ADVOCACIA-GERAL DA UNIÃO
CONSULTORIA-GERAL DA UNIÃO
CONSULTORIA JURÍDICA JUNTO AO MINISTÉRIO DA CULTURA
GABINETE


 

INFORMAÇÃO JURÍDICA REFERENCIAL n. 00001/2024/CONJUR-MINC/CGU/AGU

 

NUP: 00730.000168/2024-56

INTERESSADOS: NILZA MARIA DE JESUS FREITAS E OUTROS

ASSUNTOS: INDENIZAÇÃO POR DANO MORAL E OUTROS

 

 

EMENTA
INFORMAÇÃO JURÍDICA REFERENCIAL ORIUNDA DO PROCESSO ADMINISTRATIVO Nº 00730.000168/2024-56. AÇÕES JUDICIAIS. MEDIDAS PROTETIVAS AO PATRIMÔNIO CULTURAL AMEAÇADO​.
​I – Informação Jurídica Referencial a ser apresentada em  ações judiciais que objetivam a adoção de medidas protetivas ao patrimônio cultural ameaçado.
 II – Elevado número de processos que versam sobre matérias idênticas. Incidência da Orientação Normativa AGU nº 55, de 23 de maio de 2014, e da Portaria Normativa CGU/AGU nº 05, de 31 de março de 2022, a autorizarem a adoção de informação jurídica referencial.
III – Fixação de tese jurídica passível de utilização uniforme pelos órgãos de execução da Procuradoria-Geral da União.
IV - Dispensa do fornecimento de subsídios de direito de forma individualizada nas hipóteses e termos delimitados nesta manifestação.
V - Legislação básica aplicável: Decreto-Lei nº 25/37; Orientação Normativa AGU nº 55, de 2014; e Portaria Normativa CGU/AGU nº 05, de 2022.
VI - Prazo de validade: 2 (dois) anos a partir da aprovação desta Informação Jurídica Referencial ou prazo inferior caso sobrevenha norma jurídica que altere a fundamentação adotada.

 

 

 

 

 

INTRODUÇÃO

 

Cuida-se do OFÍCIO n. 03032/2024/COREPAMDOC/PRU1R/PGU/AGU​, através do qual a PROCURADORIA-REGIONAL DA UNIÃO DA 1ª REGIÃO solicita subsídios de fato e de direito para a defesa da União, nos autos da AÇÃO DE OBRIGAÇÃO DE FAZER COM PEDIDO DE TUTELA ANTECIPADA DE NATUREZA ANTECEDENTE em face do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional – IPHAN e UNIÃO FEDERAL, proposta por NILZA MARIA DE JESUS FREITAS, objetivando, em síntese, a condenação solidária da União Federal e do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional – IPHAN a fazer os reparos necessários em imóvel tombado pelo IPHAN.

 

Por intermédio do DESPACHO n. 00826/2024/CONJUR-MINC/CGU/AGU​, a Consultora Jurídica distribuiu os autos a esta Divisão de Assuntos Judiciais/Gabinete, para análise da possibilidade de elaboração de Informação Jurídica Referencial, por se tratar de discussão recorrente no âmbito da CONJUR/MinC, notadamente quanto à divisão de competências entre IPHAN e Ministério da Cultura.

 

A presente manifestação tem por fim dispensar o fornecimento de subsídios de direito de forma individualizada nas hipóteses e termos delimitados nesta IJR, nos moldes autorizados pela Orientação Normativa AGU nº 55, de 23 de maio de 2014, e pela Portaria Normativa CGU/AGU nº 05, de 31 de março de 2022, na medida em que fixa tese jurídica passível de utilização uniforme pelos órgãos de execução da Procuradoria-Geral da União.

 

É o breve relatório.

 

REQUISITOS PARA A ELABORAÇÃO DE MANIFESTAÇÃO JURÍDICAREFERENCIAL.

 

A Orientação Normativa AGU nº 55, de 23 de maio de 2014, prevê a possibilidade de elaboração de manifestação jurídica referencial para questões jurídicas envolvendo matérias idênticas e recorrentes. Vejamos o seu teor:

 

Orientação Normativa nº 55, de 23 de maio de 2014:
O ADVOGADO-GERAL DA UNIÃO, no uso das atribuições que lhe conferem os incisos I, X, XI e XIII, do art. 4º da Lei Complementar nº 73, de 10 de fevereiro de 1993, considerando o que consta do Processo nº56377.000011/2009-12, resolve expedir a presente orientação normativa a todos os órgãos jurídicos enumerados nos arts. 2º e 17 da Lei Complementar nº 73, de 1993:
I - Os processos que sejam objeto de manifestação jurídica referencial, isto é, aquela que analisa todas as questões jurídicas que envolvam matérias idênticas e recorrentes, estão dispensados de análise individualizada pelos órgãos consultivos, desde que a área técnica ateste, de forma expressa, que o caso concreto se amolda aos termos da citada manifestação.
II - Para a elaboração de manifestação jurídica referencial devem ser observados os seguintes requisitos: a) o volume de processos em matérias idênticas e recorrentes impactar, justificadamente, a atuação do órgão consultivo ou a celeridade dos serviços administrativos; e b) a atividade jurídica exercida se restringir à verificação do atendimento das exigências legais a partir da simples conferência de documentos. Referência: Parecer nº 004/ASMG/CGU/AGU/2014LUÍS INÁCIOLUCENA ADAMS

 

Na mesma linha, a Consultoria-Geral da União editou a Portaria Normativa CGU/AGU nº 05, de 31 de março de 2022, que, além de disciplinar a utilização da manifestação jurídica referencial supramencionada, instituiu e disciplinou a informação jurídica referencial, cuja definição, objetivo e requisito foram traçados no art. 8º da aludida norma, adiante reproduzido:

 

Portaria Normativa CGU/AGU nº 05, de 31 de março de 2022:
Art. 8º Informação Jurídica Referencial é a manifestação jurídica produzida para padronizar a prestação de subsídios para a defesa d União ou de autoridade pública.
§ 1º A IJR objetiva otimizar a tramitação dos pedidos e a prestação de subsídios no âmbito das Consultorias e Assessorias Jurídicas da Administração Direta no Distrito Federal, a partir da fixação de tese jurídica que possa ser utilizada uniformemente pelos órgãos de execução da Procuradoria-Geral da União.
§ 2º É requisito para a elaboração da IJR a efetiva ou potencial existência de pedido de subsídios de matéria idêntica e recorrente, que possa justificadamente impactar na atuação do órgão consultivo ou a celeridade dos serviços administrativos.

 

O art. 12 da mesma Portaria Normativa, por sua vez, contém disposições sobre o trâmite das requisições de subsídios de direito em virtude da adoção da IJR:

 

Art. 12. A unidade consultiva dará ciência da IJR aos órgãos de execução da Procuradoria-Geral da União, os quais deverão deixar de encaminhar pedido de subsídios quando constatarem a identidade entre o processo e a IJR.§ 1º O pedido de subsídios que aborde matéria fática ou jurídica não tratada na IJR será objeto de solicitação específica que delimite o ponto a ser abordado.§ 2º Caso receba pedido de subsídios em matéria idêntica à que motivou a expedição de IRJ, a unidade consultiva poderá devolver atarefa mediante cota ou despacho, instruída com cópia da IJR e orientações gerais sobre sua utilização.

 

Simplificadamente, é possível dizer que a IJR consiste em uma manifestação jurídica genérica, emitida em tese, cujos termos são aplicáveis a todos os casos concretos que apresentem os mesmos contornos, tornando desnecessário o fornecimento de subsídios de direito de forma individualizada em cada feito pelo órgão de assessoramento jurídico.

 

Trata-se, portanto, de um instituto perfeitamente afinado com o princípio da eficiência (art. 37, caput, da Constituição Federal), uma vez que, ao padronizar a prestação de subsídios para matéria idêntica e recorrente, otimiza as rotinas de trabalho no âmbito das Consultorias Jurídicas e permite que os advogados públicos dediquem mais tempo a outras questões ainda não uniformizadas, propiciando o aperfeiçoamento dos serviços prestados em termos de qualidade.

 

Tal medida já havia sido expressamente recomendada pelo Manual de Boas Práticas Consultivas da AGU, consoante se infere da leitura do Enunciado nº 33, abaixo transcrito:

 

Como o Órgão Consultivo desempenha importante função de estímulo à padronização e à orientação geral em assuntos que suscitam dúvidas jurídicas, recomenda-se que a respeito elabore minutas-padrão de documentos administrativos e pareceres com orientações in abstrato, realizando capacitação com gestores, a fim de evitar proliferação de manifestações repetitivas ou lançadas em situações de baixa complexidade jurídica.
(Enunciado nº 33 do Manual de Boas Práticas da Advocacia-Geral da União).

 

Ressalte-se que a iniciativa foi analisada e aprovada pelo Tribunal de Contas da União (TCU), conforme notícia divulgada no Informativo TCU nº 218/2014, referente à manifestação jurídica referencial, mas cujos fundamentos também se aplicam perfeitamente à figura da IJR ora enfocada:

 

Informativo TCU nº 218/20143. É possível a utilização, pelos órgãos e entidades da Administração Pública Federal, de um mesmo parecer jurídico em procedimentos licitatórios diversos, desde que envolva matéria comprovadamente idêntica e seja completo, amplo e abranja todas as questões jurídicas pertinentes. Embargos de Declaração opostos pela Advocacia-Geral da União (AGU), em face de determinação expedida pelo TCU à Comissão Municipal de Licitação de Manaus e à Secretaria Municipal de Educação de Manaus, alegara obscuridade na parte dispositiva da decisão e dúvida razoável quanto à interpretação a ser dada à determinação expedida. Em preliminar, após reconhecer a legitimidade da AGU para atuar nos autos, anotou o relator que o dispositivo questionado “envolve a necessidade de observância do entendimento jurisprudencial do TCU acerca da emissão de pareceres jurídicos para aprovação de editais licitatórios, aspecto que teria gerado dúvidas no âmbito da advocacia pública federal”. Segundo o relator, o cerne da questão “diz respeito à adequabilidade e à legalidade do conteúdo veiculado na Orientação Normativa AGU nº 55, de 2014, que autoriza a emissão de ‘manifestação jurídica referencial’, a qual, diante do comando (...) poderia não ser admitida”. Nesse campo, relembrou o relator que a orientação do TCU “tem sido no sentido da impossibilidade de os referidos pareceres serem incompletos, com conteúdos genéricos, sem evidenciação da análise integral dos aspectos legais pertinentes”, posição evidenciada na Proposta de Deliberação que fundamentou a decisão recorrida. Nada obstante, e “a despeito de não pairar obscuridade sobre o acórdão ora embargado”, sugeriu o relator fosse a AGU esclarecida de que esse entendimento do Tribunal não impede que o mesmo parecer jurídico seja utilizado em procedimentos licitatórios diversos, desde que trate da mesma matéria e aborde todas as questões jurídicas pertinentes. Nesses termos, acolheu o Plenário a proposta do relator, negando provimento aos embargos e informando à AGU que “o entendimento do TCU quanto à emissão de pareceres jurídicos sobre as minutas de editais licitatórios e de outros documentos, nos termos do art. 38, parágrafo único, da Lei nº 8.666,de1993, referenciado nos Acórdãos 748/2011 e 1.944/2014, ambos prolatados pelo Plenário, não impede a utilização, pelos órgãos e entidades da administração pública federal, de um mesmo parecer jurídico em procedimentos licitatórios diversos, desde que envolva matéria comprovadamente idêntica e que seja completo, amplo e abranja todas as questões jurídicas pertinentes, cumprindo as exigências indicadas na Orientação Normativa AGU nº 55,de 2014,esclarecendo a, ainda, de que apresente informação é prestada diante da estrita análise do caso concreto apreciado nestes autos, não se constituindo na efetiva apreciação da regularidade da aludida orientação normativa, em si mesma”. Acórdão2674/2014 Plenário, TC004.757/20149, relator Ministro Substituto André Luís de Carvalho, 8/10/2014.

 

Do acima exposto, pode-se concluir que a IJR uniformiza a atuação do órgão jurídico relativamente às requisições de subsídios de direito repetitivas. Consequentemente, a adoção de IJR torna desnecessária a análise individualizada de processos que versem sobre matéria que já tenha sido objeto de análise em abstrato, sendo certo que as orientações jurídicas veiculadas através da IJR aplicar-se-ão a todo e qualquer processo com idêntica matéria.

 

Não obstante a emissão de IJR pelas unidades consultivas, a efetiva utilização pelos órgãos de execução da PGU depende da confluência de todos os requisitos indicados na já mencionada Portaria Normativa CGU/AGU nº 05, de 2022, os quais podem ser assim sintetizados:

 

  1. efetiva ou potencial existência de pedidos de subsídios de matéria idêntica e recorrente, que possa justificadamente impactar a atuação do órgão consultivo ou a celeridade dos serviços administrativos; e
  2. constatação, pelo órgão de execução da PGU, de que a matéria jurídica tratada no processo in concreto é idêntica àquela já enfrentada na IJR, dispensando, pois, a requisição de subsídios de forma individualizada.

 

No tocante ao primeiro requisito acima, observa-se que é relativamente grande o volume de requisições de subsídios de direito em ações judiciais que objetivam a adoção de medidas protetivas ao patrimônio cultural ameaçado, sobretudo se comparado à força de trabalho desta CONJUR/MinC, de modo que se vislumbra forte potencial para impactar na atuação dos advogados em exercício neste órgão, assim como na celeridade dos serviços administrativos.

 

Destaca-se que esta Consultoria Jurídica é composta atualmente por apenas sete integrantes, sendo que esta Divisão de Assuntos Judiciais, responsável pelo fornecimento de subsídios para defesa da União em todas as ações que envolvam matéria afeta às competências deste Ministério da Cultura, é constituída por apenas um Advogado da União, justamente este que subscreve a presente manifestação.

 

Com efeito, para que esta Divisão de Assuntos Judiciais consiga gerir a elevada carga de demandas dessa natureza, desde o momento em que aportam neste órgão até o envio de resposta à Procuradoria requisitante, compromete-se uma força de trabalho que poderia ser melhor aproveitada no estudo e aprofundamento de outros temas não repetitivos.

 

À vista desse cenário, ressai evidente que a elaboração da presente IJR é uma medida essencial para a racionalização da atuação deste órgão consultivo, no sentido de melhorar a qualidade dos serviços prestados, na esteira do já aventado princípio da eficiência que norteia toda a Administração Pública.

 

Em sendo aprovada esta IJR pela titular desta unidade consultiva, e dada ciência aos órgãos de execução da PGU, caberá a estes examinar e, se for o caso, constatar a identidade entre os processos de sua alçada e aqueles especificados nesta manifestação, deixando de encaminhar pedidos de subsídios de forma individualizada a esta Conjur nas situações que serão delineadas adiante.

 

Por fim, é importante ainda esclarecer que, caso os órgãos de execução da PGU necessitem de subsídios acerca de matéria fática ou jurídica não tratada na IJR, poderão encaminhar solicitação específica a esta unidade consultiva, delimitando o ponto a ser abordado, em consonância com o § 1º do art. 12 da Portaria Normativa CGU/AGU nº 05, de 2022. 

 

AÇÕES OBJETIVANDO A ADOÇÃO DE MEDIDAS PROTETIVAS AO PATRIMÔNIO CULTURAL AMEAÇADO - IMÓVEL NÃO PERTENCENTE À UNIÃO

 

Sob o enfoque das competências legalmente atribuídas ao Ministério da Cultura, cumpre, de início, registrar que não há qualquer tipo de atuação ou ingerência em relação aos imóveis objeto de ações que objetivam a proteção do patrimônio cultural ameaçado.

 

Com efeito, no âmbito federal, o legislador ordinário achou por bem retirar da Administração Direta Federal a obrigação de efetivar as medidas protetivas ao patrimônio cultural ameaçado, nos termos do Decreto-Lei nº 25/37. Para tanto, foi criado o Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional – IPHAN, entidade autárquica distinta da UNIÃO, com personalidade jurídica própria, possuidora de plena autonomia administrativa e financeira, apta a exercer de forma exclusiva, a proteção e restauração dos imóveis tombados na esfera federal.

 

De fato, o IPHAN possui a expertise no trato da matéria, possuindo corpo técnico especializado, com a total aptidão para atuar de per si e em substituição à própria atuação da UNIÃO no que tange à proteção do bem de valor histórico e cultural, objeto da presente lide.

 

Ressalte-se, portanto, que o IPHAN representa a própria atuação do ente público que o criou (UNIÃO), haja vista a figura da autarquia consistir em um prolongamento do Poder Público, uma espécie de longa manus do Estado, com a tarefa primordial de executar serviços públicos típicos, próprios do Poder Público, mas que requeiram maior especialização, consoante ensinamento do já consagrado por Hely Lopes Meirelles.(Direito Administrativo Brasileiro. 25ª Edição, Ed. Malheiros, p. 322.).

 

Nesse compasso, a autarquia IPHAN já representa os interesses da Administração Pública Federal no caso, tendo sido criada por lei para exercer a atividade específica de preservação dos bens históricos, possuindo inclusive dotação e recursos orçamentários próprios, repassados pela UNIÃO, para exercer tal munus. O professor Diógenes Gasparini esclarece tal entendimento com clareza:

 

“ A Administração Pública a que pertence a autarquia não responde pela suas obrigações. Também não responde pelos danos causados pela autarquia a terceiros, decorrentes de sua atuação ou do comportamento lesivo de seus servidores. A autarquia é pessoa de direito, e com tal deve responder pelas obrigações assumidas e pelos danos que causar a alguém. É o que vêm decidindo os nossos Tribunais (RT, 151: 301 e RDA, 59:333). De fato, com sujeito de direitos e obrigações que é, cabe-lhes satisfazer as responsabilidades compromissadas e responder pelas conseqüências de seus atos  e das ações de seus servidores quando causarem danos a terceiros. Assim, não se há de falar em responsabilidade solidária da Administração Pública por atos ou negócios da autarquia por ela criada.” (GASPARINI, Diógenes. Direito Administrativo. 9ª Ed., São Paulo, Saraiva,  p. 310)

 

Relevante transcrever recente decisão proferida pelo Tribunal Regional Federal da 1ª Região, de relatoria do Desembargador Federal JAMIL ROSA DE JESUS OLIVEIRA, nos autos do Agravo de Instrumento n.º 1018817-95.2021.4.01.0000 interposto em face da sentença parcial de mérito prolatada nos autos da Ação Civil Pública n.º 0001252-75.2016.4.01.3601, que corrobora com a tese ora defendida:

 
"(...) D E C I S Ã O
Trata-se de Agravo de Instrumento interposto pela UNIÃO contra sentença parcial de mérito proferida na Ação Civil Pública n. 0001252-75.2016.4.01.3601, movida pelo Ministério Público Federal, que condenou o IPHAN e a UNIÃO em obrigação de fazer, que consiste no isolamento, cercamento e identificação do perímetro do Sítio Arqueológico Carne Seca, localizado no município de Cáceres/MT.
Insurge-se a agravante contra a parte da sentença que reconheceu sua legitimidade passiva, por entender que foi delegada ao IPHAN a atribuição institucional de proteger, fiscalizar, promover, estudar e pesquisar o patrimônio cultural brasileiro.
Entende que se a União é substituída pelo IPHAN em razão de delegação legal para que proceda à implementação de ações naquela seara, pela mesma razão jurídica não há de figurar em ação que tenha por objeto questões atinentes à atuação do órgão executor dessas ações.
Aduz a agravante que “não é responsável pela supervisão direta sobre a autuação concreta da autarquia, uma vez que a esta foi reservado, por meio de lei, autonomia administrativa, financeira e patrimonial, inclusive, seu âmbito de atuação, consequentemente, se encarregando pela fiscalização dos próprios atos”.
A agravante tece vários argumentos sobre o mérito da sentença, no que diz respeito à mora administrativa, à desnecessidade de desapropriação da área, à ausência de estudos mais aprofundados sobre a necessidade de cerceamento da área, entre outros.
(...)
Conquanto competência comum das entidades políticas, a preservação do patrimônio arqueológico, artístico e cultural é, no âmbito federal, de competência do IPHAN, autarquia há muito criada para a execução da política estabelecida pela União nesse importante setor da preservação da memória histórica nacional. 
Merece, portanto, reparos a decisão do juízo de origem.
Em consonância com o art. 300 do CPC, para a concessão de antecipação de tutela, faz -se necessária a demonstração simultânea da probabilidade do direito (fumus boni iuris) e do perigo de dano ou o risco ao resultado útil do processo (periculum in mora), pressupostos que se verificam neste caso.
III
Em face do exposto, defiro a antecipação da tutela recursal, para suspender a eficácia da decisão agravada no que se refere à União, que fica desobrigada do quanto determinado na referida decisão.
Intimem-se as partes desta decisão; a agravada, também para resposta no prazo legal (art. 1.019, inciso II, do CPC). (...)"

 

Dessa forma, a União deve ser afastada da lide por ser parte ilegítima para figurar no seu polo passivo, uma vez que o IPHAN, autarquias federal com personalidade jurídica própria está  apta a responder individualmente por eventuais obrigações assumidas no que tange às suas respectivas competências. Sugere-se, portanto, que seja suscitada, nesses casos, a ilegitimidade passiva da União.

 

Não obstante a alegação de ilegitimidade passiva, caso o órgão de representação judicial da União entender por bem, contestar o mérito da ação, os subsídios técnicos relacionados ao caso concreto deverão ser requisitados diretamente ao IPHAN.

 

De todo modo, vislumbra-se a possibilidade de que sejam suscitados outros argumentos jurídicos, de caráter geral, a fim de colaborar com a defesa da União nesses casos.

 

Com efeito, é notória a existência de diversos outros bens históricos carentes de proteção, sendo que, infelizmente, não há recursos para a realização imediata de todas as medidas protetivas necessárias. A prioridade de aplicação do orçamento deve se ater a todo o panorama das necessidades existentes e não somente a um caso isolado, sob pena de prejudicar diversas outras ações tão importantes quanto a discutida nos presentes autos. A priorização dos recursos deve ser feita atenta ao princípio da reserva do possível, plenamente aplicável ao caso em tela.

 

Conquanto seja extremamente louvável e necessária a atuação do Poder Judiciário para estimular determinadas posturas dos agentes públicos, entende-se que, no caso específico de bem móveis tombados, torna-se impossível ao Judiciário substituir a análise técnica da Administração Pública.

 

A priorização dos investimentos para proteção do patrimônio cultural insere-se no campo eminentemente discricionário da atuação da Administração.

 

Destarte, afasta-se a competência do Poder Judiciário para interferir na avaliação e abrangência de tais atos, posto que a escolha na adoção de tais medidas estão balizadas tão somente pelos critérios de conveniência e oportunidade conferidos aos agentes públicos na realização das políticas públicas.

 

A atuação do Poder Judiciário, nesses casos que envolvem medidas protetivas ao patrimônio cultural ameaçado, pode representar um prejuízo em diversas outras áreas muito maior do que a benesse que se busca pontualmente. A separação de poderes nesse caso existe e deve ser preservada, sob risco de haver um desequilíbrio desnecessário e equivocado. Com efeito, alocar recursos sem planejamento, por ordem judicial, sem que se observe todo o contexto das demais ações públicas existentes, representa risco de se escolher solução imediatista para problemas pontuais, gerando desperdício e desequilíbrio na condução das políticas públicas traçadas.

 

Ademais, não se pode deixar de considerar o fato de que toda e qualquer atuação administrativa está condicionada à observância das regras legais e procedimentais vigentes, mormente pela incidência direta do princípio constitucional da legalidade. Destarte, qualquer alocação de recursos deve obedecer às regras orçamentárias previamente estabelecidas, bem como àquelas atinentes à licitação e contratação pública, sendo que tal observância revela-se imprescindível para a melhor aplicação dos recursos públicos envolvidos, viabilizando a plena satisfação dos objetivos legais traçados pelo legislador.

 

Desse modo, a concessão de qualquer medida judicial de modo açodado, implicará em possível afronta às regras mínimas de planejamento e organização previstas para a Administração, que se verá obrigada a realizar contratações emergenciais tão somente para cumprir a decisão judicial de caráter precário, com prejuízo às demais ações administrativas previstas no cronograma de tarefas do órgão. O Judiciário deve procurar respeitar o planejamento administrativo no que tange à execução das políticas públicas elaboradas. A escolha das prioridades para implementação do plano de preservação de bens móveis tombados ameaçados está imersa dentro de uma gama de ações e planejamentos realizados pelo IPHAN ao longo do ano, atento ao condicionamento orçamentário previsto para o aludido órgão. Qualquer ingerência precipitada por parte do Poder Judiciário nessa seara poderá implicar em desproporcionalidade da medida, com a consequente prejudicialidade das demais medidas de preservação traçadas pelo IPHAN.

 

AÇÕES OBJETIVANDO A ADOÇÃO DE MEDIDAS PROTETIVAS AO PATRIMÔNIO CULTURAL AMEAÇADO - IMÓVEL de propriedade da UNIÃO

 

Entende-se não ser cabível a alegação de ilegitimidade passiva da União, nos caso de ações que objetivam a adoção de medidas protetivas em relação à imóveis cuja propriedade pertença à União, tendo em vista a responsabilidade primária do proprietário na conservação do bem tombado, nos termos do art. 18 do DECRETO-LEI Nº 25, DE 30 DE NOVEMBRO DE 1937, que Organiza a proteção do patrimônio histórico e artístico nacional.

 

Nesse sentido, no que toca aos aspectos relacionados ao domínio e consequente conservação de tais imóveis, sugere-se que o representante judicial da União solicite elementos para a defesa da União à  Consultoria Jurídica Junto ao Ministério de Gestão e Inovação em Serviços Públicos, em face da competência estabelecida à Secretaria do Patrimônio da União - SPU, órgão que integra a estrutura daquela Pasta Ministerial.

 

Nesses casos, por outro lado, sob o enfoque de eventuais medidas protetivas ao patrimônio cultural ameaçado, igualmente caberá ao IPHAN prestar os subsídios fáticos necessários à defesa da União, não havendo, por parte do Ministério da Cultura, qualquer tipo de atuação ou ingerência em relação ao imóvel objeto da ação.

 

Entende-se ainda que os argumentos jurídicos de caráter geral apontados nos itens 28 a 34 podem ser igualmente utilizações nas ações que envolvam patrimônio história de propriedade da União.

 

CUMPRIMENTO DE EVENTUAIS DECISÕES JUDICIAIS QUE CONDENEM A UNIÃO DE FORMA SUBSIDIÁRIA

 

Oportuno registrar que, não obstante o entendimento sustentado por esta CONJUR, no sentido de que inexiste atuação direta do Ministério da Cultura na efetivação das medidas protetivas ao patrimônio cultural ameaçado, nos termos do Decreto-Lei nº 25/37, frequentemente a União também é demandada nessas ações e eventualmente condenada de forma subsidiária a promover as medidas protetivas necessárias à conservação do patrimônio cultural ameaçado.

 

Nesses casos, entende-se que, por força da supervisão ministerial exercida pelo Ministério da Cultura em face de suas entidades vinculadas,​ caberá a esta Pasta zelar pela existência de recursos orçamentários suficientes para cumprimento das medidas protetivas determinadas pelo Poder Judiciário ao IPHAN.

 

Nesse sentido, entende-se que eventuais decisões judiciais condenando subsidiariamente a União a adotar as medidas protetivas ao patrimônio cultural ameaçado poderão ser enviadas a esta Consultoria Jurídica pelos órgãos de representação judicial da União, para a adoção, no âmbito das competências legais atribuídas a este Ministério da Cultura, de todos os esforços necessários ao pleno atendimento do comando judicial. 

 

ENCAMINHAMENTOS

 

Ante o exposto, submete-se a presente manifestação à consideração da Sra. Consultora Jurídica, na forma do art. 2º da Portaria Normativa CGU/AGU nº 05, de 31 de 2002, para, se assim entender:

 

a) atestar o atendimento dos requisitos constantes do referido ato normativo;
 
b) aprovar esta IJR, fixando seu prazo de validade em 2 (dois) anos a partir da aprovação desta Informação Jurídica Referencial ou prazo inferior caso sobrevenha norma jurídica que altere a fundamentação adotada; e
 
​c) encaminhar o processo à Procuradoria-Geral da União e ao Departamento Informações Jurídico-Estratégicas/CGU/AGU (art. 9º, inc. III, alíneas “b” e “c”, da Portaria Normativa CGU/AGU nº 05, de 2002); 
 
d) dar ciência desta IJR aos órgãos de execução da PGU, por força do art. 12, caput, da aludida Portaria Normativa CGU/AGU nº 05, de 2002; e
 
e) dar ciência à Procuradoria-Regional da União - 1ª Região, em atenção ao OFÍCIO n. 03032/2024/COREPAMDOC/PRU1R/PGU/AGU.

 

Brasília, 11 de setembro de 2024.

 

 

GUSTAVO NABUCO MACHADO

ADVOGADO DA UNIÃO

 

 


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