ADVOCACIA-GERAL DA UNIÃO
CONSULTORIA - GERAL DA UNIÃO
CÂMARA NACIONAL DE LICITAÇÕES E CONTRATOS ADMINISTRATIVOS - CNLCA/DECOR/CGU
PARECER n. 00015/2024/CNLCA/CGU/AGU
NUP: 00688.000717/2019-98
INTERESSADOS: DECOR
ASSUNTOS: Interpretação a ser conferida ao art. 75, § 7º, da Lei nº 14.133/2021.
DIREITO ADMINISTRATIVO. LICITAÇÕES E CONTRATOS. CONTRATAÇÃO DIRETA. DISPENSA DE LICITAÇÃO. SERVIÇOS DE MANUTENÇÃO DE VEÍCULOS AUTOMOTORES. INTERPRETAÇÃO. ART. 75, § 7º, DA LEI Nº 14.133/2021.
I - A contratação direta é permitida pelo art. 37, inciso XXI, da Constituição Federal, desde que esteja prevista em lei.
II - A decisão do legislador de dispensar o procedimento licitatório considera os custos transacionais associados a esse processo, visto que podem ser desproporcionais aos benefícios esperados em termos de agilidade da Administração Pública e satisfação das necessidades da sociedade.
III - O artigo 75, incisos I e II, da Lei nº 14.133/2021, dispensa a licitação em razão do seu valor, considerando o princípio da economicidade.
IV - Nos §§ 1º e 7º do artigo 75 da Lei nº 14.133/2021 encontram-se disposições importantes para a aplicação da dispensa de licitação para pequenos valores e para evitar o fracionamento indevido de despesas.
V - O § 1º do artigo 75 da Lei nº 14.133/2021 obriga que os valores gastos no exercício financeiro pela respectiva unidade gestora e as despesas realizadas com objetos da mesma natureza sejam somados.
VI - O artigo 75, § 7º, da Lei nº 14133/2021 retirou a necessidade de observar as regras estabelecidas no § 1º desse mesmo artigo, desde que: 1) os veículos automotores pertençam ao órgão ou entidade contratante; 2) as contratações para serviços de manutenção de veículos automotores, sejam de até R$ 8.000,00 (oito mil reais), incluindo o fornecimento de peças nesse valor.
VII - A interpretação sistemática do artigo 75, § 7º, da Lei nº 14133/2021 deve ser no sentido de que, para veículos automotores pertencentes aos órgãos ou entidades contratantes, cujas contratações para serviços de sua manutenção sejam de até R$ 8.000,00 (oito mil reais), incluídos nesse valor o fornecimento de peças, não é necessário observar o somatório dos valores gastos no exercício financeiro pela respectiva unidade gestora nem o das despesas com objetos de mesma natureza, considerados aqueles do mesmo ramo de atividade comercial. Consequentemente, não é preciso cumprir o limite imposto no artigo 75, inciso I, que dispensa a licitação por pequeno valor para esses serviços. A observância desse dispositivo será necessária quando ultrapassar R$ 8.000,00 (oito mil reais).
I - RELATÓRIO
Trata-se de manifestação jurídica a ser emitida pela Câmara Nacional de Licitações e Contratos - CNLCA/CGU/AGU, em razão da necessidade identificada de uniformização de temas relacionados ao texto da Lei nº 14.133, de 1º de abril de 2021, com vigência plena no ano de 2024 (art. 193 da Lei nº 14.133/2021).
O trabalho desenvolvido pela CNLCA tem como fundamento o art. 2º, inciso I, da Portaria nº 03, de 14 de junho de 2019, da Consultoria - Geral da União, e o Enunciado nº 33 do Manual de Boas Práticas Consultivas da AGU, o qual estabelece:
BPC nº 33 Enunciado:
Como o Órgão Consultivo desempenha importante função de estímulo à padronização e à orientação geral em assuntos que suscitam dúvidas jurídicas, recomenda-se que a respeito elabore minutas-padrão de documentos administrativos e pareceres com orientações in abstrato, realizando capacitação com gestores, a fim de evitar proliferação de manifestações repetitivas ou lançadas em situações de baixa complexidade jurídica. (Grifei)
Além disso, a uniformização de orientação jurídica encontra respaldo nas determinações do Decreto-Lei nº 4.657, de 4 de setembro de 1942, Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro -Lindb, que, por meio do art. 30, estabelece que as autoridades públicas devem atuar para aumentar a segurança jurídica na aplicação das normas, evitando, assim, a proliferação de manifestações divergentes nas diversas unidades jurídicas que compõem a Advocacia-Geral da União.
Ante o exposto, o cerne da questão a ser abordada nesta manifestação refere-se à interpretação a ser conferida ao art. 75, § 7º, da Lei nº 14.133/2021, mais especificamente se as contratações de serviços de manutenção de veículos automotores de propriedade do órgão ou entidade contratante, incluindo o fornecimento de peças, que ultrapassem ou não os R$ 8.000,00 (oito mil reais) permitidos para contratação direta, com dispensa de licitação, devem ser computados no exercício financeiro e somar a despesa realizada com objetos de mesma natureza, até o limite do inciso I do caput desse mesmo artigo.
Assim, com base no art. 131 da Constituição Federal e art. 11, inciso III, da Lei Complementar nº 73, de 10 de fevereiro de 1993, a presente manifestação jurídica analisará a interpretação a ser atribuída ao art. 75, § 7º, da Lei nº 14.133, de 2021, com o propósito de uniformizar a aplicação da norma no âmbito da Administração Pública Federal, promovendo, assim, a segurança jurídica na aplicação da lei de licitações.
É o relatório.
II - ANÁLISE JURÍDICA
A Lei nº 14.133/2021 dedicou no capítulo VIII disposições específicas que devem ser aplicadas nas contratações diretas. Esse capítulo é subdividido em três seções. Além de indicar as hipóteses que autorizam a inexigibilidade de licitação na seção II e a dispensa do torneio licitatório na seção III, a lei também estabelece, na seção I, como deve ser instruído o processo de contratação direta.
De fato, da leitura do art. 37, inciso XXI, da Constituição Federal, observa-se que a regra é a realização de licitação. Contudo, existem exceções, conforme autorizado pelo texto constitucional, que devem estar previstas na legislação, como é o caso da contratação direta, que, portanto, é realizada sem licitação. Confira:
Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte:
XXI - ressalvados os casos especificados na legislação, as obras, serviços, compras e alienações serão contratados mediante processo de licitação pública que assegure igualdade de condições a todos os concorrentes, com cláusulas que estabeleçam obrigações de pagamento, mantidas as condições efetivas da proposta, nos termos da lei, o qual somente permitirá as exigências de qualificação técnica e econômica indispensáveis à garantia do cumprimento das obrigações” (Grifei)
Nesses termos, o manual de orientações e jurisprudência do TCU define licitação como o “processo por meio do qual a Administração Pública convoca, sob condições estabelecidas em ato próprio (edital de licitação), interessados para apresentação de propostas relativas ao fornecimento de bens, prestação de serviços ou execução de obras.”[1].
Dessarte, a escolha do legislador constituinte em autorizar contratações sem licitação levou em consideração, entre outros aspectos, os custos transacionais envolvidos na realização do procedimento licitatório.
Sobre esse ponto específico Marçal Justen filho[2] fez a seguinte ponderação:
Toda licitação envolve uma relação entre custos e benefícios. Há custos econômicos propriamente ditos, derivados do cumprimento de atos materiais da licitação (publicação pela imprensa, realização de testes laboratoriais etc.) e da alocação de pessoal. Há custos de tempo, referentes à demora para desenvolvimento dos atos da licitação. Também podem existir outras espécies de custos, a serem examinadas caso a caso.
Em contrapartida, a licitação produz benefícios para a Administração. Esses benefícios consistem em que a Administração efetivará (em tese) contratações mais vantajosas do que realizaria se a licitação não tivesse existido. A dispensa de licitação decorre do reconhecimento por lei de que os custos inerentes a uma licitação superam os benefícios que dela poderiam advir. A lei dispensa a licitação para evitar o sacrifício dos interesses coletivos e supraindividuais. (Grifei)
Com efeito, a opção do legislador em permitir a contratação direta sem licitação reflete uma preocupação não apenas com a eficiência, mas também, com a eficácia na gestão pública. O legislador constatou que, em determinadas situações, os custos transacionais associados ao processo licitatório podem ser desproporcionais aos benefícios que dele se espera. Esses custos incluem não apenas despesas financeiras, mas também o tempo e os recursos humanos necessários para conduzir o procedimento, que atrasam a execução de serviços essenciais. Ao considerar os custos e benefícios, o legislador busca evitar que a dificuldade do processo licitatório prejudique a agilidade da Administração Pública e a satisfação das necessidades da sociedade.
Ademais, é importante enfatizar as diferentes definições para os tipos de contratação direta. Dessa forma, a licitação será dispensada quando a lei determinar sua não realização, mesmo em situações em que seria cabível. As hipóteses para esse tipo de contratação direta estão previstas taxativamente no artigo 76 da Lei nº 14.133/2021, em casos como, por exemplo, doações em forma de pagamento, permutas, programas habitacionais, venda de ações e títulos, ou até mesmo a venda de bens produzidos por órgãos ou entidades da Administração Pública. São as chamadas alienações de bens da Administração Pública, as quais possuem um capítulo próprio, o IX.
Por outro lado, a licitação será dispensável quando a concorrência for viável, ou seja, a licitação poderia ser realizada, mas, faculta-se ao administrador utilizando a discricionariedade optar pela não realização do procedimento licitatório nos casos taxativamente enumerados no artigo 75 da Lei nº 14.133/2021.
A licitação poderá ainda ser considerada inexigível se não houver possibilidade de realização do procedimento licitatório, por não ser viável a competição; nesse caso, o rol exemplificativo está previsto no artigo 74 da Lei nº 14.133/2021.
Em vista disso, o artigo 75, incisos I e II, da Lei nº 14.133/2021, dispensa a licitação em razão do seu valor, considerando o princípio da economicidade, ou seja, os custos envolvidos na realização do procedimento licitatório, e do interesse público, uma vez que a contratação pública pode ser realizada sem a necessidade de desembolsar recursos maiores pelo Estado do que os que seriam empregados caso o procedimento licitatório fosse realizado, in verbis:
Art. 75. É dispensável a licitação:
I - para contratação que envolva valores inferiores a R$ 100.000,00 (cem mil reais), no caso de obras e serviços de engenharia ou de serviços de manutenção de veículos automotores;
II - para contratação que envolva valores inferiores a R$ 50.000,00 (cinquenta mil reais), no caso de outros serviços e compras; (Grifei)
Nesse sentir, é importante destacar que, para a criação dessas hipóteses, o legislador provavelmente considerando o desequilíbrio entre o custo e o benefício na realização ou não do procedimento licitatório concluiu que, nessas situações, o custo econômico para a realização do certame é superior ao benefício que dele resulta. Conforme afirma também Fabrício Motta,[3] "Desta forma, existe no valor definido pelo legislador uma presunção absoluta que o custo da licitação é maior do que o valor estabelecido na lei para a dispensa." ou, ainda, como ressalta Joel de Menezes Niebuhr[4] "as licitações de serviços de manutenção em geral são realmente complexas, sobremodo porque boa parte das demandas de manutenção não podem ser antecipadas, não são previstas e, logo, é muito difícil programá-las."
No contexto do tema em estudo, a definição do que se entende por fracionamento de despesas torna-se importante, o qual, em poucas palavras, pode ser visto como uma prática de dividir uma despesa em partes menores para evitar a obrigatoriedade de licitação, ou seja, para alcançar o montante para sua dispensa, ou para obter vantagens indevidas. Essa prática é considerada irregular e uma forma de burla aos preceitos legais que regem a contratação pública.
Outrossim, nos §§ 1º e 7º do artigo 75 da Lei nº 14.133/2021 encontram-se disposições importantes para a aplicação da dispensa de licitação para pequenos valores e para evitar o fracionamento indevido de despesas, quais sejam:
§ 1º Para fins de aferição dos valores que atendam aos limites referidos nos incisos I e II do caput deste artigo, deverão ser observados:
I - o somatório do que for despendido no exercício financeiro pela respectiva unidade gestora;
II - o somatório da despesa realizada com objetos de mesma natureza, entendidos como tais aqueles relativos a contratações no mesmo ramo de atividade.
[...]
§ 7º Não se aplica o disposto no § 1º deste artigo às contratações de até R$ 8.000,00 (oito mil reais) de serviços de manutenção de veículos automotores de propriedade do órgão ou entidade contratante, incluído o fornecimento de peças. [5](Grifei)
Especificamente no caso de contratações diretas para pequenos valores referentes a serviços de manutenção de veículos automotores[6], foi criado pela norma disposição específica, qual seja, o artigo 75, § 7º, da Lei nº 14133/2021. Esse preceito retirou a necessidade de observar as regras estabelecidas no § 1º desse mesmo artigo, desde que atendidos certos requisitos. Portanto, o primeiro requisito para a não aplicação do § 1º é que os veículos automotores pertençam ao órgão ou entidade contratante. O segundo requisito é que as contratações para serviços de manutenção de veículos automotores, sejam de até R$ 8.000,00 (oito mil reais), incluindo o fornecimento de peças nesse valor.
No que diz respeito ao § 1º do artigo 75, ele dispensa a necessidade de somar os valores gastos no exercício financeiro pela respectiva unidade gestora e as despesas realizadas com objetos da mesma natureza, entendidos como aqueles relacionados às contratações no mesmo ramo de atividade comercial para os serviços de manutenção de veículos automotores, incluído o fornecimento de peças. Isso se aplica para fins de aferição do limite imposto no artigo 75, inciso I, que dispensa a licitação para pequeno valor.
De acordo com o artigo 34 da Lei nº 4.320, de 17 de março de 1964, exercício financeiro é o período anual em que deve vigorar ou ser executada a Lei Orçamentária Anual. Esse período coincide com o ano civil, iniciando em 1º de janeiro e terminando em 31 de dezembro.
Relacionado com a temática Fabrício Motta[7] entendeu que:
A estimativa do valor do objeto - sobretudo no estudo técnico preliminar, nos termos do art. 18, § 1º - deve levar em consideração o exercício financeiro, como regra. O plano anual de contratações (art. 12, VII e art. 18), por seu turno, indica no próprio nome do instrumento a periodicidade que deve ser abrangida para efeito do planejamento. Da mesma forma, a duração dos contratos continua adstrita à anualidade orçamentária (art. 105), ainda que seja admitida a celebração de contratos com prazo de até 5 (cinco) anos nas hipóteses de serviços e fornecimentos contínuos, observadas a diretrizes do art. 106. Desta forma, a referência ao 'somatório do que for despendido no exercício financeiro pela respectiva unidade gestora' reforça a adstrição aos instrumentos de planejamento e à anualidade orçamentária. (Grifei)
No que se refere ao conceito atribuído à unidade gestora, conforme o Manual do SIAFI, ela é definida como "Unidade Orçamentária ou Administrativa que realiza atos de gestão orçamentária, financeira e/ou patrimonial, cujo titular, em consequência, está sujeito a tomada de contas anual na conformidade do disposto nos artigos 81 e 82 do Decreto-lei nr. 200, de 25 de fevereiro de 1967." [8]Essa definição está relacionada à necessidade do órgão desconcentrar atribuições, promovendo a distribuição interna de competências e responsabilidades dentro de sua estrutura ou da entidade pública. Essa dissociação da gestão contribui para facilitar a execução de políticas públicas, sendo fundamental para melhorar a eficiência da Administração Pública.
Relativamente aos objetos de mesma natureza o Tribunal de Contas da União por meio do Acórdão 120/2007, Segunda Câmara, decidiu da seguinte maneira:
A primeira irregularidade consistiria na contratação de diversas pequenas obras e serviços de engenharia mediante dispensa de licitação, quando a soma dos valores contratados exigiria a realização de convite. Acontece que, embora os procedimentos em questão refiram-se a obras e serviços de engenharia, não se vislumbra que essas obras pertençam a um mesmo objeto de modo a ensejar uma única licitação. Trata-se por exemplo de serviços de roçagem e limpeza em barragem, serviços de pintura em salas de aula, serviços de manutenção de rede elétrica de diversos setores da instituição, troca de piso da quadra de esportes, dentre outros. São sim pequenas obras com natureza diversa a serem prestados em diferentes locais. O fracionamento estaria evidente caso, por exemplo, fosse efetuada uma contratação para cada prédio objeto dos serviços de energia elétrica, o que não ocorreu. (Grifei)
Além do mais, a Instrução Normativa SEGES/ME nº 67, de 8 de julho de 2021, alterada pela Instrução Normativa Seges/MGI n.º 8 de 2023, que trata da dispensa de licitação na forma eletrônica e institui o Sistema de Dispensa Eletrônica, no artigo 4º, § 2º, incisos I e II, buscou estabelecer um critério objetivo para o conceito de ramo de atividade, considerando-o como "a linha de fornecimento registrada pelo fornecedor quando do seu cadastramento no Sistema de Cadastramento Unificado de Fornecedores (Sicaf), vinculada: I - à classe de materiais, utilizando o Padrão Descritivo de Materiais (PDM) do Sistema de Catalogação de Material do Governo federal; ou II - à descrição dos serviços ou das obras, constante do Sistema de Catalogação de Serviços ou de Obras do Governo federal."
A respeito da definição de dispêndios o Manual de Contabilidade aplicada ao setor público[9] dispõe:
O orçamento é o instrumento de planejamento de qualquer entidade, pública ou privada, e representa o fluxo de ingressos e aplicação de recursos em determinado período.
Para o setor público, é de vital importância, pois é a lei orçamentária que fixa a despesa pública autorizada para um exercício financeiro. A despesa orçamentária pública é o conjunto de dispêndios realizados pelos entes públicos para o funcionamento e manutenção dos serviços públicos prestados à sociedade.
Os dispêndios, assim como os ingressos, são tipificados em orçamentários e extraorçamentários.
Segundo o art. 35 da Lei nº 4.320/1964:
Pertencem ao exercício financeiro:
I - as receitas nêle arrecadadas;
II - as despesas nêle legalmente empenhadas.
Dessa forma, despesa orçamentária é toda transação que depende de autorização legislativa, na forma de consignação de dotação orçamentária, para ser efetivada. (Grifei)
Portanto, o artigo 60 da Lei nº 4.320, de 17 de março de 1964, proíbe a realização de despesa sem prévio empenho, e o art. 58 estabelece que o empenho de despesa é o ato emanado de autoridade competente que cria para o Estado obrigação de pagamento, pendente ou não de implemento de condição, sendo assim, dispêndio seria o uso de dinheiro para adquirir bens, serviços ou cumprir compromissos financeiros, podendo ser entendido como o desembolso efetivo de recursos, que ocorre com o pagamento, o qual deve seguir as fases dos arts 58 a 64 da Lei nº 4.320/1964, a saber: empenho, liquidação e pagamento.
Diante disso, ao interpretar sistematicamente o artigo 75, § 7º, da Lei nº 14133/2021, verifica-se que ele excepciona a aplicação do § 1º desse mesmo artigo. Logo, para veículos automotores pertencentes aos órgão ou entidade contratante, cujas contratações para serviços de sua manutenção sejam de até R$ 8.000,00 (oito mil reais), incluídos nesse valor o fornecimento de peças, não é necessário observar o somatório dos valores gastos no exercício financeiro pela respectiva unidade gestora nem o das despesas com objetos de mesma natureza, considerados aqueles do mesmo ramo de atividade comercial. Consequentemente, não é preciso cumprir o limite imposto no artigo 75, inciso I, que dispensa a licitação para pequeno valor para esses serviços.
É da mesma opinião Marçal Justen Filho,[10] senão vejamos:
O reconhecimento dos riscos decorrentes de soluções inflexíveis quanto ao tema conduziu à consagração de ressalva quanto à manutenção de veículos automotores (§ 7º). É evidente que as variáveis relativas a certos equipamentos, serviços ou situações nem sempre comportam planejamento e controle pelos agentes públicos. Mas a solução de excluir o somatório foi prevista apenas em relação a um segmento específico. Quanto a serviços de manutenção de veículos automotores, o que inclui também o fornecimento de peças, não se aplica o somatório. Em tal hipótese, caberá tomar em vista o valor da despesa, de modo isolado, caso a caso. (Grifei)
Também Joel de Menezes Niebuhr[11] defende o mesmo entendimento:
Em conclusão: (i) no serviço de manutenção a obrigação de fazer é a principal, de realizar determinada atividade ou préstimo, podendo abranger o fornecimento de peças; (ii) serviço de manutenção pode ser, entre outras espécies, preventivo ou corretivo, por efeito do que pode abranger meros consertos ou reparos; (iii) veículo automotor é aquele que se move por motor à propulsão, podendo abranger, conforme o caso, entre outros, carros, motos, caminhões, ônibus, tratores, aeronaves e embarcações.
[...]
Pela literalidade do § 7º do artigo 75 da Lei nº 14.133/2021, o legislador resolveu dar carta branca à Administração para firmar diversos e sucessivos contratos de manutenção de veículos automotores por dispensa de licitação, desde que cada um deles não ultrapasse R$ 8.000,00, pouco importando o valor total de todos os serviços da mesma natureza havidos no exercício financeiro, mesmo que ultrapasse R$ 100.000,00, que é o limite da dispensa determinado no inciso I do mesmo artigo. (Grifei)
Fabrício Motta[12] discorrendo sobre assunto ponderou no seguinte sentido:
Desta forma, com relação à contratação de serviços de manutenção de veículos automotores os textos referidos permitem extrair as seguintes normas: a) a contratação deve ser planejada tendo como parâmetros o somatório do que for despendido no exercício pela unidade gestora e o somatório das despesas com objetos da mesma natureza no exercício financeiro (art, 75, § 1º, incisos I e II); b) a dispensa de licitação é possível se o valor calculado for inferior a R$ 100.000,00; c) os serviços de manutenção de veículos automotores de propriedade do órgão entidade contratante, incluído o fornecimento de peças no valor de até R$ 8.000,00 estão isentos da comprovação dos requisitos relativos ao fracionamento (art. 75, § 7º), muito embora o fracionamento continue vedado em razão das demais normas de planejamento e dos objetivos do procedimento licitatório. (Grifei)
Alinhado com os autores precitados Felipe Boselli[13] compreende que:
Mas o acréscimo não ficou apenas na realocação da dispensa e no aumento de valor. Apenas para estes casos de manutenção de veículos automotores, o legislador criou o § 7º, que exclui do cálculo, para considerar fracionamento da contratação, as manutenções de valor inferior a R$ 8.000,00.
Ou seja, pelo estrito teor do § 7º do artigo 75, uma prefeitura poderia contratar um milhão de reais em serviços de manutenção de veículos automotores, desde que os contratos tivessem ocorrido de forma separada, com contratações em valores inferiores a R$ 8.000,00. (Grifei)
Flávio Garcia Cabral[14] também reforça os posicionamentos supramencionados:
O parágrafo, portanto, cria uma subespécie de dispensa, em razão do objeto, que, até o montante de 8 mil reais, não se submete à limitação do valor global da dispensa por exercício financeiro, nem é considerada fracionamento indevido. Há aqui os seguintes limites: a) não pode haver contratação por dispensa para a manutenção de veículos que seja no montante de 100 mil reais ou superior; b) as contratações para manutenção de veículos que sejam acima de 8 mil reais se submetem ao limite global do exercício financeiro e são consideradas como uma mesma contratação para fins de evitar fracionamento indevidos; c) as contratações para manutenção de veículos que sejam até 8 mil reais podem ser feitas diretamente e não se submetem ao limite global do exercício financeiro nem são consideradas na análise dos fracionamentos ilegais. (Grifei)
Ronny Charles[15] sustenta a mesma leitura do dispositivo em questão:
Vale observar que observância dos critérios "anualidade" e "mesma natureza" é combinada; ou seja, descumprindo um deles, a dispensa de pequeno valor poderá ser considerada irregular.
[...]
Contudo, o § 7º do mesmo artigo estabeleceu exceção a esta regra, ressalvando que não se aplica o disposto no § 1º para as contratações de até R$ 8.000,00 (oito mil reais) de serviços de manutenção de veículos automotores de propriedade do órgão ou entidade contratante, incluído o fornecimento de peças.
A interpretação que parece ser extraída desta disposição é que, mesmo quando a unidade gestora já tenha alcançado o limite legal para a adoção de dispensa de pequenos valores, no exercício financeiro, para a contratação de serviços de manutenção de veículos automotores, caso surja, ainda neste exercício financeiro, a necessidade de contratação deste serviço, com valor limitado a até R$ 8.000,00 (oito mil reais) e sendo o veículo de propriedade do órgão ou entidade contratante, será possível a dispensa sem caracterização do fracionamento ilícito. (Grifei)
Nesse contexto, observa-se que a doutrina majoritária abraça a tese perfilhada neste arrazoado.
III - CONCLUSÃO
Ante o exposto, conclui-se que a interpretação a ser conferida ao § 7º do artigo 75 da Lei nº 14.133/2021 é a de que as contratações de serviços de manutenção de veículos automotores de propriedade do órgão ou entidade contratante, incluindo o fornecimento de peças, devem observar o limite de R$ 8.000,00 (oito mil reais) para serem realizadas diretamente, sem a necessidade de se submeterem ao limite global do exercício financeiro e à observância de objetos da mesma natureza, evitando serem consideradas como fracionamentos ilegais. Assim, apenas as contratações que ultrapassem esse valor começarão a contar para fins de aferição do valor previsto no artigo 75, inciso I, da Lei nº 14.133/2021. Para essas contratações, o exercício financeiro e os objetos da mesma natureza devem ser considerados como critérios para análise de fracionamento indevido de despesas.
Este é o parecer que, neste momento, submeto à consideração dos membros da Câmara Nacional de Licitações e Contratos Administrativos - CNLCA/CGU/AGU, para que, se aprovado, seja encaminhado à Senhora Diretora do Departamento de Coordenação e Orientação de Órgãos Jurídicos-DECOR/CGU/AGU, para adoção das providências que julgar cabíveis.
Brasília, 14 de outubro de 2024.
MICHELLE MARRY MARQUES DA SILVA
Advogada da União
Relatora
Coordenadora da Câmara Nacional de Licitações e Contratos Administrativos - CNLCA/CGU/AGU
Atenção, a consulta ao processo eletrônico está disponível em https://supersapiens.agu.gov.br mediante o fornecimento do Número Único de Protocolo (NUP) 00688000717201998 e da chave de acesso da73bdc5
Notas