ADVOCACIA-GERAL DA UNIÃO
CONSULTORIA-GERAL DA UNIÃO
CONSULTORIA JURÍDICA JUNTO AO MINISTÉRIO DA CULTURA
COORDENAÇÃO-GERAL DE PARCERIAS E COOPERAÇÃO FEDERATIVA
PARECER n. 00300/2024/CONJUR-MINC/CGU/AGU
NUP: 01400.035506/2023-94
INTERESSADOS: SECRETARIA DOS COMITÊS DE CULTURA - SCC/MINC
ASSUNTOS: CONVÊNIO
EMENTA: Direito Administrativo. Convênio. Ausência de publicação no Diário Oficial da União. Condição de eficácia. Defeito passível de convalidação. Emenda parlamentar e empenho. Princípio da anualidade. Lei n. 9.784/1999. Lei n. 4.320/1964. Lei de Diretrizes Orçamentárias. Decreto n. 11.531/2023. Portaria Conjunta n. 33/2023.
Tratam os autos do Convênio nº 953092/2023 (SEI 1568046), celebrado em 29/12/2023 entre o Ministério da Cultura, representado pela Secretaria dos Comitês de Cultura - SCC/MINC, e a Fundação de Cultura e Arte Aperipê de Sergipe - FUNCAP/SE, autarquia estadual, em função de indicação por Emenda Parlamentar de autoria do Deputado Fábio Mitidieri (SEI 1543171). A vigência do Convênio foi estabelecida até 1º de abril de 2025, de acordo com a cláusula quarta do instrumento.
O Convênio foi celebrado com fundamento no Parecer Referencial n. 00005/2023/CONJUR-MINC/CGU/AGU (SEI 1425447), cujo atendimento foi atestado pelo Parecer Técnico n. 5/2023/CEESE/DAG/SCC/GM (SEI 1567258), que manifestou-se pela aprovação do Convênio sem ressalvas.
Desta feita, a SCC/MINC, por meio do Ofício nº 790/2024/SCC/GM/MinC (SEI 1794811) questiona a validade do instrumento, uma vez que não houve publicação no Diário Oficial da União, bem como se ainda é possível dar prosseguimento aos trâmites, haja vista que se trata de emenda do exercício do ano de 2023.
Este é o relato do necessário.
ANÁLISE JURÍDICA
A presente análise se dá com fundamento no art. 131 da Constituição Federal, no art. 11 da Lei Complementar nº 73/93, e no art. 11 do Decreto n. 11.336/2023, subtraindo-se do âmbito da competência institucional deste Órgão Jurídico, delimitada em lei, análises que importem em considerações de ordem técnica, financeira ou orçamentária.
Conforme mencionado, a consulta em tela aborda duas questões: (i) a validade do Convênio nº 953092/2023 (SEI 1568046), uma vez que não houve publicação do extrato correspondente no Diário Oficial da União; e (ii) a possibilidade de dar prosseguimento aos trâmites, haja vista que se trata de emenda do exercício do ano de 2023.
Trata-se de Convênio celebrado com fundamento no art. 184-A da Lei n. 14.133/2021, e regido pelo Decreto nº 11.531, de 16 de maio de 2023 e pela Portaria Conjunta MGI/MF/CGU nº 33, de 30 de agosto de 2023
A primeira questão refere-se à validade do Convênio, uma vez que não houve publicação do extrato no Diário Oficial da União.
A este respeito, observo o que dispõe a Portaria Conjunta MGI/MF/CGU nº 33/2023, que rege o instrumento em tela:
Art. 40. A eficácia dos instrumentos fica condicionada à publicação do respectivo extrato no Diário Oficial da União, que será providenciada pelo concedente ou pela mandatária, no prazo de até 10 (dez) dias úteis a contar de sua assinatura.
Esta regra reflete-se na cláusula décima sétima do Convênio (que trata da publicidade), nos seguintes termos:
CLÁUSULA DÉCIMA SÉTIMA – DA PUBLICIDADE
A eficácia do presente Convênio fica condicionada à publicação do respectivo extrato no Diário Oficial da União, a qual deverá ser providenciada pelo CONCEDENTE no prazo de até 10 (dez) dias a contar da respectiva assinatura.
Em sentido semelhante à Portaria Conjunta n. 33/2023, a Lei de Licitações e Contratos Administrativos (Lei nº 14.133, de 1º abril de 2021) dispõe:
Art. 94. A divulgação no Portal Nacional de Contratações Públicas (PNCP) é condição indispensável para a eficácia do contrato e de seus aditamentos e deverá ocorrer nos seguintes prazos, contados da data de sua assinatura:
(...)
Verifica-se, portanto, que a publicação no Diário Oficial da União é condição de eficácia dos Convênios regidos pela Portaria Conjunta MGI/MF/CGU nº 33/2023 e deverá ser providenciada no prazo de até 10 dias a contar da assinatura. Resta saber se é válido um instrumento cujo extrato não tenha sido publicado no DOU no prazo estabelecido.
Vale notar que o dever de dar publicidade aos atos administrativos é inerente à Administração Pública. Por certo, a Constituição Federal de 1988 estipula que o princípio da publicidade é um dos princípios básicos que regem a atuação da Administração Pública. Nesse sentido é o comando inserto no art. 37 da Carta Magna, segundo o qual "A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência (...)".
Conforme leciona Lucas Rocha Furtado, em seu Curso de Direito Administrativo:
O princípio da publicidade pode ser traduzido como o dever da Administração de dar transparência aos seus atos. A divulgação dos atos e dos procedimentos administrativos realiza, ademais, a moralidade administrativa.
(...)
Ainda em relação com a publicidade, deve ser mencionado que ela não se confunde com a publicação de seus atos. Esta, a publicação, que salvo disposição legal em sentido contrário deve ser entendida como publicação em órgão oficial (diário oficial), é uma das formas possíveis de dar publicidade aos atos administrativos. São várias as outras formas de publicidade existentes: notificação direta, afixação de avisos, internet etc.
(FURTADO, Lucas Rocha, Curso de Direito Administrativo, 4.ed, 2013, pgs. 91/92):
Sobre a importância da publicidade como condição indispensável para eficácia do ato administrativo, ensina Hely Lopes Meirelles:
A publicidade não é elemento formativo do ato; é requisito de eficácia e moralidade. Por isso mesmo, os atos irregulares não se convalidam com a publicação, nem os regulares a dispensam para sua exequibilidade, quando a lei ou o regulamento a exige.
(MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo brasileiro. 33 ed. São Paulo: Maheiros, 2008, p. 94)
Como visto, tanto na legislação que rege os convênios como na que disciplina os contratos administrativos, a publicação do instrumento relaciona-se ao campo de eficácia dos atos administrativos, que não compromete a sua existência ou validade.
A respeito, trago à baila, mais uma vez, a lição do professor Lucas Rocha Furtado quanto aos três planos de existência de um ato administrativo - a perfeição, a validade e a eficácia:
Etapa importante do estudo do ato administrativo corresponde ao exame de três aspectos do ato administrativo: a perfeição, a validade e a eficácia.
A perfeição, distintamente do que pode indicar, no Direito Administrativo é apresentada como sinônimo de existência. Ato perfeito não é aquele que se conforme com o ordenamento jurídico, mas aquele que existe, aquele que se formou ou que passou por todas as etapas necessárias à sua existência.
(...)
A eficácia do ato está ligada à sua aptidão para produzir ou gerar efeitos.
(...)
O último dos três importantes aspectos que ora examinamos é a validade, ou legitimidade. Este aspecto se relaciona à necessidade de adequação do ato ao ordenamento jurídico, entendido como o conjunto formado por todas as normas que compõem o sistema jurídico vigente em determinado Estado, decorram essas normas de regras ou de princípios.
(FURTADO, Lucas Rocha. Curso de Direito Administrativo. 4a ed. Belo Horizonte: Editora Forum, 2013, p. 201/202)
Nesses termos, a não publicação do ato no prazo regulamentar faz com que seus efeitos (entre as partes ou perante terceiros) sejam suspensos ou postergados, até o implemento de tal medida, sem que sua perfeição ou validade sejam prejudicadas.
Assim, como o instrumento jurídico assinado pelas partes, mesmo sem publicação, é considerado existente e válido sob a ótica do direito administrativo, a ausência de publicidade pode ser sanada, excepcionalmente, mesmo que de forma extemporânea, ato este que é denominado juridicamente de convalidação.
Sobre a convalidação de atos administrativos, Celso Antônio Bandeira de Mello discorre:
Finalmente, vale considerar que um dos interesses fundamentais do Direito é a estabilidade das relações constituídas. É a pacificação dos vínculos estabelecidos, a fim de se preservar a ordem. Este objetivo importa muito mais no Direito Administrativo do que no Direito Privado. É que os atos administrativos têm repercussão mais ampla, alcançando inúmeros sujeitos, uns direta e outros indiretamente, como observou Seabra Fagundes. Interferem com a ordem e estabilidade das relações sociais em escala muito maior. Daí que a possibilidade de convalidação de certas situações - noção antagônica à de nulidade em seu sentido corrente - tem especial relevo no Direito Administrativo. Não brigam com o princípio da legalidade, antes atendem-lhe ao espírito, as soluções que se inspirem na tranquilização das relações que não comprometem insuprivelmente o interesse público, conquanto tenham sido produzidas de maneira inválida. É que a convalidação é uma forma de recomposição da legalidade ferida.
(MELLO. Celso Antônio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo" , 9" ed., Malheiros, p. 297/298)
Com efeito, a Lei nº 9.784, de 29 de janeiro de 1999, que regula o processo administrativo no âmbito da Administração Pública Federal, permite, de forma motivada, a convalidação de atos que apresentem defeitos sanáveis e que não acarretarem lesão ao interesse público nem prejuízo a terceiros, vejamos:
Art. 50. Os atos administrativos deverão ser motivados, com indicação dos fatos e dos fundamentos jurídicos, quando:
(...)
VIII - importem anulação, revogação, suspensão ou convalidação de ato administrativo
Art. 55. Em decisão na qual se evidencie não acarretarem lesão ao interesse público nem prejuízo a terceiros, os atos que apresentarem defeitos sanáveis poderão ser convalidados pela própria Administração.
Assim, sendo a publicação do ato indispensável para sua eficácia, releva-se imprescindível a sua convalidação de modo que a omissão seja suprida com a devida publicação, ainda que de forma extemporânea, sob pena de o ajuste ser ineficaz, prejudicando, por conseguinte, o interesse público.
Por fim, cabe mencionar que o Tribunal de Contas da União, no Acórdão n.º 610/2016, esposou entendimento favorável à convalidação nos casos de ausência de publicação, como se nota, a seguir:
3. De todo modo, a despeito de não se conhecer da aludida consulta, deve-se registrar que a matéria já foi objeto de debate no TCU em algumas oportunidades (v.g.: Acórdão 643/2008, do Plenário, e Acórdão 3.778/2014, da 1ª Câmara), prevalecendo o entendimento de que a publicação de termos aditivos fora do prazo legal consiste em defeito passível de convalidação, até mesmo porque o art. 61, parágrafo único, da Lei nº 8.666, de 21 de junho de 1993, define a citada publicação como condição de eficácia, e não de validade, dos contratos e dos respectivos aditamentos.
Esse entendimento foi recentemente confirmado pela Advocacia-Geral da União que, no processo de revisão das Orientações Normativas, atualizou a Orientação Normativa AGU nº 43, de 26 de fevereiro de 2014, com alterações pontuais, nos seguintes termos:
ORIENTAÇÃO NORMATIVA Nº 43, DE 26 DE FEVEREIRO DE 2014
O ADVOGADO-GERAL DA UNIÃO, no uso das atribuições que lhe conferem os incisos I, X, XI e XIII, do art. 4º da Lei Complementar nº 73, de 10 de fevereiro de 1993 e considerando o que consta do Processo nº 00688.000718/2019-32, resolve alterar, nesta data, a ORIENTAÇÃO NORMATIVA Nº 43, DE 26 DE FEVEREIRO DE 2014, de caráter obrigatório a todos os órgãos jurídicos enumerados nos arts. 2º e 17 da Lei Complementar nº 73, de 1993, que passa a vigorar com a seguinte redação:
Enunciado: A tempestiva publicação do extrato de convênio e de instrumentos congêneres é condição de eficácia do ajuste e a sua ausência admite convalidação, mediante publicação extemporânea, sem prejuízo de eventual apuração de responsabilidade administrativa.
Referência Legislativa: Art. 94 c/c art. 184 da Lei nº 14.133, de 1º abril de 2021. Art. 38 da Lei nº 13.019, de 31 de julho de 2014. Art. 10, §2º, VI da Lei nº 9.790, de 23 de março de 1999. Art. 14, do Decreto nº 10.426, de 16 de julho de 2020. Art. 32 da Portaria Interministerial nº 424 de 30 de dezembro de 2016.
Fonte: PARECER n. 00006/2023/CNCIC/CGU/AGU. Parecer nº 4/2013/CÂMARAPERMANENTECONVÊNIOS/DEPCONSU/PGF/AGU.”
Diante do exposto, conclui-se que a convalidação de um Convênio que não tenha sido publicado no prazo regulamentar, não só é possível como também desejável, já que colabora para a eficácia do ajuste firmado e para a segurança das relações jurídicas com o Estado. Por meio da convalidação, o gestor corrige defeito sanável, para que o instrumento possa surtir efeitos jurídicos normalmente, o que confirma a boa fé do administrador público, não afastando, porém, a possibilidade de eventual apuração de responsabilidade administrativa.
A segunda questão diz respeito à possibilidade de dar prosseguimento aos trâmites, haja vista que se trata de emenda do exercício do ano de 2023.
Sobre as emendas parlamentares, trago à baila o exposto no PARECER REFERENCIAL n. 00005/2023/CONJUR-MINC/CGU/AGU (NUP 01400.003963/2023-10), que orientou a celebração do Convênio em tela:
58. Quanto aos recursos decorrentes de emendas parlamentares, observo que, de acordo com os §§ 9º a 18 no art. 166 da Constituição Federal, a emenda parlamentar é o instrumento atribuído ao Congresso Nacional para que esse participe da elaboração do Orçamento Anual da União, o qual cuida dos recursos que o Governo Federal dispõe para aplicar nos diversos serviços públicos, seja na saúde, segurança pública, esporte, etc. Destaque-se que tais dispositivos conferem caráter obrigatório à execução das emendas parlamentares individuais.
59. A aplicação destes recursos depende da Lei Orçamentária Anual (LOA). Na tramitação legislativa, o governo encaminha ao Poder Legislativo o seu planejamento, para que, então, os deputados e senadores possam realizar apontamentos nessa lei, a fim de indicarem como e onde julgam importante aplicar os recursos. Em síntese, os parlamentares utilizam do poder discricionário (conveniência e oportunidade) observando os limites da lei para atender o interesse social e coletivo.
60. Dessa forma, diversas emendas parlamentares destinam recursos orçamentários aos programas/ações do Ministério da Cultura. Nessas hipóteses, compete ao órgão do Poder Executivo apenas proceder à análise do projeto técnico e respectiva adequação às ações ofertadas pela Secretaria, motivo pelo qual, além de o convênio ser celebrado com ente público, justifica-se a ausência de prévia seleção pública para formalização do instrumento.
61. Cumpre salientar, por fim, que o enquadramento de cada emenda recebida, o discernimento do grau de detalhamento suficiente à tramitação da proposta, a compatibilidade da especificação da destinação da emenda com o projeto apresentado, bem como a eventual existência de impedimentos técnicos à sua execução são questões que devem ser enfrentadas caso a caso pelo gestor, observando-se, sempre, o princípio da motivação dos atos administrativos. (...)
Observo que as emendas parlamentares estão sempre relacionadas à Lei Orçamentária vigente no ano em que apresentadas. Ou seja, elas são um acréscimo (uma emenda propriamente dita) ao orçamento previamente aprovado pelo Congresso para uso pelo Poder Executivo.
No caso do Convênio em tela, o recurso correspondente foi destinado ao Ministério da Cultura por uma Emenda Parlamentar apresentada no exercício financeiro de 2023. Após análise técnica regular, o órgão responsável (SCC/MINC) concluiu pela inexistência de impedimentos de ordem técnica que inviabilizassem a execução da emenda nos termos do art. 166, § 13 da Constituição Federal.
Assim, o recurso recebido via emenda foi assegurado pela Nota de Empenho 2023NE0000003 UG 340028 (SEI 1568685), emitida em 29/12/2023 (mesma data de celebração do Convênio), com a autorização da Ordenadora de Despesas e do Gestor Financeiro do Convênio.
De acordo com o art. 58 da Lei n.º 4.320/64 o empenho é “o ato emanado de autoridade competente que cria para o Estado obrigação de pagamento pendente ou não de implemento de condição”.
A Lei nº 14.436, de 9 de agosto de 2022 - LDO 2023, aplicável ao caso em tela, estabelece (assim como a LDO atual e as anteriores) que a nota de empenho deve ser emitida até a data da assinatura do Convênio, como se verifica em seu art. 99:
Art. 99. As transferências financeiras para órgãos públicos e entidades públicas e privadas serão feitas preferencialmente por intermédio de instituições e agências financeiras oficiais que, na impossibilidade de atuação do órgão concedente, poderão atuar como mandatárias da União para execução e supervisão, e a nota de empenho deve ser emitida até a data da assinatura do acordo, convênio, ajuste ou instrumento congênere.
No mesmo sentido, o Decreto n. 11.531/2023 estabelece que o empenho deve ser realizado no ato de celebração do convênio:
Art. 8º No ato de celebração do convênio ou do contrato de repasse, o concedente deverá empenhar o valor total previsto no cronograma de desembolso do exercício da celebração e registrar os valores programados para cada exercício subsequente, no caso de convênio ou de contrato de repasse com vigência plurianual, no Sistema Integrado de Administração Financeira do Governo Federal - Siafi, em conta contábil específica.
§ 1º O empenho de que trata o caput deverá ser realizado em cada exercício financeiro em conformidade com as parcelas do cronograma de desembolso.
§ 2º O registro a que se refere o caput acarretará a obrigatoriedade de se consignar crédito nos orçamentos seguintes para garantir a execução do convênio ou do contrato de repasse.
Portanto, a LDO e o Decreto n. 11.531/2023 sinalizam que o Convênio deve ser formalizado no mesmo exercício no qual ocorreu o empenho.
Essa regra deriva do princípio de direito financeiro da anualidade, constante dos art. 34 e 35 da Lei n. 4.320/1964 (que estatui Normas Gerais de Direito Financeiro para elaboração e controle dos orçamentos e balanços da União, dos Estados, dos Municípios e do Distrito Federal), que rezam:
Art. 34. O exercício financeiro coincidirá com o ano civil.
Art. 35. Pertencem ao exercício financeiro:
I - as receitas nêle arrecadadas;
II - as despesas nêle legalmente empenhadas.
Com base nesse princípio, o art. 31 da Portaria Conjunta nº 33/2023 determina que o concedente deverá cancelar os empenhos das propostas cujos instrumentos não foram celebrados até o final do exercício financeiro:
Art. 31. O concedente deverá cancelar os empenhos das propostas que não tiveram os instrumentos celebrados até o final do exercício financeiro, independentemente do indicador de resultado primário a que se refere a nota de empenho.
Parágrafo único. Após o cancelamento dos documentos orçamentários indicados no caput, as propostas deverão ser rejeitadas no Transferegov.br, devendo constar justificativa expressa acerca dos motivos da rejeição.
A respeito do tema, trago à baila o PARECER n.º 19/2016/DECOR/CGU/AGU (anexo) que, a partir de consulta realizada pelo Ministério da Cultura, consolidou, no âmbito dos órgãos consultivos da Advocacia-Geral da União, entendimento no sentido de que não é possível a celebração de convênio em exercício distinto ao do respectivo empenho. Em outras palavras: para que o empenho possa ser inscrito em restos a pagar, o convênio tem que ser celebrado no mesmo ano da emissão do empenho. Do referido Parecer, vale transcrever o trecho que desenvolve a tese a respeito da impossibilidade de celebrar convênio com empenhos de outro exercício:
12. Parte-se aqui da conceituação precisa da fase de execução das despesas públicas denominada empenho.
13. O art. 58 da Lei n.º 4.320/64 fornece a definição legal de empenho: “O empenho de despesa é o ato emanado de autoridade competente que cria para o Estado obrigação de pagamento pendente ou não de implemento de condição”.
14. Todavia, a doutrina acertadamente contesta a ideia de que o empenho cria a obrigação de pagamento.
15. Regis Fernandes de Oliveira, apoiado nas lições de José Afonso da Silva e de Celso Bastos, desfaz a imprecisão técnica presente no art. 58 da Lei n.º 4.320/64:
19.5 Realização da despesa
Consuma-se a despesa em três fases: o empenho, a liquidação e o pagamento.
(...)
O empenho ‘é o ato emanado de autoridade competente que cria para o Estado obrigação de pagamento pendente ou não de implemento de condição’ (art. 58 da Lei 4.320/64). Na precisa lição de José Afonso da Silva, ‘consiste na reserva de recursos na dotação inicial ou no saldo existente para garantir a fornecedores, executores de obras ou prestadores de serviços pelo fornecimento de materiais, execução de obras ou prestação de serviços’. Materializa-se pela emissão de um documento que identifica a quem se deve pagar e quanto se paga. Anota Celso Bastos que ‘o empenho não cria a obrigação jurídica de pagar, como acontece em outros sistemas jurídico-financeiros. Ele consiste numa medida destinada a destacar, nos fundos orçamentários destinados à satisfação daquela despesa, a quantia necessária ao resgate do débito’.1
16. Kiyoshi Harada também ressalta que o empenho não faz nascer a obrigação para o Estado:
A primeira providência para efetuar uma despesa é seu prévio empenho, que significa o ato emanado de autoridade competente que cria para o Estado obrigação de pagamento pendente de implemento de condição (art. 58). O empenho visa garantir os diferentes credores do Estado, na medida em que representa reserva de recursos na respectiva dotação inicial ou no saldo existente. É importante lembrar que o empenho, por si só, não cria obrigação de pagar, podendo ser cancelado ou anulado unilateralmente. O empenho limita-se a diminuir do determinado item orçamentário a quantia necessária ao pagamento do débito, o que permitirá à unidade orçamentária (agrupamento de serviços com dotações próprias) o acompanhamento constante da execução orçamentária, não só evitando as anulações por falta de verba, como também possibilitando o reforço oportuno de determinada dotação, antes do vencimento da dívida.2
17. Com efeito, o que cria a obrigação para o Estado é o convênio, não o empenho. O título jurídico responsável pelo nascimento da obrigação de pagar é o convênio.
18. O que se diz não é inédito. O Tribunal de Contas da União assim se manifesta há tempos:
Acordão n.º 1653/2003 – Plenário
(...)
Parecer da Unidade Técnica
(...)
6. Embora a Lei nº 4.320/64 não estabeleça as exigências que devem anteceder a emissão de uma Nota de Empenho, é notório que tal ato é de praxe, inclusive à luz da doutrina, respaldado em atos formais tais como, contratos, convênios ou ajustes, excepcionando-se as transferências financeiras decorrentes de dispositivos constitucionais ou legais.
7. A referida Lei também não contempla em Restos a Pagar qualquer despesa, senão aquelas legalmente empenhadas no exercício financeiro, entendendo-se, como tal, não a simples ‘confecção’, no Siafi, da Nota de Empenho, mas também - e principalmente - a existência formal de um termo de compromisso que cria obrigação de pagamento para o Estado.
(...)
6. Como mencionado pela unidade técnica, não é a simples emissão do empenho que cria a obrigação de pagamento para o Estado. O compromisso nasce com a formalização do contrato, com a celebração do convênio, com a homologação da licitação ou outro fato que crie a relação obrigacional do Estado com terceiro. A emissão do empenho simplesmente formaliza a existência da obrigação, vinculando o recurso orçamentário ao pagamento de determinada despesa. Ademais, o decreto ressalva as situações em que a obrigação de pagamento para o Estado já tenha sido criada.
(...)
19. Só faz sentido falar em credor e devedor da obrigação a partir da celebração do convênio.
20. Ainda sobre empenho, vale observar os ensinamentos de Tathiane Piscitelli sobre as três modalidades de empenho (ordinário, global ou por estimativa) e perceber que em todos os casos a dúvida recai sobre o montante do gasto, e não sobre o credor deste:
A análise dos artigos 58 e 60 denota a existência de três modalidades de empenho: o empenho ordinário, o empenho global e o empenho por estimativa. Como a denominação sugere, o empenho ordinário é o mais usual e tem lugar sempre que a Administração já tem conhecimento prévio do montante da despesa, que deverá ser paga de uma só vez. Contudo, essa situação nem sempre se faz presente. Pode haver ou casos em que não é possível determinar o valor exato da despesa (como se verifica nos gastos constantes, como os de água, luz etc.), ou situações em que a despesa será paga parceladamente.
Na primeira hipótese, haveria empenho por estimativa, nos termos do disposto no artigo 60, § 2.º, da Lei 4.320/1964 – por ocasião da realização do gasto e fixação do valor, haverá o abatimento da quantia empenhada por estimativa. No segundo caso, teria lugar o empenho global, segundo estabelece o artigo 60, § 3.º: o valor da despesa está determinado, mas será pago de forma parcelada. A despeito disso, o empenho ocorre tendo-se em conta o valor total da despesa. Por fim, deve-se destacar que, em quaisquer dos casos, haverá emissão da nota de empenho respectiva, salvo situações expressamente previstas em lei quanto à dispensa da emissão de tal nota, mas não do empenho em si (artigo 60, § 1.º).3
21. Também é válido destacar que a materialização do empenho ocorre com a emissão da nota de empenho. E a Lei n.º 4.320/64 assim dispõe sobre os requisitos essenciais da nota de empenho: “Art. 61. Para cada empenho será extraído um documento denominado ‘nota de empenho’ que indicará o nome do credor, a representação e a importância da despesa bem como a dedução desta do saldo da dotação própria.”
22. Ora, mais uma vez, observa-se que o nome do credor deverá ser conhecido nessa fase, e não posteriormente. A liquidação, fase seguinte ao empenho da despesa pública, representa a verificação da correção do empenho realizado. Não se presta a identificar o credor, que já deve estar determinado quando do empenho. Eis as considerações formuladas por Kiyoshi Harada sobre o tema:
Materializa-se [o empenho] pela emissão da ‘nota de empenho’, na qual constará o nome do credor, a representação e a importância da despesa, bem como a dedução desta do saldo da dotação própria (art. 61). Atualmente, a maioria das unidades orçamentárias se utiliza dos modernos recursos da informática, que substituem com vantagens, em termos de precisão e velocidade, os empenhos manuais.
A segunda etapa na realização de uma despesa é sua liquidação, que consiste na verificação do direito adquirido pelo credor tendo por base os títulos e documentos comprobatórios do respectivo crédito (art. 63). Da mesma forma que o empenho, a liquidação nada cria, limitando-se a tornar líquida e certa a obrigação preexistente.
A terceira etapa é a ordem de pagamento, que outra coisa não é senão o despacho da autoridade competente determinando o pagamento da despesa (art. 64).
Finalmente, temos a etapa do pagamento que, uma vez efetivado em decorrência de regular liquidação da despesa e por ordem da autoridade competente (art. 62), extingue a obrigação de pagar.4
23. Neste momento, também é válido transcrever o art. 63 da Lei n.º 4.320/64, que cuida da liquidação da despesa, ou seja, verificação do título pertencente ao credor:
Art. 63. A liquidação da despesa consiste na verificação do direito adquirido pelo credor tendo por base os títulos e documentos comprobatórios do respectivo crédito.
§ 1° Essa verificação tem por fim apurar:
I - a origem e o objeto do que se deve pagar;
II - a importância exata a pagar;
III - a quem se deve pagar a importância, para extinguir a obrigação.
§ 2º A liquidação da despesa por fornecimentos feitos ou serviços prestados terá por base:
I - o contrato, ajuste ou acôrdo respectivo;
II - a nota de empenho;
III - os comprovantes da entrega de material ou da prestação efetiva do serviço.
24. Outrossim, considera-se que o art. 63 da Lei n.º 12.708/2012 e o art. 9.º do Decreto n.º 6.170/2007 sinalizam no sentido da obrigação de que o convênio seja formalizado no mesmo exercício no qual ocorreu o empenho. Eis o teor dos preceitos citados:
Lei n.º 12.708/2012
Art. 63. As transferências financeiras para órgãos públicos e entidades públicas e privadas serão feitas preferencialmente por intermédio de instituições e agências financeiras oficiais, que, na impossibilidade de atuação do órgão concedente, poderão atuar como mandatárias da União para execução e supervisão, devendo a nota de empenho ser emitida até a data da assinatura do respectivo acordo, convênio, ajuste ou instrumento congênere.
Decreto n.º 6.170/2007
Art. 9º No ato de celebração do convênio ou contrato de repasse, o concedente deverá empenhar o valor total a ser transferido no exercício e efetuar, no caso de convênio ou contrato de repasse com vigência plurianual, o registro no SIAFI, em conta contábil específica, dos valores programados para cada exercício subseqüente.
Parágrafo único. O registro a que se refere o caput acarretará a obrigatoriedade de ser consignado crédito nos orçamentos seguintes para garantir a execução do convênio.
25. Estabelecida a necessidade de identificação do credor já no momento do empenho, deve-se agora tecer considerações sobre a alegação de que a medida reclamada pelo Ministério da Cultura seria possível em razão da existência do instituto dos restos a pagar.
26. Ora, os restos a pagar estão positivados e devem ser vistos como exceção. No entanto, para que haja regular inscrição em restos a pagar, tem de haver obediência aos requisitos legais.E isso não ocorre no presente caso.
27. Os restos a pagar estão assim previstos no art. 36 da Lei n.º 4.320/64: “Consideram-se restos a pagar as despesas empenhadas mas não pagas até o dia 31 de dezembro distinguindo-se as processadas das não processadas”.
28. Não se desconhece que pode haver convênio formalizado em determinado exercício não pago e que deverá ser liquidado na forma de restos a pagar em exercício posterior. Por exemplo, caso o convênio e o empenho tenham sido regularmente formalizados em determinado exercício, mas o pagamento (última fase da realização da despesa pública) não aconteceu por alguma razão. Essa, sim, é a situação que poderá gerar uma inscrição válida em restos a pagar.
29. Mas o que se busca é outra coisa: permitir a inscrição como restos a pagar de despesa relativa a convênio que sequer foi formalizado. E isso não é possível.
30. Com efeito, o art. 92, parágrafo único, da Lei n.º 4.320/64 é decisivo para se chegar a tal conclusão:
Art. 92. A dívida flutuante compreende:
I - os restos a pagar, excluídos os serviços da dívida;
II - os serviços da dívida a pagar;
III - os depósitos;
IV - os débitos de tesouraria.
Parágrafo único. O registro dos restos a pagar far-se-á por exercício e por credor distinguindo-se as despesas processadas das não processadas.
31. O citado preceito é expresso: o registro em restos a pagar é feito por exercício e por credor. Ora, não é qualquer pessoa, qualquer proponente que deve ser indicado como credor. No caso, só faz sentido a inscrição em restos a pagar após a celebração do convênio, eis que a partir desse momento surge o legítimo credor.
32. A existência da figura jurídica do credor é indispensável. Só pode haver a inscrição em restos a pagar quando se sabe quem é o credor. Logo, a assinatura prévia do convênio é condição inafastável para a regularidade da inscrição em restos a pagar.
33. Se o empenho deve identificar a quem se paga, não pode ocorrer na inexistência de convênio.
Apesar de fundamentar-se na legislação vigente à época, a substância do regramento mencionado não mudou desde então, sendo plenamente aplicável ao caso em tela.
Vale reforçar que, caso o convênio e o empenho tenham sido regularmente formalizados em determinado exercício, mas o pagamento (última fase da realização da despesa pública) não tenha acontecido por alguma razão, a despesa devidamente empenhada poderá ser inscrita em restos a pagar, nos termos do Decreto nº 93.872, de 23 de dezembro de 1986 (art. 67 e seguintes), para execução no exercício seguinte. Tal conclusão encontra-se no item 28 do trecho do PARECER n.º 19/2016/DECOR/CGU/AGU, acima transcrito.
Voltando ao caso em tela, observa-se que o empenho foi emitido no mesmo dia em que foi celebrado o Convênio em questão (ou seja, ambos no mesmo exercício financeiro). Assim, desde que não haja outro vício que comprometa a validade dos dois instrumentos (apenas faltando a publicação do extrato do Convênio para que este tenha eficácia), não há o que se questionar quanto à validade do empenho e quanto à possibilidade de dar prosseguimento à execução do Convênio, mesmo tratando-se de emenda parlamentar do exercício de 2023.
Vale notar, no entanto, que pela própria natureza do instrumento, os partícipes têm a faculdade de denunciar ou rescindir o Convênio, a qualquer tempo, nos termos do art. 35, inciso XXVII da Portaria Conjunta n. 33/2023, que se reflete na Cláusula Décima Sexta do instrumento:
CLÁUSULA DÉCIMA SEXTA – DA DENÚNCIA E RESCISÃO
O presente Convênio poderá ser:
I - denunciado a qualquer tempo, ficando os partícipes responsáveis somente pelas obrigações e auferindo as vantagens do tempo em que participaram voluntariamente da avença;
II - rescindido, independente de prévia notificação ou interpelação judicial ou extrajudicial, nas seguintes hipóteses:
a) inadimplemento de quaisquer das cláusulas pactuadas;
b) constatação, a qualquer tempo, de falsidade ou incorreção em qualquer documento apresentado; e
c) verificação da ocorrência de qualquer circunstância que enseje a instauração de Tomada de Contas Especial, observado o disposto nos artigos 106 e 107 da Portaria Conjunta MGI/MF/CGU nº 33, de 2023;
III - extinto, quando não tiver ocorrido repasse de recursos e houver descumprimento das condições suspensivas, nos prazos estabelecidos no instrumento.
Assim, caso o órgão consulente pretenda denunciar ou rescindir o Convênio, deverá seguir os trâmites prescritos para cada uma dessas hipóteses no art. 91 da Portaria Conjunta n. 33/2023, com reflexos na Cláusula Décima Sexta do instrumento, acima transcrita.
CONCLUSÃO
Diante do exposto, e ressalvados os aspectos técnicos de conveniência e de oportunidade não sujeitos ao crivo desta Consultoria Jurídica, conclui-se que:
a) o Convênio em tela é válido e existente, porém não eficaz;
b) é possível a convalidação de um Convênio celebrado porém não publicado no Diário Oficial da União, após o prazo estabelecido pela Portaria Conjunta n. 33/2023, para que o instrumento tenha eficácia e possa surtir efeitos jurídicos normalmente;
b) desde que não se identifique outro vício que comprometa a validade do Convênio e do Empenho, está clara a possibilidade de dar prosseguimento à execução do instrumento, mesmo tratando-se de emenda parlamentar do exercício de 2023.
Isso posto, submeto o presente Parecer à consideração superior, recomendando seu encaminhamento à SECRETARIA DOS COMITÊS DE CULTURA, para as providências cabíveis.
Brasília, 9 de setembro de 2024.
DANIELA GUIMARÃES GOULART
Advogada da União
Atenção, a consulta ao processo eletrônico está disponível em https://supersapiens.agu.gov.br mediante o fornecimento do Número Único de Protocolo (NUP) 01400035506202394 e da chave de acesso d3a8f9fd