais, preparando-os para enfrentar futuros desafios e contribuindo para a sustentabilidade do setor a longo prazo. Fomentar a realização de eventos culturais e a participação em intercâmbios, tanto nacionais quanto internacionais, fortalecendo a integração e a visibilidade das expressões culturais locais.
b) Contribuir para o reestabelecimento dos espaços e equipamentos culturais: Apoiar o reestabelecimento de espaços culturais danificados, garantindo que possam reabrir e continuar a servir as comunidades, possibilitando a reposição de acervos culturais e equipamentos perdidos, preservando o patrimônio cultural e assegurando que as atividades culturais possam ser retomadas com qualidade.
6.8. Para tanto, são previstas três ações no escopo do Programa: 
I - Bolsa Retomada Cultural;
II - Prêmio Retomada - Diversidade Cultural; e
III - Retomada Cultural - Ações Artísticas Continuadas.
(...)
CONCLUSÃO
7.1. A calamidade climática que atingiu o Rio Grande do Sul foi sem precedentes, causando danos generalizados e afetando profundamente diversas áreas da sociedade, dentre eles o setor cultural, que sofreu perdas significativas em suas infraestruturas e atividades, resultando em uma paralisia quase total das ações culturais nas áreas atingidas. Reconhecendo a necessidade de uma resposta rápida e eficaz para mitigar os impactos dessa tragédia, o Ministério da Cultura propôs o Programa Retomada Cultural RS, que conta com três ações:  Bolsa Retomada Cultural; Prêmio Retomada - Diversidade Cultural; e Retomada Cultural - Ações Artísticas Continuadas.
7.2. O Programa possibilita uma resposta estratégica e necessária às circunstâncias excepcionais enfrentadas no estado, já que visam a execução de ação formativa, apoio financeiro, incentivo à diversidade cultural e promoção de ações artísticas continuadas, contribuindo para a recuperação e o fortalecimento das comunidades culturais afetadas pela calamidade climática.
7.3. Na presente nota técnica constam o diagnóstico de danos ao setor cultural do RS, as medidas já adotadas pelo Ministério da Cultura e o detalhamento do Programa Retomada Cultural, cujas ações emergenciais propostas não só ajudarão a mitigar os danos imediatos, mas também contribuirão para a construção de um ambiente cultural mais resiliente e dinâmico, capaz de continuar enriquecendo a vida das comunidades locais e preservando a identidade cultural da região. Através de suporte financeiro, reconhecimento de entidades culturais e promoção de atividades artísticas contínuas, o programa Retomada Cultural RS busca assegurar a resiliência e a sustentabilidade da rica diversidade cultural do estado.
7.4. Para a execução das 03 (três) ações previstas no Programa Retomada Cultural, será necessária a disponibilização de crédito extraordinário, específicamente destinado às ações emergenciais aqui indicadas, no montante de R$ 59.830.000,00 (cinquenta e nove milhões e oitocentos e trinta mil reais), sendo:
R$46.900.000,00 (quarenta e seis milhões e novecentos mil reais) para execução da bolsa de retomada cultural, sendo R$45.000.000,00 (quarenta e cinco milhões) para o pagamento das bolsas e R$ 1.900.000,00 (um milhão e novecentos mil reais) para os custos operacionais;
R$8.430.000,00 (oito milhões, quatrocentos e trinta reais) para o pagamento dos Prêmios Retomada - Diversidade Cultural; e
R$4.500.000,00 (quatro milhões e quinhentos mil reais) para o pagamento das bolsas da Retomada Cultural - Ações Artísticas Continuadas.

 

10. A Constituição Federal veda a edição de medida provisória que trate de matéria orçamentária, nos termos do art. 62, § 1º, I, "d": 

Art. 62. Em caso de relevância e urgência, o Presidente da República poderá adotar medidas provisórias, com força de lei, devendo submetê-las de imediato ao Congresso Nacional. (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 32, de 2001)
§ 1º É vedada a edição de medidas provisórias sobre matéria: (Incluído pela Emenda Constitucional nº 32, de 2001)
I – relativa a: (Incluído pela Emenda Constitucional nº 32, de 2001)
(...)
d) planos plurianuais, diretrizes orçamentárias, orçamento e créditos adicionais e suplementares, ressalvado o previsto no art. 167, § 3º; (Incluído pela Emenda Constitucional nº 32, de 2001)"(grifou-se)
 

11. Todavia, a própria Constituição traz uma exceção a essa regra, que consta no art. 167, § 3º:

Art. 167. São vedados:
(...)
§ 3º A abertura de crédito extraordinário somente será admitida para atender a despesas imprevisíveis e urgentes, como as decorrentes de guerra, comoção interna ou calamidade pública, observado o disposto no art. 62. (grifou-se)

 

12. Ou seja, a Constituição Federal autoriza a abertura de crédito extraordinário por meio de medida provisória, para atender despesas imprevisíveis e urgentes, como as decorrentes de calamidade pública.

 

13. Assim, diante das hipóteses previstas no art. 167, § 3º, admite-se a atenuação da rigidez do princípio do equilíbrio orçamentário.

 

14. Isso porque, muitas vezes é impossível prever todas as despesas para o exercício financeiro seguinte, fazendo-se necessário abrir os chamados créditos adicionais.

 

15.  Os créditos adicionais encontram-se previstos nos arts. 40 e 41 da Lei nº 4.320, de 1964:

Art. 40. São créditos adicionais, as autorizações de despesa não computadas ou insuficientemente dotadas na Lei de Orçamento.
Art. 41. Os créditos adicionais classificam-se em:
I - suplementares, os destinados a refôrço de dotação orçamentária;
II - especiais, os destinados a despesas para as quais não haja dotação orçamentária específica;
III - extraordinários, os destinados a despesas urgentes e imprevistas, em caso de guerra, comoção intestina ou calamidade pública.
 

16. Desta forma, os créditos extraordinários são uma das espécies de créditos adicionais, e destinam-se a despesas urgentes e imprevistas, nos casos de guerra, comoção interna ou calamidade pública.

 

17. O Tribunal de Contas da União - TCU, em manifestação exarada em sede de consulta formulada pelo Ministério da Fazenda, entendeu pela possibilidade de edição de medida provisória para abertura de crédito extraordinário, especificamente para ações de socorro, assistência às vítimas, restabelecimento de serviços essenciais e recuperação de cenários de desastres:

Acórdão TCU nº 1863/2016 - Plenário
VISTOS, relatados e discutidos estes autos de Consulta formulada pelo Ministro de Estado da Fazenda, Henrique de Campos Meirelles, e pelo Ministro de Estado de Integração Nacional, Helder Barbalho, acerca da possibilidade de edição de medida provisória para abertura de crédito extraordinário, especificamente para ações de socorro, assistência às vítimas, restabelecimento de serviços essenciais e recuperação dos cenários dos desastres.
ACORDAM os Ministros do Tribunal de Contas da União, reunidos em sessão do Plenário, em:
9.1. com fundamento no art. 1º, inciso XVII e §2º, da Lei nº 8.443/92 combinado com o art. 264 e 265 do Regimento Interno do TCU, conhecer da presente consulta, para, no mérito, responder ao consulente que, nos termos da jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, desde que atendidos os requisitos da medida provisória, a serem avaliados pelo Congresso Nacional, quanto à relevância e urgência, e desde que atendidos os requisitos da despesa quanto à imprevisibilidade e à urgência, conforme estabelecido pela Constituição Federal no art. 62, §1º, inciso I, alínea d, combinado com o art. 167, §3º, é cabível a abertura de créditos extraordinários destinados a ações de socorro, assistência às vítimas, restabelecimento de serviços essenciais e recuperação dos cenários de desastres; (...).” (grifamos)

 

18. O Supremo Tribunal Federal possui entendimento firmado no sentido de que, dado o denso conteúdo das hipóteses ventiladas no art. 167, § 3º, da CF, somente em casos extremamente graves - dos quais possam resultar consequências imprevisíveis para a ordem pública e a paz social - é que se torna possível abrir crédito extraordinário por meio de medida provisória.

 

19. Este Tribunal, inclusive, já afirmou a possibilidade de anulação de medida provisória de abertura de crédito extraordinário, quando os requisitos da imprevisibilidade e urgência das respectivas despesas não tenham sido devidamente observados (ADI 4048-MC/DF, Rel. Min. Gilmar Mendes, DJe 22.08.2008):

EMENTA: MEDIDA CAUTELAR EM AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. MEDIDA PROVISÓRIA N° 405, DE 18.12.2007. ABERTURA DE CRÉDITO EXTRAORDINÁRIO. LIMITES CONSTITUCIONAIS À ATIVIDADE LEGISLATIVA EXCEPCIONAL DO PODER EXECUTIVO NA EDIÇÃO DE MEDIDAS PROVISÓRIAS. I. MEDIDA PROVISÓRIA E SUA CONVERSÃO EM LEI. Conversão da medida provisória na Lei n° 11.658/2008, sem alteração substancial. Aditamento ao pedido inicial. Inexistência de obstáculo processual ao prosseguimento do julgamento. A lei de conversão não convalida os vícios existentes na medida provisória. Precedentes.
II. CONTROLE ABSTRATO DE CONSTITUCIONALIDADE DE NORMAS ORÇAMENTÁRIAS. REVISÃO DE JURISPRUDÊNCIA. O Supremo Tribunal Federal deve exercer sua função precípua de fiscalização da constitucionalidade das leis e dos atos normativos quando houver um tema ou uma controvérsia constitucional suscitada em abstrato, independente do caráter geral ou específico, concreto ou abstrato de seu objeto. Possibilidade de submissão das normas orçamentárias ao controle abstrato de constitucionalidade.
III. LIMITES CONSTITUCIONAIS À ATIVIDADE LEGISLATIVA EXCEPCIONAL DO PODER EXECUTIVO NA EDIÇÃO DE MEDIDAS PROVISÓRIAS PARA ABERTURA DE CRÉDITO EXTRAORDINÁRIO. Interpretação do art. 167, § 3º c/c o art. 62, § 1º, inciso I, alínea "d", da Constituição. Além dos requisitos de relevância e urgência (art. 62), a Constituição exige que a abertura do crédito extraordinário seja feita apenas para atender a despesas imprevisíveis e urgentes. Ao contrário do que ocorre em relação aos requisitos de relevância e urgência (art. 62), que se submetem a uma ampla margem de discricionariedade por parte do Presidente da República, os requisitos de imprevisibilidade e urgência (art. 167, § 3º) recebem densificação normativa da Constituição. Os conteúdos semânticos das expressões "guerra", "comoção interna" e "calamidade pública" constituem vetores para a interpretação/aplicação do art. 167, § 3º c/c o art. 62, § 1º, inciso I, alínea "d", da Constituição. "Guerra", "comoção interna" e "calamidade pública" são conceitos que representam realidades ou situações fáticas de extrema gravidade e de conseqüências imprevisíveis para a ordem pública e a paz social, e que dessa forma requerem, com a devida urgência, a adoção de medidas singulares e extraordinárias. A leitura atenta e a análise interpretativa do texto e da exposição de motivos da MP n° 405/2007 demonstram que os créditos abertos são destinados a prover despesas correntes, que não estão qualificadas pela imprevisibilidade ou pela urgência. A edição da MP n° 405/2007 configurou um patente desvirtuamento dos parâmetros constitucionais que permitem a edição de medidas provisórias para a abertura de créditos extraordinários.
IV. MEDIDA CAUTELAR DEFERIDA. Suspensão da vigência da Lei n° 11.658/2008, desde a sua publicação, ocorrida em 22 de abril de 2008.” (Grifou-se)
 

20. No caso dos autos, os contornos da urgência, relevância e imprevisibilidade da despesa para a proposta de abertura de crédito extraordinário por meio de medida provisória encontram-se delineados na Nota Técnica nº 283/2024/GSE/GM/MinC (1835457).

 

21. Desta forma, a proposta contida na Nota Técnica acima citada: (i) possui fundamento nas normas constitucionais e infraconstitucionais que regulam a abertura de crédito extraordinário (arts. 62, § 1º, I, “d”, e 167, § 3º, da Constituição Federal, e arts. 40 a 46 da Lei n° 4.320, de 1964); e (ii) apresenta argumentos para caracterizar a relevância, urgência e imprevisibilidade que autorizam a edição da medida provisória ora pretendida.

 

22. Quanto a este ponto, recomendo que a área técnica ateste nos autos a impossibilidade de se utilizar a programação existente para atender parte ou totalidade do crédito solicitado.

 

23. A Constituição Federal não exige que sejam indicados os recursos específicos para cobrir as despesas emergenciais que justificam a abertura do crédito extraordinário, exigência essa aplicável apenas à abertura de créditos especiais e suplementares (art. 167, V, da Constituição Federal), e por isso a proposta não contraria os princípios e regras previstos na Lei de Responsabilidade Fiscal.

 

24. Além disso, o Novo Regime Fiscal estabelecido pela Emenda Constitucional nº 95, de 2016, é expresso ao excepcionar as despesas autorizadas por meio de crédito extraordinário do cálculo do Teto de Gastos aplicável à União (art. 107, § 6, II, do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias).

 

25. Por último, ressalto que cabe, inicialmente, ao Presidente da República e, subsequentemente, ao Congresso Nacional avaliar se os requisitos da relevância, urgência e imprevisibilidade estão devidamente configurados, de modo a justificar a edição da medida provisória de abertura de crédito extraordinário.

 

I - Do Decreto Legislativo nº 36, de 2024:

 

26. O Congresso Nacional, por meio do Decreto Legislativo nº 36, de 2024, reconheceu o estado de calamidade pública em parte do território nacional, para atendimento às consequências derivadas de eventos climáticos no Estado do Rio Grande do Sul. 

 

27. Destaco as regras previstas em seus art. 2º , 3º e 4º: 

Art. 2º A União fica autorizada a não computar exclusivamente as despesas autorizadas por meio de crédito extraordinário e as renúncias fiscais necessárias para o enfrentamento da calamidade pública e das suas consequências sociais e econômicas, no atingimento dos resultados fiscais e na realização de limitação de empenho prevista no art. 9º da Lei Complementar nº 101, de 4 de maio de 2000 (Lei de Responsabilidade Fiscal).
Art. 3º O disposto no inciso II do caput do art. 65 da Lei Complementar nº 101, de 4 de maio de 2000 (Lei de Responsabilidade Fiscal), dispensa a União de computar no resultado fiscal, exclusivamente, as despesas e as renúncias fiscais de que trata o art. 2º deste Decreto Legislativo.
Art. 4º Observado o disposto no art. 2º, este Decreto Legislativo produz todos os efeitos previstos no art. 65 da Lei Complementar nº 101, de 4 de maio de 2000 (Lei de Responsabilidade Fiscal)​ (grifamos)

 

28. A solicitação de abertura de crédito extraordinário enquadra-se no art. 65 da Lei Complementar nº 101, de 2000:

Art. 65. Na ocorrência de calamidade pública reconhecida pelo Congresso Nacional, no caso da União, ou pelas Assembléias Legislativas, na hipótese dos Estados e Municípios, enquanto perdurar a situação:
I - serão suspensas a contagem dos prazos e as disposições estabelecidas nos arts. 23 , 31 e 70;
II - serão dispensados o atingimento dos resultados fiscais e a limitação de empenho prevista no art. 9o.
Parágrafo único. Aplica-se o disposto no caput no caso de estado de defesa ou de sítio, decretado na forma da Constituição.
§ 1º Na ocorrência de calamidade pública reconhecida pelo Congresso Nacional, nos termos de decreto legislativo, em parte ou na integralidade do território nacional e enquanto perdurar a situação, além do previsto nos inciso I e II do caput:        
I - serão dispensados os limites, condições e demais restrições aplicáveis à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios, bem como sua verificação, para:     
a) contratação e aditamento de operações de crédito;       
b) concessão de garantias;        
c) contratação entre entes da Federação;
d) recebimento de transferências voluntárias;         
II - serão dispensados os limites e afastadas as vedações e sanções previstas e decorrentes dos arts. 35, 37 e 42, bem como será dispensado o cumprimento do disposto no parágrafo único do art. 8º desta Lei Complementar, desde que os recursos arrecadados sejam destinados ao combate à calamidade pública;        
III - serão afastadas as condições e as vedações previstas nos arts. 14, 16 e 17 desta Lei Complementar, desde que o incentivo ou benefício e a criação ou o aumento da despesa sejam destinados ao combate à calamidade pública
§ 2º O disposto no § 1º deste artigo, observados os termos estabelecidos no decreto legislativo que reconhecer o estado de calamidade pública;
I - aplicar-se-á exclusivamente:       
a) às unidades da Federação atingidas e localizadas no território em que for reconhecido o estado de calamidade pública pelo Congresso Nacional e enquanto perdurar o referido estado de calamidade;    
b) aos atos de gestão orçamentária e financeira necessários ao atendimento de despesas relacionadas ao cumprimento do decreto legislativo;      
II - não afasta as disposições relativas a transparência, controle e fiscalização.        
§ 3º No caso de aditamento de operações de crédito garantidas pela União com amparo no disposto no § 1º deste artigo, a garantia será mantida, não sendo necessária a alteração dos contratos de garantia e de contragarantia vigentes.       

 

29. Assim, as despesas que porventura venham  a ser autorizadas por abertura crédito extraordinário para atendimento às consequências derivadas de eventos climáticos no Estado do Rio Grande do Sul enquadram-se no Decreto Legislativo nº 36, de 2024.

 

II – Do atendimento às regres previstas nos arts. 12 e 18 da LDO:

 

30. Além do cumprimento dos requisitos constitucionais para a abertura de crédito extraordinário, a área técnica solicitou a este Consultivo o ateste ao cumprimento aos arts 12 a 18 da Lei nº 12.791, de 2024 – a LDO de 2024.

 

31. Todavia, tais artigos não são aplicáveís à materia em exame, tendo em vista os respectivos conteúdos, abaixo descritos:

a) o artigo 12 versa sobre Projeto de Lei Orçamentária de 2024 (LOA), a respectiva Lei e os créditos adicionais;
b) o art. 13 versa sobre a constituição da reserva de contingência e sua previsão no Projeto de Lei Orçamentária de 2024 e na respectiva Lei;
c) o art. 14. trata do envio pelo Poder Executivo federal ao Congresso Nacional do Projeto de Lei Orçamentária de 2024 (PLOA);
d) o art. 15 trata do envio  para sanção presidencial do autógrafo do Projeto de Lei Orçamentária de 2024;
e) o art. 16. disciplina a alocação dos recursos na Lei Orçamentária de 2024 e nos créditos adicionais, bem como sua execução;
f) o art. 17 trata da disponibilização de informações atualizadas referentes a contratos no Portal Nacional de Contratações Públicas, e às diversas modalidades de transferências operacionalizadas no Transferegov.br;
g) art. 18, por fim, veda a destinação de recursos na Lei Orçamentária de 2024 para atender a despesas com:
I - início de construção, ampliação, reforma voluptuária, aquisição, novas locações ou arrendamentos de imóveis residenciais funcionais ou oficiais;
II - locação ou arrendamento de mobiliário e equipamento para unidades residenciais funcionais ou oficiais;
III - aquisição de automóveis de representação;
IV - ações de caráter sigiloso;
V - ações que não sejam de competência da União, nos termos do disposto na Constituição;
VI - clubes e associações de agentes públicos ou quaisquer outras entidades congêneres;
VII - pagamento, a qualquer título, a agente público da ativa por serviços prestados, inclusive consultoria, assistência técnica ou assemelhados, à conta de quaisquer fontes de recursos;
VIII - compra de títulos públicos pelas entidades da administração pública federal;
IX - pagamento de diárias e passagens a agente público da ativa por intermédio de convênios ou instrumentos congêneres firmados com entidades de direito privado ou órgãos ou entidades de direito público;
X - concessão, ainda que indireta, de qualquer benefício, vantagem ou parcela de natureza indenizatória a agentes públicos com a finalidade de atender despesas relacionadas a moradia, hospedagem, transporte, bens e serviços de uso residencial ou de interesse pessoal, ou similares, sob a forma de auxílio, ajuda de custo ou qualquer outra denominação;
XI - pagamento, a qualquer título, a empresas privadas que tenham em seu quadro societário servidor público da ativa, empregado de empresa pública ou de sociedade de economia mista, do órgão que pretenda contratar, por serviços prestados, inclusive consultoria, assistência técnica ou assemelhados;
XII - pagamento de diária, para deslocamento a serviço no território nacional, em valor superior ao limite estabelecido no inciso XIV do art. 17 da Lei nº 13.242, de 30 de dezembro de 2015, atualizado monetariamente pelo IPCA acumulado desde a entrada em vigor da referida lei, incluído nesse valor o montante pago a título de despesa de deslocamento ao local de trabalho ou de hospedagem e vice-versa;
XIII - concessão de ajuda de custo para moradia ou de auxílio-moradia e de auxílio-alimentação, ou de qualquer outra espécie de benefício ou auxílio, sem previsão em lei específica e com efeitos financeiros retroativos ao mês anterior ao da protocolização do pedido;
XIV - aquisição de passagens aéreas em desacordo com o disposto no § 6º;
XV - pavimentação de vias urbanas sem a prévia ou concomitante implantação de sistemas ou soluções tecnicamente aceitas de abastecimento de água, esgotamento sanitário, drenagem urbana ou manejo de águas pluviais, quando necessária; e
XVI - pagamento a agente público de qualquer espécie remuneratória ou indenizatória com efeitos financeiros anteriores à entrada em vigor da respectiva lei que estabeleça a remuneração, a indenização ou o reajuste ou que altere ou aumente seus valores.
 

III - CONCLUSÃO

 

32. Diante do exposto, nos termos do art. 36, inciso III, alínea “f”, da Portaria SOF/MPO nº 34, de 8 de fevereiro de 2024, opino pela viabilidade jurídica do pedido de abertura de crédito extraordinário, por meio de medida provisória, com o objetivo de garantir recursos para o atendimento de ações previstas no Programa Retomada Cultural RS.

 

33. As despesas porventura autorizadas por crédito extraordinário para atendimento às consequências derivadas de eventos climáticos no Estado do Rio Grande do Sul  enquadram-se  no Decreto Legislativo nº 36, de 2024.

 

34. É o Parecer.

 

Brasília, 9 de julho de 2024.

 

LARISSA FERNANDES NOGUEIRA DA GAMA

ADVOGADA DA UNIÃO

Coordenadora-Geral de Políticas Culturais Substituta

 

 

 


[1] Art. 11 - Às Consultorias Jurídicas, órgãos administrativamente subordinados aos Ministros de Estado, ao Secretário-Geral e aos demais titulares de Secretarias da Presidência da República e ao Chefe do Estado-Maior das Forças Armadas, compete, especialmente:

I - assessorar as autoridades indicadas no caput deste artigo;

(...)

V - assistir a autoridade assessorada no controle interno da legalidade administrativa dos atos a serem por ela praticados ou já efetivados, e daqueles oriundos de órgão ou entidade sob sua coordenação jurídica;

 

[2] A manifestação consultiva que adentrar questão jurídica com potencial de significativo reflexo em aspecto técnico deve conter justificativa da necessidade de fazê-lo, evitando-se posicionamentos conclusivos sobre temas não jurídicos, tais como os técnicos, administrativos ou de conveniência ou oportunidade, podendo-se, porém, sobre estes emitir opinião ou formular recomendações, desde que enfatizando o caráter discricionário de seu acatamento.

 


Atenção, a consulta ao processo eletrônico está disponível em https://supersapiens.agu.gov.br mediante o fornecimento do Número Único de Protocolo (NUP) 01400017587202421 e da chave de acesso 41b5117a




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