ADVOCACIA-GERAL DA UNIÃO
CONSULTORIA-GERAL DA UNIÃO
CONSULTORIA JURÍDICA JUNTO AO MINISTÉRIO DA CULTURA
COORDENAÇÃO-GERAL DE POLÍTICAS CULTURAIS

PARECER n. 00243/2024/CONJUR-MINC/CGU/AGU

 

NUP: 01400.018956/2024-01

INTERESSADOS: DIRETORIA DE POLÍTICAS PARA OS TRABALHADORES DA CULTURA DTRAC/MINC

ASSUNTOS: ATOS ADMINISTRATIVOS

 

 

Senhor Coordenador-Geral

 

EMENTA: CONSULTA ADMINISTRATIVA. PROGRAMA DE CULTURA DO TRABALHADOR.
I - Análise de dúvidas técnicas apresentadas com o propósito de esclarecimentos jurídicos quanto à possibilidade de adesão da empresa Riwalmyra Marinho Ribeiro ao Programa de Cultura do Trabalhador, na qualidade de beneficiária, embora tenha havido a verificação de irregularidades no CNPJ, que consta em situação cadastral com registro de "Inaptidão".
II - Legislação de referênciaLei nº 12.761 de 27 de dezembro de 2012; Decreto 8.084, de 26 de agosto de 2013; e Instrução Normativa RFB nº 2119, de 6 de dezembro de 2022.
III - Registro de manifestação técnica pelo entendimento de que a legislação pertinente ao Vale-Cultura não apresenta vedação ou exigência expressa quanto à situação cadastral do CNPJ da empresa.
IV - Parecer pela impossibilidade legal de acolhimento à solicitação de adesão ao citado Programa de Cultura do Trabalhador, em decorrência da Inaptidão da pessoa jurídica registrada nos cadastros da Receita Federal.
V - À consideração superior.

 

Trata-se de processo administrativo instaurado a partir do recebimento de expediente oriundo da empresa Prime Produções, Razão Social: Riwalmyra Marinho Ribeiro, CNPJ 24.661.034/0001-95, por meio do qual a empresa solicitou inscrição no Programa de Cultura do Trabalhador, na qualidade de beneficiária, com vistas a oferecer o Vale-Cultura aos funcionários.

Ao avaliar o citado requerimento, a Diretoria de Políticas para os Trabalhadores da Cultura desta Pasta, pela Nota Técnica nº 18/2024/DTRAC/SEFIC/GM/MinC, registrou a presença de irregularidades no CNPJ da empresa, em vista de se encontrar na situação cadastral - Inapta.

A fim de sintetizar o posicionamento da área técnica, expedido por meio da referida Nota Técnica nº 18/2024, ressalte-se pontualmente os seguintes excertos:

"(...)
Acerca do cadastramento de empresa beneficiária, a legislação aplicável apresenta as seguintes regras:
Decreto 8.084/2013
Art. 10. A inscrição da empresa beneficiária será feita no Ministério da Cultura e deverá observar, entre outros, aos seguintes requisitos:
I - inscrição regular no CNPJ;
II - indicação de empresa operadora possuidora de Certificado de Inscrição no Programa de Cultura do Trabalhador; e
III - indicação do número de trabalhadores com vínculo empregatício, conforme a faixa de renda mensal.
Art. 11. São deveres da empresa beneficiária:
I - oferecer o vale-cultura nos termos do Capítulo III;
II - prestar ao Ministério da Cultura as informações referentes aos usuários, conforme faixa de renda mensal, e mantê-las atualizadas; e
III - divulgar e incentivar o acesso e a fruição de produtos e serviços culturais pelos usuários.
(...)"
Dos trechos acima, verifica-se que a legislação afeta ao Vale-Cultura não menciona apresenta vedação ou exigência expressa quanto à situação cadastral da empresa beneficiária no CNPJ. Ng.
Aponta-se, como relevante para a presente análise, que, até o ano de 2017, exercício 2016, o valor despendido a título de Vale-Cultura poderia ser deduzido do imposto sobre a renda devido pela empresa beneficiária que fosse tributada com base no lucro real. Tal incentivo encontra-se atualmente vencido, e mesmo quando for renovado, a empresa em questão não usufruiria do incentivo fiscal, pois seu regime de tributação é o simples nacional. 
Assim, pondera-se que o Vale-Cultura é um benefício que visa, entre outros aspectos, prover o trabalhador com meios mínimos para exercício do direito à fruição cultural e, no caso de a empresa empregadora não lograr êxito na adesão ao programa, serão seus  empregados diretamente impactados". Ng.

Nesses termos, sob a perspectiva argumentativa da referida Nota Técnica nº 18/2024, extrai-se a ideia de que a "legislação relativa ao Vale-Cultura não menciona apresenta vedação ou exigência expressa quanto à situação cadastral da empresa beneficiária no CNPJ"

É o breve relatório. 

A presente análise se dá com fundamento no art. 11 da Lei Complementar nº 73/93, subtraindo-se do âmbito da competência institucional deste Órgão Jurídico, delimitada em lei, análises que importem em considerações de ordem técnica, financeira ou orçamentária, nos termos do Enunciado de Boas Práticas Consultivas AGU nº 7:

“A manifestação consultiva que adentrar questão jurídica com potencial de significativo reflexo em aspecto técnico deve conter justificativa da necessidade de fazê-lo, evitando-se posicionamentos conclusivos sobre temas não jurídicos, tais como os técnicos, administrativos ou de conveniência ou oportunidade, podendo-se, porém, sobre estes emitir opinião ou formular recomendações, desde que enfatizando o caráter discricionário de seu acatamento” (Manual de Boas Práticas Consultivas. 4.ed. Brasília: AGU, 2016, página 32).

Impõe-se destacar também que foge à alçada desta Consultoria Jurídica imiscuir-se na análise técnica realizada pela unidade competente, órgão detentor de expertise para tal exame. Todavia, cabe à esta Consultoria realizar o exame sob o ponto de vista da legalidade do procedimento.

Assim, registro que a presente manifestação apresenta natureza meramente opinativa e, por tal motivo, as orientações aqui estabelecidas não se tornam vinculantes para o gestor público, que poderá, sempre de forma justificada, adotar entendimento diverso daquele exarado por este órgão consultivo da AGU.

A questão jurídica endereçada a esta Conjur diz respeito à dúvida sobre a pertinência da aprovação, pela Diretoria de Políticas Para os Trabalhadores da Cultura, do requerimento de adesão da empresa Prime Produções ao Programa de Cultura do Trabalhador, diante da situação cadastral de Inaptidão junto à Receita Federal.

​Para a análise de tal questionamento, algumas premissas precisam ser enfrentadas tais como, a abrangência e as razões pelas quais algumas empresas podem ser levadas à inaptidão no CNPJ, as consequências de tal registro (Inapto) para a capacidade civil e processual das empresas, bem como a relação entre tais itens e as normas que regem o referido Programa de Cultura do Trabalhador.

É cediço que o fato da pessoa jurídica constar como Inapta nos cadastros da Receita Federal do Brasil não significa que tenha sido extinta, pois, embora possa ter praticado irregularidades, isso não leva à ausência da capacidade civil e processual. Verifica-se da legislação regente que a extinção da pessoa jurídica somente ocorre em procedimento específico de liquidação, o que não se confunde com a simples inatividade ou inaptidão nos cadastros fiscais, conforme estabelecem os arts. 51 e 1.109, da Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002, que institui o Código Civil, verbis:

"Art. 51. Nos casos de dissolução da pessoa jurídica ou cassada a autorização para seu funcionamento, ela subsistirá para os fins de liquidação, até que esta se conclua.
§ 1º Far-se-á, no registro onde a pessoa jurídica estiver inscrita, a averbação de sua dissolução.
§ 2º As disposições para a liquidação das sociedades aplicam-se, no que couber, às demais pessoas jurídicas de direito privado.
§ 3º Encerrada a liquidação, promover-se-á o cancelamento da inscrição da pessoa jurídica". Ng.
(...)
Art. 1.109. Aprovadas as contas, encerra-se a liquidação e a sociedade se extingue, ao ser averbada no registro próprio a ata da assembleia.
Parágrafo único. O dissidente tem o prazo de trinta dias, a contar da publicação da ata, devidamente averbada, para promover a ação que couber".

Consoante visto, a Inaptidão da pessoa jurídica nos cadastros da Receita Federal configura irregularidade fiscal, sem implicar, por si só, na extinção da pessoa jurídica com a perda da capacidade civil e processual, uma vez que somente a perda da personalidade jurídica acarretaria tal ausência da capacidade processual. No entanto, embora a pessoa jurídica inapta não esteja extinta, tal fato não ocasiona a possibilidade legal de inscrição no Programa de Cultura do Trabalhador. 

Dito isso, esclareça-se que a situação cadastral de Inaptidão ocorre quando a empresa omite dados, demonstrativos e declarações de contabilidade em espaço de 2 (dois) anos consecutivos, sendo importante destacar que os artigos 38 e 49 da Instrução Normativa RFB nº 2119, de 6 de dezembro de 2022, elencam inúmeras situações que denunciam a ausência do cumprimento das devidas obrigações pela pessoa jurídica, que resulta qualificada como CNPJ Inapto:

Art. 38. Pode ser declarada inapta a inscrição no CNPJ da entidade que:
I - for omissa quanto ao cumprimento de obrigações acessórias, assim considerada aquela que, estando obrigada, deixar de apresentar declarações ou demonstrativos, pelo prazo de, no mínimo, 90 (noventa) dias, contado da data estabelecida pela legislação para sua apresentação;
II - pratique irregularidade em operações de comércio exterior, assim considerada aquela que não comprovar a origem, a disponibilidade e a efetiva transferência, se for o caso, dos recursos empregados em operações de comércio exterior;
III - for inexistente de fato, assim considerada:
a) a entidade que não dispuser de patrimônio ou de capacidade operacional necessários à realização de seu objeto, inclusive a que não comprovar o capital social integralizado;
b) a entidade que não for localizada no endereço informado no CNPJ, mediante comprovação constante de Termo de Diligência;
c) no caso de intimação improfícua da entidade, aquela cujo representante legal, quando intimado:
1. não for localizado;
2. alegar falsidade ou simulação relativa à sua participação na referida entidade ou estabelecimento filial, ou não comprovar legitimidade para sua representação; ou
3. não indicar seu novo domicílio tributário;
d) tiver domicílio no exterior e não tiver indicado, nos termos do § 1º do art. 6º, procurador ou representante legalmente constituído e domiciliado no País ou, caso tenha indicado, este não tiver sido localizado; ou
e) encontrar-se com as atividades paralisadas, salvo quando a paralisação for comunicada;
IV - realizar operações de terceiros, com intuito de acobertar seus reais beneficiários;
V - tiver participado, segundo evidências, de organização constituída com o propósito de suprimir ou reduzir o recolhimento de tributos ou de inviabilizar ou de inviabilizar ou prejudicar a cobrança de débitos fiscais, inclusive por meio de emissão de documentos fiscais que relatem operações fictícias ou cessão de créditos inexistentes ou de terceiros;
VI - tiver sido constituída, segundo evidências, para prática de fraude fiscal, inclusive em proveito de terceiras empresas;
VII - operar com produtos de natureza ilícita, proveniente de roubo ou decorrente de contrafação;
VIII - adotar práticas ilícitas na comercialização de combustíveis;
IX - praticar contrabando, descaminho, pirataria ou outros atos  ilícitos relacionados ao comércio internacional; ou
X - encontrar-se suspensa por, no mínimo, 1 (um) ano.
(...)
Art. 49. Sem prejuízo das sanções previstas na legislação, a entidade cuja inscrição no CNPJ tenha sido declarada inapta:
I - é incluída no Cadastro Informativo de Créditos Não Quitados do Setor Público Federal (Cadin); e
II - fica impedida de:
a) participar de concorrência pública;
b) celebrar convênios, acordos, ajustes ou contratos que envolvam desembolso, a qualquer título, de recursos públicos, e respectivos aditamentos;
c) obter incentivos fiscais e financeiros;
d) realizar operações de crédito que envolvam a utilização de recursos públicos;​
e) transacionar com estabelecimentos bancários, inclusive quanto à movimentação de contas correntes, à realização de aplicações financeiras e à obtenção de empréstimos; e
f) emitir documento fiscal eletrônico.

Nesse cenário, de forma resumida, uma empresa inapta pode funcionar, mas não pode cumprir com todas as atividades regulares enquanto estiver nessa condição, uma vez que o CNPJ somente pode ser considerado regular quando estiver "Ativo", sem problemas fiscais, ou débitos em aberto.

Traçado o panorama acerca da irregularidade fiscal, retoma-se aos ditames do Decreto nº 8084, de 26 de agosto de 2013, que regulamenta a Lei nº 12.761, de 27 de dezembro de 2012, (institui o Programa de Cultura do Trabalhador e cria o vale-cultura), e estabelece em seus artigos 5º e 10, que:

"Art. 5º O cadastramento da empresa operadora será feito no Ministério da Cultura e deverá observar, entre outros, aos seguintes requisitos:
I - inscrição regular no Cadastro Nacional da Pessoa Jurídica - CNPJ; e
II - qualificação técnica para produzir e comercializar o vale-cultura, observado o disposto no art. 6º da Lei nº 12.761, de 2012.
Parágrafo único. O Ministério da Cultura emitirá o Certificado de Inscrição no Programa de Cultura do Trabalhador à empresa regularmente cadastrada, e autorizará a produção e a comercialização do vale-cultura.
(...)
Art. 10. A inscrição da empresa beneficiária será feita no Ministério da Cultura e deverá observar, entre outros, aos seguintes requisitos:
I - inscrição regular no CNPJ;
II - indicação de empresa operadora possuidora de Certificado de Inscrição no Programa de Cultura do Trabalhador; e
III - indicação do número de trabalhadores com vínculo empregatício, conforme a faixa de renda mensal. 

Nesse contexto, a expressão "inscrição regular no CNPJ", conforme reproduzida no inciso I, do art. 5º, e inciso I, do art. 10, do Decreto nº 8084/2013, deve ser interpretada na premissa de que "regular" é a situação do CNPJ que não apresenta quaisquer pendências em seu cadastro fiscal e está, portanto, Ativo. 

Tendo em mente tais diretrizes, vale reforçar a proeminência dos seguintes requisitos essenciais à empresa que pretende ser beneficiária:

- Estar registrada no Cadastro Nacional da Pessoa Jurídica (CNPJ);

Estar regular e ativa junto à Receita Federal do Brasil;

Cabe, assim, trazer à baila que o status de inaptidão nos cadastros fiscais é impeditivo à pessoa jurídica de emitir notas fiscais, participar de licitações, obter financiamentos ou créditos, além da possibilidade de enfrentar multas e outras penalidades. 

Por fim, cumpre registrar que a Inaptidão pode ser revertida para a situação cadastral Ativa, quando a empresa satisfizer as exigências determinadas pela Receita Federal para a devida regularização.

À vista disso, não se ventila abertura legal ao atendimento do pleito para a inscrição da empresa no Programa de Cultura do Trabalhador, até que haja, junto à Receita Federal, a regularização do(s) problema(s) originário(s) da dita alteração de status. 

CONCLUSÃO

Dessa forma, considerando as premissas aqui lançadas, pode-se concluir pela impossibilidade legal de atendimento à solicitação da empresa Prime Produções de adesão ao citado Programa de Cultura do Trabalhador, em decorrência da Inaptidão registrada nos cadastros da Receita Federal.

Repise-se que a presente manifestação apresenta natureza meramente opinativa e, por tal motivo, as orientações estabelecidas não se tornam vinculantes para o gestor público que pode, de forma justificada, adotar orientação contrária ou diversa daquela emanada por esta Consultoria Jurídica. 

À consideração superior

 

Brasília 08 de agosto de 2024

 

MARIA IZABEL DE CASTRO GAROTTI

Advogada da União

 


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