ADVOCACIA-GERAL DA UNIÃO
CONSULTORIA-GERAL DA UNIÃO
CONSULTORIA JURÍDICA JUNTO AO MINISTÉRIO DA CULTURA
COORDENAÇÃO-GERAL DE PARCERIAS E COOPERAÇÃO FEDERATIVA
PARECER n. 00228/2024/CONJUR-MINC/CGU/AGU
NUP: 01400.016314/2024-60
INTERESSADOS: SECRETARIA DO AUDIOVISUAL - SAV/MINC
ASSUNTOS: EDITAL
EMENTA: DIREITO ADMINISTRATIVO. CONCURSO.
I. Edital de Licenciamento de Obras Audiovisuais para Plataforma Pública de Difusão de Conteúdos Audiovisuais Brasileiros sob Demanda.
II. Modalidade de licitação caracterizada como concurso. Art. 6º, inciso XXXIX, da Lei nº 14.133/2021.
III. Ação afirmativa.
IV. Licenciamento de obra audiovisual. Lei n. 9.610/1998.
V. Análise da Minuta do Edital.
VI. Recomendações.
I. RELATÓRIO
Por meio do Ofício nº 863/2024/SAV/GAB/SAV/GM/MinC, a Secretaria do Audiovisual - SAv/MinC solicita análise jurídica sobre minuta de "Edital de Licenciamento de Obras Audiovisuais para Plataforma Pública de Difusão de Conteúdos Audiovisuais Brasileiros sob Demanda", que visa selecionar 405 obras audiovisuais já finalizadas para licenciamento e exibição em plataforma pública de difusão de conteúdos audiovisuais brasileiros sob demanda (streaming público), no valor total de R$ 3.800.000,00 (três milhões e oitocentos mil reais), oriundos do Fundo Nacional de Cultura.
Para o que interessa à presente análise, os autos foram instruídos com a NOTA TÉCNICA Nº 18/2024 (1834212), da SAv/MinC, que contextualiza a demanda e apresenta os critérios de conveniência e oportunidade para a realização do edital, além da minuta de Edital (1846901) e respectivos anexos (1847636 a 1848330), a saber:
ANEXO I - EIXOS TEMÁTICOS E GÊNEROS CINEMATOGRÁFICOS
ANEXO II - DOCUMENTOS PARA INSCRIÇÃO E HABILITAÇÃO
ANEXO III - AUTODECLARAÇÃO ÉTNICO-RACIAL
ANEXO IV - AUTODECLARAÇÃO DE PESSOA COM DEFICIÊNCIA
ANEXO V - FORMULÁRIO DE RECURSO
ANEXO VI - DECLARAÇÃO DE DISPONIBILIDADE DE CÓPIA DA OBRA EM FORMATO E CONDIÇÕES EXIGIDAS PARA EXIBIÇÃO
ANEXO VII - DECLARAÇÃO DE AGÊNCIA E CONTA BANCÁRIA
ANEXO VIII - MINUTA DO CONTRATO DE LICENCIAMENTO DA OBRA AUDIOVISUAL
ANEXO IX - MINUTA DE DECLARAÇÃO DE CLASSIFICAÇÃO INDICATIVA
ANEXO X - INFORMAÇÕES DETALHADAS SOBRE A OBRA AUDIOVISUAL - METADADOS
II. ANÁLISE JURÍDICA
ASPECTOS PRELIMINARES
A presente análise se dá com fundamento no art. 131 da Constituição Federal e no art. 11 da Lei Complementar nº 73/93, c/c o art. 53, da Lei n. 14.133/2021, subtraindo-se do âmbito da competência institucional deste Órgão Jurídico, delimitada em lei, análises que importem em considerações de ordem técnica, financeira ou orçamentária.
Nesse mister, a presente análise restringe-se a apontar possíveis riscos do ponto de vista jurídico e recomendar providências, para salvaguardar a autoridade assessorada, a quem compete avaliar a real dimensão do risco e a necessidade de se adotar ou não a precaução recomendada.
Quanto aos aspectos de natureza técnica, parte-se da premissa de que a autoridade competente municiou-se dos conhecimentos específicos imprescindíveis para a sua adequação às necessidades da Administração e quanto à operacionalidade do instrumento em análise, observando os requisitos legalmente impostos.
Com efeito, compete ao Administrador, por se tratar de critério de oportunidade e conveniência, fazer consignar nos autos a justificativa e motivação para a promoção do concurso, matéria que foge a competência deste órgão jurídico a quem cabe recomendar que tal justificativa seja a mais completa possível. Observo que constam justificativa e motivação do ato na NOTA TÉCNICA Nº 18/2024 (1834212), da Secretaria do Audiovisual - SAv/MinC.
DA LEGISLAÇÃO APLICÁVEL
Dito isso, passo à análise da matéria submetida à consideração desta Consultoria Jurídica, ou seja, o "Edital de Licenciamento de Obras Audiovisuais para Plataforma Pública de Difusão de Conteúdos Audiovisuais Brasileiros sob Demanda", que visa selecionar propostas de pessoas físicas e jurídicas, detentores dos direitos patrimoniais de obras audiovisuais de curta, média e longa metragens profissionais do segmento audiovisual, para o licenciamento de obras que serão destinadas à difusão em Plataforma de Streaming Pública.
Inicialmente, observo que todo edital, como ato administrativo, deve observar os princípios atinentes à administração pública descritos no art. 37, da Constituição Federal, em especial os da legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência, e ainda os princípios da finalidade, motivação, razoabilidade, proporcionalidade, ampla defesa, contraditório, segurança jurídica e interesse público (art. 2º da Lei n. 9.784/1999).
O Edital específico em análise tem seu fundamento precípuo na Constituição Federal de 1988, que, em seu art. 215, imbuiu o Estado (Poder Público de todas as esferas) dos deveres de garantir o acesso às fontes da cultura nacional e de apoiar e incentivar a valorização e a difusão das manifestações culturais
Por outro lado, o art. 216-A da Constituição, que trata do Sistema Nacional de Cultura, estabeleceu como princípios deste a diversidade das expressões culturais, a universalização do acesso aos bens e serviços culturais, o fomento à produção, difusão e circulação de conhecimento e bens culturais, e a cooperação entre os entes federados, os agentes públicos e privados atuantes na área cultural, entre outros (CF/88, art. 216-A, § 1º, incisos I a IV).
A seleção pública em análise, realizada com recursos do Fundo Nacional de Cultura - FNC, encontra ainda fundamento legal no art. 1º, inciso VIII, e art. 2º, inciso I, da Lei n. 8.313/1991, que dispõe:
Art. 1° Fica instituído o Programa Nacional de Apoio à Cultura (Pronac), com a finalidade de captar e canalizar recursos para o setor de modo a:
(...)
VIII - estimular a produção e difusão de bens culturais de valor universal, formadores e informadores de conhecimento, cultura e memória;
(...)
Art. 2° O Pronac será implementado através dos seguintes mecanismos:
I - Fundo Nacional da Cultura (FNC);
(...)
Por oportuno, convém mencionar que a presente seleção não é regida diretamente pela Lei n. 14.903/2024 e pelo Decreto n. 11.453/2023 (Marco Regulatório do Fomento à Cultura), visto que seu objetivo é o fornecimento de bens (obras audiovisuais) pela Administração Pública.
Ou seja, trata-se de objeto típico de um concurso regido pela Lei n. 14.133/2021 (Lei de Licitações e Contratos - LLC), tendo por objetivo final a celebração de um contrato, com interesses contrapostos, em que uma parte (Administração Pública) busca o fornecimento de bens para a execução de uma política pública, enquanto a outra busca a remuneração pelo fornecimento do bem pretendido.
Quando a Lei n. 14.903/2024 (art. 2º, § 4º, e art. 3º, § 2º) refere-se à Lei n. 14.133/2021, seu objetivo é afastar a aplicação desta Lei aos instrumentos específicos do regime jurídico próprio de fomento à cultura, acima mencionados, o que não significa que a LLC não deva ser utilizada em nenhuma ação do Ministério da Cultura, especialmente ações que não se enquadrem em nenhum dos instrumentos específicos do Marco Regulatório da Cultura, como é o caso do Edital em análise.
Com efeito, os instrumentos de execução do regime próprio de fomento à cultura previstos no art. 4º da Lei n. 14.903/2024 não se aplicam ao caso em análise, pelos seguintes motivos:
I - instrumentos com repasse de recursos pela administração pública:
a) não se aplica o termo de execução cultural, porque não se concebe a elaboração de um plano de trabalho (conforme definido pelo art. 13 da Lei) em um projeto que consiste no simples fornecimento de obras audiovisuais diretamente junto àqueles que detêm os direitos sobre essas obras. Sobretudo, não há um "cronograma de execução" possível, e não há uma "estimativa de custos" necessários para a execução da proposta (como em um edital de concurso regido pela LLC, no edital em tela o valor é fixo e determinado pelo órgão licitante, e não guarda relação direta com os custos arcados pelo selecionado com a execução da obra audiovisual). Por outro lado, a Administração Pública (Ministério da Cultura) executará diretamente a ação de fomento, sem a intermediação de um parceiro privado (agente cultural), hipótese que poderia caracterizar uma parceria fomentada por termo de execução cultural (mas não é o caso);
b) não se aplica o termo de premiação cultural, porque no caso em análise a premiação envolve um encargo (licenciamento da obra), incompatível com a modalidade de premiação cultural (doação sem encargo) disciplinada pelos art. 22 e 23 da Lei n. 14.903/2024;
c) não se aplica o termo de bolsa cultural, porque a atividade pretendida não se enquadra entre aquelas previstas no art. 24 da Lei (ações culturais de estudos e pesquisas);
II - não se aplicam os instrumentos sem repasse de recursos (termo de ocupação cultural e termo de cooperação cultural), porque neste caso há repasse de recursos.
No entanto, os princípios e regras gerais que norteiam a Lei n. 14.903/2024 e o Decreto n. 11.453/2023 são aplicáveis e podem ser adotados quando as peculiaridades do caso exigirem uma interpretação consentânea com direcionamento da política cultural dado pelo Marco Regulatório do Fomento à Cultura (por exemplo, no que diz respeito às ações afirmativas). O mesmo se aplica à Portaria MinC n. 29/2009, que também não se aplica diretamente à matéria, mas pode ser usada para sanar eventuais lacunas.
DOS DIREITOS AUTORAIS
A Lei nº 9.610, de 19 de fevereiro de 1998 (Lei de Direitos Autorais - LDA), conceitua e elenca as obras intelectuais que são objeto de proteção do Direito Autoral. Veja-se:
Art. 7º São obras intelectuais protegidas as criações do espírito, expressas por qualquer meio ou fixadas em qualquer suporte, tangível ou intangível, conhecido ou que se invente no futuro, tais como:
I - os textos de obras literárias, artísticas ou científicas;
II - as conferências, alocuções, sermões e outras obras da mesma natureza;
III - as obras dramáticas e dramático-musicais;
IV - as obras coreográficas e pantomímicas, cuja execução cênica se fixe por escrito ou por outra qualquer forma;
V - as composições musicais, tenham ou não letra;
VI - as obras audiovisuais, sonorizadas ou não, inclusive as cinematográficas;
VII - as obras fotográficas e as produzidas por qualquer processo análogo ao da fotografia;
VIII - as obras de desenho, pintura, gravura, escultura, litografia e arte cinética;
IX - as ilustrações, cartas geográficas e outras obras da mesma natureza;
X - os projetos, esboços e obras plásticas concernentes à geografia, engenharia, topografia, arquitetura, paisagismo, cenografia e ciência;
XI - as adaptações, traduções e outras transformações de obras originais, apresentadas como criação intelectual nova;
XII - os programas de computador;
XIII - as coletâneas ou compilações, antologias, enciclopédias, dicionários, bases de dados e outras obras, que, por sua seleção, organização ou disposição de seu conteúdo, constituam uma criação intelectual.
Por sua vez, quanto à transferência de direitos autorais a terceiros, vale apontar as regras específicas estabelecidas nos artigos 49, 50 e 81 da Lei nº 9.610/1998:
Art. 49. Os direitos de autor poderão ser total ou parcialmente transferidos a terceiros, por ele ou por seus sucessores, a título universal ou singular, pessoalmente ou por meio de representantes com poderes especiais, por meio de licenciamento, concessão, cessão ou por outros meios admitidos em Direito, obedecidas as seguintes limitações:
I - a transmissão total compreende todos os direitos de autor, salvo os de natureza moral e os expressamente excluídos por lei;
II - somente se admitirá transmissão total e definitiva dos direitos mediante estipulação contratual escrita;
III - na hipótese de não haver estipulação contratual escrita, o prazo máximo será de cinco anos;
IV - a cessão será válida unicamente para o país em que se firmou o contrato, salvo estipulação em contrário;
V - a cessão só se operará para modalidades de utilização já existentes à data do contrato;
VI - não havendo especificações quanto à modalidade de utilização, o contrato será interpretado restritivamente, entendendo-se como limitada apenas a uma que seja aquela indispensável ao cumprimento da finalidade do contrato.
Art. 50. A cessão total ou parcial dos direitos de autor, que se fará sempre por escrito, presume-se onerosa.
§ 1º Poderá a cessão ser averbada à margem do registro a que se refere o art. 19 desta Lei, ou, não estando a obra registrada, poderá o instrumento ser registrado em Cartório de Títulos e Documentos.
§ 2º Constarão do instrumento de cessão como elementos essenciais seu objeto e as condições de exercício do direito quanto a tempo, lugar e preço.
Art. 81. A autorização do autor e do intérprete de obra literária, artística ou científica para produção audiovisual implica, salvo disposição em contrário, consentimento para sua utilização econômica.
§ 1º A exclusividade da autorização depende de cláusula expressa e cessa dez anos após a celebração do contrato.
§ 2º Em cada cópia da obra audiovisual, mencionará o produtor:
I - o título da obra audiovisual;
II - os nomes ou pseudônimos do diretor e dos demais co-autores;
III - o título da obra adaptada e seu autor, se for o caso;
IV - os artistas intérpretes;
V - o ano de publicação;
VI - o seu nome ou marca que o identifique.
VII - o nome dos dubladores. (Incluído pela Lei nº 12.091, de 2009)
Art. 86. Os direitos autorais de execução musical relativos a obras musicais, lítero-musicais e fonogramas incluídos em obras audiovisuais serão devidos aos seus titulares pelos responsáveis dos locais ou estabelecimentos a que alude o § 3o do art. 68 desta Lei, que as exibirem, ou pelas emissoras de televisão que as transmitirem.
Sobre a questão, importante apontar o que ensina o Manual de Direitos Autorais publicado pelo Tribunal de Contas da União (ed. 2020) quanto aos instrumentos contratuais utilizados para transferência de direitos:
Ressalte-se que somente o direito patrimonial pode ser transferido, por meio de contrato de cessão e de licença. A licença, geralmente, é mais simples e estabelece o uso da obra por um tempo.
A cessão pode ser parcial ou total, o que significa dizer que posso transferir a integralidade da obra ou apenas parte dela, para pessoa física ou jurídica. Aqui há transferência de patrimônio. Isso significa que o autor– geralmente o detentor original dos direitos patrimoniais – não poderá mais optar ou escolher como sua obra será divulgada, publicada, exposta ou comercializada.
Assim, quando um fotógrafo cede os direitos autorais sobre sua foto, ele está transferindo a outra pessoa todos os direitos patrimoniais sobre ela. Essa outra pessoa poderá publicá-la, guardá-la, vendê-la, expô-la, enfim, terá o direito de utilizar, fruir e dispor da fotografia da maneira como quiser e para sempre. Nesse caso, o fotógrafo só mantém os direitos morais, como, por exemplo, o direito ao crédito e à integridade da obra.
Já a licença ou autorização de uso de obra intelectual possui caráter limitado, ou seja, pode ser concedida por determinado período, para determinada forma ou meio de utilização ou comercialização. Ou seja, estabelece autorização para uma determinada modalidade de utilização para um determinado destinatário, por um determinado tempo, sem contudo se operar a transferência do direito. A licença é somente uma autorização de uso.
(...)
Temos que, em ambos os casos há a transferência de direitos patrimoniais previstos por escrito, em contrato, de forma explícita e previamente ao exercício do direito. A cessão total ou parcial dos direitos de autor, que se fará sempre por escrito, presume-se onerosa, ou seja, se a cessão for gratuita deverá estar expresso.
(Panzolini, Carolina. Manual de direitos autorais / Carolina Panzolini, Silvana Demartini. – Brasília: TCU, Secretaria-Geral de Administração, 2020)
A Lei nº 9.610/1998, no entanto, além de não ter sido, tecnicamente, muito precisa na sua terminologia, não logrou estabelecer as diferenças entre os referidos instrumentos. Regra geral, a licença ou autorização de uso é utilizada para transferência de direito patrimonial por determinado período, para determinada forma ou meio de utilização, nos termos estabelecidos no regulamento do concurso.
Vale notar, ainda, que a LDA, em seu art. 86 (acima transcrito), estabelece que os direitos autorais de execução musical relativos a obras musicais, lítero-musicais e fonogramas incluídos em obras audiovisuais serão devidos aos seus titulares pelos responsáveis dos locais ou estabelecimentos que as exibirem, ou pelas emissoras de televisão que as transmitirem. Assim, o pagamento dos direitos autorais referentes ao ECAD deverá ser providenciado pelo Ministério da Cultura ou por que quem exiba as obras disponibilizadas na Plataforma.
Dito isso, além das sugestões indicadas neste Parecer (nos itens referentes às minutas de Edital e Contrato), recomendo que a Secretaria de Direitos Autorais e Intelectuais - SDAI/MinC seja consultada, para apreciação dos aspectos do Edital e Contrato que dizem respeito às competências daquele órgão.
DAS AÇÕES AFIRMATIVAS
O item 8 da minuta de Edital em análise estabelece ações afirmativas, que visam garantir a representatividade de negros, mulheres, pessoas trans e não binárias, indígenas e pessoas com deficiência (item 8.1), além da representatividade regional (item 8.5) entre as obras a serem disponibilizadas na plataforma de streaming a ser criada pelo Ministério da Cultura.
Vale notar, nesse sentido, que a Constituição Federal estabelece, em seu art. 3º, os objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil, in verbis:
Art. 3º Constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil:
I - construir uma sociedade livre, justa e solidária;
(...)
III - erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais;
IV - promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação.
O princípio da igualdade que inspira os dispositivos recém-transcritos é novamente contemplado no art. 5º, não somente em seu caput, como também em diversos de seus incisos:
Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:
I - homens e mulheres são iguais em direitos e obrigações, nos termos desta Constituição;
(...)
XLI - a lei punirá qualquer discriminação atentatória dos direitos e liberdades fundamentais;
XLII - a prática do racismo constitui crime inafiançável e imprescritível, sujeito à pena de reclusão, nos termos da lei;
(...)
Com base nos dispositivos constitucionais transcritos, infere-se a prevalência, na Carta Magna, da concepção de igualdade material (ou substancial) em detrimento da igualdade meramente formal. Assim, é possível concluir que a Constituição não só autoriza a ação afirmativa, como determina a sua instituição, como forma de alcançar a almejada igualdade substancial. Nas palavras de Carmem Lúcia Rocha:
Somente a ação afirmativa, vale dizer, atuação transformadora, igualadora pelo e segundo o Direito possibilita a verdade do princípio da igualdade, para se chegar à igualdade que a Constituição brasileira garante como direito fundamental de todos.
(ROCHA, Carmem Lúcia Antunes. Ação Afirmativa – O Conteúdo Democrático do Princípio da Igualdade Jurídica. In Revista Trimestral de Direito Público nº 15/96)
Confere-se, assim, com amparo no princípio da isonomia, tratamento desigual aos desiguais, na medida de suas desigualdades. É o que nos ensina Joaquim Barbosa:
Essa, portanto, é a concepção moderna e dinâmica do princípio constitucional da igualdade, a que conclama o Estado a deixar de lado a passividade, a renunciar à sua suposta neutralidade e a adotar um comportamento ativo, positivo, afirmativo, quase militante na busca da concretização da igualdade substancial.
(GOMES, Joaquim B. Barbosa. A Recepção do Instituto da Ação Afirmativa pelo Direito Constitucional Brasileiro. In Revista de Informação Legislativa, ano 38, n 151, p. 129, 2001)
Por outro lado, o art. 4º, § 4º, da Lei n. 14.903/2024 estabelece, no âmbito específico do Marco Regulatório do Fomento à Cultura, o que se segue sobre as ações afirmativas e reparatórias:
§ 4º As ações afirmativas e reparatórias de direitos poderão ser realizadas por meio do lançamento de editais específicos, de linhas exclusivas em editais, da previsão de cotas, da definição de bônus de pontuação, da adequação de procedimentos relativos à execução de instrumento ou prestação de contas, entre outros mecanismos similares direcionados a territórios, povos, comunidades, grupos ou populações específicos.
No mesmo sentido, os art. 3º, incisos II, VI e VIII, e art. 5º do Decreto n. 11.453/2023 reforçam os fundamentos dos aspectos afirmativos do Edital:
Art. 3º Os mecanismos de fomento cultural contribuirão para:
(...)
II - estimular a expressão cultural dos diferentes grupos e comunidades que compõem a sociedade brasileira;
(...)
VI - fomentar atividades culturais afirmativas para a promoção da cidadania cultural, da acessibilidade às atividades artísticas e da diversidade cultural;
(...)
VIII - fomentar o desenvolvimento de atividades artísticas e culturais pelos povos indígenas e pelas comunidades tradicionais brasileiras;
(...)
Art. 5º As ações afirmativas e reparatórias de direitos poderão ser realizadas por meio de editais específicos, de linhas exclusivas em editais, da previsão de cotas, da definição de bônus de pontuação, da adequação de procedimentos relativos à execução de instrumento ou prestação de contas, entre outros mecanismos similares destinados especificamente a determinados territórios, povos, comunidades, grupos ou populações.
A SAv/MinC afirma, ainda, que a ação afirmativa do Edital inspira-se nas recentes Instruções Normativas MinC nº 05, de 10 de agosto de 2023 e nº 10, de 28 de dezembro de 2023.
Portanto, as ações afirmativas estabelecidas pelo Edital em análise estão em sintonia com a legislação vigente.
Ressalto que a ação afirmativa deve ser expressamente justificada pelo órgão proponente, sob o ponto de vista técnico, com base no diagnóstico da desigualdade que se pretende abordar, já que a possibilidade jurídica da ação, em tese, não se confunde com a motivação do ato.
DO PROCESSO LICITATÓRIO
Uma vez contextualizado o cenário normativo em que a proposta em análise se insere, observo que o processo público de seleção (também denominado chamamento público ou chamada pública) é materializado por meio de um “edital”, que é instrumento jurídico proveniente do direito administrativo, pelo qual a Administração Pública leva ao conhecimento público determinado certame, fixando as condições de sua realização e convocando os interessados para apresentação de suas propostas/projetos.
Segundo a doutrina administrativista, as modalidades de licitação pública se dividem entre comuns e especiais. Ao lado do leilão, o concurso é considerado uma modalidade especial, porque dispensa as formalidades específicas das comuns, além da especificidade do seu objetivo. Nos termos do art. 6º, inciso XXXIX, da Lei nº 14.133, de 2021, concurso é a “modalidade de licitação para escolha de trabalho técnico, científico ou artístico, cujo critério de julgamento será o de melhor técnica ou conteúdo artístico, e para concessão de prêmio ou remuneração ao vencedor."
Neste ponto, vale notar que o prêmio da LLC não se confunde com o prêmio cultural de que trata o Marco Regulatório de Fomento à Cultura, já que este último caracteriza-se como doação sem encargo, enquanto o prêmio (ou remuneração) da LLC não é doação e pressupõe sempre um encargo (que pode ser, por exemplo, a entrega de um projeto arquitetônico, a execução de um trabalho artístico, a cessão de direitos autorais ou o licenciamento de direitos sobre uma obra de conteúdo artístico, como no caso em tela).
Portanto, o concurso é uma modalidade peculiar, em que há a instituição de prêmio ou remuneração aos vencedores do certame, que pode destinar-se ao incentivo ao desenvolvimento cultural ou à obtenção de resultado prático imediato (no caso em tela, a formação de um streaming público de obras audiovisuais produzidas no Brasil). Neste sentido, Marçal Justen Filho ensina que:
1) Considerações gerais
O concurso pressupõe o interesse da Administração em selecionar trabalho técnico ou artístico, exteriorizador de habilidade físico-intelectual ou revelador de certas capacidades personalíssimas, seja para fins de incentivo ao desenvolvimento cultural seja para obtenção de resultado prático imediato.
(...)
4.2) Eventual cabimento de exigência de qualificação
(...)
Serão válidas restrições compatíveis com o interesse que conduziu a Administração a desencadear o concurso. Assim, por exemplo, o interesse de incentivar o surgimento de novos artistas autoriza vedação à participação de autores cujas obras já tenham sido publicadas.
(...)
5) As diretrizes e a forma de apresentação do trabalho
O edital deve estabelecer diretrizes quanto ao trabalho e disciplinar a sua forma de apresentação.
As soluções dependerão das peculiaridades da prestação e das finalidades pretendidas pela Administração. Em alguns casos, haverá um trabalho escrito e, outros, tratar-se-á da elaboração de um anteprojeto. Há situações em que o trabalho consiste numa performance.
6) Prêmio ou remuneração
O concurso pode ser orientado a atribuir ao vencedor um bem economicamente avaliável ou uma honraria de outra natureza. O prêmio não significa uma mera liberalidade da Administração. No concurso, a premiação final funciona como fator de incentivo aos possíveis interessados em participar do concurso, tal como um meio para fomentar o desenvolvimento de atividade merecedoras de tutela estatal.
(...)
8) Prazos
A instauração do concurso deve ser objeto de divulgação a mais ampla possível. Exige-se que o prazo da divulgação seja compatível com a complexidade e as características do objeto a ser executado.
Suponha-se que o prazo mínimo para execução de um certo trabalho seja de três meses. Se a apresentação dos trabalhos for fixada para quarenta e cinco dias após a divulgação da abertura do concurso, somente terão condições práticas de concorrer aqueles que, por algum motivo, já haviam iniciado o trabalho antes da divulgação do concurso. Por isso, deve reputar-se que o prazo mínimo, no concurso, deverá ser compatível com a espécie de trabalho técnico ou artístico de que se trate. (grifou-se)
(Justen Filho, Marçal. Comentários à lei de licitações e contratações administrativas [livro eletrônico]. São Paulo: Thomson Reuters Brrasil. 2021. p. 447-449)
Lucas Rocha Furtado, examinando as diferenças entre o concurso e as demais modalidades licitatórias aduz que:
São duas as diferenças básicas entre o concurso e as demais modalidades de licitação que visam à contratação de empresas ou profissionais para a prestação de serviços. Nessas últimas, o serviço será prestado após a seleção, e o preço a ser pago é indicado pelo próprio licitante em sua proposta. O preço apresentado pelo licitante, aliás, será utilizado como critério básico para a escolha da melhor proposta. No concurso, ao contrário, os trabalhos são apresentados prontos e acabados, e o preço a ser pago, o denominado prêmio, já foi fixado pela Administração no edital do próprio certame. (grifou-se)
(Curso de Direito Administrativo. Ed. Fórum. Belo Horizonte, 2013. 4. ed. p. 425)
Como modalidade de licitação, o concurso deve observar as regras da Lei nº 14.133/2021, além dos princípios que lhes são aplicáveis, destacando-se, dentre outros, o da igualdade, da legalidade, da impessoalidade, da moralidade, da publicidade, do julgamento objetivo e da vinculação ao instrumento convocatório. Nesse sentido, destaca-se o estabelecido no art. 5º da Lei nº 14.133/2021:
Art. 5º Na aplicação desta Lei, serão observados os princípios da legalidade, da impessoalidade, da moralidade, da publicidade, da eficiência, do interesse público, da probidade administrativa, da igualdade, do planejamento, da transparência, da eficácia, da segregação de funções, da motivação, da vinculação ao edital, do julgamento objetivo, da segurança jurídica, da razoabilidade, da competitividade, da proporcionalidade, da celeridade, da economicidade e do desenvolvimento nacional sustentável, assim como as disposições do Decreto-Lei nº 4.657, de 4 de setembro de 1942 (Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro).
DA REGULARIDADE PROCESSUAL
A análise da regularidade da licitação refere-se aos requisitos previstos na Lei nº 14.133/2021 necessários à instrução da fase preparatória do concurso, cabendo ao Administrador observar as demais exigências concernentes à fase externa do procedimento em momento oportuno, posterior a presente manifestação jurídica.
O art. 17 da LLC estabelece as fases do processo licitatório nos seguintes termos:
Art. 17. O processo de licitação observará as seguintes fases, em sequência:
I - preparatória;
II - de divulgação do edital de licitação;
III - de apresentação de propostas e lances, quando for o caso;
IV - de julgamento;
V - de habilitação;
VI - recursal;
VII - de homologação.
§ 1º A fase referida no inciso V do caput deste artigo poderá, mediante ato motivado com explicitação dos benefícios decorrentes, anteceder as fases referidas nos incisos III e IV do caput deste artigo, desde que expressamente previsto no edital de licitação.
§ 2º As licitações serão realizadas preferencialmente sob a forma eletrônica, admitida a utilização da forma presencial, desde que motivada, devendo a sessão pública ser registrada em ata e gravada em áudio e vídeo.
§ 3º Desde que previsto no edital, na fase a que se refere o inciso IV do caput deste artigo, o órgão ou entidade licitante poderá, em relação ao licitante provisoriamente vencedor, realizar análise e avaliação da conformidade da proposta, mediante homologação de amostras, exame de conformidade e prova de conceito, entre outros testes de interesse da Administração, de modo a comprovar sua aderência às especificações definidas no termo de referência ou no projeto básico.
§ 4º Nos procedimentos realizados por meio eletrônico, a Administração poderá determinar, como condição de validade e eficácia, que os licitantes pratiquem seus atos em formato eletrônico.
§ 5º Na hipótese excepcional de licitação sob a forma presencial a que refere o § 2º deste artigo, a sessão pública de apresentação de propostas deverá ser gravada em áudio e vídeo, e a gravação será juntada aos autos do processo licitatório depois de seu encerramento.
(...)
Em que pese o Edital em tela refletir todas as fases do procedimento licitatório descritas no art. 17, recomendo a leitura do dispositivo e seus parágrafos, e avaliação das alterações permitidas, especialmente o contido no § 1º, que permite que, mediante ato motivado com explicitação dos benefícios decorrentes, a fase de habilitação anteceda a fase de julgamento, se o órgão julgar conveniente.
Recomendo, ainda, a leitura dos arts. 62 a 70 da LLC, que estabelecem condições de habilitação que podem ser aproveitadas no edital de concurso, no que couber.
Em seu art. 18, a Lei nº 14.133/2021, estabeleceu que a fase preparatória do processo licitatório é caracterizada pelo planejamento e deve compatibilizar-se com o plano de contratações anual de que trata o inciso VII do caput do art. 12 da referida lei e com as leis orçamentárias, bem como abordar todas as considerações técnicas, mercadológicas e de gestão que podem interferir na contratação.
Quanto à formação do processo e sua regular instrução, é necessário observar que os autos devem atender, em especial, ao disposto no art. 18 da LLC, no que couber, a saber:
Art. 18. A fase preparatória do processo licitatório é caracterizada pelo planejamento e deve compatibilizar-se com o plano de contratações anual de que trata o inciso VII do caput do art. 12 desta Lei, sempre que elaborado, e com as leis orçamentárias, bem como abordar todas as considerações técnicas, mercadológicas e de gestão que podem interferir na contratação, compreendidos:
I - a descrição da necessidade da contratação fundamentada em estudo técnico preliminar que caracterize o interesse público envolvido;
II - a definição do objeto para o atendimento da necessidade, por meio de termo de referência, anteprojeto, projeto básico ou projeto executivo, conforme o caso;
III - a definição das condições de execução e pagamento, das garantias exigidas e ofertadas e das condições de recebimento;
IV - o orçamento estimado, com as composições dos preços utilizados para sua formação;
V - a elaboração do edital de licitação;
VI - a elaboração de minuta de contrato, quando necessária, que constará obrigatoriamente como anexo do edital de licitação;
VII - o regime de fornecimento de bens, de prestação de serviços ou de execução de obras e serviços de engenharia, observados os potenciais de economia de escala;
VIII - a modalidade de licitação, o critério de julgamento, o modo de disputa e a adequação e eficiência da forma de combinação desses parâmetros, para os fins de seleção da proposta apta a gerar o resultado de contratação mais vantajoso para a Administração Pública, considerado todo o ciclo de vida do objeto;
IX - a motivação circunstanciada das condições do edital, tais como justificativa de exigências de qualificação técnica, mediante indicação das parcelas de maior relevância técnica ou valor significativo do objeto, e de qualificação econômico-financeira, justificativa dos critérios de pontuação e julgamento das propostas técnicas, nas licitações com julgamento por melhor técnica ou técnica e preço, e justificativa das regras pertinentes à participação de empresas em consórcio;
X - a análise dos riscos que possam comprometer o sucesso da licitação e a boa execução contratual;
XI - a motivação sobre o momento da divulgação do orçamento da licitação, observado o art. 24 desta Lei.
Observo, desde já, que não constam dos autos os documentos exigidos pelos incisos I, II e X do art. 18 da LLC (acima transcrito), ou seja: o Estudo Técnico Preliminar (art. 18, inciso I), o Termo de Referência (art. 18, inciso II) e a análise dos riscos (art. 18, inciso X). Todos esses documentos têm natureza eminentemente técnica, não cabendo a esta Consultoria opinar sobre seu conteúdo.
O Estudo Técnico Preliminar é tratado no caput do art. 18, inciso I, da LLC e complementado por seus parágrafos, que dispõem sobre os elementos que devem constar desse documento nos seguintes termos:
§ 1º O estudo técnico preliminar a que se refere o inciso I do caput deste artigo deverá evidenciar o problema a ser resolvido e a sua melhor solução, de modo a permitir a avaliação da viabilidade técnica e econômica da contratação, e conterá os seguintes elementos:
I - descrição da necessidade da contratação, considerado o problema a ser resolvido sob a perspectiva do interesse público;
II - demonstração da previsão da contratação no plano de contratações anual, sempre que elaborado, de modo a indicar o seu alinhamento com o planejamento da Administração;
III - requisitos da contratação;
IV - estimativas das quantidades para a contratação, acompanhadas das memórias de cálculo e dos documentos que lhes dão suporte, que considerem interdependências com outras contratações, de modo a possibilitar economia de escala;
V - levantamento de mercado, que consiste na análise das alternativas possíveis, e justificativa técnica e econômica da escolha do tipo de solução a contratar;
VI - estimativa do valor da contratação, acompanhada dos preços unitários referenciais, das memórias de cálculo e dos documentos que lhe dão suporte, que poderão constar de anexo classificado, se a Administração optar por preservar o seu sigilo até a conclusão da licitação;
VII - descrição da solução como um todo, inclusive das exigências relacionadas à manutenção e à assistência técnica, quando for o caso;
VIII - justificativas para o parcelamento ou não da contratação;
IX - demonstrativo dos resultados pretendidos em termos de economicidade e de melhor aproveitamento dos recursos humanos, materiais e financeiros disponíveis;
X - providências a serem adotadas pela Administração previamente à celebração do contrato, inclusive quanto à capacitação de servidores ou de empregados para fiscalização e gestão contratual;
XI - contratações correlatas e/ou interdependentes;
XII - descrição de possíveis impactos ambientais e respectivas medidas mitigadoras, incluídos requisitos de baixo consumo de energia e de outros recursos, bem como logística reversa para desfazimento e reciclagem de bens e refugos, quando aplicável;
XIII - posicionamento conclusivo sobre a adequação da contratação para o atendimento da necessidade a que se destina.
§ 2º O estudo técnico preliminar deverá conter ao menos os elementos previstos nos incisos I, IV, VI, VIII e XIII do § 1º deste artigo e, quando não contemplar os demais elementos previstos no referido parágrafo, apresentar as devidas justificativas.
(...)
Observo que a Nota Técnica n. 18/2024 reune alguns elementos obrigatórios do Estudo Técnico Preliminar (conforme § 2º do art. 18, acima transcrito), mas não todos. Vale atentar, especialmente, para a necessidade de apresentação de justificativa para o valor do prêmio/remuneração, conforme art. 18, § 1º , VI, c/c art. 23 da LLC.
Vale notar ainda que, para o uso do critério de julgamento por melhor técnica ou conteúdo artístico, o Estudo Técnico Preliminar deve observar também o disposto na Instrução Normativa SEGES nº 58, de 8 de agosto de 2022, no que couber.
O Termo de Referência é documento que serve para a definição do objeto do Edital, e para que a Administração Pública registre os elementos orientadores do Edital, inclusive com as justificativas para os critérios de seleção e demais itens indicados no art. 6º, XXIII, da LLC, no que couber:
XXIII - termo de referência: documento necessário para a contratação de bens e serviços, que deve conter os seguintes parâmetros e elementos descritivos:
a) definição do objeto, incluídos sua natureza, os quantitativos, o prazo do contrato e, se for o caso, a possibilidade de sua prorrogação;
b) fundamentação da contratação, que consiste na referência aos estudos técnicos preliminares correspondentes ou, quando não for possível divulgar esses estudos, no extrato das partes que não contiverem informações sigilosas;
c) descrição da solução como um todo, considerado todo o ciclo de vida do objeto;
d) requisitos da contratação;
e) modelo de execução do objeto, que consiste na definição de como o contrato deverá produzir os resultados pretendidos desde o seu início até o seu encerramento;
f) modelo de gestão do contrato, que descreve como a execução do objeto será acompanhada e fiscalizada pelo órgão ou entidade;
g) critérios de medição e de pagamento;
h) forma e critérios de seleção do fornecedor;
i) estimativas do valor da contratação, acompanhadas dos preços unitários referenciais, das memórias de cálculo e dos documentos que lhe dão suporte, com os parâmetros utilizados para a obtenção dos preços e para os respectivos cálculos, que devem constar de documento separado e classificado;
j) adequação orçamentária;
A análise de riscos visa identificar os riscos que possam comprometer o sucesso da licitação e a boa execução contratual. Este aspecto também faz parte do procedimento preparatório para publicação de um edital de licitação e pode ser tratado em Nota Técnica do órgão que organiza a seleção.
Observo que nem todos os itens indicados nos art. 6º, XXIII, e art. 18 da LLC e na Instrução Normativa SEGES nº 58/2022, aplicam-se ao caso em tela. Assim, cabe ao órgão técnico avaliar os aspectos em que o concurso pretendido pode se enquadrar e juntar aos autos as devidas justificativas quando entender que determinado requisito não se aplica.
DA MINUTA DE EDITAL
No que tange às disposições específicas da Lei nº 14.133/2021 quanto ao conteúdo do Edital, destacam-se os seguintes dispositivos aplicáveis à minuta em tela, no que couber:
Art. 18. (...)
VI - a elaboração de minuta de contrato, quando necessária, que constará obrigatoriamente como anexo do edital de licitação;
(...)
Art. 25. O edital deverá conter o objeto da licitação e as regras relativas à convocação, ao julgamento, à habilitação, aos recursos e às penalidades da licitação, à fiscalização e à gestão do contrato, à entrega do objeto e às condições de pagamento.
§ 1º Sempre que o objeto permitir, a Administração adotará minutas padronizadas de edital e de contrato com cláusulas uniformes.
(...)
§ 3º Todos os elementos do edital, incluídos minuta de contrato, termos de referência, anteprojeto, projetos e outros anexos, deverão ser divulgados em sítio eletrônico oficial na mesma data de divulgação do edital, sem necessidade de registro ou de identificação para acesso.
Art. 30. O concurso observará as regras e condições previstas em edital, que indicará:
I - a qualificação exigida dos participantes;
II - as diretrizes e formas de apresentação do trabalho;
III - as condições de realização e o prêmio ou remuneração a ser concedida ao vencedor.
Parágrafo único. Nos concursos destinados à elaboração de projeto, o vencedor deverá ceder à Administração Pública, nos termos do art. 93 desta Lei, todos os direitos patrimoniais relativos ao projeto e autorizar sua execução conforme juízo de conveniência e oportunidade das autoridades competentes.
Art. 35. O julgamento por melhor técnica ou conteúdo artístico considerará exclusivamente as propostas técnicas ou artísticas apresentadas pelos licitantes, e o edital deverá definir o prêmio ou a remuneração que será atribuída aos vencedores.
Parágrafo único. O critério de julgamento de que trata o caput deste artigo poderá ser utilizado para a contratação de projetos e trabalhos de natureza técnica, científica ou artística.
Art. 54. A publicidade do edital de licitação será realizada mediante divulgação e manutenção do inteiro teor do ato convocatório e de seus anexos no Portal Nacional de Contratações Públicas (PNCP).
§ 1º (VETADO).
§ 1º Sem prejuízo do disposto no caput, é obrigatória a publicação de extrato do edital no Diário Oficial da União, do Estado, do Distrito Federal ou do Município, ou, no caso de consórcio público, do ente de maior nível entre eles, bem como em jornal diário de grande circulação. (Promulgação partes vetadas)
§ 2º É facultada a divulgação adicional e a manutenção do inteiro teor do edital e de seus anexos em sítio eletrônico oficial do ente federativo do órgão ou entidade responsável pela licitação ou, no caso de consórcio público, do ente de maior nível entre eles, admitida, ainda, a divulgação direta a interessados devidamente cadastrados para esse fim.
§ 3º Após a homologação do processo licitatório, serão disponibilizados no Portal Nacional de Contratações Públicas (PNCP) e, se o órgão ou entidade responsável pela licitação entender cabível, também no sítio referido no §2º deste artigo, os documentos elaborados na fase preparatória que porventura não tenham integrado o edital e seus anexos.
Art. 55. Os prazos mínimos para apresentação de propostas e lances, contados a partir da data de divulgação do edital de licitação, são de:
(...)
IV - para licitação em que se adote o critério de julgamento de técnica e preço ou de melhor técnica ou conteúdo artístico, 35 (trinta e cinco) dias úteis.
Art. 65. As condições de habilitação serão definidas no edital.
(...)
Vê-se, pois, considerando os dispositivos legais acima transcritos, que o Edital de concurso deve indicar, pelo menos, (a) a qualificação exigida dos participantes, (b) as diretrizes e a forma de apresentação do trabalho e (c) as condições de realização e o prêmio a ser concedido ao vencedor (art. 30 da LLC). Observo que o Edital em tela atende, em linhas gerais, aos referidos critérios.
Vale notar, ainda, que a Instrução Normativa SEGES/MGI nº 12, de 31/3/2023 regulamenta a licitação pelo critério de julgamento por melhor técnica ou conteúdo artístico, na forma eletrônica. Assim, cabe ao órgão técnico manifestar-se sobre a viabilidade de aderência à norma, ou justificar seu afastamento, observando o disposto nos §§ 2º e 5º do art. 17 da Lei nº 14.133/2021.
Caso a área técnica entenda que o procedimento eletrônico disposto na IN SEGES/MGI n. 12/2023 não seja aplicável ao caso em tela, entendemos que a Instrução Normativa em destaque não pode servir de empecilho para a realização do concurso. Destaca-se que, conforme já mencionado, o Estado tem a missão fixada na Constituição de incentivar e valorizar a cultura, e, segundo informa a SAv/MinC, na NOTA TÉCNICA Nº 18/2024, "o edital está alinhado com as metas do Plano Nacional de Cultura, especialmente a meta 40, que visa a disponibilização na internet dos conteúdos que estejam em domínio público ou licenciados. Essa contribuição é essencial para a difusão da produção cinematográfica brasileira em escala nacional e internacional".
Diante dos dispositivos acima transcritos, observo que o Edital em análise contempla as seguintes informações exigidas pela LLC, sem prejuízo de outras julgadas necessárias pela área técnica:
Exigência legal |
Item do Edital |
Minuta de contrato como anexo do edital (art. 18 da LLC) |
Anexo VIII |
Objeto do concurso (art. 25 da LLC) |
Item 1 |
Regras relativas à convocação do selecionados (art. 25 da LLC) |
Item 14 |
Penalidades, fiscalização e gestão do contrato, entrega do objeto e condições de pagamento (art. 25 da LLC) |
Item 14 (condições de pagamento) Item 15 e Anexo VIII (penalidades) Anexo VIII (entrega do objeto) |
Qualificação exigida dos participantes (art. 30, inciso I da LLC) |
Item 6 |
Diretrizes e formas de apresentação do trabalho (art. 30, inciso II da LLC) |
Anexo VIII |
Condições de realização do concurso e a premiação a ser concedida (art. 30, inciso III da LLC) |
Itens 1 e 5 |
Prazo mínimo de 35 (trinta e cinco) dias úteis para apresentação das propostas (art. 55 da LLC) |
Item 5.1.1 (a ser preenchido) |
Previsão de fases de habilitação e avaliação dos trabalhos, no que couber (art. 25, 35 e 65 da LLC) |
Item 11 |
Previsão de desclassificação de propostas (art. 59 da LLC) |
Itens 10.8 e 11.2.5 |
Critérios de julgamento, com procedimento para ponderação e valoração das propostas de forma clara e parâmetros objetivos (art. 5 e 33 da LLC) |
Item 11.2.2 (vide comentários mais adiante) |
Instruções e normas para recurso (art. 165 da LLC) |
Item 12 |
Possibilidade de impugnação, revogação ou anulação do Edital (art. 71 e 164 da LLC) |
Itens 5.6.7 e 16.12 (recomendo adequação ao disposto no art. 164 da LLC) |
Dito isso, e com base na legislação mencionada neste Parecer, entendo necessárias as seguintes observações sobre a minuta de Edital em análise e respectivos Anexos:
No preâmbulo, sugiro que se retire a menção à Secretária do Audiovisual, já que o Edital será assinado também pela Ministra de Estado da Cultura, que representa a Pasta para todos os efeitos.
No item 1.1 e ao longo de todo o Edital, assim como nos anexos (especialmente na minuta de Contrato) a menção à "cessão de forma onerosa dos direitos de exibição" deve ser substituída por "licenciamento a fim de tornar as obras selecionadas disponíveis ao público em plataforma...", já que esta parece ser a verdadeira intenção da seleção.
Convém notar que a cessão é a transferência definitiva dos direitos autorais para outra pessoa, enquanto o licenciamento é um acordo que permite o uso da obra por terceiros, mas o titular dos direitos autorais mantém a propriedade e o controle sobre a obra.
Nesse mesmo sentido, recomendo que a minuta seja submetida à Secretaria de Direitos Autorais e Intelectuais - SDAI/MinC para avaliação dos aspectos que dizem respeito às competências desse órgão.
No item 5.1.1 do Edital (ainda não preenchido na minuta em análise), deve ser observado o prazo de no mínimo 35 dias, conforme art. 55 da LLC.
Recomendo que o item 5.6.7, referente à impugnação do Edital, seja adequado aos prazos dispostos no art. 164 da LCC.
Os itens 6.4, 6.8 e 6.9 devem ser revistos em conjunto e reunidos em sequência, já que alguns aspectos destes são tratados de forma repetida, e outros de forma conflitante (o item 6.9 menciona apenas uma parte dos direitos de que trata o item 6.4). Este é outro aspecto que pode ser avaliado com a ajuda da SDAI/MinC.
No item 6.4, recomendo que a palavra "declarar" seja substituída por "comprovar", já que esta é a intenção do dispositivo, interpretado conjuntamente com os itens 6.8 e 6.9.
Recomendo ainda esclarecer que as violações de que trata o item 6.4 são aquelas relacionadas à produção da obra (e não à exibição).
Para fins de clareza do item 6.6, recomendo que seja fundido com o item 6.6.1, adotando-se a seguinte redação:
6.6. Cada proponente poderá apresentar até 4 (quatro) propostas e ser selecionado para o licenciamento de até 2 (duas) obras, conforme previsão do item 1.1, salvo se for Distribuidora Brasileira Independente, hipótese em que poderá apresentar até 8 (oito) propostas e ser selecionada para o licenciamento de até 6 (seis) obras, de acordo com a distribuição contida no item 1.1.
Para o item 6.10, inciso I, e respectiva nota explicativa, sugiro a seguinte redação:
6.10. ...........................................................................................................
I - Classificação Indicativa (ClassInd) expedida pelo Ministério da Justiça e Segurança Pública e publicada no Diário Oficial da União. Caso a obra tenha Classificação Indicativa publicada em Diário Oficial da União, torna-se obrigatória a escolha desta opção e o envio do respectivo comprovante, sob pena de desclassificação na fase de habilitação. Pesquisar obras em: https://www.justica.gov.br/seus-direitos/classificacao;
...................................................................................................................
Atenção: A declaração de classificação indicativa será aceita no momento da inscrição da proposta. Caso selecionado, o proponente deverá apresentar a ClassInd definitiva, emitida pelo Ministério da Justiça, conjuntamente com os demais documentos elencados no ANEXO II deste edital.
Recomendo a revisão do item 7.1 à luz do art. 14 da LLC, que enumera as pessoas que não poderão disputar licitação ou participar da execução de contrato, direta ou indiretamente.
Quando da formação das Comissões de Análise Técnica e de Seleção (item 11.1.1), recomendo atenção ao disposto no art. 37, § 1º, da LLC, e no Decreto nº 11.246/2022.
A este respeito, vale notar que, de acordo com o manual "Licitações & Contratos: Orientações e Jurisprudência do TCU", uma das vantagens da modalidade Concurso sobre as demais modalidades é que:
(...) o melhor projeto é selecionado por especialistas na área, pois o agente ou comissão de contratação serão auxiliados por banca examinadora formada por profissionais de notório conhecimento na matéria do projeto, nos termos do art. 37, § 1°, da Lei 14.133/2021, o que mitiga parte dos riscos associados à crônica deficiência de estrutura de alguns órgãos, que não dispõem de profissionais qualificados para analisar e receber os projetos contratados.
(BRASIL. Tribunal de Contas da União. Licitações & Contratos: Orientações e Jurisprudência do TCU / Tribunal de Contas da União. 5ª Edição, Brasília: TCU, Secretaria-Geral da Presidência, 2023, p. 203)
Quanto aos critérios de julgamento (item 11.2.2), a sua elaboração deve primar pela maior objetividade possível, em homenagem aos princípios administrativos mencionados no início deste Parecer. Nesse sentido, com base nas recomendações dos órgãos de controle dirigidas ao Ministério da Cultura em outros Editais, esta Consultoria tem recomendado aos órgãos gestores de editais:
a) criar indicadores que possam ser relacionados a critérios mensuráveis, aos quais se atribuirá pontuação específica, objetivamente quantificável (ou fundamentar tecnicamente a escolha dos critérios indicados);
b) a revisão de conceitos que possam indicar um grau de subjetividade tendente a propiciar decisões arbitrárias por parte da Comissão de Seleção, fragilizando o resultado da seleção.
No entanto, por se tratar de um trabalho de natureza técnica, intelectual ou artística é quase certa a existência de um grau de subjetividade, mesmo que mínimo. Nesse sentido, trago à baila as palavras arrazoadas de Marçal Justen Filho em obra já mencionada acima:
7) Critérios de julgamento
Em qualquer hipótese, a Administração estará obrigada a estabelecer previamente os critérios que nortearão o julgamento. Essa é uma questão extremamente delicada. Quando se analisam trabalhos técnicos e artísticos, os critérios de seleção nem sempre podem ser estritamente objetivos. A própria natureza artística ou técnica inviabiliza uma apreciação dessa ordem. Isso não autoriza, porém, seleção fundada em critérios desconhecidos. Mesmo quando não haja possibilidade de julgamento “objetivo”, os critérios deverão ser previamente definidos.
(Justen Filho, Marçal. Comentários à lei de licitações e contratações administrativas [livro eletrônico]. São Paulo: Thomson Reuters Brasil. 2021. p. 447-449)
Vale notar que o estabelecimento de critérios de seleção é atividade de cunho eminentemente técnico que não cabe a esta Consultoria Jurídica avaliar.
Recomendo a revisão do item 11.2.9, pois seu conteúdo não está claro e refere-se a um critério que não consta do item 11.2.2 (Adequação da obra aos eixos temáticos sinalizados). Recomendo, ainda, a fusão da alínea ao caput, já que aparentemente não há enumeração de condições, mas apenas uma condição estabelecida.
No item 11.3.2 as remissões estão incorretas e devem ser revistas. Recomenda-se a revisão das remissões de todo o Edital, antes da publicação.
No item 12, recomendo que seja acrescentada a regra prevista no art. 168 da LLC, segundo a qual "o recurso e o pedido de reconsideração terão efeito suspensivo do ato ou da decisão recorrida até que sobrevenha decisão final da autoridade competente".
Recomendo a adequação do item 12.6 (prazo para contrarrazões) ao disposto no art. 165, § 4º, da LLC.
Quanto ao item 14.1 (referente a tributos), observo que apenas o imposto de renda referente a pessoa física pode (e deve) ser retido na fonte. Recomendo a adequação do item ao exposto no Parecer nº 3702/2023/MF (SEI 1510966) e no Parecer nº 455/2010-CONJUR/MinC (NUP 01400.023413/2009-69).
Para fins didáticos, recomendo que os itens 14.7 e 16.8 sejam posicionados em sequência no Edital, visto que os dois estão intimamente relacionados:
14.7. É recomendado aos proponentes consulta à sua regularidade jurídica, fiscal e tributária de modo a resolver eventuais pendências e problemas.
16.8. Não receberão recursos públicos proponentes em débito com a União.
Os itens 16.7 e 16.9 podem ser fundidos, por tratarem de temas correlatos (alteração de propostas), com sobreposição de regras.
Por fim, quanto à competência para assinatura do Edital e do Contrato, deve ser observado o disposto no art. 5º da Portaria/MinC n. 18/2023. Como a minuta de Edital indica a assinatura da Ministra de Estado da Cultura, juntamente com a Secretária do Audiovisual, não há dúvidas quanto à adequação da autoridade competente.
DOS ANEXOS
A minuta de Edital conta com os seguintes Anexos:
ANEXO I - EIXOS TEMÁTICOS E GÊNEROS CINEMATOGRÁFICOS
ANEXO II - DOCUMENTOS PARA INSCRIÇÃO E HABILITAÇÃO
ANEXO III - AUTODECLARAÇÃO ÉTNICO-RACIAL
ANEXO IV - AUTODECLARAÇÃO DE PESSOA COM DEFICIÊNCIA
ANEXO V - FORMULÁRIO DE RECURSO
ANEXO VI - DECLARAÇÃO DE DISPONIBILIDADE DE CÓPIA DA OBRA EM FORMATO E CONDIÇÕES EXIGIDAS PARA EXIBIÇÃO
ANEXO VII - DECLARAÇÃO DE AGÊNCIA E CONTA BANCÁRIA
ANEXO VIII - MINUTA DO CONTRATO DE LICENCIAMENTO DA OBRA AUDIOVISUAL
ANEXO IX - MINUTA DE DECLARAÇÃO DE CLASSIFICAÇÃO INDICATIVA
ANEXO X - INFORMAÇÕES DETALHADAS SOBRE A OBRA AUDIOVISUAL - METADADOS
a) Os Anexos I, VII e X são documentos de conteúdo técnico/operacional/fático, que não cabe a esta Consultoria Jurídica avaliar.
b) O Anexo II é um compilado das exigências do Edital. Recomendo revisão do documento nesse sentido, previamente à publicação.
c) Os Anexos III, IV e V são documentos com alguma repercussão jurídica, e não há o que se opor à redação proposta.
d) Recomendo que o Anexo VI seja revisto pela SDAI/MinC, a fim de atestar a sua suficiência para as finalidades pretendidas. Recomendo, ainda, que sejam indicadas as "normas de padrões técnicos" mencionadas no item 2.1 do Anexo VIII (e que não se encontram no Anexo VI).
e) No Anexo IX, recomendo que seja mencionado o exposto na nota explicativa ao item 6.10 do Edital, quanto à providência de Classificação Indicativa expedida pelo Ministério da Justiça (ou seja, a Declaração de que trata o Anexo é provisória).
Quanto ao ANEXO VIII (minuta de Contrato), além do já mencionado anteriormente, recomendo:
a) no item 2.1, que seja esclarecido como se dará a entrega da matriz da obra audiovisual selecionada;
b) que o item 3 (das obrigações da licenciada) mencione claramente que o pagamento ao Escritório Central de Arrecadação e Distribuição - ECAD, quando das exibições individuais, será assegurado pelo Ministério, tendo em vista o disposto no art. 86 da Lei n. 9.610/1998. Nesse mesmo sentido, recomendo que a SAv entre em contato com o ECAD para entender como se dará esse pagamento e indique a origem dos recursos necessários a tal despesa, além de esclarecer se tal despesa está incluída entre as despesas administrativas mencionadas no item 4.2 (incluindo-a, se for o caso);
c) no item 3.4 deve ser corrigida a menção a órgãos de arrecadação (trata-se de entidades, e não órgãos);
d) conforme sugerido pela SDAI/MinC, em reunião realizada com esta Consultoria Jurídica, e tendo em vista o histórico judicial sobre a questão, recomendo a inclusão de nova obrigação da licenciada nos seguintes termos:
3.5. Envidar todos os esforços razoáveis dentro dos limites técnicos existentes para impedir a reprodução não-autorizada das obras licenciadas.
e) no item 7.5 recomenda-se esclarecer que a taxa do ECAD referente à exibição coletiva das obras (7.5/b) deve ser recolhida pelo usuário. Ou seja, o Ministério apenas arcará com a exibição individual prevista no item 7.5/a.
A fiscalização e gestão do contrato devem ser definidas no Edital e/ou na minuta de Contrato (Anexo VIII), conforme determina o art. 25 da LLC (transcrito anteriormente neste Parecer).
Recomendo, ainda, que seja observado o disposto no art. 92 da LLC, que estabelece as cláusulas necessárias aos contratos administrativos (no que couber, de acordo com a finalidade pretendida). Nesse sentido, observa-se que a minuta de contrato juntada aos autos (ANEXO VIII), preenche os seguintes requisitos do art. 92:
DISPOSITIVO DA LLC |
MINUTA DE CONTRATO |
Art. 92. São necessárias em todo contrato cláusulas que estabeleçam: |
|
I - o objeto e seus elementos característicos; |
Cláusula primeira |
II - a vinculação ao edital de licitação e à proposta do licitante vencedor ou ao ato que tiver autorizado a contratação direta e à respectiva proposta; |
- |
III - a legislação aplicável à execução do contrato, inclusive quanto aos casos omissos; |
preâmbulo |
IV - o regime de execução ou a forma de fornecimento; |
Cláusula segunda |
V - o preço e as condições de pagamento, os critérios, a data-base e a periodicidade do reajustamento de preços e os critérios de atualização monetária entre a data do adimplemento das obrigações e a do efetivo pagamento; |
Cláusula quinta (a ser preenchida), parcialmente (avaliar se cabe tratar de todos os aspectos mencionados no inciso V). |
VI - os critérios e a periodicidade da medição, quando for o caso, e o prazo para liquidação e para pagamento; |
Não se aplica |
VII - os prazos de início das etapas de execução, conclusão, entrega, observação e recebimento definitivo, quando for o caso; |
Não se aplica |
VIII - o crédito pelo qual correrá a despesa, com a indicação da classificação funcional programática e da categoria econômica; |
- |
IX - a matriz de risco, quando for o caso; |
Não se aplica |
X - o prazo para resposta ao pedido de repactuação de preços, quando for o caso; |
Não se aplica |
XI - o prazo para resposta ao pedido de restabelecimento do equilíbrio econômico-financeiro, quando for o caso; |
Não se aplica |
XII - as garantias oferecidas para assegurar sua plena execução, quando exigidas, inclusive as que forem oferecidas pelo contratado no caso de antecipação de valores a título de pagamento; |
Não se aplica |
XIII - o prazo de garantia mínima do objeto, observados os prazos mínimos estabelecidos nesta Lei e nas normas técnicas aplicáveis, e as condições de manutenção e assistência técnica, quando for o caso; |
Não se aplica |
XIV - os direitos e as responsabilidades das partes, as penalidades cabíveis e os valores das multas e suas bases de cálculo; |
Cláusulas segunda, terceira, quarta e sexta. |
XV - as condições de importação e a data e a taxa de câmbio para conversão, quando for o caso; |
Não se aplica |
XVI - a obrigação do contratado de manter, durante toda a execução do contrato, em compatibilidade com as obrigações por ele assumidas, todas as condições exigidas para a habilitação na licitação, ou para a qualificação, na contratação direta; |
- |
XVII - a obrigação de o contratado cumprir as exigências de reserva de cargos prevista em lei, bem como em outras normas específicas, para pessoa com deficiência, para reabilitado da Previdência Social e para aprendiz; |
Não se aplica |
XVIII - o modelo de gestão do contrato, observados os requisitos definidos em regulamento; |
- Deve constar do Termo de Referência e descreve como a execução do objeto será acompanhada e fiscalizada pelo órgão ou entidade – art. 6º, XXIII e art. 25 da LLC |
XIX - os casos de extinção. |
Cláusula sexta |
§ 1º Os contratos celebrados pela Administração Pública com pessoas físicas ou jurídicas, inclusive as domiciliadas no exterior, deverão conter cláusula que declare competente o foro da sede da Administração para dirimir qualquer questão contratual, ressalvadas as seguintes hipóteses: (...) |
Cláusula oitava |
Assim, recomendo que seja avaliada a possibilidade de incorporação à minuta de Contrato (Anexo VIII) do disposto nos incisos II, V, VIII, XVI e XVIII do art. 92 da LLC.
Por fim, conforme determinam os art. 54, caput e §1º, e art. 94 da LLC, observo que é obrigatória a divulgação no Portal Nacional de Contratações Públicas e a publicação de extrato do edital no Diário Oficial da União, do inteiro teor do Edital e seus anexos, bem como dos Contratos firmados.
Ademais, após a homologação do processo licitatório, é obrigatória a disponibilização no Portal Nacional de Contratações Públicas (PNCP) dos documentos elaborados na fase preparatória que porventura não tenham integrado o edital e seus anexos, conforme determina o art. 54, §3º, da LLC.
DA DISPONIBILIDADE ORÇAMENTÁRIA
Conforme se extrai do caput do artigo 18 da LLC, a fase preparatória da licitação deve compatibilizar-se também com as leis orçamentárias.
A existência de disponibilidade orçamentária com a respectiva indicação da classificação funcional programática e da categoria econômica da despesa é uma imposição legal. Nesse ponto, convém citar o artigo 10, inciso IX, da Lei 8.429, de 1992:
Lei nº 8.429, de 1992
Art. 10. Constitui ato de improbidade administrativa que causa lesão ao erário qualquer ação ou omissão dolosa, que enseje, efetiva e comprovadamente, perda patrimonial, desvio, apropriação, malbaratamento ou dilapidação dos bens ou haveres das entidades referidas no art. 1º desta Lei, e notadamente: (Redação dada pela Lei nº 14.230, de 2021)
(...)
IX - ordenar ou permitir a realização de despesas não autorizadas em lei ou regulamento;
(...)
Cabe também alertar para que, caso se trate de criação ou expansão de ação governamental que acarrete aumento da despesa, seja anexada a estimativa do impacto orçamentário no exercício e nos dois subsequentes, bem como a declaração sobre a adequação orçamentária e financeira para fazer face às despesas, em conformidade com as normas constantes dos arts. 16 e 17 da Lei Complementar nº 101, de 04 de maio de 2000 – Lei de Responsabilidade Fiscal.
Atente-se que compete ao órgão verificar, previamente ao envio dos autos para análise do órgão de assessoramento jurídico, a aplicabilidade da Orientação Normativa nº 52 do Advogado-Geral da União, a fim de dispensar a necessidade da declaração acerca dos arts. 16 e 17 da Lei Complementar nº 101, de 2000:
"As despesas ordinárias e rotineiras da administração, já previstas no orçamento e destinadas à manutenção das ações governamentais preexistentes, dispensam as exigências previstas nos incisos I e II do art. 16 da lei complementar nº 101, de 2000".
No caso concreto, a Autoridade competente deve atestar que a despesa está devidamente prevista nas leis orçamentárias, assim como esclarecer tratar ou não de criação ou expansão de ação governamental que acarrete aumento da despesa, a demonstrar ou não a incidência de todas as exigências dos artigos 16 e 17 da Lei de Responsabilidade Fiscal.
Observo, ainda, que deve ser oportunamente juntado aos autos o comprovante de disponibilidade orçamentária, conforme determina o art. 26 da Lei de Responsabilidade Fiscal – LRF (Lei Complementar n. 101/2000) segundo o qual, a destinação de recursos a pessoas físicas ou jurídicas deverá ser autorizada por lei específica, atender às condições estabelecidas na lei de diretrizes orçamentárias e estar prevista no orçamento ou em seus créditos adicionais.
Por fim, verifica-se que o item 4.1 da minuta de Edital informa que os recursos a serem empregados no certame são oriundos do Fundo Nacional de Cultura:
4.1. Os recursos necessários para o desenvolvimento desta ação, no exercício de 2024, serão oriundos do orçamento do Fundo Nacional de Cultura, Unidade Orçamentária 42902, ação 20ZF - Promoção e Fomento à Cultura Brasileira, com aporte financeiro de R$3.800.000,00 (três milhões e oitocentos mil reais).
Como o Edital envolve recursos do FNC, recomenda-se que seja juntada aos autos a decisão da Comissão do Fundo Nacional de Cultura correspondente ao uso dos recursos necessários à execução do certame.
III. CONCLUSÃO
Em face do exposto, nos limites da análise jurídica e excluídos os aspectos técnicos e o juízo de oportunidade e conveniência do ajuste, opina-se pela possibilidade jurídica do prosseguimento do presente processo, desde que cumpridos os pontos elencados nos itens 22, 32, 41, 42, 45 a 51, 54, 58 a 81, 83 a 85, 87 a 89, 94 a 97 do presente opinativo, sem prejuízo da leitura integral do parecer.
Vale reforçar a recomendação de que a minuta seja avaliada pela Secretaria de Direitos Autorais e Intelectuais - SDAI/MinC no que diz respeito aos aspectos de sua competência.
Destaca-se que, em sendo atendidas as recomendações, o feito não requer o retorno dos autos, conforme Enunciado nº 05, do Manual de Boas Práticas Consultivas da AGU, segundo o qual “Ao órgão Consultivo que em caso concreto haja exteriorizado juízo conclusivo de aprovação de minuta de edital ou contrato e tenha sugerido as alterações necessárias, não incumbe pronunciamento subsequente de verificação do cumprimento das recomendações consignadas”. Assim, não é necessário o retorno dos autos a esta Consultoria, salvo se subsistir dúvida de cunho jurídico.
Isto posto, submeto o presente processo à consideração superior, sugerindo que os autos sejam encaminhados à Secretaria do Audiovisual, para as providências cabíveis.
Brasília, 2 de agosto de 2024.
DANIELA GUIMARÃES GOULART
Advogada da União
Atenção, a consulta ao processo eletrônico está disponível em https://supersapiens.agu.gov.br mediante o fornecimento do Número Único de Protocolo (NUP) 01400016314202460 e da chave de acesso 026ee3bb