ADVOCACIA-GERAL DA UNIÃO
CONSULTORIA-GERAL DA UNIÃO
CONSULTORIA JURÍDICA JUNTO AO MINISTÉRIO DA CULTURA
COORDENAÇÃO-GERAL DE PARCERIAS E COOPERAÇÃO FEDERATIVA
PARECER n. 00299/2024/CONJUR-MINC/CGU/AGU
NUP: 01400.021336/2024-41
INTERESSADOS: COORDENAÇÃO-GERAL DE INSTRUMENTOS TÉCNICOS E JURÍDICOS CGITJ/DAT/SCC/GM/MINC
ASSUNTOS: POLÍTICA NACIONAL ALDIR BLANC DE FOMENTO À CULTURA - PNAB
EMENTA: Consulta quanto à possibilidade de uma Universidade Federal receber recursos da PNAB diretamente dos entes federativos (Estados, DF e Municípios), e sobre o enquadramento da Universidade como agente cultural nos termos do Novo Marco Regulatório da Cultura. Entendimento sobre a aplicabilidade da PNAB. Matéria em fase de regulamentação. Lei n. 14.399/2022. Lei n. 14.903/2024. Decreto n. 11.453/2023.
Por meio do Ofício nº 53/2024/CGITJ/DAT/SCC/GM/MinC (SEI 1893778), o Diretor de Assistência Técnica a Estados, Distrito Federal e Municípios - DAT/SCC/MINC faz referência a consulta recebida por e-mail (SEI 1893672), na qual a Coordenadora do Setor de Apoio a Ações Culturais Institucionais da Universidade Federal de São João del-Rei - UFSJ questiona :
Escrevo, portanto, para consultar-lhes sobre a possibilidade de a UFSJ, enquanto instituição federal de promoção do ensino, da pesquisa e da extensão, pode participar do PNAB e utilizar-se do Fundo Nacional de Cultura, sem que haja a necessidade da interlocução com uma fundação de apoio. Poderia a UFSJ, com seu CNPJ e CNAE P-8531-7/00 (Educação Superior - Graduação), participar do PNAB?
Poderia a UFSJ, para a realização do Inverno Cultural UFSJ, beneficiar-se do Novo Marco Regulatório da Cultura e dos fundos de cultura dos diferentes níveis federados?
A DAT/SCC esclarece que é comum instituições públicas receberem recursos de outros órgãos e entidades públicos por meio de associações e fundações privadas. Observa, ainda, que caso o ente público objetive executar ações em parceria com outros órgãos públicos, poderá formalizar Convênios, Termo de Execução Descentralizada e instrumentos congêneres.
Contudo, a DAT/SCC pondera que a dúvida da UFSJ parece referir-se à possibilidade ou não de uma Universidade Federal (autarquia federal vinculada ao Ministério da Educação) ser considerada agente cultural para fins de beneficiar-se de recursos em editais de fomento direto, especialmente recursos da Política Nacional Aldir Blanc de Fomento à Cultura - PNAB, sem necessidade de intermediação de terceiros (fundações de apoio ou associações de amigos), tendo em vista o conceito de "agente cultural" constante do art. 3º, inciso II, da Lei 14.903/2024.
Assim, a DAT/SCC solicita análise e manifestação jurídica sobre a questão apresentada pela UFSJ.
A presente análise se dá com fundamento no art. 131 da Constituição Federal e no art. 11 da Lei Complementar nº 73/93, subtraindo-se do âmbito da competência institucional deste Órgão Jurídico, delimitada em lei, análises que importem em considerações de ordem técnica, financeira ou orçamentária.
A consulta em tela diz respeito à possibilidade de uma Universidade Federal receber recursos da PNAB diretamente dos entes federativos (Estados, DF e Municípios), ou seja, sem a intermediação de uma fundação de apoio, bem como se a Universidade se enquadra como agente cultural nos termos do Novo Marco Regulatório da Cultura (Lei n. 14.903/2024).
Inicialmente, observo que a Lei nº 14.399, de 08 de julho de 2022, instituiu a Política Nacional Aldir Blanc de Fomento à Cultura - PNAB, baseada na parceria da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios com a sociedade civil no setor da cultura, bem como no respeito à diversidade, à democratização e à universalização do acesso à cultura no Brasil (art. 1º da Lei).
O art. 6º da Lei da PNAB estabelece que a União entregará aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios R$ 3.000.000.000,00 (três bilhões de reais), no primeiro exercício subsequente ao da entrada em vigor da Lei e nos 4 anos seguintes.
De acordo com o art. 12 e art. 14, § 1º, da Lei n. 14.399/2022, os recursos da PNAB devem ser transferidos na modalidade fundo a fundo, ou seja, do Fundo Nacional de Cultura para os fundos estaduais e municipais de cultura (quando existentes) e executados pelos entes recebedores em conformidade com as diretrizes estabelecidas pela Lei:
Art. 12. Os recursos destinados conforme o disposto no art. 6º desta Lei serão executados pelos Estados, pelos Municípios e pelo Distrito Federal por meio do Fundo Nacional da Cultura (FNC) mediante editais, chamadas públicas, prêmios, aquisição de bens e serviços vinculados ao setor cultural e outros instrumentos destinados à manutenção de agentes, de espaços, de iniciativas, de cursos, de produções, de desenvolvimento de atividades de economia criativa e de economia solidária, de produções audiovisuais e de manifestações culturais, bem como à realização de atividades artísticas e culturais que possam ser transmitidas por meios telemáticos e digitais.
(...)
Art. 14. A Política Nacional Aldir Blanc de Fomento à Cultura é de responsabilidade das autoridades competentes nas esferas federal, estadual, distrital e municipal.
§ 1º No caso de inexistência de fundos de cultura estaduais e municipais aptos a receber os recursos federais de que trata esta Lei, o repasse será direcionado para estrutura definida pela autoridade competente de cada ente federativo recebedor.
(...)
Os recursos da PNAB, mencionados no art. 6º, deverão ser aplicados pelos entes recebedores em ações e atividades culturais, conforme disposto no art. 7º da Lei:
Art. 7º Os recursos a que se refere o art. 6º desta Lei serão executados da seguinte forma:
I - 80% (oitenta por cento) em ações de apoio ao setor cultural por meio de:
a) editais, chamadas públicas, prêmios, aquisição de bens e serviços vinculados ao setor cultural e outros instrumentos destinados à manutenção de agentes, de espaços, de iniciativas, de cursos, de produções, de desenvolvimento de atividades de economia criativa e de economia solidária, de produções audiovisuais, de manifestações culturais, bem como à realização de atividades artísticas e culturais que possam ser transmitidas por meios telemáticos e digitais;
b) subsídio para manutenção de espaços artísticos e de ambientes culturais que desenvolvam atividades regulares de forma permanente em seus territórios e comunidades;
II - 20% (vinte por cento) em ações de incentivo direto a programas, a projetos e a ações de democratização do acesso à fruição e à produção artística e cultural em áreas periféricas, urbanas e rurais, bem como em áreas de povos e comunidades tradicionais.
Em resumo, os recursos da PNAB são repassados da União aos demais entes federativos (Estados, DF e Municípios), e estes deverão aplicar os recursos recebidos em ações culturais indicadas no art. 7º da Lei, que estabelece um leque relativamente amplo de ações e atividades culturais passíveis de financiamento.
O art. 4º da Lei n. 14.399/2022, por sua vez, indica os beneficiários finais da Política, ou seja, as pessoas e instituições que poderão receber os recursos mencionados na Lei, nos seguintes termos:
Art. 4º A Política Nacional Aldir Blanc de Fomento à Cultura tem como beneficiários os trabalhadores da cultura e as entidades e pessoas físicas e jurídicas que atuem na produção, na difusão, na promoção, na preservação e na aquisição de bens, produtos ou serviços artísticos e culturais, inclusive o patrimônio cultural material e imaterial.
Parágrafo único. A aplicação dos recursos recebidos pelos Estados, pelo Distrito Federal e pelos Municípios será regida unicamente pelos princípios, objetivos e finalidades desta Lei, e os recursos poderão ser utilizados de forma complementar para fomentar projetos culturais apoiados por leis de incentivo vigentes em qualquer âmbito da Federação.
O que se percebe, portanto, é que o público-alvo da PNAB é bastante amplo e diversificado, envolvendo desde trabalhadores da cultura (pessoas físicas) até entidades (pessoas jurídicas) que atuem na produção, na difusão, na promoção, na preservação e na aquisição de bens, produtos ou serviços artísticos e culturais, inclusive o patrimônio cultural material e imaterial. Observo que a Lei não fala em pessoas jurídicas de direito privado, mas trata das pessoas jurídicas em geral.
Vale notar, ainda, que o art. 4º, parágrafo único, da Lei n. 14.399/2022 (acima transcrito) determina que a aplicação dos recursos recebidos pelos Estados, pelo Distrito Federal e pelos Municípios será regida unicamente pelos princípios, objetivos e finalidades desta Lei. Assim, considerando unicamente os termos da Lei, não parece ser possível excluir da lista de beneficiários órgãos e entidades públicos que se dediquem a atividades culturais, já que alguns desses órgãos e entidades atuam "na produção, na difusão, na promoção, na preservação e na aquisição de bens, produtos ou serviços artísticos e culturais, inclusive o patrimônio cultural material e imaterial".
Aparentemente, esse é o caso da UFSJ, que realiza anualmente o "Inverno Cultural UFSJ", que, segundo o site do evento, "é um dos principais festivais de artes integradas do interior do Brasil. Com uma trajetória de 34 edições desde 1988, ocorre sempre nas férias letivas do meio do ano da Universidade e volta-se para a valorização de distintas expressões artísticas e culturais na cidade de São João del-Rei e região do Campo das Vertentes. As atividades são totalmente gratuitas e, tradicionalmente, ocorrem em espaços públicos (ruas e praças de diversos bairros), campi da UFSJ e equipamentos culturais, como teatro municipal, galerias, museus, centros culturais, dentre outros, formando um circuito e um convite para que os sujeitos vivenciem encontros na e pela cidade através da arte e cultura". [1]
Vale notar que a Lei n. 14.399/2022 foi regulamentada pelo Decreto nº 11.740, de 18 de outubro de 2023, mas este não fornece mais detalhes sobre o tema.
Assim, conclui-se que, com base na Lei n. 14.399/2022, exclusivamente, as entidades e órgãos públicos que exerçam atividades culturais podem ser beneficiários dos recursos da PNAB.
Outra questão indicada na consulta em tela diz respeito à adequação aos termos da recente Lei n. 14.903, de 27 de junho de 2024, que estabelece o Marco Regulatório do Fomento à Cultura, no âmbito da administração pública da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios.
A Lei n. 14.903/2024, mais ampla que a Lei da PNAB, estabelece conceitos e procedimentos aplicáveis ao fomento à cultura de modo geral.
Para enquadramento das ações de que trata, o art. 3º, inciso II, da Lei n. 14.903/2024 define como agente cultural:
Art. 3º Para fins desta Lei, consideram-se:
(...)
II - agente cultural: agente atuante na arte ou na cultura, na qualidade de pessoa física, microempresário individual, empresário individual, organização da sociedade civil, sociedade empresária, sociedade simples, sociedade unipessoal ou outro formato de constituição jurídica previsto na legislação;
Ou seja, também para os efeitos do Novo Marco de Fomento à Cultura, a definição de "agentes culturais" parece ampla o suficiente para abranger pessoas físicas ou jurídicas que atuem na arte ou na cultura.
Ocorre que, ao tratar do rol de pessoas jurídicas consideradas agentes culturais, o art. 3º, inciso II da Lei n. 14.903/2024 refere-se a "organização da sociedade civil, sociedade empresária, sociedade simples, sociedade unipessoal ou outro formato de constituição jurídica previsto na legislação".
Ou seja, antes de abrir o leque para "outros formatos de constituição jurídica", o dispositivo menciona apenas pessoas jurídicas de direito privado. Nesse sentido, uma interpretação mais restritiva da Lei parece indicar que apenas pessoas jurídicas de direito privado (não importa o formato de constituição jurídica) podem ser consideradas agentes culturais.
No entanto, no âmbito do Sistema MinC, o histórico de fomento a ações e atividades culturais realizados por outros órgãos e entidades públicos, pode indicar que essa interpretação não é a mais consentânea com a realidade do fomento à cultura que o Novo Marco veio regular.
Vide, por exemplo, o prêmio Rodrigo Melo Franco de Andrade, realizado anualmente pelo Iphan, que sempre inclui a categoria "Entidades da administração pública direta e indireta municipal, estadual ou federal" [2], e o Prêmio de Artes Plásticas Marcantonio Vilaça, da Funarte, cujo objetivo é "incentivar produções artísticas destinadas ao acervo das instituições museológicas públicas e privadas sem fins lucrativos, fomentando a difusão e a criação das artes visuais e fortalecendo a memória cultural brasileira" [3].
Observo que a Lei n. 14.903/2024 encontra-se em fase de regulamentação, passando por discussões internas no Sistema MinC quanto ao teor do decreto que alterará ou substituirá o Decreto n. 11.453, de 23 de março de 2023, que atualmente dispõe sobre os mecanismos de fomento do sistema de financiamento à cultura.
Vale notar que o Decreto n. 11.453/2023 continua em vigor, naquilo que não conflitar com a Lei n. 14.903/2024, e seu art. 4º indica o rol de agentes culturais que podem ser beneficiários do fomento cultural:
Art. 4º Poderão ser agentes culturais destinatários do fomento cultural os artistas, os produtores culturais, os gestores culturais, os mestres da cultura popular, os curadores, os técnicos, os assistentes e outros profissionais dedicados à realização de ações culturais.
Parágrafo único. Os agentes culturais poderão ser pessoas físicas ou pessoas jurídicas com atuação no segmento cultural.
Como se vê, para o Decreto n. 11.453/2023 podem ser agentes culturais tanto pessoas físicas quanto pessoas jurídicas com atuação no segmento cultural, sem distinção entre pessoas jurídicas de direito público ou privado.
Com efeito, a edição 2024 do prêmio Rodrigo Melo Franco de Andrade (publicada antes da entrada em vigor da Lei n. 14.903/2024) incluiu (como sempre) a categoria "Entidades da administração pública direta e indireta municipal, estadual ou federal", com fundamento jurídico no Decreto n. 11.453/2023, como se verifica no Parecer da Procuradoria Federal junto ao Iphan (anexo).
Nesse sentido, como se trata de questão que pode afetar as atividades das autarquias vinculadas ao Ministério da Cultura, que há anos vêm publicando editais destinados a entidades e órgãos públicos, convém aguardar a regulamentação da Lei n. 14.903/2024 (e a revisão do Decreto n. 11.453/2023), a fim de se definir como será interpretado o conceito de agente cultural no âmbito do Novo Marco de Fomento à Cultura.
Por fim, observo que, muito embora a questão da possibilidade de a Universidade beneficiar-se de recursos do incentivo fiscal (Lei Rouanet) não tenha sido formulada pela SCC/MINC, a UFSJ a menciona em sua consulta (SEI 1893672). Sobre o assunto, registro que esta Consultoria Jurídica já se manifestou especificamente quanto à possibilidade de órgãos e entidades públicos de caráter cultural se beneficiarem de recursos do mecanismo de incentivo fiscal, nos termos da Lei n. 8.313/1991. Vide, por exemplo, o Parecer nº 959/2014/CONJUR-MINC/CGU/AGU (anexo).
No entanto, como o Decreto que regulamentava a Lei Rouanet (mencionado no Parecer) foi revogado, e com o advento da Lei n. 14.903/2024 e do Decreto n. 11.453/2023, e tendo em vista, ainda, que a Lei n. 14.903/2024 está em processo de regulamentação, recomenda-se ao órgão técnico avaliar a necessidade de consulta jurídica específica quanto à revisão do posicionamento jurídico expresso no referido Parecer jurídico.
CONCLUSÃO
Diante do exposto, e ressalvados os aspectos de conveniência e de oportunidade não sujeitos ao crivo desta Consultoria Jurídica, em resposta à consulta em tela, conclui-se que:
a) com base exclusivamente na Lei n. 14.399/2022, as entidades e órgãos públicos que exerçam atividades culturais podem ser beneficiários dos recursos da PNAB;
b) com base no Decreto n. 11.453/2023, é possível que entidades e órgãos públicos que exerçam atividades culturais sejam beneficiários dos recursos da PNAB;
c) considerando que a Lei n. 14.903/2024 está em fase de regulamentação, entendemos prudente não antecipar entendimento jurídico acerca da extensão do conceito de agente cultural no âmbito do Novo Marco de Fomento à Cultura.
Isso posto, submeto o presente processo à consideração superior, sugerindo que, após aprovação, os autos sejam encaminhados à DIRETORIA DE ASSISTÊNCIA TÉCNICA A ESTADOS, DISTRITO FEDERAL E MUNICÍPIOS, para as providências cabíveis.
DANIELA GUIMARÃES GOULART
Advogada da União
NOTAS
[1] https://invernocultural.ufsj.edu.br/apresentacao
[2] https://www.gov.br/iphan/pt-br/acesso-a-informacao/acoes-e-programas/premios/premio-rodrigo-melo-franco-de-andrade
[3] https://www.gov.br/funarte/pt-br/editais-1/2021/premio-de-artes-plasticas-marcantonio-vilaca-2013-10a-edicao/edital_premio-de-artes-plasticas-marcantonio-vilaca-10o-edicao_funarte.pdf
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