ADVOCACIA-GERAL DA UNIÃO
CONSULTORIA-GERAL DA UNIÃO
CONSULTORIA JURÍDICA JUNTO AO MINISTÉRIO DA CULTURA
COORDENAÇÃO-GERAL DE PARCERIAS E COOPERAÇÃO FEDERATIVA
PARECER n. 00253/2024/CONJUR-MINC/CGU/AGU
NUP: 01400.018467/2024-41
INTERESSADOS: SECRETARIA DE CIDADANIA E DIVERSIDADE CULTURAL
ASSUNTOS: POLITICA NACIONAL DE CULTURA VIVA
EMENTA: Fomento à Cultura. Política Nacional de Cultura Viva. Consulta sobre a possibilidade de celebração de Termo de Execução Cultural e Termo de Compromisso Cultural com coletivos culturais não constituídos juridicamente e sobre o enquadramento jurídico dos Microempresários Individuais - MEI. Lei n. 13.018/2014. Instrução Normativa MINC n. 1/2015. Novo Marco de Fomento à Cultura. Lei n. 14.903/2024. Lei Complementar 123/2006, art. 18-A. Código Civil, art. 966. Considerações sobre as especificidades da Política Nacional de Cultura Viva e sobre o Novo Marco de Fomento à Cultura. Responsabilidade do órgão técnico por justificar o instrumento e o regime jurídico adotados em cada caso.
RELATÓRIO
Por meio do Ofício nº 179/2024/DPNCV/SCDC/GM/MinC (SEI 1863138), a Secretaria de Cidadania e Diversidade Cultural - SCDC solicita análise e manifestação sobre os questionamentos expostos na Nota Técnica 1/2024 (1862652), de autoria da Divisão de Articulação da Cultura Viva - DACV/SCDC.
A referida Nota Técnica relata que o Fórum Permanente dos Pontos de Cultura do Estado de São Paulo - FPdPCSP, por meio do Ofício FPdPCSP 01/2024 (1849914), encaminhou consulta sobre as seguintes questões:
Neste contexto, há uma proposta que a Lei Cultura Viva e suas regulamentação não prevê e por isso, o motivo desta consulta, que é a possibilidade da Secretaria Estadual possa usar as legislações subsequentes para ampliar as possibilidades para Coletivos Culturais através do instrumento jurídico o TEC - Termo de Execução Cultural para projetos de Pontos de Cultura nos Plano de Trabalho de 12 meses. Visto que pelas orientações do MinC somente é possível premiar Pontos de Cultura constituídos por representação de pessoa física com o teto de 30 mil reais, com pagamento via Pessoa Física (PF), com desconto na fonte, conforme determinado na Lei Cultura Viva, 13018/14 e na PNCV e suas instruções normativas.
Deste modo, uma integrante do Fórum propôs ao Fórum que fizéssemos uma consulta jurídica e política à Secretaria Estadual e ao Minc, para que fosse utilizado o instrumento de Termo de Execução Cultural, contido no Decreto e Marco Regulatório de Fomento à Cultura, para que seja possível aumentar o valor de premiação e também de contratação de planos de trabalhos de Pontos de Cultura, constituídos como coletivos.
Em 2018 ocorreu o primeiro edital de prêmios para pessoa jurídica de direito privado sem fins lucrativos e coletivos no valor de R$ 60 Mil Reais. Em 2023 no edital da LPG o valor do edital de Pontos de Cultura e Territórios estipulou o valor de R$ 300 Mil para pessoa jurídica de direito privado sem fins lucrativos e para os coletivos culturais representados por MEIs com as mesmas condições de licitação e o mesmo valor. Portanto, com base nestes dados, o Fórum Paulista solicita esta consulta.
A partir da consulta do FPdPCSP, a SCDC elaborou a Nota Técnica 1/2024 (SEI 1862652), que relata a demanda e encaminha os seguintes questionamentos jurídicos, considerados necessários à análise da proposta/consulta do FPdPCSP:
4.3.1. É possível utilizar, por parte do ente federado, o Termo de Execução Cultural para projetos de pontos de cultura para coletivos culturais?
4.3.2. É possível utilizar MEI, para que seja possível aumentar o valor de premiação nos editais da PNCV?
4.3.3. É possível a execução de projetos continuados (planos de trabalho) de Pontos de Cultura, constituídos como coletivos, sem constituição jurídica?
Este é o relato do necessário.
ANÁLISE JURÍDICA
A presente análise se dá com fundamento no art. 131 da Constituição Federal, no art. 11 da Lei Complementar nº 73/93, e no art. 11 do Decreto n. 11.336/2023, subtraindo-se do âmbito da competência institucional deste Órgão Jurídico, delimitada em lei, análises que importem em considerações de ordem técnica, financeira ou orçamentária.
Nesse mister, a presente análise restringe-se a apontar possíveis riscos do ponto de vista jurídico e recomendar providências, para salvaguardar a autoridade assessorada, a quem compete avaliar a real dimensão do risco e a necessidade de se adotar ou não a precaução recomendada.
Quanto aos aspectos de natureza técnica, parte-se da premissa de que a autoridade competente municiou-se dos conhecimentos específicos imprescindíveis para a sua adequação às necessidades da Administração e quanto à operacionalidade do instrumento em análise, observando os requisitos legalmente impostos.
Conforme mencionado, a presente consulta originou-se em questionamento recebido do "Fórum Permanente dos Pontos de Cultura do Estado de São Paulo - FPdPCSP", por meio do Ofício FPdPCSP 01/2024 (SEI 1849914).
Não há nos autos informações sobre a natureza jurídica do "Fórum Permanente dos Pontos de Cultura do Estado de São Paulo", no entanto, apurou-se informalmente que não se trata de uma entidade constituída juridicamente, mas de uma reunião informal de Pontos de Cultura sediados no Estado de São Paulo.
Ressalto que não cabe a esta Consultoria Jurídica responder a consultas de particulares ou quaisquer órgãos/entidades/instituições externas ao Ministério da Cultura, mas tão somente prestar assessoria e consultoria jurídica no âmbito do Ministério, nos termos do art. 11 do Decreto n. 11.336/2023.
Assim, a partir da consulta do FPdPCSP, a SCDC elaborou a Nota Técnica 1/2024 (SEI 1862652), que relata a demanda e encaminha questionamentos jurídicos que o órgão considera necessários à análise da proposta/consulta recebida do FPdPCSP.
Dito isso, passo à análise pormenorizada de cada item da consulta.
a) É possível utilizar, por parte do ente federado, o Termo de Execução Cultural para projetos de pontos de cultura para coletivos culturais?
A primeira pergunta diz respeito à possibilidade de celebração do Termo de Execução Cultural com coletivos culturais para projetos de pontos de cultura. Essa questão envolve três aspectos importantes: (i) o uso do Termo de Execução Cultural; (ii) o conceito de coletivos culturais; e (iii) a aplicação do Termo de Execução Cultural aos pontos de cultura.
Inicialmente, é preciso esclarecer que o Termo de Execução Cultural é instrumento que encontra fundamento na recente Lei n. 14.903, de 27 de junho de 2024, que estabelece o Marco Regulatório do Fomento à Cultura, no âmbito da administração pública da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios. Os art. 1º e 2º da referida Lei estabelecem:
Art. 1º Esta Lei estabelece o marco regulatório do fomento à cultura, no âmbito da administração pública da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, nos termos do inciso IX do caput do art. 24 da Constituição Federal, e abrange:
I - órgãos da administração direta, autarquias, fundações, bem como empresas públicas e sociedades de economia mista prestadoras de serviço público, e suas subsidiárias, enquadradas no disposto no § 9º do art. 37 da Constituição Federal; e
II - órgãos dos Poderes Legislativo e Judiciário da União, dos Estados e do Distrito Federal e órgãos do Poder Legislativo dos Municípios, quando no desempenho de função administrativa.
Art. 2º A União executará as políticas públicas de fomento cultural por meio do regime próprio de que trata o Capítulo II desta Lei, dos regimes previstos nas Leis nº 8.685, de 20 de julho de 1993, nº 11.437, de 28 de dezembro de 2006, nº 13.018, de 22 de julho de 2014, e nº 13.019, de 31 de julho de 2014, e na Medida Provisória nº 2.228-1, de 6 de setembro de 2001, ou de outros regimes estabelecidos em legislação federal específica.
§ 1º Os Estados, o Distrito Federal e os Municípios poderão executar as políticas públicas de fomento cultural por meio de um dos regimes previstos no caput deste artigo ou de outros regimes jurídicos estabelecidos no âmbito de sua autonomia.
§ 2º Cada política pública cultural poderá ser implementada com o uso de mais de um dos regimes jurídicos referidos no caput e no § 1º deste artigo, observados os seguintes requisitos:
I - o regime jurídico aplicável em cada caso, com os respectivos instrumentos, deverá ser especificado pelo gestor público no processo administrativo em que for planejada a celebração de determinado instrumento, de acordo com os objetivos almejados; e
II - a escolha do regime jurídico pelo gestor público deverá ser orientada para o alcance das metas dos planos de cultura referidos no inciso V do § 2º do art. 216-A da Constituição Federal, observados os princípios constitucionais da eficiência e da duração razoável do processo.
Pela leitura dos dispositivos recém-transcritos, percebe-se que as políticas públicas de fomento cultural devem ser executadas, em todos os entes federativos, por meio do regime próprio do novo Marco de Fomento ou dos regimes indicados no art. 2º, caput, e § 1º, entre eles o da Lei n. 13.018/2014 (que institui a Política Nacional de Cultura Viva).
O § 2º do art. 2º estabelece, ainda, que cada política pública cultural poderá ser implementada com o uso de mais de um regime jurídico e respectivos instrumentos, desde que o regime aplicável seja especificado pelo gestor público no processo administrativo, de acordo com os objetivos almejados, em cada caso, e a escolha do regime seja orientada para o alcance das metas dos planos de cultura referidos no inciso V do § 2º do art. 216-A da Constituição Federal.
Portanto, pode-se concluir que os entes federados poderão adotar o Termo de Execução Cultural (regido pela Lei n. 14.903/2024) para projetos executados no âmbito da Política Nacional da Cultura Viva - PNCV (regida pela Lei n. 13.018/2014), desde que a escolha do regime do novo Marco de Fomento à Cultura seja justificadamente especificada pelo gestor público no processo administrativo, de acordo com os objetivos almejados, em cada caso, e tendo em vista o alcance das metas dos planos de cultura referidos no inciso V do § 2º do art. 216-A da Constituição.
O art. 4º da Instrução Normativa/MinC n. 1/2015, alterada pela IN n. 8/2016 (que regulamenta a PNCV), é compatível com essa liberdade de escolha do instrumento, na forma do seu inciso V, que possibilita a celebração de outras parcerias entre entes públicos e privados:
Art. 4º A PNCV contará com as seguintes formas de apoio, fomento e parceria para cumprimento de seus objetivos:
I - fomento a projetos culturais de Pontos e Pontões de Cultura juridicamente constituídos, por meio da celebração de Termo de Compromisso Cultural (TCC), nos termos desta Instrução Normativa;
II- premiação de projetos, iniciativas, atividades, ou ações de pontos e pontões de cultura;
III - premiação de projetos, iniciativas, atividades, ou ações de pessoas físicas, entidades e coletivos culturais, no âmbito das ações estruturantes da PNCV;
IV - concessão de bolsas a pessoas físicas visando o desenvolvimento de atividades culturais que colaborem para as finalidades da PNCV; e
V - parcerias entre União, entes federados, instituições públicas e privadas.
Parágrafo único. No âmbito do Ministério da Cultura, compete ao titular da SCDC firmar os instrumentos de apoio, fomento e parceria descritos neste artigo. (Redação dada pela Instrução Normativa MINC n. 8, de 11 de maio de 2016)
Em outras palavras, conclui-se que é possível celebrar Termo de Execução Cultural no âmbito da PNCV, desde que se justifique a necessidade de adoção desse instrumento específico em detrimento dos instrumentos próprios da PNCV, conforme veremos adiante.
Quanto à possibilidade de se celebrar Termo de Execução Cultural com coletivos culturais, é importante esclarecer que a Lei n. 14.903/2024 define como Termo de Execução Cultural o instrumento que a administração pública celebra com um agente cultural com o objetivo de estabelecer obrigações visando a realização de uma ação cultural (nos termos do art. 12 da Lei).
Ainda nos termos da Lei n. 14.903/2024, agente cultural é aquele "atuante na arte ou na cultura, na qualidade de pessoa física, microempresário individual, empresário individual, organização da sociedade civil, sociedade empresária, sociedade simples, sociedade unipessoal ou outro formato de constituição jurídica previsto na legislação" (art. 3º, inciso II da Lei) e ação cultural é "qualquer atividade ou projeto apoiado por políticas públicas de fomento cultural" (art. 3º, inciso I da Lei).
O § 1º do art. 3º da Lei n. 14.903/2024 ainda estabelece, ainda, que a definição de agente cultural "abrange os artistas, os produtores culturais, os coletivos culturais despersonalizados juridicamente, os mestres da cultura popular, os curadores, os técnicos, os assistentes e outros profissionais dedicados à realização de ações culturais".
Vale destacar que o conceito de coletivo cultural da PNCV é compatível com o de agente cultural da Lei n. 14.903/2024, já que, nos termos da IN MINC n. 1/2015 coletivo cultural é "povo, comunidade, grupo e núcleo social comunitário sem constituição jurídica, de natureza ou finalidade cultural, rede e movimento sociocultural, que desenvolvam e articulem atividades culturais em suas comunidades" (art. 3º, inciso II).
Assim, mesmo sem constituição jurídica, o coletivo cultural pode ser considerado um agente cultural para as finalidades da Lei n. 14.903/2024, desde que atue no campo da arte ou da cultura.
Reforçando esse entendimento, o art. 4º, § 5º, da Lei n. 14.903/2024, estabelece que todos os instrumentos de execução do Marco de Fomento à cultura podem ser celebrados com os agentes culturais, independentemente do seu formato de constituição jurídica:
Art. 4º São instrumentos de execução do regime próprio de fomento à cultura:
I - com repasse de recursos pela administração pública:
a) termo de execução cultural;
b) termo de premiação cultural;
c) termo de bolsa cultural;
II - sem repasse de recursos pela administração pública:
a) termo de ocupação cultural;
b) termo de cooperação cultural.
(...)
§ 5º Todos os instrumentos previstos nos incisos I e II do caput deste artigo poderão ser celebrados pelo agente cultural de que trata o inciso II do caput do art. 3º desta Lei, independentemente do seu formato de constituição jurídica.
Vale notar, ainda, que caracteriza o Termo de Execução Cultural a existência de um plano de trabalho anexo, que estabeleça, ao menos: I - descrição do objeto da ação cultural; II - cronograma de execução; III - estimativa de custos (art. 13 da Lei n. 14.903/2024).
Portanto, uma vez caracterizado o coletivo cultural como um agente cultural, nos termos do novo Marco, conclui-se que a celebração de um Termo de Execução Cultural com coletivo cultural é possível, desde que vinculado a um plano de trabalho com as características mínimas indicadas no art. 13 da Lei n. 14.903/2024.
Por fim, observo que o primeiro questionamento menciona a possibilidade de uso do Termo de Execução Cultural com coletivos culturais especificamente "para projetos de pontos de cultura".
De acordo com a Lei n. 13.018/2014, os pontos de cultura são:
Art. 4º A Política Nacional de Cultura Viva compreende os seguintes instrumentos:
I - pontos de cultura: entidades jurídicas de direito privado sem fins lucrativos, grupos ou coletivos sem constituição jurídica, de natureza ou finalidade cultural, que desenvolvam e articulem atividades culturais em suas comunidades;
(...)
§ 1º Os pontos e pontões de cultura constituem elos entre a sociedade e o Estado, com o objetivo de desenvolver ações culturais sustentadas pelos princípios da autonomia, do protagonismo e da capacitação social das comunidades locais.
§ 3º As entidades juridicamente constituídas serão beneficiárias de premiação de iniciativas culturais ou de modalidade específica de transferência de recursos prevista nos arts. 8º e 9º desta Lei.
Portanto, de acordo com o dispositivo recém-transcrito, os pontos de cultura são elos entre a sociedade e o Estado, com o objetivo de desenvolver ações culturais sustentadas pelos princípios da autonomia, do protagonismo e da capacitação social das comunidades locais, e podem ter ou não constituição jurídica.
Convém notar, ainda, que de acordo com o art. 4º, inciso I, da IN MINC n. 1/2015, o Termo de Compromisso Cultural (TCC) é o instrumento destinado ao fomento a projetos culturais de Pontos e Pontões de Cultura juridicamente constituídos:
IN n. 1/2015
Art. 4º A PNCV contará com as seguintes formas de apoio, fomento e parceria para cumprimento de seus objetivos:
I - fomento a projetos culturais de Pontos e Pontões de Cultura juridicamente constituídos, por meio da celebração de Termo de Compromisso Cultural (TCC), nos termos desta Instrução Normativa;
(...)
Assim, observa-se que os pontos de cultura que não tenham constituição jurídica não podem celebrar TCC.
A este respeito, vale destacar que o art. 4º, § 3º da Lei n. 13.018/2014 determina que as entidades juridicamente constituídas podem receber fomento tanto por premiação quanto via TCC, conforme disposto nos arts. 8º e 9º da Lei da PNCV.
Observo, ainda, que o § 2º do dispositivo foi vetado. Esse parágrafo originalmente estabelecia:
"§ 2º Os grupos e coletivos culturais sem constituição jurídica serão beneficiários de premiação de iniciativas culturais ou de instrumentos de apoio e fomento previstos em lei, conforme regulamento.”
As Razões do Veto [1] indicam a seguinte motivação:
“O dispositivo daria o mesmo tratamento jurídico a modalidades significativamente diversas de apoio financeiro, tais como prêmios, bolsas e fomento. Desse modo, ao autorizar que grupos e coletivos culturais, sem constituição jurídica, sejam beneficiários de instrumentos de apoio e fomento, levaria a sérios obstáculos para a execução das transferências financeiras, além de dificultar a devida prestação de contas. Por fim, poderia haver prejuízos para eventual responsabilização em casos de desvios ou outras irregularidades.”
Assim, considerando o disposto na Lei e nas Razões do Veto, a IN MINC n. 1/2015, em seu art. 4º, inciso I, estabeleceu que o fomento a projetos culturais, por meio da celebração de Termo de Compromisso Cultural (TCC), somente pode se dar com Pontos de Cultura juridicamente constituídos, como visto acima.
Ou seja, os coletivos culturais (sem constituição jurídica) não podem receber recursos via TCC, apesar de poderem se cadastrar como pontos de cultura, na forma do art. 4º, inciso III, da Lei n. 13.018/2014, e dos art. 3º, inciso V, e 5º, da IN MINC n. 1/2015 [2].
Dito isso, e considerando que o Termo de Compromisso Cultural - TCC é o instrumento específico da Política Nacional de Cultura Viva, cujo regramento foi modelado para as finalidades estabelecidas na Lei n. 13.018/2014, é possível que o Termo de Execução Cultural da Lei n. 14.903/2024 não seja suficiente para direcionar a parceria aos objetivos da PNCV com a coerência e a vinculação desejáveis.
Assim, cabe ao órgão técnico justificar a adoção do Termo de Execução Cultural, em detrimento do TCC, que é o instrumento específico da PNCV, especialmente nos casos que envolvam a manutenção de um Ponto de Cultura, que é uma figura própria dessa política.
b) É possível utilizar MEI, para que seja possível aumentar o valor de premiação nos editais da PNCV?
A respeito do segundo questionamento, a Nota Técnica 1/2024 (SEI 1862652) apresenta o seguinte contexto:
4.5.1. O § 2º do art. 8º da Lei Cultura Viva, define que a regulação deve considerar valores que possibilitem contemplar custos diferenciados devido às vastas dimensões e diversidades socioeconômicas e espaciais do Brasil.
4.5.2. O parâmetro para os planos de trabalho de 12 meses é fixado como um teto, sem definir um único valor específico, permitindo assim que estados e municípios possam ajustar os valores.
4.5.3. Os valores anuais dos Termos de Compromisso Cultural foram estabelecidos pela Instrução Normativa MinC nº8, de 2016, com um máximo de R$120.000,00. Com a Instrução Normativa MinC nº12 de 2024, o limite passou para R$300.000,00.
4.5.4. Com relação a modalidade de premiação, não tínhamos uma regulamentação de valores para gerar uma referência nacional para aplicação em edital da Política Nacional Cultura Viva. Com a IN MinC nº 12/2024 esta parametrização se estabelece definindo que valores de prêmio para pontos de cultura entidades culturais, ou seja, com CNPJ, ficou estabelecido o teto de R$ 60.000,00 e para coletivos culturais, ou seja, pontos de cultura sem CNPJ, o teto da premiação ficou em R$ 30.000,00.
4.5.5. Esta referência para os coletivos se respalda nos valores estabelecidos no último edital de premiação para Pontos de Cultura, Edital Sérgio Mamberti 2023.
4.5.6. Essas medidas visam assegurar que a política de fomento à cultura seja flexível e adaptável às necessidades locais, promovendo uma distribuição equitativa dos recursos e apoiando iniciativas culturais em todo o território nacional.
(destaque nosso)
Verifica-se, portanto, que o questionamento diz respeito à possibilidade de lançar edital para premiação de microempreendedores individuais (MEI) na categoria "com CNPJ", tendo em vista o disposto no art. 56 da recente Instrução Normativa MinC nº 12/2024, que estabelece:
Art. 56. O pagamento dos Prêmios Cultura Viva se dará em parcela única e seu valor bruto será definido pelo Ente Federado, de acordo com as práticas em seu território, observados os seguintes limites:
I - até R$ 60.000,00 (sessenta mil reais) para entidades culturais juridicamente constituídas;
II - até R$ 30.000,00 (trinta mil reais) para pessoas físicas, grupos e coletivos culturais sem constituição jurídica.
§ 1º Os valores brutos definidos no caput serão atualizados anualmente pela Calculadora do Cidadão do Banco Central do Brasil, pelo índice IGPM - Índice Geral de Preços de Mercado.
§ 2º Em caso de premiação por meio de doação de equipamentos ou kits culturais, o valor do prêmio será calculado de acordo com os preços de mercado dos equipamentos ou itens que compõem o kit.
O dispositivo é claro ao estabelecer valores-limite para a premiação de entidades constituídas juridicamente (inciso I) e de pessoas físicas, grupos e coletivos culturais sem constituição jurídica (inciso II), determinando que a primeira categoria poderá receber até R$60.000,00 e a segunda categoria até R$30.000,00.
Resta saber em qual dos dois incisos os microempreendedores individuais (MEI) se enquadram.
A este respeito, inicialmente, é preciso notar que o art. 18-A, § 1º, da Lei Complementar 123/2006 indica que o "microempreendedor individual" é uma categoria criada para efeitos meramente tributários, coincidindo com o próprio "empresário" definido no art. 966 do Código Civil:
Art. 18-A. O Microempreendedor Individual - MEI poderá optar pelo recolhimento dos impostos e contribuições abrangidos pelo Simples Nacional em valores fixos mensais, independentemente da receita bruta por ele auferida no mês, na forma prevista neste artigo.
§ 1º Para os efeitos desta Lei Complementar, considera-se MEI quem tenha auferido receita bruta, no ano-calendário anterior, de até R$ 81.000,00 (oitenta e um mil reais), que seja optante pelo Simples Nacional e que não esteja impedido de optar pela sistemática prevista neste artigo, e seja empresário individual que se enquadre na definição do art. 966 da Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002 (Código Civil), ou o empreendedor que exerça:
(...)
A título de informação, o art. 966 do Código Civil estabelece que empresário é aquele que “exerce profissionalmente atividade econômica organizada para a produção ou a circulação de bens ou de serviços”:
Art. 966. Considera-se empresário quem exerce profissionalmente atividade econômica organizada para a produção ou a circulação de bens ou de serviços.
Parágrafo único. Não se considera empresário quem exerce profissão intelectual, de natureza científica, literária ou artística, ainda com o concurso de auxiliares ou colaboradores, salvo se o exercício da profissão constituir elemento de empresa.
Assim, o empresário (definido pelo Código Civil) que declara faturamento anual não superior a R$ 81.000,00 e não tenha mais de um empregado, qualifica-se como MEI, para efeitos tributários.
Nesses termos, entende-se que o empresário (ou microempreendedor) individual não adquire personalidade jurídica diversa ao tornar-se MEI, e sua inscrição no CNPJ destina-se exclusivamente para fins tributários.
A natureza jurídica do MEI, portanto, é de pessoa natural (física), exercendo atividade profissional em nome próprio – diferentemente das empresas, que atuam com personalidade jurídica própria, que não se confunde com a de seus sócios e dirigentes. Portanto, como o microempreendedor individual é empresário individual, entende-se que sua natureza jurídica é também de pessoa física (e não pessoa jurídica).
Esse entendimento é pacífico no âmbito da AGU, e também na jurisprudência, como se verifica nos seguintes julgados, recolhidos a título exemplificativo:
TJ-SP - Agravo de Instrumento: Al XXXXX20218260000 SP XXXXX-24.2021.8.26.0000Jurisprudência • Acórdão • Mostrar data de publicaçãoEmenta CUMPRIMENTO DE SENTENÇA - Indeferimento do pedido de pesquisas de bens em nome de suposta pessoa jurídica- Insurgência - Descabimento - Ausência de pessoa jurídica no caso - Microempreendedor individual (MEI) que, apesar de possuir CNPJ próprio, não é pessoa jurídica, mas a própria pessoa fisica do devedor - Impossibilidade de confusão patrimonial, tendo em vista tratar-se de uma só pessoa - Recurso desprovido.
TJ-SP - Agravo de Instrumento: Al XXXXX20228260000 SP XXXXX-43.2022.8.26.0000Jurisprudência • Acórdão • Mostrar data de publicaçãoEmenta AGRAVO DE INSTRUMENTO. PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS EDUCACIONAIS. AÇÃO MONITÓRIA. Decisão interlocutória que indeferiu pedido de ampliação subjetiva do polo passivo da demanda, sob o fundamento de necessidade de prévia instauração de incidente de desconsideração inversa da personalidade jurídica. Insurgência da exequente, salientando que as três firmas individuais localizadas em nome da executada estão constituídas no regime de Microempreendedor Individual MEl), o que dispensaria a instauração do incidente. Com razão. MEl que é mera ficção jurídica para fins fiscais, não havendo propriamente constituição de pessoa jurídica distinta da pessoa fisica do empresário individual, não obstante registro no CNPJ. Confusão patrimonial que, nesses casos, é presumida. Desnecessidade de instauração de incidente de desconsideração da personalidade jurídica. Precedentes. Decisão reformada para inclusão das firmas individuais indicadas a fls. 21/28 dos autos digitais de origem. RECURSO PROVIDO.
TJ-MG - Agravo de Instrumento-Cv: Al XXXXX21204878001 MGJurisprudência • Acórdão • Mostrar data de publicaçãoEmenta EMENTA: AGRAVO DE INSTRUMENTO - JUSTIÇA GRATUITA - MICROEMPREENDEDOR INDIVIDUAL (MEI) -HIPOSSUFICIÊNCIA COMPROVADA - DECISÃO REFORMADA - RECURSO PROVIDO. 1- "A microempresa individual não está elencada no rol de pessoas jurídicas do art. 44 do CC/02, pelo que não detém personalidade juridica distinta da pessoa natural do microempreendedor individual, usufruindo das mesmas prerrogativas da pessoa natural para fins de concessão dos benefícios de justiça gratuita." (TJMG - Agravo de Instrumento n° 1.0000.19.047537-6/000). 2- E necessária a comprovação da situação de hipossuficiência financeira para a concessão dos benefícios da assistência judiciária gratuita. 3- Uma vez comprovado que a parte recorrente não tem condições de arcar com as custas processuais, sem prejuízo da subsistência da pequena empresa, deve ser concedida a justiça gratuita. 4- Decisão reformada. 5- Recurso provido.
TJ-SP - Apelação Cível: AC XXXXX20218260024 SP XXXXX-73.2021.8.26.0024Jurisprudência • Acórdão • Mostrar data de publicaçãoEmenta APELAÇÃO. Embargos à Execução. Impugnação à execução procedida contra "sócio" da "empresa" sem ter havido incidente de desconsideração da personalidade jurídica ou comprovação dos requisitos do art. 50 do CC. Sentença de procedência. Recurso do embargado. Alegação de que a "empresa" trata-se, na verdade, de MICROEMPREENDEDOR INDIVIDUAL (MEI) sendo desnecessária a desconsideração por corresponder a empresário individual. Possibilidade. Firma individual é ficção jurídica, cuja função é a de habilitar a pessoa física a exercer a atividade empresária, concedendo-lhe tratamento especial de natureza fiscal. Não há, portanto, diante destas circunstâncias, dicotomia entre a pessoa natural e a firma por ela constituída, não havendo que se falar em desconsideração da personalidade jurídica. Patrimônios que se confundem. Sentença reformada. Sucumbência revista. Recurso provido.
Não restam dúvidas, portanto, de que os microempreendedores individuais (MEI) não são pessoas jurídicas, confundindo-se com a pessoa do empresário (pessoa física) que se qualificou como MEI para fins tributários.
Nesse sentido, conclui-se que os microempreendedores individuais (MEI) devem ser enquadrados no inciso II do art. 56 da Instrução Normativa MinC nº 12/2024, que estabelece o valor limite para prêmios a serem pagos a "pessoas físicas, grupos e coletivos culturais sem constituição jurídica". Com efeito, não seria justo que um empresário individual qualificado como MEI para fins tributários pudesse receber prêmio duas vezes maior que o de um agente cultural não qualificado como MEI.
c) É possível a execução de projetos continuados (planos de trabalho) de Pontos de Cultura, constituídos como coletivos, sem constituição jurídica?
A terceira e última questão está intimamente vinculada às conclusões da primeira e diz respeito à possibilidade de execução de planos de trabalho por Pontos de Cultura constituídos como coletivos (ou seja, sem constituição jurídica).
Inicialmente, observo que no âmbito da PNCV apenas os Termos de Compromisso Cultural - TCC envolvem planos de trabalho, conforme art. 22 da IN MINC n. 1/2015. No entanto, como visto anteriormente, os Termos de Execução Cultural regidos pela Lei n. 14.903/2024 também envolvem planos de trabalho.
Nesse sentido, a pergunta deve ser: é possível celebrar Termo de Execução Cultural ou Termo de Compromisso Cultural com Pontos de Cultura sem constituição jurídica?
Conforme já se concluiu no primeiro questionamento, a resposta a esta questão é: não é possível celebrar o Termo de Compromisso Cultural da PNCV com entidades (pontos de cultura) sem constituição jurídica, porém é possível celebrar o Termo de Execução Cultural regido pela Lei n. 14.903/2024, com entidades sem constituição jurídica (inclusive os coletivos culturais).
No entanto, como já mencionado na resposta à primeira pergunta, vale frisar que se o órgão técnico optar por celebrar um Termo de Execução Cultural com um coletivo cultural caracterizado como Ponto de Cultura, deverá justificá-lo expressamente no processo administrativo, de acordo com os objetivos almejados, em cada caso, e tendo em vista o alcance das metas dos planos de cultura referidos no inciso V do § 2º do art. 216-A da Constituição.
Vale lembrar que o TCC é o instrumento específico da Política Nacional de Cultura Viva, cujo regramento foi modelado para as finalidades estabelecidas na Lei n. 13.018/2014, sendo provável que o Termo de Execução Cultural genérico, da Lei n. 14.903/2024, não seja suficiente para direcionar a parceria aos objetivos da Lei da PNCV com a coerência e a vinculação desejáveis.
Assim, repita-se, apesar de haver a possibilidade jurídica, cabe ao órgão técnico justificar a adoção do Termo de Execução Cultural, em detrimento do TCC, que é o instrumento específico da PNCV, especialmente nos casos que envolvam a manutenção de um Ponto de Cultura, que é uma figura própria dessa política.
CONCLUSÃO
Diante do exposto, e ressalvados os aspectos técnicos de conveniência e de oportunidade não sujeitos ao crivo desta Consultoria Jurídica, observo que os questionamentos formulados pela Secretaria de Cidadania e Diversidade Cultural nos autos em epígrafe foram respondidos um a um ao longo do presente Parecer.
À consideração superior.
Brasília, 21 de agosto de 2024.
DANIELA GUIMARÃES GOULART
Advogada da União
Nota:
[1] https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2011-2014/2014/Msg/VEP-214.htm
[2] Sobre o Cadastro Nacional de Pontos e Pontões de Cultura, vale esclarecer que este é um mecanismo meramente declaratório (não constitutivo) instituído pela Lei n. 13.018/2014 e regulamentado pela IN MINC 1/2015 (art. 5º), caracterizando-se como uma ferramenta de mapeamento, que reúne informações sobre todas as entidades e coletivos que se consideram pontos e pontões de cultura. Assim, a inscrição no Cadastro não converte a entidade ou coletivo em ponto ou pontão de cultura, mas apenas reconhece essa qualidade pré-existente e habilita o inscrito a participar da PNCV e pleitear recursos, quando se enquadre nas características de edital específico, na forma do art. 4º, § 6º, da Lei n. 13.018/2014.
Atenção, a consulta ao processo eletrônico está disponível em https://supersapiens.agu.gov.br mediante o fornecimento do Número Único de Protocolo (NUP) 01400018467202441 e da chave de acesso 15ea2e57