ADVOCACIA-GERAL DA UNIÃO
CONSULTORIA-GERAL DA UNIÃO
CONSULTORIA JURÍDICA JUNTO AO MINISTÉRIO DA CULTURA
COORDENAÇÃO-GERAL DE PARCERIAS E COOPERAÇÃO FEDERATIVA
PARECER n. 00286/2024/CONJUR-MINC/CGU/AGU
NUP: 01400.021653/2024-68
INTERESSADOS: ASSESSORIA ESPECIAL DE ASSUNTOS INTERNACIONAIS - MINC
ASSUNTOS: ACORDO DE COOPERAÇÃO INTERNACIONAL.
EMENTA:
I - Direito Internacional. Renovação do Acordo celebrado entre o Governo Brasileiro e a UNESCO, referente ao Centro de Treinamento em Gestão do Patrimônio Regional-Centro Lúcio Costa (CLC).
II – Possibilidade jurídica. Necessidade de observância aos preceitos legais cabíveis. Decreto nº 5.151/2004. Portaria MRE nº 08/2017. LDO/2024.
III - Pertinência. Competência do MRE para ajustes finais. Prosseguimento.
Por meio do Ofício nº 641/2024/AEAI/GM/MinC (SEI 1900305), a Assessoria Especial de Assuntos Internacionais/MINC solicita a esta Consultoria Jurídica análise sobre minuta (SEI 1903498) que visa renovar o Acordo celebrado entre o Governo Brasileiro e a UNESCO, referente ao Centro de Treinamento em Gestão do Patrimônio Regional - Centro Lúcio Costa.
O Acordo original (SEI 1906659) foi firmado em 26 de julho de 2010 e tinha por objeto a criação e operação do Centro Lúcio Costa, possibilitando as condições para a instalação no Brasil de uma Escola do Patrimônio voltada para a formação de quadros especializados nessa matéria. Desde então, o Centro tem desenvolvido suas atividades na esfera da estratégia de capacitação em patrimônio mundial em parceria com Centros similares da Unesco. A finalidade precípua é promover atuação conjunta dos países de língua portuguesa e espanhola, localizados na América do Sul, África e Ásia, na preservação do patrimônio natural e cultural. Este primeiro Acordo teve duração de 6 anos, conforme estabelecido no art. 18.
A primeira (e única) renovação do Acordo foi aprovada pelas Partes em 13 de junho de 2018 (SEI 1903585), e foi analisada por esta Consultoria Jurídica no Parecer n. 00304/2018/CONJUR-MINC/CGU/AGU (NUP 01400.014527/2017-28).
A primeira renovação do Acordo (SEI 1903585) estabeleceu prazo de duração de 6 anos, a partir da entrada em vigor (artigo 19). Porém, de acordo com o Ofício nº 09113.200164/2024-18 (SEI 1906627), do Ministério das Relações Exteriores, o atual mandato do Centro Lúcio Costa foi excepcionalmente prorrogado até a data limite de 31 de dezembro de 2025. Não consta dos autos o documento que aprovou a extensão excepcional do prazo de vigência do Acordo.
Observo que o Centro Lúcio Costa - CLC é uma Unidade Especial Descentralizada do Iphan (conforme art. 3º, inciso V/b/5 do Decreto n. 11.178/2022), cujas atribuições foram detalhadas no art. 146 do Regimento Interno da autarquia (Portaria IPHAN nº 141, de 12 de dezembro de 2023):
Art. 146. Ao Centro Lucio Costa (CLC) compete:
I - coordenar, fomentar, desenvolver, realizar e avaliar programas e ações transversais e interdisciplinares de formação, pesquisa e extensão com vistas ao conhecimento, gestão, preservação e salvaguarda do patrimônio cultural;
II - capacitar profissionais para os desafios atuais da preservação, de modo a contribuir para o fortalecimento do Sistema Nacional de Patrimônio Cultural, em articulação com as unidades do Iphan, além de parceiros nacionais e estrangeiros;
III - promover a produção e acesso ao conhecimento em prol da gestão, valorização, preservação e salvaguarda do patrimônio cultural brasileiro, de forma articulada com as unidades do Iphan e demais parceiros nacionais e estrangeiros;
IV - promover, no âmbito de sua atuação, o desenvolvimento e a disponibilização de redes colaborativas e o acesso à informação das pesquisas e fontes de interesse, em articulação com as unidades do Iphan e outros órgãos nacionais e estrangeiros de preservação e salvaguarda do patrimônio cultural;
V - desenvolver e implementar programas, cursos e atividades didático-pedagógicas de caráter transversal e interdisciplinar, que visem à formação profissional, à especialização e ao aperfeiçoamento profissional para a gestão, valorização, preservação e salvaguarda do patrimônio cultural, em nível nacional e internacional;
VI - promover o aperfeiçoamento da gestão e atuação institucional com a realização e articulação de eventos técnicos de capacitação e programas de formação;
VII - gerir o Programa de Pós-Graduação em Preservação do Patrimônio Cultural do IPHAN em conformidade com as normas e legislações vigentes, incluindo o atendimento aos padrões brasileiros de ensino pós-graduado estabelecidos pela Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES/MEC), identificando e selecionando as demandas das unidades do Iphan e/ou de outras instituições a serem contempladas com as práticas supervisionadas dos alunos-bolsistas do Programa, dos servidores internos e externos ao IPHAN, brasileiros e estrangeiros, visando a formação interdisciplinar, o aperfeiçoamento e a capacitação para a preservação e salvaguarda do patrimônio cultural;
VIII - desenvolver e implementar programas contínuos de ações formativas e pesquisa de natureza finalística para servidores do Iphan, extraquadros e estrangeiros que atuam em áreas afins à preservação do patrimônio cultural, voltados para o desenvolvimento de suas atividades funcionais, de forma articulada com as unidades do Iphan, além de órgãos públicos das diversas instâncias governamentais nacionais e internacionais;
IX - promover o intercâmbio profissional em nível nacional e internacional para a produção de conhecimento e a qualificação das práticas voltadas à preservação do patrimônio cultural;
X - desenvolver, fomentar e implementar programas de capacitação voltados para gestores brasileiros e estrangeiros do patrimônio cultural reconhecido nacional e internacionalmente, no âmbito de acordos, memorandos de entendimento e projetos celebrados com organismos, entidades e governos estrangeiros e os produtos e resultados deles decorrentes;
XI - planejar, fomentar, coordenar e executar ações e programas de formação, pesquisa e extensão sobre o campo da gestão do Patrimônio Mundial junto às instituições parceiras nacionais e internacionais;
XII - articular e coordenar rede nacional e internacional de profissionais vinculados ao processo de formulação, implementação, monitoramento e avaliação de políticas públicas do Patrimônio Mundial;
XIII - prestar assistência técnica em processos de reconhecimento internacional e de gestão do Patrimônio Mundial;
XIV - promover a realização e divulgação de iniciativas, projetos, conhecimentos e experiências relacionadas ao Patrimônio Mundial no Sistema Nacional do Patrimônio Cultural (SNPC);
XV - acompanhar a avaliação de projetos da área de patrimônio cultural incentivados com fundamento na Lei 8.313, de 23 de dezembro de 1991; e
XVI - coordenar a gestão do desenvolvimento futuro das atividades de Ensino, Pesquisa e Extensão articuladas ao planejamento estratégico da instituição.
O CLC é dirigido e supervisionado por um Conselho de Governança, presidido pelo representante do Iphan, que conta com um representante do Ministério da Cultura (entre vários outros órgãos e autarquias), conforme artigo 7 do Acordo em vigor (SEI 1903585), que também se reflete na minuta em análise (artigo 7). Esta é, basicamente, a participação do Ministério da Cultura no Acordo.
Trata-se, portanto, de assunto concernente sobretudo às competências do Iphan, motivo pelo qual os autos encontram-se instruídos com as seguintes manifestações técnica e jurídica da autarquia: a Nota Técnica nº 2/2024/CLC/DAFE (1906633), do Departamento de Articulação, Fomento e Educação do Iphan, ao qual o CLC está vinculado, e o Parecer n. 00622/2024/PFIPHAN/PGF/AGU (1899420), da Procuradoria Federal junto ao Iphan, que manifestaram-se favoravelmente à aprovação do Acordo, desde que realizada uma série de ajustes indicados nas duas manifestações e no documento "Anexo Comentários IPHAN - Revisão acordo" (1903582).
A Assessoria Internacional do Ministério da Cultura, por sua vez, manifestou-se por meio da Nota Técnica 40 (SEI 1917385), que considerou "importante que o presente Acordo possa vir a ser celebrado, garantindo a manutenção dos esforços federais na área de patrimônio, em cooperação com a Unesco".
Considerando que a próxima Sessão Informativa do Conselho Executivo da UNESCO está prevista para 10 de setembro próximo, a Assessoria Internacional/MINC solicita a celeridade possível aos encaminhamentos necessários.
Este é o relato do necessário.
ANÁLISE JURÍDICA
A presente análise se dá com fundamento no art. 131 da Constituição Federal e no art. 11 da Lei Complementar nº 73/93, subtraindo-se do âmbito da competência institucional deste Órgão Jurídico, delimitada em lei, análises que importem em considerações de ordem técnica, financeira ou orçamentária.
Ressalto, ainda, que a presente manifestação apresenta natureza meramente opinativa e, por tal motivo, as orientações apresentadas não se tornam vinculantes para o gestor público, o qual pode, de forma justificada, adotar orientação contrária ou diversa daquela emanada por esta Consultoria Jurídica.
A consulta em tela diz respeito a proposta de renovação do Acordo celebrado entre o Governo Brasileiro e a Organização das Nações Unidas para a Educação, e Ciência e a Cultura - Unesco (SEI 1903498). O Acordo tem por finalidade definir os termos e as condições que regem a colaboração entre as Partes com relação ao Centro Regional de Formação em Gestão do Patrimônio - Centro Lúcio Costa (CLC), e também os direitos e as obrigações decorrentes (conforme art. 3º da minuta).
Dito isso, passo à análise jurídica do ato.
A denominação dada aos atos internacionais é variada. Embora a denominação escolhida não influencie o caráter do instrumento, ditada pelo arbítrio das partes, pode-se estabelecer certa diferenciação na prática diplomática, decorrente do conteúdo do ato e não de sua forma. As denominações mais comuns são tratado, acordo, convenção, protocolo e memorando de entendimento.
Vale notar que, no Brasil, os tratados, acordos ou atos internacionais que acarretem encargos ou compromissos gravosos ao patrimônio nacional, após firmados, devem ser remetidos à apreciação e aprovação pelo Congresso Nacional, em cumprimento à determinação contida no art. 49, I, combinado com o artigo 84, VIII, da Constituição Federal, que dispõem:
Art. 49. É da competência exclusiva do Congresso Nacional:
I - resolver definitivamente sobre tratados, acordos ou atos internacionais que acarretem encargos ou compromissos gravosos ao patrimônio nacional;
(...)
Art. 84. Compete privativamente ao Presidente da República:
(...)
VIII - celebrar tratados, convenções e atos internacionais, sujeitos a referendo do Congresso Nacional;
(...)
Assim, em atenção aos dispositivos recém-transcritos, os instrumentos internacionais que acarretem encargos ou compromissos gravosos ao patrimônio nacional deverão ser encaminhados ao Congresso Nacional, a fim de que este delibere sobre o ajuste, uma vez que é da sua competência "resolver definitivamente sobre tratados, acordos ou atos internacionais que acarretem encargos ou compromissos gravosos ao patrimônio nacional".
É importante destacar, ainda, o entendimento doutrinário de que cabe ao Congresso Nacional avaliar a existência de encargos ou compromissos gravosos. Nesse sentido, leciona o professor Tarciso Dal Maso Jardim [1]:
(...) A informação, sobre acordos executivos celebrados pelo Brasil, deve ser remetida ao Congresso Nacional como rotina e obrigação, até mesmo para o controle parlamentar da classificação feita pelo Executivo de certo tratado como não acarretando “encargos ou compromissos gravosos ao patrimônio nacional”. Cabe ao Congresso Nacional essa análise, pois sua competência de referendar tratados é ampla e, se a considerarmos restrita, ela diz respeito a termos fluidos, que é o fato de acarretar encargos ou compromissos gravosos ao patrimônio nacional. A competência do Legislativo de aprovar tratados não pode ser usurpada pela interpretação do Poder Executivo, o que na prática ocorre. (...)
(sem grifos no original)
Observo, ademais, que a assinatura de instrumento que acarrete encargos ou compromissos gravosos ao patrimônio nacional, quando for o caso, deve ser realizada pelo Presidente da República ou por autoridade com plenos poderes para tanto, na forma do artigo 7, parágrafo 2, item 'a', da Convenção de Viena sobre Direito dos Tratados (promulgada pelo Decreto nº 7.030/2009), que dispõe:
Plenos Poderes
1. Uma pessoa é considerada representante de um Estado para a adoção ou autenticação do texto de um tratado ou para expressar o consentimento do Estado em obrigar-se por um tratado se:
a) apresentar plenos poderes apropriados; ou
b) a prática dos Estados interessados ou outras circunstâncias indicarem que a intenção do Estado era considerar essa pessoa seu representante para esses fins e dispensar os plenos poderes.
2. Em virtude de suas funções e independentemente da apresentação de plenos poderes, são considerados representantes do seu Estado:
a) os Chefes de Estado, os Chefes de Governo e os Ministros das Relações Exteriores, para a realização de todos os atos relativos à conclusão de um tratado;
b) os Chefes de missão diplomática, para a adoção do texto de um tratado entre o Estado acreditante e o Estado junto ao qual estão acreditados;
c) os representantes acreditados pelos Estados perante uma conferência ou organização internacional ou um de seus órgãos, para a adoção do texto de um tratado em tal conferência, organização ou órgão.
Essa questão, no entanto, deve ser avaliada e encaminhada pelo Ministério das Relações Exteriores, a quem incumbe a "assistência direta e imediata ao Presidente da República nas relações com Estados estrangeiros e com organizações internacionais" e a "coordenação da participação do governo brasileiro em negociações políticas, comerciais, econômicas, financeiras, técnicas e culturais com Estados estrangeiros e com organizações internacionais, em articulação com os demais órgãos competentes", nos termos do art. 44, incisos I e IV da Lei n. 14.600/2023.
No que diz respeito ao Ministério da Cultura, ressalto que constitui área de competência desta Pasta a proteção do patrimônio histórico, artístico e cultural, nos termos do art. 21, inciso II, da Lei n. 14.600/2023. Assim, em que pese o Acordo em tela relacionar-se mais diretamente às competências do Iphan (autarquia vinculada a esta Pasta), o tema é também de interesse do Ministério da Cultura, motivo pelo qual a presente manifestação foi solicitada.
DA COOPERAÇÃO TÉCNICA INTERNACIONAL
Na legislação pátria, a cooperação internacional encontra seu fundamento no artigo 4º da Constituição Federal, que estabelece:
Art. 4º. A República Federativa do Brasil rege-se nas suas relações internacionais pelos seguintes princípios:
(...)
IX - cooperação entre os povos para o progresso da humanidade;
A cooperação técnica internacional é definida pela Agência Brasileira de Cooperação (ABC), vinculada ao Ministério das Relações Exteriores (MRE), da seguinte forma:
A cooperação técnica internacional constitui importante instrumento de desenvolvimento para o Brasil, auxiliando o País a promover mudanças estruturais nos campos social e econômico brasileiro, com capacitação de instituições nacionais dos três níveis da federação, via compartilhamento de tecnologia e conhecimento.
https://www.abc.gov.br/CooperacaoTecnica/OBrasileaCooperacao
Além dos princípios gerais da Administração Pública, que regem toda e qualquer atividade administrativa, os projetos de cooperação técnica internacional em regra devem guiar-se pelos seguintes atos normativos:
(i) Decreto nº 5.151, de 22 de julho de 2004, que “dispõe sobre os procedimentos a serem observados pelos órgãos e pelas entidades da Administração Pública Federal direta e indireta, para fins de celebração de atos complementares de cooperação técnica recebida de organismos internacionais e da aprovação e gestão de projetos vinculados aos referidos instrumentos”; e
(ii) Portaria MRE nº 8, de 4 de janeiro de 2017, do Ministério das Relações Exteriores, “que dispõe sobre normas complementares aos procedimentos a serem observados pelos órgãos e pelas entidades da Administração Pública Federal direta ou indireta, para fins de celebração de Atos Complementares de cooperação técnica recebido, decorrentes de Acordos Básicos firmados entre o Governo brasileiro e organismos internacionais, e da aprovação e gestão de projetos vinculados aos referidos instrumentos".
DOS REQUISITOS DO DECRETO Nº 5.151/2004 E DA PORTARIA MRE Nº 08/2017
Em se tratando de instrumento a ser celebrado com organismo internacional, é necessário que exista um Acordo Básico que possibilite e autorize o governo brasileiro a se relacionar com estas entidades. Os Acordos Básicos são tratados internacionais celebrados entre a República Federativa do Brasil, titular de personalidade jurídica no âmbito internacional, e outras pessoas de direito internacional público.
É com base no Acordo Básico que as Partes cooperantes definem, de forma conjunta, o marco geral da cooperação: os programas e projetos que desejam implementar e o arcabouço institucional que orientará a implantação da cooperação.
No caso em análise, o Brasil aderiu ao Acordo Básico de Assistência Técnica entre o Governo dos Estados Unidos do Brasil e a Organização das Nações Unidas, a Organização Internacional do Trabalho, o Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura, a Organização das Nações Unidas para a Educação, e Ciência e a Cultura, a Organização de Aviação Civil Internacional, a Organização Mundial de Saúde a União Internacional de Telecomunicações, a Organização Meteorológica Mundial, a Agência Internacional de Energia Atômica, e a União Postal Universal.
O Acordo Básico das Nações Unidas foi promulgado em território nacional por meio do Decreto nº 59.308, de 23 de setembro de 1966.
O Artigo I deste Acordo estabelece que "os Organismos prestarão ao Governo assistência técnica, condicionada à existência dos fundos necessários. O Governo e os Organismos, estes agindo conjunta ou separadamente, deverão cooperar na elaboração, com base nos pedidos apresentados pelo Governo e aprovados pelos Organismos, de programas de operações de mútua conveniência para a realização de atividades de assistência técnica" (Artigo I)".
O Acordo ora em análise é, portanto, um ato complementar ao Acordo Básico da ONU, de mútua conveniência, que visa a assistência técnica da Unesco ao Governo Brasileiro para o funcionamento do Centro Lúcio Costa como um Centro Regional de Formação em Gestão do Patrimônio sob os auspícios da Unesco.
Dito isso, observo que o Decreto nº 5.151/2004 e a Portaria MRE nº 08/2017 estabelecem procedimentos a serem observados pelos órgãos e pelas entidades da Administração Pública Federal direta e indireta, para fins de celebração de atos complementares de cooperação técnica recebida, decorrentes de Acordos Básicos firmados entre o Governo brasileiro e organismos internacionais cooperantes, como é o caso ora examinado.
O art. 2º do Decreto n. 5.151/2004 estabelece:
Art. 2o Será adotada a modalidade de Execução Nacional para a implementação de projetos de cooperação técnica internacional custeados, no todo ou em parte, com recursos orçamentários da União.
§ 1o A Execução Nacional define-se como a modalidade de gestão de projetos de cooperação técnica internacional acordados com organismos ou agências multilaterais pela qual a condução e direção de suas atividades estão a cargo de instituições brasileiras ainda que a parcela de recursos orçamentários de contrapartida da União esteja sob a guarda de organismo ou agência internacional cooperante.
§ 2o Na Execução Nacional a coordenação dos projetos de cooperação técnica internacional é realizada por instituição brasileira, sob a responsabilidade de Diretor Nacional de Projeto e o acompanhamento da Agência Brasileira de Cooperação do Ministério das Relações Exteriores, conforme se estabelecer em regulamento.
§ 3o A critério do Ministério das Relações Exteriores, em casos específicos, poderá ser adotada outra modalidade de execução de projeto.
§ 4o Na cooperação prestada pelo Brasil a países em desenvolvimento será adotada outra modalidade de execução de projeto.
§ 5o No caso de o projeto de cooperação técnica internacional ser custeado totalmente com recursos orçamentários da União, a participação do organismo ou agência internacional deverá se dar mediante prestação de assessoria técnica ou transferência de conhecimentos.
§ 6o Os produtos decorrentes da assessoria técnica ou transferência de conhecimentos deverão estar explicitados nos documentos de projeto de cooperação técnica internacional quer sejam total ou parcialmente financiados com recursos orçamentários da União.
O Manual "Diretrizes para o Desenvolvimento da Cooperação Técnica Internacional Multilateral e Bilateral" da Agência Brasileira de Cooperação - ABC/MRE detalha a questão da Execução Nacional no seguinte trecho [2]:
5.1 - ORIGENS E PRÁTICA DA EXECUÇÃO NACIONAL
114. O sistema das Nações Unidas dispõe de um conjunto de decisões aprovadas pela Assembleia Geral das Nações Unidas (ver item 5.4, a seguir) com o objetivo de promover maior apropriação ("ownership") e responsabilidade ("accountability") dos países em desenvolvimento sobre os programas de cooperação técnica implementados em parceria com a ONU. Essa iniciativa recebeu a denominação de Execução Nacional. Os fatores motivadores de sua implantação incluem:
a) Aumento do controle nacional sobre o processo da cooperação internacional;
b) Aumento da qualificação dos países na coordenação de programas de cooperação; e
c) Maior transparência no uso dos recursos físicos, humanos e financeiros dos projetos.
115. Na Execução Nacional, ao contrário da Execução Direta, a instituição executora nacional tem responsabilidade direta pela gestão do projeto, em termos do ordenamento de despesas associadas à contratação de consultorias ou aquisição de bens e serviços. Mesmo nos casos excepcionais autorizados pela legislação brasileira para o uso da Execução Direta, a instituição executora nacional continua responsável pela aprovação de termos de referência para contratação de consultorias e serviços, pela aprovação dos produtos das consultorias e serviços especializados, pela elaboração de relatórios e fornecimento de informações à ABC e aos órgãos de controle sobre a execução físico-financeira do projeto.
116. As responsabilidades da ABC no desenvolvimento da execução nacional dos projetos negociados junto a organismos internacionais encontram-se definidas em legislação específica e abrangem a verificação dos requisitos para aprovação dessas iniciativas e o acompanhamento de sua execução no tocante aos seus aspectos técnicos.
Como se observa, a Execução Nacional é a regra, por razões relacionadas: a) ao aumento do controle nacional sobre o processo da cooperação internacional; b) ao aumento da qualificação dos países na coordenação de programas de cooperação; e c) a maior transparência no uso dos recursos físicos, humanos e financeiros dos projetos.
Por sua vez, a Execução Internacional (ou Direta) é caracterizada quando a seleção, a contratação e/ou aquisição e o pagamento de consultorias, serviços especializados, bens e equipamentos e demais despesas vinculadas à execução do projeto forem realizadas pelo organismo internacional cooperante no exterior, em um dos seguintes casos (art. 5º da Portaria MRE nº 8/2017):
a) o organismo internacional cooperante não mantenha no Brasil escritório com estrutura específica de execução de projetos e as aquisições e contratações forem feitas com recursos próprios; ou
b) quando a contratação e/ou aquisição de consultorias, serviços especializados, bens e equipamentos no exterior for mais vantajosa técnica e financeiramente para a administração pública, mediante fundamentada justificativa, observado o regime jurídico administrativo.
A leitura da minuta de Acordo em tela revela que o CLC "será independente da UNESCO" (artigo 4), e que o Governo Brasileiro "fornecerá todos os recursos, financeiros ou em espécie, necessários à governança e ao funcionamento do Centro" (artigo 11), comprometendo-se a:
(a) disponibilizar instalações para o Centro no Palácio Gustavo Capanema, localizado no Rio de Janeiro (Brasil), para a prossecução das suas atividades;
(b) assumir integralmente a responsabilidade pela manutenção das instalações do Centro;
(c) financiar as despesas de organização das reuniões do Conselho de Governança e do Comitê Executivo;
(d) disponibilizar recursos financeiros para as atividades desenvolvidas pelo Centro, de acordo com o seu plano de trabalho e orçamento anuais;
(e) colocar à disposição do Centro o pessoal necessário ao desempenho das suas funções, que incluirá o (a) Diretor (a) e o pessoal do Secretariado.
O artigo 12 da minuta estabelece ainda que o Centro (vinculado ao Iphan) deverá:
a) assumir todos os custos relacionados com a manutenção das instalações, equipamentos, serviços públicos e comunicações;
b) fornecer em cooperação com o Governo, todos os recursos financeiros necessários, bem como o pessoal necessário, para o desempenho das suas funções como centro de categoria 2.
Por outro lado, o artigo 13 estabelece:
A fim de recuperar os custos incorridos pela UNESCO com a administração, o acompanhamento, a elaboração de relatórios, e outros processos operacionais relativos aos institutos e centros da categoria 2, o Governo fará uma contribuição anual para o sector correspondente do programa da UNESCO equivalente a, pelo menos, 1000 dólares americanos até 31 de dezembro de cada ano, a partir da entrada em vigor do presente Acordo.
Evidentemente, a contribuição à Unesco no valor de U$ 1.000,00 não é suficiente para custear com as despesas do CLC, que, como dito, é e continuará sendo mantido e gerido pelo Governo Brasileiro (e não pela Unesco).
Portanto, s.m.j., não se trata de hipótese de Execução Internacional (ou Direta), mas sim de Execução Nacional, aplicando-se o disposto no Decreto nº 5.151/2004 e na Portaria MRE nº 08/2017. Este enquadramento poderá ser revisto pelo MRE, com base em suas competências institucionais acima mencionadas.
Dito isso, ressalto que de acordo com o art. 3º, caput do Decreto nº 5.151/2004, a celebração de Ato Complementar para a implementação de projetos de cooperação técnica internacional depende de prévia aprovação da Agência Brasileira de Cooperação do Ministério das Relações Exteriores - ABC/MRE.
Já a Portaria MRE nº 8/2017 dispõe em seu artigo 8º que "a negociação do projeto de cooperação técnica internacional terá início com a formalização à ABC, por parte do órgão ou entidade brasileira proponente, do interesse em desenvolver a cooperação técnica, devendo indicar o seu objetivo e estar acompanhado de parecer técnico e jurídico". Conforme o §2º do art. 3º do Decreto nº 5.151, de 2004, o órgão ou a entidade executora nacional deverá encaminhar a minuta do ato à Agência Brasileira de Cooperação.
Assim, o projeto de cooperação técnica internacional deverá ser enviado à Agência Brasileira de Cooperação do Ministério das Relações Exteriores - ABC/MRE para as providências de sua alçada, nos termos do Decreto nº 5.151/2004 e da Portaria MRE nº 08/2017.
O art. 3º, § 1º, do Decreto nº 5.151/2004 elenca as informações essenciais que devem constar no acordo de cooperação técnica internacional. Esses requisitos serão examinados mais adiante neste parecer, na análise da minuta do instrumento.
O art. 4º do Decreto trata da contratação de serviços de consultoria no âmbito dos acordos de cooperação internacional:
Art. 4o O órgão ou a entidade executora nacional poderá propor ao organismo internacional cooperante a contratação de serviços técnicos de consultoria de pessoa física ou jurídica para a implementação dos projetos de cooperação técnica internacional, observado o contexto e a vigência do projeto ao qual estejam vinculados.
§ 1o Os serviços de que trata o caput serão realizados exclusivamente na modalidade produto.
§ 2o O produto a que se refere o § 1ºé o resultado de serviços técnicos especializados relativos a estudos técnicos, planejamentos e projetos básicos ou executivos, pareceres, perícias e avaliações em geral, treinamento e aperfeiçoamento de pessoal.
§ 3o O produto de que trata o § 2o deverá ser registrado e ficar arquivado no órgão responsável pela gestão do projeto.
§ 4o A consultoria de que trata o caput deverá ser realizada por profissional de nível superior, graduado em área relacionada ao projeto de cooperação técnica internacional.
§ 5o Excepcionalmente será admitida a seleção de consultor técnico que não preencha o requisito de escolaridade mínima definido no § 4o, desde que o profissional tenha notório conhecimento da matéria afeta ao projeto de cooperação técnica internacional.
§ 6o O órgão ou a entidade executora nacional somente proporá a contratação de serviços técnicos de consultoria mediante comprovação prévia de que esses serviços não podem ser desempenhados por seus próprios servidores.
§ 7o As atividades do profissional a ser contratado para serviços técnicos de consultoria deverão estar exclusiva e obrigatoriamente vinculadas aos objetivos constantes dos atos complementares de cooperação técnica internacional.
§ 8o A proposta de contratação de serviços técnicos de consultoria deverá estabelecer critérios e formas de apresentação dos trabalhos a serem desenvolvidos.
§ 9o Os consultores desempenharão suas atividades de forma temporária e sem subordinação jurídica.
§ 10. O órgão ou a entidade executora nacional providenciará a publicação no Diário Oficial da União do extrato do contrato de consultoria até vinte e cinco dias a contar de sua assinatura.
Art. 5o A contratação de consultoria de que trata o art. 4o deverá ser compatível com os objetivos constantes dos respectivos termos de referência contidos nos projetos de cooperação técnica e efetivada mediante seleção, sujeita a ampla divulgação, exigindo-se dos profissionais a comprovação da habilitação profissional e da capacidade técnica ou científica compatíveis com o trabalho a ser executado.
§ 1o A seleção observará os princípios da legalidade, impessoalidade, publicidade, razoabilidade, proporcionalidade e eficiência, bem como a programação orçamentária e financeira constante do instrumento de cooperação técnica internacional.
§ 2o Os serviços técnicos de consultoria deverão ser definidos com objetividade e clareza, devendo ficar evidenciadas as qualificações específicas exigidas dos profissionais a serem contratados, sendo vedado o seu desvio para o exercício de outras atividades.
§ 3o A autorização para pagamento de serviços técnicos de consultoria será concedida somente após a aceitação do produto ou de suas etapas pelo órgão ou pela entidade executora nacional beneficiária.
§ 4o O órgão ou a entidade executora nacional informará à Secretaria da Receita Federal do Brasil, do Ministério da Fazenda, os valores pagos a consultores no ano-calendário imediatamente anterior. (Redação dada pelo Decreto nº 7.639, de 2011)
§ 5ºA Secretaria da Receita Federal do Brasil estabelecerá, em ato normativo próprio, a forma, o prazo e as condições para o cumprimento da obrigação acessória a que se refere o § 4º. (Incluído pelo Decreto nº 7.639, de 2011)
Por sua vez, a Portaria MRE nº 08/2017 detalha a contratação de consultores como segue:
TÍTULO IV
DOS RECURSOS HUMANOS E DA CONTRATAÇÃO DE SERVIÇOS TÉCNICOS DE CONSULTORIA NOS PROJETOS DE COOPERAÇÃO TÉCNICA INTERNACIONAL
Art. 21 - As atividades de execução do projeto serão atribuídas a:
I - servidores públicos;
II - contratados por tempo determinado, nos termos do art. 2º, VI, "h", da Lei nº 8.745, de 09/12/93;
III - ocupantes de cargo em comissão.
Art. 22 - A seleção dos serviços técnicos de consultoria referida nos arts. 4º e 5º do Decreto nº 5.151/2004, a ser realizada pelo órgão ou entidade executora nacional, deverá se pautar por critérios objetivos, previamente publicados, sem prejuízo de outras exigências estabelecidas pelo Diretor Nacional do projeto.
§ 1º - Para fins de seleção, deverá ser previamente elaborado termo de referência que contemplará o produto e eventuais etapas, bem como os valores estimados da consultoria.
§ 2º - Concluída a seleção a que se refere o caput, o órgão ou entidade executora nacional proporá ao organismo internacional cooperante a contratação da consultoria selecionada.
§ 3º - A autorização do Diretor Nacional do projeto ao organismo internacional cooperante para o pagamento dos serviços de que trata o caput dependerá, nos termos do art. 5º, § 3º, do Decreto nº 5.151/2004, da entrega e aceitação do produto ou de suas etapas.
§ 4º - É vedada a contratação de consultor que já esteja cumprindo contrato de consultoria por produto vinculado a projeto de cooperação técnica internacional.
§ 5º - A autorização para nova contratação do mesmo consultor, mediante nova seleção, nos termos do art. 5º do Decreto nº 5.151/2004, somente será concedida após decorridos os seguintes prazos, contados a partir do encerramento do contrato anterior:
I - noventa dias para contratação no mesmo projeto;
II - quarenta e cinco dias para contratação em projetos diferentes, executados pelo mesmo órgão ou entidade executora;
III - trinta dias para contratação para projetos executados em diferentes órgãos ou entidades executoras.
§ 6º - Caberá ao órgão ou entidade executora exigir do consultor declaração de que observou o disposto no parágrafo anterior, bem como consultar o banco de dados da ABC quanto à contratação do consultor;
§ 7º - Eventuais custos com deslocamentos e hospedagem dos profissionais contratados para a execução dos serviços técnicos de que trata o caput poderão constar da proposta de serviços apresentada em observância ao termo de referência.
(...)
Art. 25 - Compete ao órgão ou entidade executora nacional incluir as seguintes informações nos Relatórios de Progresso elaborados conforme o disposto no item VII do art. 17:
I - relação dos consultores contratados no período coberto pelo relatório, assim como dos produtos elaborados pelos mesmos e dos valores e prazos estipulados nos contratos;
II - inventário dos bens adquiridos e patrimoniados pelo projeto no período coberto pelo relatório;
III - relatório financeiro por fonte orçamentária e elemento de despesa.
(...)
(grifos acrescidos)
A Lei n. 14.791/2023 (LDO 2024) também dispõe sobre a contratação de consultores no âmbito dos acordos de cooperação técnica nos seguintes termos:
Art. 18. Não poderão ser destinados recursos para atender a despesas com: (...)
§ 2º A contratação de serviços de consultoria, inclusive aquela realizada no âmbito de acordos de cooperação técnica com organismos e entidades internacionais, somente será autorizada para execução de atividades que, comprovadamente, não possam ser desempenhadas por servidores ou empregados da administração pública federal, no âmbito do órgão ou da entidade, hipótese em que serão publicadas, no Diário Oficial da União, além do extrato do contrato, a justificativa e a autorização da contratação, da qual constarão, necessariamente, a identificação do responsável pela execução do contrato, a descrição completa do objeto do contrato, o quantitativo médio de consultores, o custo total e a especificação dos serviços e o prazo de conclusão.
Nesse sentido, o acordo pretendido não pode caracterizar intermediação de serviços ou execução de programas em temas e práticas de domínio público, demandados rotineiramente pela Administração, a exemplo da contratação de bens e serviços de natureza comum, usualmente disponíveis no mercado.
O art. 7º do Decreto nº 5.151/2004, veda, ainda, a contratação, a qualquer título, de servidores ativos da Administração Pública Federal, Estadual, do Distrito Federal ou Municipal, direta ou indireta, bem como de empregados de suas subsidiárias e controladas, no âmbito dos projetos de cooperação técnica internacional. Tal vedação está em consonância com o disposto no art. 18, inciso VII, da Lei nº 14.791/2023 (LDO/2024).
O art. 5º do Decreto nº 5.151/2004, determina a designação de Diretor Nacional de Projeto de cooperação técnica internacional, que deverá ser integrante de quadro de pessoal efetivo ou ocupante de cargo em comissão, ao qual compete: (I) definir a programação orçamentária e financeira do projeto, por exercício; (II) responder pela execução e regularidade do projeto; e (III) indicar os responsáveis pela coordenação do projeto, quando couber.
Os art. 18 e 19 da Portaria MRE nº 08/2017, estabelecem normas complementares sobre as competências do Diretor e do Coordenador do projeto.
Assim, o Coordenador e o Diretor Nacional de Projeto de cooperação técnica internacional deverão ser indicados, conforme art. 5º do Decreto nº 5.151/2004, e art. 18 e 19 da Portaria MRE nº 08/2017.
Sobre a gestão de projetos da cooperação, o art. 17 da Portaria MRE nº 08/2017, estabelece que compete ao órgão ou entidade executora nacional:
I - designar e exonerar, nos termos do art. 6º do Decreto nº 5.151, de 2004, o Diretor Nacional do Projeto por meio de ato a ser publicado no Diário Oficial da União assinado pelo dirigente do órgão ou entidade executora;
II - planejar e implementar o plano de trabalho do projeto, dentro do cronograma estabelecido;
III - gerenciar as atividades desenvolvidas;
IV - programar e cumprir os compromissos de contrapartida;
V - elaborar os termos de referência para aquisição de bens e contratação de serviços necessários à implementação das atividades do projeto;
VI - informar à ABC, por via eletrônica, a efetivação das contratações de consultoria no âmbito de seus projetos;
VII - elaborar os relatórios de progresso com base no ano calendário, por intermédio do Sistema de Informações Gerenciais de Acompanhamento de Projetos (SIGAP);
VIII - observar os procedimentos a serem estabelecidos pela ABC, com vistas a contribuir para o acompanhamento do projeto.
Vale notar, ainda, que de acordo com o Manual da ABC [2], não poderá haver duplicidade com outro projeto, devendo a área técnica certificar-se que o presente projeto não apresenta objetivos idênticos aos de outros projetos já em execução, independentemente da fonte externa cooperante envolvida (bilateral ou multilateral) ou da sua localização geográfica.
DA MINUTA DE ACORDO
De acordo com o art. 3º, § 1º, do Decreto nº 5.151/2024, o Ato Complementar a um Acordo Básico entre o Governo brasileiro e o organismo internacional cooperante, deverá estabelecer:
I - o objeto, com a descrição clara e precisa do que se pretende realizar ou obter; (Artigos 3 e 6)
II - o órgão ou a entidade executora nacional e o organismo internacional cooperante e suas respectivas obrigações; (preâmbulo)
III - o detalhamento dos recursos financeiros envolvidos; (não consta)
IV - a vigência; (Artigos 19 e 20)
V - as disposições relativas à auditoria independente, contábil e de resultados; (Artigo 7, 2/vi)
VI - as disposições sobre a prestação de contas; (não consta)
VII - a taxa de administração, quando couber; e (Artigo 13)
VIII - as disposições acerca de sua suspensão e extinção. (Artigos 20 e 21)
O art. 7º da portaria MRE nº 08/2017, por sua vez, acrescenta o seguinte:
§ 1º Deverá constar no Ato Complementar cláusula que estabeleça a suspensão do projeto de cooperação técnica internacional caso ocorra o descumprimento de quaisquer das cláusulas pactuadas, bem como: (não consta)
I - utilização dos recursos em desacordo com o objetivo constante no documento de projeto;
II - interrupção das atividades do projeto, em razão da indisponibilidade dos recursos previstos em seu orçamento;
III - não apresentação dos relatórios de progresso nos prazos estabelecidos;
IV - baixo desempenho operacional e técnico em um período superior a doze meses de implementação, atestado em relatório de desempenho aprovado pelo órgão ou instituição executora nacional, pela ABC e pelo organismo internacional cooperante;
V - interrupção das atividades do projeto sem a devida justificativa;
VI - inobservância dos dispositivos do Decreto nº 5.151, de 2004 e da presente Portaria; e
VII - inadimplência no envio de dados ao Sistema de Informações Gerenciais de Acompanhamento de Projetos (SIGAP) da Agência Brasileira de Cooperação do Ministério das Relações Exteriores.
§ 2º O Ato Complementar deverá conter cláusula que:
I - estabeleça sua extinção caso as razões determinantes da suspensão não tenham sido corrigidas.
II - faculte a realização de avaliação externa, que tenha por objetivo mensurar a relevância, eficiência, impacto e sustentabilidade do projeto.
A minuta em análise (SEI 1903498) contempla as disposições expressamente destacadas acima (após cada item), devendo-se providenciar o acréscimo das disposições faltantes, ou justificar a inaplicabilidade das disposições que não foram inseridas no ajuste, se for o caso, a partir de orientações da Consultoria Jurídica junto ao Ministério das Relações Exteriores.
Observo que o modelo de governança está estabelecido nos artigos 7 a 10 da minuta em comento e as atribuições das Partes estão nos artigos 11 a 14.
Quanto ao prazo de vigência do Acordo, o artigo 20 estabelece o período de oito anos a partir de sua entrada em vigor. A este respeito, faço notar que o art. 12 da Portaria MRE nº 08/2017 limita a duração deste tipo de ajuste a quatro anos, prorrogáveis até seis. Sugiro que seja solicitada a manifestação do MRE também quanto a este aspecto.
Ainda quanto à vigência, observo que não se trata de prorrogação de Acordo anterior, mas de renovação dos termos deste, em novo instrumento que pretende tratar novamente de toda a matéria abrangida pelo Acordo anterior. Assim, a questão da solução de continuidade da vigência não é relevante, nos termos da Orientação Normativa AGU nº 3/2019 [3], já que se trata de novo Acordo.
Cabe observar, ainda, o disposto ao longo da Portaria MRE n. 8/2017 quanto à elaboração do Projeto, que é o principal objeto da referida Portaria.
De acordo com o art. 11 da Portaria MRE n. 8/2017, o Projeto deverá ser elaborado, pelos órgãos executores, de acordo com as orientações do Manual de Formulação de Projetos de Cooperação Técnica Internacional da ABC [4], que dispõe:
SEÇÃO 3:
ROTEIRO DO PROJETO DE COOPERAÇÃO TÉCNICA (PCT)
O instrumento básico para análise e avaliação de um pedido de cooperação técnica é o PCT. Este documento deve conter todas as informações de conteúdo sobre o escopo do projeto a ser desenvolvido e sobre a situação existente que motiva sua implementação. Três pontos fundamentais devem ser esclarecidos no documento do projeto:• o que se pretende alcançar com a implementação do projeto, ou seja, o seu objetivo;• porque é importante e necessário implementar o projeto, ou seja, a sua justificativa;• quanto é necessário para executar o projeto, ou seja, quais são os recursos exigidos (humanos, materiais, tempo).Subsidiariamente, o PCT deve apresentar: o plano de trabalho elaborado, dados que especifiquem claramente a cooperação técnica proposta e informações sobre a instituição executora e os recursos que a mesma alocará para a execução do projeto
O projeto de Cooperação Técnica - PCT tem o seguinte roteiro:
1. Identificação do projeto •
2. Justificativa •
3. Objetivos e Resultados •
4. Plano de trabalho •
5. Cooperação Externa Solicitada •
6. Contrapartida Oferecida •
• Anexos
(...)
OBJETIVOS E RESULTADOS
Esta Seção é composta dos seguintes itens:
3.1 Objetivo de Desenvolvimento
Constitui-se no objetivo maior do projeto. Com a execução do projeto, pretende-se contribuir para o alcance do objetivo de desenvolvimento enunciado sabendo-se, no entanto, que o projeto, por si só, não tem meios de atingi-lo totalmente. O objetivo de desenvolvimento almejado, setorial ou multisetorial, está relacionado, na maioria dos casos, a mudanças estruturais (por exemplo, reduzir os índices de desnutrição, substituir combustíveis líquidos importados por fontes energéticas nacionais, melhorar as condições de saneamento básico de populações de baixa renda, etc.).
3.2 Objetivo Imediato
Constitui-se no objetivo específico a ser alcançado pelo projeto, exclusivamente em função das atividades implementadas no seu âmbito. É recomendável que o projeto tenha somente um ou dois objetivos imediatos. Cuidado especial deve ser dado ao enunciado do objetivo imediato do projeto, evitando-se utilizar termos vagos ou ambíguos como promover, estimular, apoiar, fortalecer, desenvolver, melhorar e conscientizar.
3.3 Resultados
Os resultados constituem o que o projeto, por si mesmo, pode produzir visando a alcançar os seus objetivos específicos. São os produtos das atividades implementadas. Tomados em conjunto, eles refletem o grau e a qualidade do cumprimento do plano de trabalho implementado no âmbito do projeto. A cada resultado está relacionado um conjunto de atividades específicas; as metas do projeto e os indicadores de seu alcance são também correlacionados aos resultados.
SEÇÃO 4:
PLANO DE TRABALHO
A elaboração do Plano de Trabalho do projeto de cooperação técnica se constitui em definir as atividades que necessitam ser executadas, com vistas a atingir os resultados almejados, e prever os recursos (humanos, materiais, tempo) necessários para implementá-las. A experiência indica que o grau de sucesso na implementação de um projeto está estreitamente relacionado ao planejamento da execução das tarefas envolvidas e à previsão dos meios que serão necessários para executá-las. Dessa forma, a definição realista de atividades, recursos e prazos é fundamental para o futuro bom andamento do projeto. Os seguintes itens compõem a Seção 4:
4.1 Plano de Trabalho
Um dos métodos mais utilizados de planejamento do trabalho a ser executado e de seu gerenciamento posterior é o do fracionamento do projeto em conjuntos de atividades. Ao usar esse método a equipe técnica do projeto é induzida a realizar esforço de previsão das ações a serem implementadas e dos prazos e custos envolvidos. O produto desse esforço, consubstanciando um plano de trabalho, se constitui em um planejamento mais realista do trabalho a ser executado, ao mesmo tempo em que se dispõe, ao longo da execução do projeto, de um instrumento de monitoramento e de avaliação de seu andamento. Para a elaboração do plano de trabalho é necessário identificar as tarefas a serem executadas que permitirão atingir cada um dos resultados definidos na Seção 3. Desta forma, para cada resultado do projeto, obtém-se um conjunto de Atividades a serem implementadas. O conjunto de Atividades assim definido deve ser suficiente para atingir os resultados propostos pelo projeto. O plano de trabalho é apresentado relacionando-se, para cada resultado, o conjunto correspondente de Atividades.
4.2 Indicadores e Meios de Verificação
Aos Resultados do projeto, apresentados na Seção 3, devem ser relacionados Indicadores que permitam aferir o seu alcance. Os Indicadores selecionados serão adequados se: a) permitirem a quantificação dos Resultados, esclarecendo quais são as metas propostas pelo projeto; e b) forem objetivamente verificáveis, isto é, permitirem que diferentes observadores cheguem à mesma conclusão. Os Meios de Verificação dos Indicadores também devem ser especificados.
4.3 Cronograma de Execução
O Cronograma de Execução do projeto deve indicar os prazos necessários para a execução das Atividades definidas. Um diagrama de barras constitui um instrumento útil e de fácil elaboração para apresentar o cronograma de execução do projeto.
Assim, recomenda-se a elaboração de um Projeto de acordo com o Manual da ABC, que seja inserido como parte integrante do Acordo, como Anexo.
Vale notar que o Projeto descrito pela ABC é uma espécie de Plano de Trabalho, documento de natureza eminentemente técnica, que consolida o planejamento da forma como será executado o objeto e alcançado o resultado do instrumento. Neste sentido, um plano de trabalho bem elaborado contribui para a fiel execução das obrigações pelos partícipes, assim como facilita o acompanhamento e fiscalização quanto ao seu cumprimento.
Cabe observar, ainda, no que couber, o disposto no art. 25 da Portaria MRE nº 08/2017, quanto às informações que devem constar dos Relatórios de Progresso.
Quanto às despesas necessárias à execução do Acordo, os artigos 11 e 13 da minuta estabelecem:
ARTIGO 11 - CONTRIBUIÇÃO DO GOVERNO
1. O Governo fornecerá todos os recursos, financeiros ou em espécie, necessários à governança e ao funcionamento do Centro.
2. O Governo compromete-se a:
a) disponibilizar instalações para o Centro no Palácio Gustavo Capanema, localizado no Rio de Janeiro (Brasil), para a prossecução das suas atividades;
b) assumir integralmente a responsabilidade pela manutenção das instalações do Centro;
c) financiar as despesas de organização das reuniões do Conselho de Governança e do Comitê Executivo;
d) disponibilizar recursos financeiros para as atividades desenvolvidas pelo Centro, de acordo com o seu plano de trabalho e orçamento anuais;
e) colocar à disposição do Centro o pessoal necessário ao desempenho das suas funções, que incluirá o (a) Diretor (a) e o pessoal do Secretariado.
ARTIGO 13 - CONTRIBUIÇÃO FINANCEIRA PARA A UNESCO
A fim de recuperar os custos incorridos pela UNESCO com a administração, o acompanhamento, a elaboração de relatórios, e outros processos operacionais relativos aos institutos e centros da categoria 2, o Governo fará uma contribuição anual para o sector correspondente do programa da UNESCO equivalente a, pelo menos, 1000 dólares americanos até 31 de dezembro de cada ano, a partir da entrada em vigor do presente Acordo.
Portanto, não está claro que órgão arcará com as despesas do Acordo, no âmbito do Governo Brasileiro.
Sobre a questão, o Parecer n. 00622/2024/PFIPHAN/PGF/AGU da Procuradoria Federal junto ao Iphan discorre:
14. Neste passo, o Secretariado propõe a inclusão do IPHAN como signatário do acordo, o que também não parece ser recomendável, considerando sua vinculação ao Ministério da Cultura e o caráter internacional do acordo. Além disso, o próprio IPHAN não tem autonomia para garantir ao Centro autonomia, personalidade jurídica e capacidade jurídica necessárias ao exercício das suas funções conforme definidas no acordo, o que sempre dependerá da União. Assim, uma vez que o IPHAN não tem poderes para garantir as obrigações que lhe geram o acordo, não recomendo sua inclusão.
(...)
15. De qualquer forma, importante que essa questão seja objeto de avaliação do MRE, a quem cabe, em última instância, a adequação das cláusulas afetas ao direito dos tratados que se ajustam à prática diplomática brasileira.
17. A disposição do item 21 da mesma Nota Técnica, sobre o artigo 13, referente à taxa de US$ 1.000,00 (mil dólares) a ser paga pelo governo brasileiro depende inicialmente de disponibilidade orçamentária, uma vez que envolve transferência de recursos. E esta é mais uma razão para que o CLC ou IPHAN não sejam signatários do acordo, pois não possuem e não conseguem garantir a previsão orçamentária. Por outro lado, essa é uma definição que compete à União, por meio do Ministério das Relações Exteriores, de modo a avaliar se as contribuições periódicas que faz à Unesco abrangem este acordo, não havendo elementos técnicos no processo que permitam fazer análise nesse sentido.
Reiterando as observações da Procuradoria do Iphan, recomenda-se que seja definido quem arcará com as despesas do Acordo. Deve ser definido, ainda, se haverá contrapartida, a teor do art. 13 da Portaria MRE nº 08/2017.
Sob essa ótica, reitero a recomendação da PGF/Iphan no sentido de que seja solicitada a avaliação do Ministério das Relações Exteriores, tendo em vista suas competências legais constantes do art. 44 da Lei n. 14.600/2023.
Uma vez identificado o responsável pelo custeio das despesas derivadas do Acordo, cabe ao ordenador de despesas atestar a disponibilidade e a origem dos recursos orçamentários correspondentes, conforme determina o art. 26 da Lei de Responsabilidade Fiscal – LRF (Lei Complementar n. 101/2000).
Outrossim, ratifico o entendimento da Procuradoria Federal do Iphan quanto à impossibilidade de o CLC constar como Parte do Acordo, visto que o órgão não tem personalidade jurídica própria.
Ressalto que, de acordo com o § 3º do art. 3º do Decreto nº 5.151/2004, é necessária a publicação do Acordo, por extrato, no Diário Oficial da União.
Por fim, reforço que a aplicabilidade e adequação aos termos do Decreto nº 5.151/2004 e da Portaria MRE nº 08/2017 devem ser avaliadas pela Consultoria Jurídica junto ao Ministério das Relações Exteriores, tendo em vista as competências da Pasta, previstas no art. 44 da Lei n. 14.600/2023.
CONCLUSÃO
Ante o exposto, e ressalvados os aspectos técnicos e de conveniência e oportunidade na efetivação do ajuste, não sujeitos ao crivo desta Consultoria Jurídica, e ainda considerando-se a manifestação favorável dos órgãos técnicos responsáveis, conclui-se que o Acordo ora proposto é, em tese, juridicamente viável, desde que sejam atendidas as recomendações registradas neste Parecer e as sugestões apresentadas pelo Iphan no PARECER n. 00622/2024/PFIPHAN/PGF/AGU, na Nota Técnica nº 2/2024/CLC/DAFE, e no Anexo Comentários IPHAN - Revisão acordo (1903582), sem prejuízo de orientações específicas a serem fornecidas pelo Ministério das Relações Exteriores, Pasta competente para manifestação conclusiva e definitiva sobre o Acordo.
Destaco a recomendação de encaminhamento dos autos ao Ministério das Relações Exteriores, tendo em vista a sua competência nos termos do art. 44 da Lei n. 14.600/2023.
Por fim, vale lembrar que, de acordo com o Enunciado nº 05 do Manual de boas Práticas Consultivas da AGU: “Ao órgão Consultivo que em caso concreto haja exteriorizado juízo conclusivo de aprovação de minuta de edital ou contrato e tenha sugerido as alterações necessárias, não incumbe pronunciamento subsequente de verificação do cumprimento das recomendações consignadas”. Assim, não é necessário o retorno dos autos a esta Consultoria, salvo se subsistir dúvida de cunho jurídico da alçada desta Consultoria Jurídica (lembrando, mais uma vez, que o Ministério das Relações Exteriores é a Pasta competente para manifestação conclusiva e definitiva sobre Acordos Internacionais e seus atos complementares).
Isto posto, submeto o presente processo à consideração superior, sugerindo que os autos sejam, na sequência, encaminhados à ASSESSORIA ESPECIAL DE ASSUNTOS INTERNACIONAIS, para as providências cabíveis.
À consideração superior.
DANIELA GUIMARÃES GOULART
Advogada da União
NOTAS
[1] https://www12.senado.leg.br/publicacoes/estudos-legislativos/tipos-de-estudos/outras-publicacoes/agenda-legislativa/capitulo-13-condicionantes-impostas-pelo-congresso-nacional-ao-executivo-federal-em-materia-de-celebracao-de-tratados
[2] https://www.gov.br/abc/pt-br/centrais-de-conteudo/publicacoes/documentos/manual_cgcm-cgcb-versao_externa_6a_edicao_05jan2024_final.pdf
[3] ORIENTAÇÃO NORMATIVA AGU Nº 3, DE 1º DE ABRIL DE 2009
Na análise dos processos relativos à prorrogação de prazo, cumpre aos órgãos jurídicos verificar se não há extrapolação do atual prazo de vigência, bem como eventual ocorrência de solução de continuidade nos aditivos precedentes, hipóteses que configuram a extinção do ajuste, impedindo a sua prorrogação.
[4] https://www.abc.gov.br/Content/ABC/docs/PRJCTI.pdf
Atenção, a consulta ao processo eletrônico está disponível em https://supersapiens.agu.gov.br mediante o fornecimento do Número Único de Protocolo (NUP) 01400021653202468 e da chave de acesso 8a3af0c2