ADVOCACIA-GERAL DA UNIÃO
CONSULTORIA-GERAL DA UNIÃO
CONSULTORIA JURÍDICA JUNTO AO MINISTÉRIO DA CULTURA
GABINETE

DESPACHO n. 00757/2024/CONJUR-MINC/CGU/AGU

 

NUP: 01400.024360/2023-51

INTERESSADOS: GABINETE DA MINISTRA - GM/MINC

ASSUNTOS: ATOS ADMINISTRATIVOS

 

De acordo com Parecer nº 226/2024/CONJUR-MinC/CGU/AGU, aprovado pelo DESPACHO nº 737/2024/CONJUR-MINC/CGU/AGU.

 

Diante da relevância do tema enfrentado e considerando que o assédio sexual viola o direito à liberdade sexual, à intimidade, à vida privada, à igualdade de tratamento e ao meio ambiente de trabalho saudável e seguro, atentando contra a dignidade da pessoa humana e o valor social do trabalho, bem como considerando ser dever do Estado implementar ações de prevenção e combate a mecanismos, gestão e atitudes que favoreçam o assédio ou o desrespeito aos valores profissionais do serviço público, manifesto-me nos termos que seguem.

 

Verifica-se que o processo administrativo disciplinar foi instaurado pela Corregedoria do Ministério da Cultura, com vistas à apuração das responsabilidades administrativas descritas em Investigação Preliminar Sumária/IPS, iniciada por denúncia anônima de conduta ilícita, inicialmente enquadrada no inciso V do artigo 132, na Lei 8112/90, definida naqueles autos como 'incontinência pública e conduta escandalosa, na repartição', e tipificada no Decreto-Lei no 2.848, de 7 de dezembro de 1940 (Código Penal) - art. 215-A, descrita como “Importunação sexual”, Incluída pela Lei nº 13.718, de 2018, em desfavor do servidor Wallace Ribeiro Magalhães.

 

O fato anonimamente denunciado, com posterior confirmação dos episódios descritos e conhecimento do denunciante, reportou-se a incidentes de importunação sexual, apontando o responsável Wallace Ribeiro Magalhães pela prática de constrangimento caracterizada pelo ato de encostar o órgão genital no braço da denunciante, toque classificado por indesejado, criando ambiente de trabalho desagradável.

 

Segundo a OIT, a “violência e o assédio no trabalho podem assumir várias formas e causar danos físicos, psicológicos, sexuais e econômicos”. A pandemia da Covid-19 revelou e evidenciou muitas outras formas de assédio no trabalho, especialmente contra mulheres e grupos vulneráveis.

 

A fim de contextualizar o fato apurado enquanto problemática socialmente estruturante, cumpre destacar que ​em 2020, duas pesquisas foram realizadas sobre o assédio no ambiente de trabalho, no Brasil. Ambas as pesquisas foram feitas com recorte de gênero, ou seja, com ênfase nas trabalhadoras do sexo feminino, destacadamente grupo majoritário vítima de tais condutas.

 

A primeira pesquisa foi realizada por uma parceria entre a Think Eva e o LinkedIn, cujo foco foi o ciclo do assédio sexual no ambiente de trabalho. Essa pesquisa contou com respostas de 414 mulheres, e quase metade delas (47,12%) afirma ter sido vítima de assédio sexual. Além disso, 52% das vítimas são mulheres negras, 63% são da região Norte (que reúne os maiores números de casos) e 49% têm renda entre 2 e 6 salários-mínimos.

 

As participantes da pesquisa também puderam sugerir ações, para combater o assédio sexual no ambiente de trabalho. Dentre elas, destacam-se: desenvolvimento de ações preventivas, tais como ações de conscientização sobre assédio; criação de ouvidoria especializada em casos de assédio para atendimento das vítimas; e criação de procedimento de denúncia que seja fácil, transparente e resolutivo. Além dessas ações a empresa, segundo a pesquisa, precisam também investir na adoção de um posicionamento oficial e público, no monitoramento das ações preventivas que irão adotar e, por fi m, na elaboração de protocolo para encaminhar os casos e punir o agressor com o intuito de construir ambiente livre de assédio (THINK EVA; LINKEDIN, 2020).

 

A segunda pesquisa foi realizada pelos institutos Patrícia Galvão, Laudes Foundation e Locomotiva Pesquisa e Estratégia, e buscou mapear as percepções da população e conhecer as experiências de assédio e constrangimento vividas pelas trabalhadoras no ambiente de trabalho. A pesquisa foi realizada de 7 a 20/10/2020 e contou com participação de 1000 mulheres e 17500 homens, no Brasil, com margem de erro divulgada de 2.9 pontos percentuais.

 

A pesquisa concluiu que as mulheres são as principais vítimas de violência e assédio no trabalho, que 92% dos entrevistados acreditam que as mulheres sofrem mais constrangimento e assédio no mercado de trabalho e que 58% dos entrevistados conhecem alguma mulher que já sofreu preconceito e assédio por ser mulher.

 

A pesquisa apresentou aos entrevistados rol de medidas que as empresas deveriam promover para prevenir e combater o assédio no ambiente de trabalho. Todas as medidas apresentadas tiveram nível de aceitação superior a 89% tanto pelos homens como pelas mulheres. São elas: produzir de material informativo e educativo para conscientizar os funcionários; criar canal de denúncia anônimo e independente para relato dos casos; oferecer apoio psicológico gratuito para que as funcionárias possam falar a respeito de suas vivências; propiciar a todos palestra informativas e educativas; e estabelecer política clara de punição (AGÊNCIA PATRÍCIA GALVÃO; LAUDES FOUNDATION; LOCOMOTIVA PESQUISA E ESTRATÉGIA, 2020).

 

O Brasil ainda não possui legislação robusta que trate sobre assédio no ambiente de trabalho. Entretanto, consta uma sequência de ações desenvolvidas por órgãos e entidades públicas, inclusive o Poder Judiciário e o Poder Legislativo. Essas ações incluem cartilhas de orientação, resoluções, manuais e estudos.

 

Em março de 2023, a Controladoria-Geral da União (CGU) editou o Guia Lilás – Orientações para prevenção e tratamento ao assédio moral e sexual e à discriminação no Governo Federal, documento que, "buscando ser prático, [...] traz conceitos e exemplos de atos, gestos, atitudes e falas que podem ser entendidos como atos de assédio moral ou sexual ou, ainda, de discriminação no contexto das relações de trabalho no Governo Federal, compilando entendimentos construídos em esforços prévios de trazer o panorama do assédio e seus desdobramentos no ambiente do setor público federal", apontando também "orientações para prevenção, assistência e denúncia, entre outras informações úteis para o enfrentamento dessas práticas abusivas".

 

A Lei nº. 14.540, de 3 de abril de 2023, veio no mesmo sentido e instituiu o Programa de Prevenção e Enfrentamento ao Assédio Sexual e demais Crimes contra a Dignidade Sexual e à Violência Sexual no âmbito da administração pública, direta e indireta, federal, estadual, distrital e municipal, aplicando-se a todas as instituições privadas em que haja a prestação de serviços públicos por meio de concessão, permissão, autorização ou qualquer outra forma de delegação. São objetivos do Programa de Prevenção e Enfrentamento ao Assédio Sexual e demais Crimes contra a Dignidade Sexual e à Violência Sexual:

 

I - prevenir e enfrentar a prática do assédio sexual e demais crimes contra a dignidade sexual e de todas as formas de violência sexual nos órgãos e entidades abrangidos por esta Lei;
II - capacitar os agentes públicos para o desenvolvimento e a implementação de ações destinadas à discussão, à prevenção, à orientação e à solução do problema nos órgãos e entidades abrangidos por esta Lei;
III - implementar e disseminar campanhas educativas sobre as condutas e os comportamentos que caracterizam o assédio sexual e demais crimes contra a dignidade sexual e qualquer forma de violência sexual, com vistas à informação e à conscientização dos agentes públicos e da sociedade, de modo a possibilitar a identificação da ocorrência de condutas ilícitas e a rápida adoção de medidas para a sua repressão.

 

Na mesma linha, a Advocacia-Geral da União empreendeu diversas ações voltadas à orientação para prevenção e combate ao assédio sexual na Administração Pública Federal, que culminaram com a elaboração do Parecer nº 0015/2023/CONSUNIAO/CGU/AGU, ao qual foi atribuída força vinculante, por meio de Despacho do Presidente da República, publicado no Diário Oficial da União de 6 de setembro de 2023. O referido parecer foi assim ementado:

 

DIREITO ADMINISTRATIVO DISCIPLINAR. ASSÉDIO SEXUAL E DEMAIS CONDUTAS QUE VIOLAM A DIGNIDADE SEXUAL. FIXAÇÃO DE PENA DE DEMISSÃO. 
 

Quanto à apuração na seara disciplinar, no âmbito do Sistema de Correição do Poder Executivo Federal (SISCOR), verificou-se a existência de importantes variações no enquadramento das condutas de conotação sexual, que implicam divergências relevantes quanto à sanção aplicada.

 

Esse diagnóstico foi corroborado pelos dados apresentados no "Estudo Temático – ASSÉDIO SEXUAL: Tratamento correcional do assédio sexual no âmbito do Sistema de Correição do Poder Executivo Federal (SISCOR)".

 

A partir deste contexto, por meio da NOTA TÉCNICA Nº 3285/2023/CGUNE/DICOR/CRG, aprovada pelo Corregedor-Geral da União, apresentou-se sugestão para o tratamento disciplinar das condutas sexuais impróprias praticadas no ambiente de trabalho ou que tenham repercussão sobre ele ou sobre outros agentes públicos, na forma que segue:

 

a) para fins de tipificação de infrações disciplinares, propôs-se, nos termos do Parecer nº 0015/2023/CONSUNIAO/CGU/AGU, uniformizar-se o entendimento no sentido de utilizar a expressão "assédio sexual" apenas em referência às condutas de natureza sexual, não consentidas, que tenham como efeito causar constrangimento e prejuízo a bens jurídicos relevantes, tais como a dignidade, a intimidade, a privacidade, a honra e a liberdade sexual de outro agente público ou de usuário de serviço público.
 
Daí decorre que, configurado o assédio sexual nesta perspectiva, impõe-se o enquadramento da conduta como infração disciplinar grave (art. 117, IX – – ou art. 132, V – Valer-se do cargo para lograr proveito pessoal ou de outrem, em detrimento da dignidade da função pública Incontinência pública e conduta escandalosa, na repartição ), em face das quais se obriga a autoridade competente à aplicação de penalidade expulsiva, sem qualquer margem de discricionariedade para dosimetria diversa.
 
b) Por outro lado, recomendou a utilização apenas da expressão "outras condutas de conotação sexual" para os demais casos de condutas de médio ou baixo grau de reprovabilidade, desagradáveis e prejudiciais ao ambiente de trabalho, mas que não configuram grave ofensa à moralidade administrativa nem afronta direta aos bens jurídicos mencionados no parágrafo anterior – as quais poderão configurar infrações disciplinares leves ou intermediárias, sujeitas às penalidades de advertência ou suspensão.

 

Para fins de padronização, sugeriu, ainda, a adoção das seguintes nomenclaturas:

 

a) "condutas de conotação sexual", expressão genérica que se refere tanto ao "assédio sexual" como às condutas de menor grau de reprovabilidade ‒ trata-se de gênero que engloba as duas espécies de condutas descritas nos itens a seguir;
b)"assédio sexual", expressão destinada a representar condutas graves, de maior grau de reprovabilidade, que devem necessariamente resultar na aplicação de penalidades expulsivas; e
c) "outras condutas de conotação sexual", expressão representativa de condutas de médio ou baixo grau de reprovabilidade, passíveis de sancionamento com as penas de advertência ou suspensão.

 

Nesse cenário, a NOTA TÉCNICA Nº 3285/2023/CGUNE/DICOR/CRG propõe o escalonamento quanto ao enquadramento disciplinar das condutas:

 

 

Nos casos dos presentes autos, o relatório final da Comissão Processante concluiu no seguinte sentido:

 

Como citado anteriormente, a Comissão Processante entende que apesar do enquadramento da conduta ter sido no descumprimento do dever de tratar com urbanidade as pessoas (art. 116, inciso XI da Lei n. 8.112/1990), o que, normalmente, justificaria a penalidade de advertência, entendemos que a penalidade devida é a de suspensão, nos termos do art. 129 da Lei n. 8.112/1990, confira-se:
(...)
13.8. Concluímos então, pela recomendação de suspensão do servidor Wallace Ribeiro Magalhães pelo prazo de 31 dias. Ng.

 

Verifica-se, portanto, que a penalidade sugerida está conforme as balizas sugeridas pela Corregedoria-Geral da União, sem colidir com o entendimento firmado no Parecer nº 0015/2023/CONSUNIAO/CGU/AGU. 

 

Por fim, esta Consultoria Jurídica repisa que a valorização e o respeito à diversidade humana é um dos temas a ser viabilizado em ações e programas no serviço público federal. Neste sentido, a política de enfrentamento ao assédio e à discriminação na Administração Pública Federal deve ter como objetivo promover uma cultura de segurança, respeito, igualdade, equidade e de integridade nos espaços institucionais, tornando-se fundamental viabilizar a prevenção e o combate ao assédio e à discriminação.

 

Trata-se de compromisso que alcança toda a Administração Pública Federal, de modo apreservar a dignidade humana e os direitos fundamentais, notadamente das mulheres dela participantes.

 

Encaminhe-se o processo ao Gabinete Ministerial.

 

Brasília, 16 de agosto de 2024.

 

 

KIZZY COLLARES ANTUNES

Advogada da União

CONSULTORA JURÍDICA JUNTO AO MINISTÉRIO DA CULTURA

 

 


Atenção, a consulta ao processo eletrônico está disponível em https://supersapiens.agu.gov.br mediante o fornecimento do Número Único de Protocolo (NUP) 01400024360202351 e da chave de acesso 94e15766

 




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