ADVOCACIA-GERAL DA UNIÃO
CONSULTORIA-GERAL DA UNIÃO
CONSULTORIA JURÍDICA JUNTO AO MINISTÉRIO DA CULTURA
GABINETE


 

PARECER n. 00290/2024/CONJUR-MINC/CGU/AGU

 

NUP: 01400.008539/2018-02

ORIGEM: ASSESSORIA ESPECIAL DE ASSUNTOS PARLAMENTARES E FEDERATIVOS

ASSUNTO: PROJETO DE LEI EM FASE DE SANÇÃO

 

 

EMENTA:
I - Análise de Projeto de Lei 3639/2019 (PLS nº 249/2018 em sua casa de origem),  de autoria da Senadora Maria do Carmo Alves, que Institui o projeto Adote um Museu e o Dia Nacional do Museu, para incentivar ações de preservação e de valorização da memória histórica, artística e cultural por meio de doação de bens.
II - Pelo veto parcialem razão da inconstitucionalidade do art. 2°, §2°, do PL 3639/19, ao violar o art. 84, VI, 'a' e o art. 2°, todos da Constitucional Federal. 
 
 

I. RELATÓRIO

 

Trata o presente do Ofício-Circular nº 122/2024/CAP/ASPAR/GM/MinC (1909293), datado de 02 de setembro de 2024, por meio do qual a Coordenação de Assuntos Parlamentares solicita análise e manifestação desta Consultoria Jurídica quanto ao Projeto de Lei 3639/2019 (PLS nº 249/2018 em sua casa de origem), que “Institui o projeto Adote um Museu e o Dia Nacional do Museu, para incentivar ações de preservação e de valorização da memória histórica, artística e cultural por meio de doação de bens”, de autoria da Senadora Maria do Carmo Alves.

 

​Consta do referido Ofício que o pedido foi formulado em razão do OFÍCIO CIRCULAR nº 188/2024/SALEG/SAJ/CC/PR (1909289), de 30 de agosto de 2024, da Secretaria Adjunta de Assuntos Legislativos da Secretaria de Relações Institucionais da Presidência da República (SRI).​

 

O Instituto Brasileiro de Museus (Ibram) apresentou o Formulário de Posicionamento sobre Proposição Legislativa (1918499) com o posicionamento de veto parcial, especificamente em relação ao art. 2° do PL, incluindo o caput e §§ 1° a 3°.

 

É o sucinto relatório. Passamos à análise.

 

II. DA ANÁLISE JURÍDICA

 

​De início, destaco competir a esta Consultoria Jurídica, nos termos do art. 11 da Lei Complementar nº 73, de 1993, prestar consultoria sob o prisma estritamente jurídico, sem adentrar em aspectos relativos à conveniência e à oportunidade da prática dos atos administrativos e/ou legislativos. Tampouco cabe a esta Consultoria examinar questões de natureza eminentemente técnica, política, administrativa ou financeira.

 

Dito isso, ressalto que a presente manifestação possui natureza meramente opinativa e, por tal motivo, as orientações apresentadas não se tornam vinculantes para o gestor público, o qual pode, de forma justificada, adotar orientação contrária ou diversa daquela emanada por esta Consultoria Jurídica. Em outras palavras, trata-se de parecer não vinculante.​

 

Sob o aspecto jurídico, é de se ressaltar que houve observação da técnica legislativa adequada prevista na Lei Complementar Federal nº 95, de 26 de fevereiro de 1998, conforme determina o parágrafo único, do artigo 59, da Constituição Federal[1], e no Decreto nº 12.002, de 22 de abril de 2024, que dispõem sobre a elaboração de leis e atos normativos.

 

Além disso, cumpre a esta Consultoria Jurídica efetivar a análise da proposição segundo critérios formais, quais sejam: a) competência do autor para apresentação da proposição; b) adequação da matéria ao tipo legislativo utilizado; c) se há demais exigências formais estabelecidas especificamente para a matéria apresentada e, existindo, se foram observadas.

 

No que tange à constitucionalidade formal de projetos de lei, no que diz respeito à competência do proponente para legislar sobre determinado assunto, verifica-se, no caso, a competência do parlamentar em questão.

 

Com efeito, de acordo com o art. 61 da Constituição Federal, um projeto de lei pode ser proposto por qualquer parlamentar (Deputado ou Senador), de forma individual ou coletiva, por qualquer comissão da Câmara dos Deputados, do Senado Federal ou do Congresso Nacional, pelo Presidente da República, pelo Supremo Tribunal Federal, pelos Tribunais Superiores e pelo Procurador-Geral da República e pelos cidadãos[2].

 

Sob esse viés, além de atestada a competência no presente caso, deve-se considerar o conteúdo da proposição, o que leva à conclusão da inexistência de vício na iniciativa do presente projeto, pois não se trata de assunto elencado no §1° do art. 61, da Constituição[3] como de iniciativa privativa do Presidente da República.

 

Quanto ao aspecto jurídico-formal, observa-se, no geral, adequado o tipo legislativo da proposição, sendo compatível com as exigências do ordenamento jurídico no sentido de que um Projeto de Lei pode tratar de vários temas específicos para os quais a Constituição não exige lei complementar, caracterizando-se por sua generalidade e abstração. 

 

Por outro lado, o parágrafo anterior do presente parecer fez a ressalva de que "no geral"a adequação do tipo legislativo está em consonância com a Constituição Federal, pois não é o que ocorre especificamente em relação ao art. 2°, §2°, do Projeto de Lei 3639/2019.

 

Isso porque o dispositivo trata de assunto previsto como de competência privativa do Presidente da República para dispor mediante decreto, nos termos do §1° do art. 84, VI, 'a', da Constituição, in verbis:

 

Art. 84. Compete privativamente ao Presidente da República:
(...)
VI - dispor, mediante decreto, sobre:
a) organização e funcionamento da administração federal, quando não implicar aumento de despesa nem criação ou extinção de órgãos públicos; 
 
 

Dispõe o art. 2°, §2°, do PL que:

 

Art. 2° ..........
(...)
§2° Para a consecução da intenção de proposta de doação ou de adoção do bem, deverá a autoridade máxima do órgão designar comissão responsável pelo acompanhamento e fiscalização, sem prejuízo dos sistemas de controle interno e externo da administração pública. (grifos)

 

Ao verificar referido dispositivo, percebe-se que o tema diz respeito ao funcionamento da administração federal, pois trata do acompanhamento e da fiscalização do projeto Adote um Museu, atividades a serem exercidas pelos órgãos federais. Assim, o parágrafo está impondo uma obrigação à administração pública de necessariamente criar um colegiado para executar essas atribuições, impedindo a análise da conveniência e da oportunidade pelos gestores acerca da viabilidade de se criar uma comissão ou não.

 

Situação distinta seria se o parágrafo incentivasse a criação de comissão, por meio de verbos que denotassem possibilidade e não obrigação, a exemplo de "(...) PODERÁ a autoridade máxima do órgão designar (...)", pois não se imiscuiria o Legislativo em matéria de competência privativa do Presidente da República a ser legislada mediante decreto.

 

Embora o PL esteja criando o projeto Adote um Museu, o que enseja, naturalmente, a definição de algumas balizas que os legisladores compreendem como importantes para dar início à execução da política pública, as diretrizes a serem previstas na lei não podem violar o ordenamento jurídico brasileiro.

 

Logo, percebe-se a inconstitucionalidade formal do art. 2°, §2°, do PL, por haver vício na competência para dispor sobre a matéria e na adequação da matéria ao tipo legislativo.

 

Além disso, ao adentrar na regularidade material do Projeto de Lei, caracterizada pela compatibilidade vertical entre o conteúdo do projeto e os princípios e normas constitucionais, pode-se dizer que referido dispositivo também fere o art. 2°, da Constituição Federal, o qual dispõe que "São Poderes da União, independentes e harmônicos entre si, o Legislativo, o Executivo e o Judiciário".

 

Considerando que o Congresso Nacional estaria legislando em matéria de competência do Presidente da República por meio de tipo legislativo distinto da determinação constitucional, verifica-se a ingerência de um poder sobre o outro, o que é vedado pelo princípio da separação de poderes, previsto no art. 2°, da Carta Magna.

 

Como dito acima, cabe ao Chefe do Poder Executivo decidir sobre como deverão ser realizados o acompanhamento e a fiscalização do projeto Adote um Museu, não cabendo ao Legislativo determinar que deverá ser designada uma comissão para tal. Com base nas mais diversas justificativas, a autoridade máxima do órgão pode entender que não seria cabível, em determinado momento, instituir uma comissão e que seria mais viável outro formato de monitoramento.

 

A jurisprudência do Supremo Tribunal Federal a respeito de leis de iniciativa do Poder Legislativo que modifiquem a estrutura e as atribuições dos órgãos e regime jurídico dos servidores do Poder Executivo tem sido no sentido da inconstitucionalidade. Para o STF, há inconstitucionalidade material, por violação ao princípio da separação de poderes, e formal, por violação à competência de iniciativa privativa do Chefe do Executivo.

 

Para ilustrar, trago a ementa do julgado proferido no ARE nº 1486522 AgR/RJ:

 

EMENTA: AGRAVO INTERNO. RECURSO EXTRAORDINÁRIO COM AGRAVO. AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. LEI MUNICIPAL 8.419/2022 DO MUNICÍPIO DE PETRÓPOLIS. NORMA DE INICIATIVA PARLAMENTAR QUE DISPÕE SOBRE ‘POLÍTICA DE DESJUDICIALIZAÇÃO NO ÂMBITO DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA MUNICIPAL DIRETA E INDIRETA’. INCONSTITUCIONALIDADE DECLARADA PELA CORTE DE JUSTIÇA LOCAL. USURPAÇÃO DA INICIATIVA PRIVATIVA DO CHEFE DO PODER EXECUTIVO. ACÓRDÃO RECORRIDO EM CONFORMIDADE COM O ENTENDIMENTO DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. 1. O Órgão Especial do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro julgou procedente a Ação Direta para declarar, com efeitos ex tunc, a inconstitucionalidade da Lei 8.419, de 05 de outubro de 2022, do Município de Petrópolis, aos fundamentos de que (a) “houve invasão do Poder Legislativo na competência reservada ao Chefe do Poder Executivo, no que concerne ao funcionamento e à organização da Administração Pública Estadual” (Doc. 3, fl. 10); e (b) houve violação à separação de poderes, bem como ao art. 113, I da Carta Estadual, “na medida em que impôs obrigações ao Poder Executivo Municipal sem indicar a respectiva fonte de custeio”. 2. A pretexto de instituir medidas de desjudicialização da Administração Pública, o diploma legal contestado, de iniciativa do Poder Legislativo, adentrou em matéria sujeita à reserva da Administração, uma vez que se imiscuiu nos aspectos atinentes a seus órgãos. Dessa forma, contrariou as regras de iniciativa privativa do Chefe do Poder Executivo, bem como o princípio da separação de poderes. 3. Agravo Interno a que se nega provimento.

 

Portanto, entendo que o art. 2°, §2°, deve ser vetado, em razão de inconstitucionalidade formal, por violar o art. 84, VI 'a', da Constituição, e da inconstitucionalidade material, por ferir o art. 2°, da CF.

 

O Ibram também se manifestou contrariamente ao referido dispositivo:

 

Justificativa: Não dispõe de maneira exaustiva sobre a forma de funcionamento do "Adote um Museu", propondo que seja implementado "conforme critérios a serem definidos pelos órgãos federais competentes por meio de regulamento" e que, para a consecução da doação ou adoção de bem, "deverá a autoridade máxima do órgão designar comissão responsável pelo acompanhamento e fiscalização". É pertinente analisar o impacto destas proposições frente às estruturas e competências existentes na administração pública, tendo em vista que a implementação de tal proposta provavelmente englobará outras áreas da administração pública além das instituições culturais. Caberia analisar, por exemplo, a pertinência da referida proposta frente ao Decreto nº 9.764, de 11 de abril de 2019, que "Dispõe sobre o recebimento de doações e de bens móveis e de serviços de pessoas físicas ou jurídicas de direito privado pelos órgãos e pelas entidades da administração pública federal direta, autárquica e fundacional", ou demais normativas que possam tratar da mesma temática.

 

Quanto à constitucionalidade material dos demais dispositivos, passa-se à análise.

 

Inicialmente no que diz respeito à instituição do Dia Nacional do Museu, em 18 de maio, o Art. 215, §§ 1º e 2º da Constituição Federal estabelecem:

 
Art. 215. O Estado garantirá a todos o pleno exercício dos direitos culturais e acesso às fontes da cultura nacional, e apoiará e incentivará a valorização e a difusão das manifestações culturais.
§ 1º O Estado protegerá as manifestações das culturas populares, indígenas e afro-brasileiras, e das de outros grupos participantes do processo civilizatório nacional.
§ 2º A lei disporá sobre a fixação de datas comemorativas de alta significação para os diferentes segmentos étnicos nacionais. (grifamos)

 

E a Lei nº 12.345, de 9 de dezembro de 2010, prevê em seu art. 1º:

 

Art. 1o  A instituição de datas comemorativas que vigorem no território nacional obedecerá ao critério da alta significação para os diferentes segmentos profissionais, políticos, religiosos, culturais e étnicos que compõem a sociedade brasileira. (grifamos)

 

Nos termos do art. 2° da referida Lei, a definição do critério de alta significação será dada, em cada caso, por meio de consultas e audiências públicas realizadas, devidamente documentadas, com organizações e associações legalmente reconhecidas e vinculadas aos segmentos interessados. 

 

Conforme consta na justificativa do PL original, documento SEI Projeto de Lei do Senado nº 249/2018 (588050), foi realizada audiência pública em 16 de maio de 2018, com a participação do Presidente do Instituto Brasileiro de Museus (Ibram), do Presidente do Conselho Federal de Museologia e do Diretor do Instituto Banese - Museu da Gente Sergipana, à época.

 

Assim,  quanto ao art. 3° do PL, ao prever a instituição do Dia Nacional do Museu em 18 de maio, e ao art. 4°, ao dispor acerca dos objetivos da referida data comemorativa, não verifico óbices jurídicos a esses dispositivos.

 

O Ibram também se manifestou favorável ao arts. 3° e 4° do PL (1918499).

 

Quanto ao projeto Adote um Museu, previsto no art. 2° do Projeto de Lei, segundo o caput, tem o objetivo de incentivar e promover a conservação e a manutenção dos museus públicos de interesse nacional e dos bens e equipamentos públicos de preservação de obras, ou que estejam sob a administração da União. 

 

Ademais, segundo o texto, a adoção do projeto trará ônus para as pessoas físicas ou jurídicas, a partir de critérios a serem definidos pelos órgãos federais competentes por meio de regulamento.

 

Assim, nos termos do referido PL, com a aprovação da lei, será editado decreto presidencial, nos termos do art. 84, IV, da Constituição Federal[4], para regulamentação do projeto, inclusive com a definição de critérios para pessoas físicas e jurídicas.

 

Atualmente, o órgão federal responsável pela pauta é o Ministério da Cultura, o qual tem como área de competência a formulação e implementação de políticas, de programas e de ações para o desenvolvimento do setor museal, conforme art. 1°, do Anexo I, do Decreto n° 11.336/23, por meio do Instituto Brasileiro de Museus, autarquia federal vinculada à pasta e criada pela Lei n° 11.906, de 20 de janeiro de 2009.

 

Portanto, considerando que se trata de edição de ato normativo que objetiva dispor sobre a organização e funcionamento da administração federal, entendo que o detalhamento a ser previsto em decreto está de acordo com o art. 84, VI, 'a', da Constituição[5], desde que não implique aumento de despesa nem criação ou extinção de órgãos públicos, conforme exigido no dispositivo citado.

 

Sobre o caput, o Ibram se manifestou pelo veto, pois tal proposta precisaria ser melhor discutida com o setor, de modo a garantir que a responsabilidade pública na preservação do patrimônio cultural não fosse diluída:

 

Justificativa: a proposta de envolver entidades privadas e indivíduos na preservação dos museus públicos pode até ser positivo ao mobilizar recursos adicionais para os museus, especialmente em um cenário de restrições orçamentárias no setor público. No entanto, é crucial garantir que a responsabilidade pública na preservação do patrimônio cultural não seja diluída. Sendo assim, isso requer maior discussão com o setor.

 

É sabido que o veto presidencial poderá ocorrer por motivo de inconstitucionalidade (veto jurídico) ou contrariedade ao interesse público (veto político), nos termos do art. 66, § 1º da Constituição, senão, veja-se:

 

Art. 66. A Casa na qual tenha sido concluída a votação enviará o projeto de lei ao Presidente da República, que, aquiescendo, o sancionará.§ 1º Se o Presidente da República considerar o projeto, no todo ou em parte, inconstitucional ou contrário ao interesse público, vetá-lo-á total ou parcialmente, no prazo de quinze dias úteis, contados da data do recebimento, e comunicará, dentro de quarenta e oito horas, ao Presidente do Senado Federal os motivos do veto. (grifo nosso)

 

Trata-se, portanto, de argumentos que ensejam veto político, não cabendo a esta Consultoria adentrar no mérito das justificativas da autarquia.

 

Quanto aos parágrafos 1° a 4°, há balizas gerais acerca do projeto.

 

No §1°, trata-se da possibilidade de pessoa física ou jurídica propor ao órgão federal proposta de doação ou de comodato de bem móvel ou imóvel. A doação e o comodato estão previstos na Lei n° 10.406, de 10 de janeiro de 2002 - Código Civil, arts. 538 a 564 e 579 a 585, respectivamente.

 

Consoante previsto na Lei de Introdução às normas do Direito Brasileiro (Decreto-Lei n° 4.657/1942 - LINDB), no seu art. 2°, §1°, lei posterior revoga a anterior quando expressamente o declare, quando seja com ela incompatível ou quando regule inteiramente a matéria de que tratava a lei anterior.

 

Considerando que o texto do PL não se enquadra em nenhuma dessas hipóteses e que não há contradição entre o texto da minuta e o Código Civil, não vislumbro óbices jurídicos à possibilidade prevista nos § 1°.

 

Cabe pontuar apenas que o futuro decreto presidencial, caso seus termos não se enquadrem em nenhuma das hipóteses de revogação previstas no art. 2°, §1°, da LINDB, deve observar as diretrizes previstas no Decreto n° 9.764, de 11 de abril de 2019, o qual dispõe sobre o recebimento de doações de bens móveis e de serviços de pessoas físicas ou jurídicas de direito privado pelos órgãos e pelas entidades da administração pública federal direta, autárquica e fundacional. 

 

O Ibram, por outro lado, manifestou-se pelo veto do §1°, por entender que o parágrafo abriria a possibilidade de que museus localizados em áreas urbanas mais ricas ou mais conhecidas fossem mais privilegiado, o que agravaria as desigualdades regionais:

 

Justificativa: Sem maior clareza dessa alínea há possibilidade de um risco de que este projeto privilegie museus localizados em áreas urbanas mais ricas ou mais conhecidos, deixando de lado instituições menores ou localizadas em regiões com menor visibilidade ou menos atraentes para investidores privados. Isso pode agravar ainda mais as desigualdades regionais e entre diferentes tipos de museus, colocando em risco o acesso equitativo à cultura e à preservação da memória histórica e artística.

 

Mais uma vez, trata-se de justificativas que respaldam o pedido de veto político do parágrafo.

 

No que diz respeito ao §3°, há previsão da possibilidade de pessoas físicas ou jurídicas participarem do projeto, utilizando-se de termo de compromisso ou convênio de cooperação, os quais irão prever a doação de bens ou a adoção do museu ou de outro equipamento de preservação da memória, além da especificação do propósito da conservação e da manutenção e observados os parâmetros de respeito à identidade e aos valores históricos do museu.

 

O instrumento jurídico "Termo de compromisso" está previsto na Lei nº 11.578, de 26 de novembro de 2007, que dispõe sobre a transferência obrigatória de recursos financeiros para a execução pelos Estados, Distrito Federal e Municípios de ações do Programa de Aceleração do Crescimento – PAC, e sobre a forma de operacionalização do Programa de Subsídio à Habitação de Interesse Social – PSH nos exercícios de 2007 e 2008.

 

Portanto, não se mostra adequada a utilização desse instrumento para se referir à uma modalidade de formalização entre a administração e o particular para aderir ao projeto.

 

​Da mesma forma, convênio de cooperação não existe no ordenamento jurídico atual, mas tão somente o acordo de cooperação (previsto no art. 2°, VIII-A, da Lei n° 13.019/14[6]), acordo de cooperação técnica (art. 2°, XIII, Decreto n° 11.531/23​[7]) ou convênio ( previsto no art. 2°, I, Decreto n° 11.531, de 16 de maio de 2023)[8], os quais não se encaixariam adequadamente à situação em tela.

 

De toda forma, trata-se de imprecisão legislativa que não é suficiente para ensejar o veto jurídico do PL, pois se entende que o objetivo do legislador foi enumerar tipos de ajustes previstos no ordenamento jurídico brasileiro. Assim, tais inconsistências poderão ser sanadas na regulamentação posterior.

 

Mais uma vez, o Ibram entendeu que deve haver o veto político desse dispositivo, com base na necessidade de analisar o impacto das proposições em relação às estruturas e competências existentes na administração pública, além da importância de ser haver maiores discussões com as instituições:

 

Justificativa: É pertinente analisar o impacto destas proposições frente às estruturas e competências existentes na administração pública, tendo em vista que a implementação de tal proposta provavelmente englobará outras áreas da administração pública, além de considerar a pertinência de discutir a proposta com as instituições competentes no âmbito cultural, a fim de melhor detalhar e mapear os instrumentos necessários à sua implementação.

 

Novamente, trata-se, portanto, de argumentos de mérito, não cabendo a esta Consultoria adentrar no mérito das justificativas da autarquia.

 

Por fim, quanto ao §4°, este dispõe que a pessoa física ou jurídica, ao doar bens ou se utilizar da adoção para recuperação, conservação e manutenção do museu, não passará a ter direito de uso, posse ou propriedade daquele. Abre-se a possibilidade tão somente de o doador ou o adotante se utilizar de publicidade indicativa, a título de contrapartida.

 

​Trata-se de dispositivo que objetiva esclarecer os limites que eventual doador ou adotante teria ao integrar o projeto Adote um Museu, sem óbices jurídicos ao texto.

 

Deve-se apenas destacar a importância de observar o disposto no art. 37, §1°, da Constituição Federal, que trata do princípio da impessoalidade, dispondo:

 

Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte:
(...)
§ 1º A publicidade dos atos, programas, obras, serviços e campanhas dos órgãos públicos deverá ter caráter educativo, informativo ou de orientação social, dela não podendo constar nomes, símbolos ou imagens que caracterizem promoção pessoal de autoridades ou servidores públicos.
 

Assim, embora se trate de princípio direcionado aos atos da Administração Pública, a contrapartida de publicidade indicativa prevista no §4°, do art. 2° do PL, não pode ter sua aplicação irrestrita, sem observância dos parâmetros legais e constitucionais, de modo que o doador ou o adotante não pode se utilizar da contrapartida para sua própria promoção pessoal ou de outro particular ou de alguém da Administração Pública, devendo apenas ter caráter educativo, informativo  ou de orientação social.

 

Nesse cenário, dentro de tais balizas e considerando que não se verificam óbices jurídicos, pode-se concluir pela inexistência de vício material ou formal no Projeto de Lei apresentado, exceto quanto ao art. 2°, §2°, do PL. 

 

 

III. CONCLUSÃO

 

Ante o exposto, este opinativo é contrário à sanção integral do Projeto de Lei 3639/2019 (PLS nº 249/2018 em sua casa de origem),  de autoria da Senadora Maria do Carmo Alves, que Institui o projeto Adote um Museu e o Dia Nacional do Museu, para incentivar ações de preservação e de valorização da memória histórica, artística e cultural por meio de doação de bens pelo Excelentíssimo Senhor Presidente da República, com recomendação de veto por inconstitucionalidade do art. 2°, §2°, seja formal fundado em vício de competência e inadequação do tipo legislativo (art. 84, VI, 'a', CF), seja material consubstanciado em violação ao princípio da separação de poderes (art. 2°, CF).

 

À consideração superior.

 

Brasília, 09 de setembro de 2024.

 

 

LORENA DE FÁTIMA SOUSA ARAÚJO NARCIZO

Procuradora da Fazenda Nacional

Consultora Jurídica Adjunta

​Consultoria Jurídica junto ao Ministério da Cultura

 


Atenção, a consulta ao processo eletrônico está disponível em https://supersapiens.agu.gov.br mediante o fornecimento do Número Único de Protocolo (NUP) 01400008539201802 e da chave de acesso 43539a76

Notas

  1. ^ Art. 59. O processo legislativo compreende a elaboração de:(...)Parágrafo único. Lei complementar disporá sobre aelaboração, redação, alteração e consolidação das leis.
  2. ^ Art. 61. A iniciativa das leis complementares e ordinárias cabe a qualquer membro ou Comissão da Câmara dos Deputados,do Senado Federal ou do Congresso Nacional, ao Presidente da República, ao Supremo Tribunal Federal, aos TribunaisSuperiores, ao Procurador-Geral da República e aos cidadãos, na forma e nos casos previstos nesta Constituição.(...)​§ 2º Ainiciativa popular pode ser exercida pela apresentação à Câmara dos Deputados de projeto de lei subscrito por, no mínimo,um por cento do eleitorado nacional, distribuído pelo menos por cinco Estados, com não menos de três décimos por cento doseleitores de cada um deles.
  3. ^ Art. 61, § 1º São de iniciativa privativa do Presidente da República as leis que: I - fixem ou modifiquem os efetivos das Forças Armadas; II - disponham sobre: a) criação de cargos, funções ou empregos públicos na administração direta e autárquica ou aumento de sua remuneração; b) organização administrativa e judiciária, matéria tributária e orçamentária, serviços públicos e pessoal da administração dos Territórios; c) servidores públicos da União e Territórios, seu regime jurídico, provimento de cargos, estabilidade e aposentadoria; d) organização do Ministério Público e da Defensoria Pública da União, bem como normas gerais para a organização do Ministério Público e da Defensoria Pública dos Estados, do Distrito Federal e dos Territórios; e) criação e extinção de Ministérios e órgãos da administração pública, observado o disposto no art. 84, VI; f) militares das Forças Armadas, seu regime jurídico, provimento de cargos, promoções, estabilidade, remuneração, reforma e transferência para a reserva. 
  4. ^ Art. 84. Compete privativamente ao Presidente da República:(...)IV - sancionar, promulgar e fazer publicar as leis, bem como expedir decretos e regulamentos para sua fiel execução; 
  5. ^ Art. 84. Compete privativamente ao Presidente da República:(...)VI - dispor, mediante decreto, sobre: a) organização e funcionamento da administração federal, quando não implicar aumento de despesa nem criação ou extinção de órgãos públicos; b) extinção de funções ou cargos públicos, quando vagos; 
  6. ^ Art. 2º Para os fins desta Lei, considera-se:(...)VIII-A - acordo de cooperação: instrumento por meio do qual são formalizadas as parcerias estabelecidas pela administração pública com organizações da sociedade civil para a consecução de finalidades de interesse público e recíproco que não envolvam a transferência de recursos financeiros; (Incluído pela Lei nº 13.204, de 2015)
  7. ^ Art. 2º  Para fins do disposto neste Decreto, considera-se:XIII - acordo de cooperação técnica - instrumento de cooperação para a execução de ações de interesse recíproco e em regime de mútua colaboração, a título gratuito, sem transferência de recursos ou doação de bens, no qual o objeto e as condições da cooperação são ajustados de comum acordo entre as partes;
  8. ^ Art. 2º  Para fins do disposto neste Decreto, considera-se:I - convênio - instrumento que, na ausência de legislação específica, dispõe sobre a transferência de recursos financeiros provenientes do Orçamento Fiscal e da Seguridade Social da União para a execução de programas, projetos e atividades de interesse recíproco e em regime de mútua colaboração; 



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