ADVOCACIA-GERAL DA UNIÃO
CONSULTORIA-GERAL DA UNIÃO
CONSULTORIA JURÍDICA JUNTO AO MINISTÉRIO DA CULTURA
COORDENAÇÃO-GERAL DE POLÍTICAS CULTURAIS
PARECER n. 00250/2024/CONJUR-MINC/CGU/AGU
NUP: 01400.021751/2023-14
INTERESSADOS: DIVISÃO DE PROTOCOLO/DIPRO/MINC.
ASSUNTOS: ATOS ADMINISTRATIVOS
Senhora Coordenadora-Jurídica Substituta
EMENTA: CONSULTA ADMINISTRATIVA. VALE-CULTURA.
I - Análise de dúvidas apresentadas com o propósito de esclarecimentos jurídicos quanto à solicitação da Caixa Econômica Federal - CEF de recolhimento aos cofres públicos do saldo remanescente dos recursos do Vale-Cultura.
II - Legislação de referência: Lei nº 12.761 de 27 de dezembro de 2012; Decreto 8.084, de 26 de agosto de 2013; e Instrução Normativa MTur nº 3, de 7 de julho de 2021.
III - Registro de manifestação técnica pelo entendimento da inexistência de previsão legal para recolhimento do saldo do Vale-Cultura à União, tampouco para devolução à origem.
IV - Parecer pela inviabilidade legal do recolhimento do referido saldo aos cofres públicos, notadamente, diante do art. 7º da Instrução Normativa MTur nº 3, de 2021.
V - À consideração superior.
Trata o presente feito da Nota Técnica nº 15/2024/DTRAC/SEFIC/GM/MinC, oriunda da Diretoria de Políticas Para os Trabalhadores da Cultura, versando sobre o objetivo da Caixa Econômica Federal - CEF, Operadora descredenciada em 2017 do Programa de Cultura do Trabalhador, de recolher aos cofres públicos o saldo remanescente dos recursos destinados ao Vale-Cultura, nos termos do Ofício nº 0140/2023/SUFAB, que buscou esclarecimentos quanto aos códigos a serem utilizados na Guia de Recolhimento à União - GRU.
Instadas, as unidades técnicas desta Pasta, após envidar esforços para a resolução do assunto, concluíram pela inviabilidade do atendimento ao solicitado pela CEF, sob a seguinte fundamentação:
"(...)
Perscrutando o caso, e em observância ao princípio da auto-tutela, que permite à Administração rever seus atos, foi encaminhado à CEF o e-mail (1774033) revertendo o entendimento quanto ao recolhimento do saldo e esclarecendo que:
- não há previsão legal para devolução do saldo para as empresas beneficiárias, as quais já se beneficiaram, outrora, da dedução do imposto de renda relativamente aos valores depositados nos cartões Vale-Cultura;
- não há previsão legal para recolhimento desse saldo à União;
- tais valores não podem ser revertidos em pecúnia, conforme art. 8º, § 3º, da Lei nº 12.761/2012.
- os valores depositados nos cartões Vale-Cultura não possuem validade, de acordo com art. 19 do Decreto nº 8.084/2013, ao passo que os cartões têm validade e encontram-se vencidos".
Além disso, foram prestados os seguintes esclarecimentos na referida Nota Técnica nº 15/2024/DTRAC/SEFIC/GM/MinC:
"(...) Desta forma, compreende-se que o valor não pode ser considerado privado, uma vez que a Administração deixou de arrecadar impostos em função dessa renúncia. Também não pode ser considerado completamente público, posto que há participação do trabalhador no custeio de parte do valor do Vale-Cultura, conforme previsão do art. 8º da Lei 12.761/2012, regulamentado pelos arts. 15 e 16 do Decreto 8.084/2013: Ng.
(...)
Além do exposto, em conversa telefônica com a Caixa Econômica, sugerimos a reemissão de cartão válido para que os usuários possam utilizar o saldo, o qual não tem prazo de validade, é pessoal e instransferível e não pode ser revertido em pecúnia. Quanto a esta sugestão há entraves, além das taxas de serviço para a reemissão de cartão: (i) as empresas operadoras de cartão, como a CEF, não detém os contatos dos usuários, sendo tais contatos detidos pela empresas beneficiárias correspondentes ao empregado usuário; (ii) é possível que muitos dos usuários já não estejam mais empregados nas mesmas empresas beneficiárias; (iii) a Caixa Econômica Federal não está mais credenciada no Programa de Cultura do Trabalhador, e; (iiii) A CEF informou em conversa telefônica que está sem contrato com a empresa que emitia os cartões Vale-Cultura. Por meio da última informação, verifica-se que a CEF contratara outra empresa para emissão e operação dos cartões Vale-Cultura, fato que até então não era de conhecimento deste órgão, já que a própria empresa pública cadastrara-se como operadora. Ng.
Quanto ao descredenciamento, a Instrução Normativa MTUR nº 3/2021 dispõe:
Art. 7º Para se desligar do Programa de Cultura do Trabalhador por sua própria iniciativa, as empresas operadoras deverão solicitar o seu descadastramento mediante requerimento à SEFIC, com antecedência mínima de noventa dias, bem como garantir o cumprimento de todas as suas obrigações contratuais junto às empresas beneficiárias e recebedoras, especialmente quanto à liquidação dos saldos remanescentes nos cartões emitidos. (grifou-se)
Como se pode aferir, a operadora em questão não logrou liquidar todo o saldo antes de seu desligamento do Programa. Porém, atualmente a CEF alega impossibilidade de reemissão desses cartões, pois está sem contrato com a empresa que o fazia. A única possibilidade legal de liquidação o saldo, s.m.j., seria a sua completa utilização pelos usuários, por meio do cartão Vale-Cultura, exclusivamente.
Porém, a CEF repisa que deseja restituir os recursos à origem (as empresas beneficiárias) ou recolhê-los à União. Diante do impasse que se apresenta, sugere-se realizar a presente consulta à Consultoria Jurídica, na busca de uma solução viável para o caso, e questiona-se: poderia a União, excepcionalmente, recolher tais recursos, uma vez que a CEF não tem os contatos dos usuários e está desligada do programa de Cultura do trabalhador? Ng.
É o breve relatório. Passo a opinar.
A presente análise se dá com fundamento no art. 11 da Lei Complementar nº 73/93, subtraindo-se do âmbito da competência institucional deste Órgão Jurídico, delimitada em lei, análises que importem em considerações de ordem técnica, financeira ou orçamentária, nos termos do Enunciado de Boas Práticas Consultivas AGU nº 7:
"A manifestação consultiva que adentrar questão jurídica com potencial de significativo reflexo em aspecto técnico deve conter justificativa da necessidade de fazê-lo, evitando-se posicionamentos conclusivos sobre temas não jurídicos, tais como os técnicos, administrativos ou de conveniência ou oportunidade, podendo-se, porém, sobre estes emitir opinião ou formular recomendações, desde que enfatizando o caráter discricionário de seu acatamento" (Manual de Boas Práticas Consultivas. 4.ed. Brasília: AGU, 2016, página 32).
Impõe-se destacar ainda que foge à alçada desta Consultoria Jurídica imiscuir-se na análise técnica realizada pela unidade competente, órgão detentor de expertise para tal exame. Todavia, cabe à esta Consultoria realizar o exame sob o ponto de vista da legalidade do procedimento.
Assim, registro que a presente manifestação apresenta natureza meramente opinativa e, por tal motivo, as orientações aqui estabelecidas não se tornam vinculantes para o gestor público, que poderá, sempre de forma justificada, adotar entendimento diverso daquele exarado por este órgão consultivo da AGU.
Consoante visto, a questão jurídica endereçada a esta Conjur diz respeito à dúvida técnica sobre a pertinência da Caixa Econômica Federal/CEF efetuar o recolhimento do saldo remanescente do cartão Vale-Cultura aos cofres públicos, em vista do descredenciamento do Programa de Cultura do Trabalhador por iniciativa da própria Caixa/Operadora do Programa.
É cediço que a Lei nº 12.761, de 27 de dezembro de 2012, instituiu o Programa de Cultura do Trabalhador com o intuito de fornecer aos trabalhadores meios para o exercício dos direitos culturais e acesso às fontes da cultura, e criou, nesse âmbito, o Vale-Cultura, de caráter pessoal e intransferível, pago pela empresa ao trabalhador, com créditos cumulativos sem prazo de validade, inseridos em cartões magnéticos oferecidos pelas operadoras credenciadas no Ministério da Cultura, destacando-se pontualmente os seguintes artigos:
Art. 8º O valor mensal do vale-cultura, por usuário, será de R$ 50,00 (cinquenta reais).
§ 1º O trabalhador de que trata o caput do art. 7º poderá ter descontado de sua remuneração o percentual máximo de 10% (dez por cento) do valor do vale-cultura, na forma definida em regulamento.
§ 2º Os trabalhadores que percebem mais de 5 (cinco) salários-mínimos poderão ter descontados de sua remuneração, em percentuais entre 20% (vinte por cento) e 90% (noventa por cento) do valor do vale-cultura, de acordo com a respectiva faixa salarial, obedecido o disposto no parágrafo único do art. 7º e na forma que dispuser o regulamento.
§ 3º É vedada, em qualquer hipótese, a reversão do valor do vale-cultura em pecúnia.
§ 4º O trabalhador de que trata o art. 7º poderá optar pelo não recebimento do vale-cultura, mediante procedimento a ser definido em regulamento.
Art. 9º Os prazos de validade e condições de utilização do vale-cultura serão definidos em regulamento.
Art. 10. Até o exercício de 2017, ano-calendário de 2016, o valor despendido a título de aquisição do vale-cultura poderá ser deduzido do imposto sobre a renda devido pela pessoa jurídica beneficiária tributada com base no lucro real.
Vê-se assim que, embora apascentado por normas governamentais, não é o governo o concedente do Vale-Cultura, pois não se trata de bolsa governamental, mas de benefício trabalhista onde as próprias empresas arcam com a oferta do benefício, bastando para tanto estarem em situação regular junto à Receita Federal e se credenciarem neste Ministério.
Para fins de contextualização, portanto, é preciso destacar de forma enfática que o valor constante dos cartões do Vale-Cultura, nos termos do citado art. 8º da Lei nº 12.761/2012, reveste-se prioritariamente de cunho privado, com valores específicos pertencentes aos trabalhadores que os adquiriram das empresas empregadoras.
Releva-se destacar, ainda, do retrocitado art. 10, da Lei nº 12.761, de 2012, que, apesar do fim da vigência do incentivo fiscal, o programa continua ativo apenas com menor número de beneficiárias e usuários, conforme se extrai dos autos. Vê-se, assim, que a dita interrupção do incentivo fiscal não causou a perda do direito ao benefício aos trabalhadores, que podem continuar a usufruir do crédito armazenado no cartão Vale-Cultura, desde que exclusivamente para compra de bens e serviços culturais.
Em tal cenário, repise-se que o Programa de Cultura do Trabalhador é ordenado pela Instrução Normativa MTur nº 3, de 7 de julho de 2021, (estabelece normas e procedimentos para o cadastramento, a habilitação, a inscrição, o gerenciamento e o monitoramento das empresas beneficiárias, operadoras e recebedoras, e dos usuários do Vale-Cultura no Programa de Cultura do Trabalhador), que revogou os normativos anteriores, e veda a prática da intenção anunciada pela CEF, no sentido de restituir o citado saldo remanescente aos cofres públicos, ao exigir das operadoras o cumprimento da obrigação contratual de liquidação desses saldos nos cartões emitidos previamente ao descadastramento, a saber:
"Art. 7º Para se desligar do Programa de Cultura do Trabalhador por sua própria iniciativa, as empresas operadoras deverão solicitar o seu descadastramento mediante requerimento à SEFIC, com antecedência mínima de noventa dias, bem como garantir o cumprimento de todas as suas obrigações contratuais junto às empresas beneficiárias e recebedoras, especialmente quanto à liquidação dos saldos remanescentes nos cartões emitidos. Ng.
Nesse ponto, cumpre examinar os seguintes argumentos oferecidos pela CEF para justificar o objetivo de restituir aos cofres públicos (Ministério da Cultura) os recursos do saldo remanescente do Vale-Cultura:
OFÍCIO nº 0232/2017/SUFAB, de 29/06/2017:
"Conforme reunião realizada nessa Secretaria, confirmamos o descredenciamento da CAIXA como Operadora do Programa Vale Cultura.
Informamos que se encontra suspensa a comercialização do Cartão do Programa e as empresas com contratos ativos já foram comunicadas quanto a rescisão do contrato com a CAIXA, sendo que as mesmas poderão buscar a continuidade do benefício nas demais operadoras. Ng.
OFÍCIO nº 0140/2023/SUFAB, de 26/10/2023:
I - A CEF informou ao Ministério da Cultura o descredenciamento da operadora CAIXA do Programa Vale Cultura, conforme Ofício nº 0232/2017/SUFAB, de 29/06/2017;
II - Emitiu aviso às empresas quanto ao descredenciamento da operadora CAIXA e ofereceu orientação para a utilização dos saldos pelos beneficiários, até o último dia de 2017;
III - Após o descredenciamento e orientações divulgadas às empresas, os beneficiários que ainda possuíam cartões ativos puderam utilizar os saldos remanescentes com o intuito de assim atender ao disposto no art. 19, do Decreto nº 8.084/2013, no sentido de que "os créditos inseridos no cartão magnético do vale-cultura não possuem prazo de validade";
IV - Constatou a existência de saldo não utilizado no valor total de R$ 27.527,93 (vinte e sete mil, quinhentos e vinte e sete reais e noventa e três centavos);
V - Que, após decorridos seis anos do prazo de descredenciamento da operadora CAIXA, entendeu tal prazo como razoável para levantamento dos valores pelos beneficiários, além de expirar a validade dos cartões plásticos residuais em novembro/2023;
VI - Que a CEF realizou levantamento dos cartões pré-pagos e valores remanescentes, tendo sido identificada a inexistência de cartões ativos em outubro/2023, tendo a última movimentação realizada com os cartões, pelos beneficiários, ocorrido em abril/2019;
VII - Que, considerando a descontinuidade do programa e o encerramento da vigência dos cartões (plásticos) emitidos, iniciaria o processo de devolução dos valores às empresas beneficiárias a partir de dezembro de 2023;
VIII - Caso as empresas beneficiárias estivessem extintas, sendo inviável a devolução do recurso à origem, que os valores seriam destinados à conta do Tesouro Nacional ou à União, por meio de Guia de Recolhimento da União – GRU;
Na hipótese, no que tange ao Ofício nº 0232/2017/SUFAB, de 29/06/2017, deflui-se a existência de 2 (duas) irregularidades praticadas pela CEF, nos termos do art. 7º da Instrução Normativa MTur nº 3, de 7 de julho de 2021, a saber:
a) O expresso descumprimento à legislação de regência, uma vez que a confirmação oficial da CEF ao Ministério sobre o descredenciamento, se deu simultaneamente com a informação de que já havia sido efetivada a suspensão da comercialização do Cartão do Programa, bem como avisadas as empresas com contratos ativos quanto à rescisão do contrato com a CAIXA, isto é, à margem das normas legais, a CEF apresentou solicitação de descredenciamento desatendendo ao prazo legal de 90 (noventa) dias para a adoção das ditas providências de suspensão da comercialização do Cartão e comunicação às empresas da rescisão do contrato.
b) Além da desconsideração do prazo, a CEF deixou de garantir o cumprimento de todas as suas obrigações contratuais junto às citadas empresas beneficiárias e recebedoras, especialmente no que tange à ausência de liquidação dos saldos remanescentes nos cartões emitidos.
Partindo-se de tais premissas, extrai-se ainda do texto inicial do referido Ofício nº 0232/2017/SUFAB, a realização de determinada reunião - "Conforme reunião realizada nessa Secretaria, confirmamos o descredenciamento da CAIXA, como Operadora do Programa Vale Cultura", constatando-se a ausência nos autos de documentos esclarecedores da data da referida reunião; da formalidade do pedido de descredenciamento da CEF naquela data; ou de quaisquer outros fatos essenciais ao deslinde do presente feito porventura ali ocorridos.
De igual modo, quanto ao Ofício nº 0140/2023/SUFAB, de 26/10/2023, além do entendimento equivocado no que tange à "descontinuidade do Programa de Cultura do Trabalhador" (que continua ativo), a CEF informou sobre a realização da última movimentação nos cartões pelos beneficiários em 2019, bem como do levantamento dos cartões pré-pagos e dos valores remanescentes no total de R$ 27.527,93 (vinte e sete mil, quinhentos e vinte e sete reais e noventa e três centavos), em outubro/2023, data em que reiterou o pedido de providências administrativas desta Pasta para a devolução do referido saldo aos cofres públicos.
Em consequência do citado transcurso de tempo entre 2017 e 2023, ocorreu também o fim da validade dos cartões (plásticos) emitidos aos beneficiários. Não se localizam nos autos, porém, documentos esclarecedores sobre eventuais providências administrativas quanto ao pedido de descredenciamento da CEF, notadamente no que se referiu à existência de saldo remanescente nos cartões emitidos.
Nesse compasso, conforme informação constante do item 4.11., da referida Nota Técnica nº 15/2024/DTRAC/SEFIC/GM/MinC, a CEF se cadastrou nesta Pasta como Operadora, mas se eximiu das obrigações assumidas e transferiu para empresa diversa a emissão e operação dos cartões do Vale-Cultura, empresa não cadastrada e estranha, portanto, às normas de regência, fato desconhecido deste Ministério que, até 26 de outubro de 2023, identificava somente a própria CAIXA como Operadora do Programa, o que se configurou também em irregularidade.
As modificações efetuadas pela CEF violaram o Art. 6º, da retrocitada IN MTur nº 3, de 2021, que estabelece:
Art. 6º Para se cadastrar no Programa de Cultura do Trabalhador, as empresas operadoras deverão declarar:
I - qualificação técnica, nos termos do inciso II do art. 5º do Decreto nº 8.084, de 26 de agosto de 2013;
II - capacidade operacional que assegure a contratação por empresas beneficiárias; e
III - habilitação de empresas recebedoras em todo o território nacional do Vale-Cultura, inclusive em operações de comércio eletrônico realizadas via internet.
Parágrafo único. As empresas operadoras não poderão praticar taxas de administração inferiores a zero nem superiores a seis por cento, como limite total de cobrança, para serem contratadas pelas empresas beneficiárias ou para cadastrar as empresas recebedoras.
Assim, levando-se em conta as informações técnicas no sentido de que a Administração teve ciência somente em outubro de 2023 da "terceirização" dos encargos conferidos à CEF pelo cadastramento legal no Programa de Cultura do Trabalhador, depreende-se o prazo de cinco anos, contados a partir de então, para a adoção das devidas providências técnicas quanto à revisão dos atos administrativos que acataram a solicitação de descredenciamento do Programa em 2017, efetuada pela CEF sem o cumprimento das normas legais pertinentes (Lei nº 9.784, de 29 de janeiro de 1999).
Fica patente, nesses termos, a inviabilidade jurídica da Caixa/Operadora efetuar a restituição do saldo in question aos cofres públicos, não só diante dos ilícitos cometidos, como também em decorrência de ser obrigação legal da própria CEF (desligada do Programa de Cultura do Trabalhador por iniciativa própria) a garantia do cumprimento de todos os encargos e deveres contratuais junto às beneficiárias e recebedoras, especialmente quanto à liquidação dos saldos remanescentes do Vale-Cultura nos cartões emitidos para tal, previamente ao descredenciamento, reativando-os com os valores devidos e entregando-os aos legítimos beneficiários, assumindo os custos e encargos dos serviços pertinentes.
Ratifica-se, assim, o posicionamento técnico no sentido de que: não há previsão legal para devolução do saldo para as empresas beneficiárias, as quais já se beneficiaram, outrora, da dedução do imposto de renda relativamente aos valores depositados nos cartões Vale-Cultura; e não há previsão legal para recolhimento desse saldo à União.
Em reforço ao acima expendido, acrescente-se que entendimento contrário poderia chancelar a indevida prática de ilícitos por outras operadoras, criando precedente prejudicial ao desenvolvimento do Programa pela Administração Pública.
Diante desse panorama, constatada a ausência nos autos de razões definitivas para a suspensão pela CEF do uso do cartão Vale-Cultura pelo trabalhador, registre-se que o fato pode ser revertido, cabendo à CEF a criação de mecanismos para reativação e reembolso do benefício irregularmente suspenso ou cessado, para o adequado atendimento às normas regentes, bem como diante do fato de que o trabalhador não concorreu para a suspensão irregular do benefício naquela Operadora.
A referida Instrução Normativa MTur nº 3, de 7 de novembro de 2021, estabelece quanto às sanções que:
Art. 26. A execução inadequada do Programa de Cultura do Trabalhador ou a ação que acarrete o desvio ou desvirtuamento de suas finalidades resultarão na aplicação das penalidades previstas no art. 12 da Lei nº 12.761, de 2012.
Parágrafo único. A sanção prevista no inciso III do art. 12 da Lei nº 12.761, de 2012, somente será aplicada se for possível aferir a vantagem econômica pelo infrator.
Ao seu turno, o art. 12 da Lei nº 12.761, de 27 de setembro de 2012, prevê:
Art. 12. A execução inadequada do Programa de Cultura do Trabalhador ou qualquer ação que acarrete desvio de suas finalidades pela empresa operadora ou pela empresa beneficiária acarretará cumulativamente:
I - cancelamento do Certificado de Inscrição no Programa de Cultura do Trabalhador;
II - pagamento do valor que deixou de ser recolhido relativo ao imposto sobre a renda, à contribuição previdenciária e ao depósito para o FGTS;
III - aplicação de multa correspondente a 2 (duas) vezes o valor da vantagem recebida indevidamente no caso de dolo, fraude ou simulação;
IV - perda ou suspensão de participação em linhas de financiamento em estabelecimentos oficiais de crédito pelo período de 2 (dois) anos;
V - proibição de contratar com a administração pública pelo período de até 2 (dois) anos; e
VI - suspensão ou proibição de usufruir de benefícios fiscais pelo período de até 2 (dois) anos.
Assim, no que tange aos atos administrativos, é de se sugerir à Diretoria de Políticas para os Trabalhadores da Cultura desta Pasta, a instrução complementar dos autos com documentos que possam esclarecer sobre a reunião noticiada pela CEF no Ofício nº 0232/2017, não só para averiguação das providências administrativas adotadas à época, como também do cumprimento pela CEF das normas relativas ao efetivo descredenciamento, sendo que, na impossibilidade, recomenda-se a observação dos ditames previstos na IN MTur nº 3, de 2021, em conjunto com os artigos 53 e 54 da Lei nº 9.784, de 1999, no que se refere à faculdade da revisão dos atos administrativos.
Nesse ritmo, sobre a questão - "poderia a União, excepcionalmente, recolher tais recursos, uma vez que a CEF não tem os contatos dos usuários e está desligada do programa de Cultura do trabalhador?" a resposta é negativa, sendo juridicamente incabível tal restituição, nos termos desta manifestação.
CONCLUSÃO
Dessa forma, considerando as premissas aqui lançadas, pode-se concluir pela impossibilidade legal do atendimento à solicitação da Caixa Econômica Federal de restituição do saldo remanescente do Vale-Cultura aos cofres públicos.
Repise-se a notabilidade das informações técnicas de que a Administração teve ciência somente em outubro de 2023 da "terceirização" dos encargos conferidos à CEF pelo cadastramento legal no Programa de Cultura do Trabalhador, o que enseja o prazo de cinco anos, contados a partir de então, para a adoção das devidas providências quanto à revisão dos atos administrativos que acataram a solicitação de descredenciamento do Programa em 2017, formulada pela CEF sem o cumprimento das normas legais pertinentes (Lei nº 9.784, de 29 de janeiro de 1999).
À vista do exposto, diante da inviabilidade jurídica de se efetuarem a restituição do saldo in question aos cofres públicos, não somente diante das irregularidades registradas, como também em decorrência do necessário cumprimento das obrigações legais pela CEF (desligada do Programa de Cultura do Trabalhador por iniciativa própria), esta Coordenação se manifesta pela devolução dos autos à Secretaria de Economia Criativa e Fomento Cultural/GM/MinC para as providências de alçada, consoante recomendadas neste Parecer.
À consideração superior
Brasília 21 de agosto de 2024
MARIA IZABEL DE CASTRO GAROTTI
Advogada da União
Atenção, a consulta ao processo eletrônico está disponível em https://supersapiens.agu.gov.br mediante o fornecimento do Número Único de Protocolo (NUP) 01400021751202314 e da chave de acesso 16dcc0d7