ADVOCACIA-GERAL DA UNIÃO
CONSULTORIA-GERAL DA UNIÃO
CONSULTORIA JURÍDICA JUNTO AO MINISTÉRIO DA CULTURA
COORDENAÇÃO-GERAL DE POLÍTICAS CULTURAIS
PARECER n. 00276/2024/CONJUR-MINC/CGU/AGU
NUP: 01400.005913/2023-77
INTERESSADOS: SECRETARIA EXECUTIVA
ASSUNTOS: ATOS ADMINISTRATIVOS
EMENTA: PAR – Processo Administrativo de Responsabilização. Juízo de admissibilidade. Possibilidade de uso de prova emprestada. Impactos nas prestações de contas já apresentadas pelo Grupo Teatral Terra. Coisa Julgada Administrativa. Análise jurídica.
1. O Ofício nº 943/2024/CATE/SGPCT/GSE/GM/MinC (1841968), dirigido a esta Consultoria Jurídica, solicita o esclarecimento das dúvidas jurídicas apresentadas em suas alíneas “a” a “c”.
2. Para esta consulta, os autos foram instruídos com o Ofício 1841968.
3. É o relatório.
II. ANÁLISE JURÍDICA
4. O art. 131 da Constituição Federal dispõe sobre a Advocacia-Geral da União - AGU, responsável pelas atividades de consultoria e assessoramento jurídico ao Poder Executivo. E os incisos I e V do art. 11 da Lei Complementar n.º 73, de 1993 (Lei Orgânica da AGU), estabelecem a competência das Consultorias Jurídicas para assistir a autoridade assessorada no controle interno da constitucionalidade e legalidade administrativa dos atos a serem por ela praticados.[1]
5. Destaco que, nos termos do Enunciado nº 7 do Manual de Boas Práticas Consultivas da AGU[2], essa Conjur não deve se manifestar quanto aos aspectos relativos à conveniência e à oportunidade dos atos administrativos (reservados à esfera discricionária do administrador público legalmente competente), tampouco examinar questões de natureza eminentemente técnica, administrativa e/ou financeira.
6. Desta forma, passa-se à análise da dúvida ora apresentada.
7. Preliminarmente, cumpre apresentar um breve relato sobre o atual estágio das prestações de contas já apresentadas pelo proponente Grupo Teatral Terra, conforme a NT 1291201:
a) as prestações de contas dos PRONACs 06-9476, 07-10306 e 08-9904 foram aprovadas;
b) a prestação de contas do PRONAC 11-0909 foi rejeitada, com a consequente aplicação da sanção de inabilitação ao proponente. Os autos foram encaminhados ao TCU para instauração de Tomada de Contas Especial – TCE, tendo a Corte de Contas exarado o Acórdão nº 3237/2022/1ª Câmara, que determinou uma série de medidas a serem adotadas pelo MinC[3]; e
c) a prestação de contas do PRONAC 1626426 encontra-se pendente de análise, tendo sido apresentada pelo proponente ao MinC na data de 14 de agosto de 2014.
8. Destaco os seguintes extratos das NT 1291201 e 1626426:
- Nota Técnica nº 3/2023/COREG/GM/MinC (1291201):
8. Em conformidade com as premissas da Nota Técnica n.º 1710/2015/CGU-R/SC (0348824), ainda que seja importante ressaltar a natureza inicial e incipiente da análise, é imprescindível considerar as considerações tecidas pelo órgão de controle no processo de admissibilidade.
9. Nesse contexto, as averiguações apontam que a agente em questão, supostamente envolvida na execução da encenação do espetáculo teatral intitulado "A República em Laguna", durante os anos de 2007 a 2011, teria incorrido em diversas irregularidades, tais como efetuar pagamentos em duplicidade para despesas relacionadas ao elenco, show pirotécnico e confecção de cartazes. Além disso, identificou-se a prestação de serviços antes mesmo da formalização do contrato, o que é contrário aos requisitos legais.
10. Outras questões censuráveis observadas compreendem superfaturamento na locação de outdoors, bem como um superdimensionamento do evento quando comparado ao ano anterior, o que suscita questionamentos sobre a efetiva justificativa para tais incrementos.
11. Adicionalmente, foi detectada uma omissão quanto à devida arrecadação das receitas provenientes da bilheteria, acarretando em um montante estimado de R$ 1.483.095,00 (um milhão, quatrocentos e oitenta e três mil e noventa e cinco reais) que, alegadamente, não foi contabilizado e registrado adequadamente.
12. Portanto, à luz das constatações preliminares da referida Nota Técnica, é imprescindível prosseguir com uma apuração minuciosa e aprofundada dessas alegadas irregularidades, a fim de esclarecer a veracidade e o impacto das mesmas, com vistas a garantir a integridade e a transparência nos processos e emprego dos recursos públicos.
- Nota Técnica EPAD (1626426)
Nos termos da Nota Técnica n.º 1710/2015/CGU-R/SC (0348824), a pessoa jurídica teria supostamente praticado diversas irregularidades, na realização da encenação do espetáculo teatral “A República em Laguna” nos anos de 2007 a 2011, dentre elas: pagamentos em duplicidade em despesas com elenco, show pirotécnico e confecção de cartazes; serviços prestados antes da formalização do contrato; superfaturamento na locação de outdoors; superdimensionamento em evento comparado ao ano anterior; e omissão de receita de bilheteria. Tais irregularidades teriam resultado em prejuízo potencial ao erário de pelo menos R$ 1.483.095,00. (grifamos)
9. Devido às condutas acima narradas, a CGU encaminhou os presentes autos ao MinC, para decisão quanto à admissibilidade e eventual instauração de processo administrativo de responsabilidade – PAR em face do proponente Grupo Teatral Terra.
10. Assim, a Corregedoria, no momento, avalia a possibilidade de instauração de PAR, contudo necessita de mais elementos para que possa proceder ao juízo de admissibilidade deste procedimento, pois não teve acesso aos autos do Inquérito Policial.
11. E, por último, a NT informa que o proponente possui restrição cadastrada no CADIN.
12. Desta forma, essa Consultoria apresenta resposta aos questionamentos contidos no Ofício SEI 1841968, na forma que segue abaixo:
a) Considerando a ausência de um processo judicial necessário até o trânsito em julgado para garantir o contraditório e a ampla defesa, o que evita futuros provimentos judiciais que possam contrariar a linha de atuação da autoridade policial, é cabível utilizar o conteúdo do inquérito policial nas análises, ou ainda, seria esse suficiente para a reabertura de processos de prestação de contas?
13. O caso dos autos encontra-se em fase de juízo de admissibilidade para a instauração de PAR.
14. O juízo de admissibilidade é a análise que a autoridade competente para instaurar o PAR deve realizar toda vez que tiver ciência de alguma irregularidade, consistindo em um procedimento preliminar inquisitorial de análise sobre a existência dos elementos necessários para a instauração de PAR.
15. Na fase do juízo de admissibilidade, devem ser colhidos os elementos de informação e provas suficientes para subsidiar a decisão da autoridade competente.
16. O art. 3º, p. 3º e inciso V do Decreto nº 11.129, de 2022, dispõe que, na fase de investigação preliminar, podem ser praticadas todas as diligências admitidas em lei:
Art. 3º ....
§ 3º Na investigação preliminar, serão praticados os atos necessários à elucidação dos fatos sob apuração, compreendidas todas as diligências admitidas em lei, notadamente:
V - solicitação, ao órgão de representação judicial ou equivalente dos órgãos ou das entidades lesadas, das medidas judiciais necessárias para a investigação e para o processamento dos atos lesivos, inclusive de busca e apreensão, no Brasil ou no exterior; ou (grifamos)
17. Além disso, quanto à viabilidade de utilização de provas emprestadas no âmbito do PAR, destaco o seguinte trecho do Manual de PAR da CGU[4]:
13.4.8. Prova emprestada
Prova emprestada exprime-se como a utilização, em dado processo, de provas produzidas em determinado processo ou procedimento administrativo ou judicial.
Com fulcro no princípio da economia processual, permite-se que o PAR utilize-se de provas produzidas em processo ou procedimento diverso (administrativo ou judicial), evitando-se a necessidade de repetição da colheita de provas, repetição que nem sempre é possível, garantindo a maior proximidade com a plena reconstrução do histórico dos fatos e reduzindo a possibilidade de decisões conflitantes em processos e/ou esferas diversas (segurança jurídica).
Nesse sentido, a jurisprudência pátria é firme em corroborar a possibilidade da prova emprestada nos processos administrativos, inclusive, colacionando neste as provas sob sigilo telefônico, bancário ou fiscal, desde que garantido o contraditório e a ampla defesa.
Na linha do exposto, segue o entendimento sumulado do STJ:
Súmula 591-STJ: É permitida a “prova emprestada” no processo administrativo disciplinar, desde que devidamente autorizada pelo juízo competente e respeitados o contraditório e a ampla defesa.
Ademais, não se verifica necessário que haja identidade de natureza jurídica ou de partes entre os processos e procedimentos comunicantes.
18. Desta forma, caso a autoridade competente entenda pela necessidade de obtenção de cópia do Inquérito Policial nº 0430/2013-4 - SR/DPF/SC, revela-se viável a utilização deste conjunto probatório, desde que, caso venha a ser instaurado o PAR, seja garantido o exercício do contraditório e da ampla defesa ao ente privado.
b) Com base no art. 68 da Instrução Normativa MinC nº 11, de 30 de janeiro de 2024 e art. 15 da Lei nº 14.399, de 8 de julho de 2022, como deve ser o procedimento com os projetos do proponente, em especial aos presentes no Ofício nº 57/2024/COREG/GM/MinC (SEI/MinC nº 1754885)?
19. Quanto a este ponto, tomo por base o contexto fático apresentado no item 7 deste Parecer.
20. A prestação de contas do PRONAC 1626426 encontra-se pendente de análise, tendo sido apresentada pelo proponente ao MinC na data de 14 de agosto de 2014. Quanto a este projeto, a orientação é a de que a análise da prestação de contas seja considerada prioritária e priorizada, recomendando-se especial cautela no julgamento, tendo-se em vista que o MinC tem conhecimento prévio dos fatos narrados no Ofício 1139284, proveniente da CGU.
21. Destaco, inclusive, que essa recomendação já consta no item 2.6 do Ofício 1151847:
Pronac 10-3536; Projeto: "Espetáculo A REPÚBLICA EM LAGUNA - 5ª edição"; Processo 01400.008707/2010-02 (não digital) - A prestação de contas foi apresentada neste Ministério em 14/08/2014, porém, até o presente momento está em fila para início da análise da documentação entregue. A situação do projeto no SALIC atualmente é "E24 - Apresentou prestação de contas".
Pontua-se que, tendo em vista o conhecimento dessa Operação Policial no presente momento, por parte deste Ministério, a demanda será encaminhada para a área técnica responsável para que a análise desta Prestação de Contas seja tratada como prioridade.
22. Desta forma, e nos termos do RE nº 636.886/AL, do Supremo Tribunal Federal, caso constatada a ocorrência de ato doloso tipificado na Lei de Improbidade Administrativa, o ajuizamento da ação cível de ressarcimento ao erário revela-se cabível, ficando automaticamente afastada a prescrição.
23. As demais prestações de contas apresentadas pelo proponente (tanto as aprovadas quanto o PRONAC 11-0909, que foi reprovado) poderão, neste momento, ser analisadas pela autoridade competente para efetuar o juízo de admissibilidade do PAR, à título de documentação.
24. Ou seja, o que se quer dizer é que essa reanálise das prestações de contas já julgadas pelo MinC não terá o condão de alterar o teor dos julgamentos já proferidos, uma vez que, em relação a todas elas, ocorreu a coisa julgada administrativa.
25. Quanto à coisa julgada administrativa, destaco a lição de José dos Santos Carvalho Pinto:
A coisa julgada administrativa, desse modo, significa tão somente que determinado assunto decidido na via administrativa não mais poderá sofrer alteração nessa mesma via administrativa, embora possa sê-lo na via judicial. Os autores costumam apontar que o instituto tem o sentido de indicar mera irretratabilidade dentro da Administração, ou a preclusão da via administrativa para o fim de alterar o que foi decidido por órgãos administrativos.
Podemos conceituar, portanto, a coisa julgada administrativa como sendo a situação jurídica pela qual determinada decisão firmada pela administração não mais pode ser modificada na via administrativa. A irretratabilidade, pois, se dá apenas nas instâncias da Administração.[5]
c) Caso essa Conjur opine pela utilização do conteúdo dos inquéritos policiais em julgamentos de contas, sem que antes ocorra o trânsito em julgado do devido processo judicial, esses poderão ser utilizados para reabrir e reanalisar projetos culturais cujas prestações de contas foram concluídas e consideradas regulares há mais de dois anos pelo órgão competente? Caso as contas tenham sido julgadas regulares há mais de dois anos, será necessário aguardar o trânsito em julgado, sem prejuízo das medidas necessárias para elisão de dano em caso de comprovado e inequívoco ato de improbidade administrativo doloso?
26. Conforme já afirmado, o conteúdo do Inquérito Judicial pode ser utilizado no âmbito do PAR, à título de prova emprestada, desde que assegurado o contraditório e a ampla defesa ao ente privado.
27. A reabertura das prestações de contas já julgadas pelo MinC não se revela juridicamente viável, uma vez que, em relação a todas elas, operou-se a coisa julgada administrativa.
III – CONCLUSÃO:
28. A resposta aos questionamentos efetuados pela área técnica no bojo do Ofício nº 943/2024/CATE/SGPCT/GSE/GM/MinC (1841968) encontram-se nos itens 13 a 27 deste Parecer.
29. É o Parecer.
Brasília, 27 de agosto de 2024.
LARISSA FERNANDES NOGUEIRA DA GAMA
ADVOGADA DA UNIÃO
Coordenadora-Geral Substituta de Políticas Culturais
[1] Art. 11 - Às Consultorias Jurídicas, órgãos administrativamente subordinados aos Ministros de Estado, ao Secretário-Geral e aos demais titulares de Secretarias da Presidência da República e ao Chefe do Estado-Maior das Forças Armadas, compete, especialmente:
I - assessorar as autoridades indicadas no caput deste artigo;
(...)
V - assistir a autoridade assessorada no controle interno da legalidade administrativa dos atos a serem por ela praticados ou já efetivados, e daqueles oriundos de órgão ou entidade sob sua coordenação jurídica;
[2] A manifestação consultiva que adentrar questão jurídica com potencial de significativo reflexo em aspecto técnico deve conter justificativa da necessidade de fazê-lo, evitando-se posicionamentos conclusivos sobre temas não jurídicos, tais como os técnicos, administrativos ou de conveniência ou oportunidade, podendo-se, porém, sobre estes emitir opinião ou formular recomendações, desde que enfatizando o caráter discricionário de seu acatamento.
[3] (...) 9.2. julgar irregulares as contas do Sr. André Luiz Vieira de Oliveira, com fundamento no art. 16, III, “b” e “c”, da Lei 8.443/1992, e condená-lo, solidariamente ao Grupo Teatral Terra, ao pagamento das quantias a seguir especificadas, atualizadas monetariamente e acrescidas de juros de mora, calculados a partir das datas especificadas até a data do efetivo recolhimento, fixando o prazo de 15 (quinze) dias, a contar da notificação, para que comprove, perante o Tribunal (art. 214, III, “a”, do RI/TCU), o recolhimento da dívida aos cofres do Fundo Nacional de Cultura, na forma da legislação em vigor (...)
9.3. aplicar ao Grupo Teatral Terra e ao Sr. André Luiz Vieira de Oliveira, individualmente, a multa prevista no art. 57 da Lei 8.443/1992, no valor de R$ 410.000,00 (quatrocentos e dez mil reais), com a fixação do prazo de 15 (quinze) dias, a contar da notificação, para comprovar, perante o Tribunal (art. 214, III, “a”, do RI/TCU), o recolhimento da dívida aos cofres do Tesouro Nacional, atualizada monetariamente desde a data do acórdão que vier a ser proferido até a do efetivo recolhimento, se for paga após o vencimento, na forma da legislação em vigor;
9.4. autorizar, desde logo, nos termos dos arts. 219, II, do RI/TCU e 28, II, da Lei 8.443/1992, a cobrança judicial das dívidas, caso não atendidas as notificações;
9.5. autorizar, desde logo, se requerido, com fundamento no art. 26, da Lei 8.443/1992, c/c o art. 217, §§ 1º e 2º, do RI/TCU, o parcelamento das dívidas em até 36 parcelas, incidindo, sobre cada parcela, corrigida monetariamente, os correspondentes acréscimos legais, fixando-lhes o prazo de 15 (quinze) dias, a contar do recebimento da notificação, para comprovar, perante o Tribunal, o recolhimento da primeira parcela, e de 30 (trinta) dias, a contar da parcela anterior, para comprovar o recolhimento das demais parcelas, devendo incidir, sobre cada valor mensal, atualizado monetariamente, os juros de mora devidos, no caso do débito, na forma prevista na legislação em vigor, alertando o responsável de que a falta de comprovação do pagamento de qualquer parcela importará o vencimento antecipado do saldo devedor, nos termos do § 2º do art. 217 do Regimento Interno deste Tribunal; (...)
[4] CGU. Manual de Responsabilização de Entes Privados. 2022, pgs 98/99. Disponível em chrome-extension://efaidnbmnnnibpcajpcglclefindmkaj/https://repositorio.cgu.gov.br/bitstream/1/68182/5/Manual_de_Responsabiliza%c3%a7%c3%a3o_de_Entes_Privados_abril_2022_Corrigido.pdf. Acesso em 27 agosto 2024.
[5] FILHO, José dos Santos Carvalho. Manual de Direito Administrativo. São Paulo: Atlas, 2019, p. 1031.
Atenção, a consulta ao processo eletrônico está disponível em https://supersapiens.agu.gov.br mediante o fornecimento do Número Único de Protocolo (NUP) 01400005913202377 e da chave de acesso 1cdc2a4e