ADVOCACIA-GERAL DA UNIÃO
CONSULTORIA-GERAL DA UNIÃO
CÂMARA NACIONAL DE UNIFORMIZAÇÃO DE ENTENDIMENTOS CONSULTIVOS - CNU


 

PARECER n. 00003/2018/CNU/CGU/AGU

 

NUP: 00400.001054/2017-36

INTERESSADOS: MINISTÉRIO DAS RELAÇÕES EXTERIORES - MRE e MINISTÉRIO DO PLANEJAMENTO, DESENVOLVIMENTO E GESTÃO.

ASSUNTOS: Orientação Normativa nº 03, de 1º de agosto de 2016 da Secretaria de Gestão de Pessoas e Relações de Trabalho no Serviço Público/MP substituída pela Portaria n.º 4 de 6 de abril de 2018 da Secretaria de Gestão de Pessoas/MP. Política de cotas étnico racial. Legalidade.

 

ORIENTAÇÃO NORMATIVA CNU/CGU/AGU nº  08, de 05 de setembro de 2018
A instituição de comissão por ato regulamentar do órgão central do Sistema de Pessoal Civil da Administração Federal (SIPEC) para verificação da veracidade da autodeclaração e a utilização do critério fenotípico como critério exclusivo encontra respaldo nos princípios da igualdade material, eficiência e transparência. 
 
EMENTA: Direito Administrativo. Ações afirmativas. Lei n.º 12.288/2010. Política de reserva de vagas com base em critério étnico racial (cotas).  Lei n.º  Lei n.º 12.990/2014. Regulamentação por ato de segundo grau.  Orientação Normativa SEGRT/MP nº 03, de 1º de agosto de 2016, revogada pela Portaria SGP/MP n.º 04, de 6 de abril de 2018. 
1. Declarada em 8 de junho de 2017 a constitucionalidade da Lei n.º 12.990/2014 pelo Supremo Tribunal Federal (STF) no bojo da ADC n.º 41 os debates e as conclusões dos membros da Câmara Nacional de Uniformização de Entendimentos Consultivos (CNU) centraram-se nos limites do poder regulamentar da administração pública federal ao editar a Orientação Normativa SEGRT/MP n.º 03/2016 substituída pela Portaria SGP/MP n.º 04/2018, especificamente em relação a possibilidade de norma  infralegal: a)  instituir comissão para verificação da veracidade da autodeclaração e b) utilizar o critério fenotípico como critério exclusivo para aferição dessa veracidade.
2. O estabelecimento por ato regulamentar de segundo grau de procedimento para aferição da veracidade da autodeclaração encontra respaldo no parágrafo único do art. 2º da Lei n.º 12.990/2014. A competência da Secretaria de Gestão de Pessoas (SGP), na qualidade de órgão central do Sistema de Pessoal Civil da Administração Federal  (SIPEC), para a prática do ato regulamentar encontra-se prevista no art. 53 da Lei n.º 13.502/2017 c/c os arts. 24 e 25 do Anexo I ao Decreto n.º 9.035/2017
3. A instituição de comissões de heteroidentificação encontra respaldo no ordenamento jurídico brasileiro e tem por finalidade precípua conferir efetividade à política de cotas, em observância aos princípios da igualdade material, eficiência e transparência. 
4. A adoção do critério fenotípico como critério exclusivo para aferição da veracidade da autodeclaração insere-se no mérito do ato administrativo competindo aos órgãos de consultoria e assessoramento jurídico da Advocacia-Geral da União verificar a motivação do ato. O Relatório Final do Grupo de Trabalho Interministerial instituído pela Portaria Conjunta MP/MJC nº 11, de 26 de dezembro de 2016 apresenta elementos suficientes para fundamentar a decisão da autoridade administrativa. 
5. A instituição de comissão para verificação da veracidade da autodeclaração e a utilização do fenótipo como critério exclusivo pela Orientação Normativa SEGRT/MP n.º 03, de 1º de agosto de 2016, substituída pela Portaria SGP/MP n.º 04, de 6 de abril de 2018, encontra respaldo nos princípios da igualdade material, eficiência e transparência. 
 

 

I - RELATÓRIO

 

Trata-se de demanda encaminhada à Câmara Nacional de Uniformização de Entendimentos Consultivos da Consultoria-Geral da União (CNU), cujo objeto é, em síntese, a análise da legalidade e adequação à decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) na ADC n.º 41 da Orientação Normativa nº 3, de 1º de agosto de 2016, da Secretaria de Gestão de Pessoas e Relações do Trabalho no Serviço Público do Ministério do Planejamento, Desenvolvimento e Gestão (SEGRT/MP) que "Dispõe sobre regras de aferição da veracidade da autodeclaração prestada por candidatos negros para fins do disposto na Lei nº 12.990, de 9 de junho de 2014", a qual reserva aos negros 20% (vinte por cento) das vagas oferecidas nos concursos públicos para provimento de cargos efetivos e empregos públicos no âmbito da administração pública federal, das autarquias, das fundações públicas, das empresas públicas e das sociedades de economia mista controladas pela União.

 

Importa registrar que no dia 10 de abril de 2018 foi publicada a Portaria n.º 4, de 6 de abril de 2018, da Secretaria de Gestão de Pessoas do Ministério do Planejamento, Desenvolvimento e Gestão (SGP/MP) que ao regulamentar o procedimento de heteroidentificação complementar à autodeclaração dos candidatos negros, para fins de preenchimento das vagas reservadas nos concursos públicos federais nos termos da Lei nº 12.990/2014, revogou a Orientação Normativa SEGRT/MP n.º 03/2016.

 

A consulta foi originalmente apresentada pelo Ministro de Estado das Relações Exteriores perante a Advogada-Geral da União, por meio do Aviso nº 02/G/JURI, de 23 de agosto de 2017, que questiona a legalidade da existência das comissões verificadoras e da utilização exclusiva do critério fenotípico para aferição da autodeclaração como negro para fins de acesso a reserva de vagas em concursos públicos no âmbito da administração pública federal direta e indireta, in verbis:

 

Em 2016, o Ministério do Planejamento, Desenvolvimento e Gestão, por intermédio da Secretaria de Gestão de Pessoas e Relações do Trabalho no Serviço Público, editou a Orientação Normativa nº 3, de 1° de agosto de 2016, a qual buscou regulamentar a "aferição da veracidade da autodeclaração prestada por candidatos negros para fins do disposto na Lei n° 12.990, de 9 de junho de 2014".
O art. 2° da ON n° 3/2016 estabelece a obrigação de que os editais de concursos públicos no âmbito de que cuida deverão: "lI - prever e detalhar os métodos de verificação da veracidade da autodeclaração, com a indicação de comissão designada para tal fim, com competência deliberativa". Por sua vez, o § 1º do mesmo artigo dispõe que "As formas e critérios de verificação da veracidade da autodeclaração deverão considerar, tão somente, os aspectos fenotípicos do candidato, os quais serão verificados obrigatoriamente com a presença do candidato".
Embora a ON n° 3/2016 prescreva regras claras que visam a auxiliar o gestor público quando da realização de concursos públicos, a previsão de criação de comissão para aferir a verificação de veracidade da autodeclaração como negro e a utilização exclusiva do critério de aspectos fenotípicos do candidato não estão previstas nem na lei 12.990/2014 nem na lei nº 12.288/2010. Esta última, inclusive, estabelece, em seu art. 1°, parágrafo único, inciso IV, como critério definidor de "população negra", não aspectos fenotípicos, mas a autodeclaração, in verbis: "IV - população negra: o conjunto de pessoas que se autodeclaram pretas e pardas, conforme o quesito cor ou raça usado pela Fundação Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), ou que adotam autodefinição análoga".
A existência das comissões verificadoras e a utilização exclusiva dos critérios fenotípicos têm gerado enormes dúvidas na realização de concursos das carreiras do serviço exterior brasileiro, no âmbito deste Ministério, com crescente e constante judicialização. Ademais, sabe-se que em outros órgãos da Administração Pública Federal Direita e Indireta, dúvidas similares têm, não raro, emergido.
Ante esse quadro, solicito os bons préstimos de Vossa Excelência no sentido de exarar parecer de modo a analisar e verificar a compatibilidade da ON nº 3/2016, de 1° de agosto de 2016, da Secretaria de Gestão de Pessoas e Relações do Trabalho no Serviço Público do Ministério do Planejamento, Desenvolvimento e Gestão, com as leis n° 12.990/2014 e n° 12.288/2010. Em específico, indago se a previsão de existência das comissões verificadoras bem como a utilização exclusiva do critério fenotípico para aferição da autodeclaração como negro possuem fundamento legal adequado nas mencionadas leis.

 

Por meio do Despacho nº 00146/2017/CONSUNIAO/CGU/AGU (Seq. 5 - SAPIENS), de 5 de setembro de 2017, a Consultoria-Geral da União solicitou às Consultorias Jurídicas dos Ministérios do Planejamento, Desenvolvimento e Gestão (CONJUR/MP), das Relações Exteriores (CONJUR/MRE) e dos Direitos Humanos que apresentassem subsídios técnicos e jurídicos para o deslinde da questão.

 

A CONJUR/MP e a CONJUR/MRE apresentaram o PARECER nº 01216/2017/LFL/CGJRH/CONJUR-MP/CGU/AGU (Seq. 6 - SAPIENS), aprovado pelos DESPACHO DE APROVAÇÃO n. 02487/2017/CONJUR-MP/CGU/AGU, de 14 de setembro de 2017  e n. 02496/2017/CONJUR-MP/CGU/AGU, de 15 de setembro de 2017, a NOTA JURÍDICA nº 00002/2017/GABCONJUR/CONJUR-MRE/CGU/AGU (Seq. 9 - SAPIENS), de 15 de setembro de 2017, respectivamente. A CONJUR do Ministério dos Direitos Humanos, por meio do Memorando nº 763/2017/ASJUR/GM-SDH/SDH (Seq. 18 - SAPIENS), de 10 de outubro de 2017, limitou-se a encaminhar a NOTA EXPLICATIVA ASSE-GAB/SEPPIR/SEPPIR (Seq. 16 - SAPIENS).

 

Instruídos os autos com as manifestações jurídicas dos órgãos citados e verificada a divergência de posicionamentos jurídicos por meio da NOTA n. 00030/2017/ASSE/CGU/AGU (Seq. 10 - SAPIENS), de 27 de setembro de 2017, os autos foram encaminhados ao Departamento de Coordenação e Orientação de Órgãos Jurídicos com a sugestão de remessa a esta CNU. Em razão do tema estar inserido nos assuntos de pessoal, a controvérsia foi remetida para a 2ª Turma da CNU e distribuída para esta relatora.

 

No dia 16 de março de 2018, por videoconferência, estiveram reunidos os membros da 2ª Turma para debater o tema e formular quesitos a serem apresentados na reunião do colegiado da CNU.  No dia 9 de maio de 2018, na 29ª Sessão Ordinária, após apresentação do caso e debates preliminares  deliberou-se, à unanimidade, pela convocação de audiência de representantes dos Ministérios do Planejamento, Desenvolvimento e Gestão e das Relações Exteriores a ser realizada na sessão dia 30 de maio de 2018, tendo sido facultada a apresentação de subsídios por escrito, a fim de dinamizar os trabalhos do colegiado.

 

Em 24 de maio de 2018 a CONJUR/MP colacionou aos autos os seguintes documentos (Seq. 26 a 37 do SAPIENS):

 

- Portaria Conjunta MP/MJC nº 11, de 2016, instituindo o Grupo de Trabalho Interministerial com a finalidade de discutir e apresentar diretrizes para verificação da autodeclaração de candidatos cotistas em concursos públicos federais;
- Relatório Final de conclusão dos trabalhos do Grupo de Trabalho Interministerial;
- Termos de reuniões realizadas entre a Consultoria Jurídica, a Secretaria de Gestão de Pessoas e a Procuradoria Regional da União da 1º Reunião, para tratar da elaboração do ato normativo e acompanhar o andamento da ação civil pública proposta pelo Ministério Público Federal e pela Defensoria Pública da União;
- Notas Técnicas da Secretaria de Gestão de Pessoas, justificando os termos da proposição apresentada;
- Parecer e Nota da Consultoria Jurídica, apreciando a proposição submetida à consulta;
- Portaria Normativa nº 4, de 2018, que "Regulamenta o procedimento de heteroidentificação complementar à autodeclaração dos candidatos negros,para fins de preenchimento das vagas reservadas nos concursos públicos federais, nos termos da Lei n°12.990, de 9 de junho de 2014".
 

Ato contínuo, na 30ª Sessão Ordinária, realizada em 30 de maio de 2018, foram ouvidos os representantes dos Ministérios anteriormente citados e na 31ª Sessão Ordinária, realizada em 6 de junho de 2018, foram retomados os debates  sobre o tema que se balizaram nos seguintes quesitos:

 

a) a instituição administrativa de comissão para verificação da veracidade da autodeclaração é compatível com a legislação?
b) o critério fenotípico pode ser utilizado administrativamente como exclusivo critério para aferição da veracidade da autodeclaração?

 

Em 20 de junho de 2018, na 32ª Sessão Ordinária, os membros da CNU retomaram as discussões sobre tema e, por unanimidade, reconheceram a legalidade da instituição administrativa de comissão para verificação da veracidade da autodeclaração  e, por maioria, entenderam que o critério fenotípico pode ser utilizado como critério exclusivo para aferição da veracidade da autodeclaração. Os fundamentos jurídicos que embasam essas conclusões serão apresentados a seguir.

 

É o que importa relatar. 

 

II - FUNDAMENTAÇÃO

 

a) Breve contextualização sobre a política afirmativa de cotas raciais e a constitucionalidade da Lei n.º 12.990/2014.

 

A instituição de cotas raciais faz parte de uma política de ação afirmativa que tem como gênese garantir que os direitos civis, políticos e sociais previstos constitucionalmente sejam efetivamente garantidos à população sem qualquer distinção de raça, cor,  gênero ou classe social. Nesse sentido, Joaquim Barbosa leciona[1]:

 

 um conjunto de políticas públicas e privadas de caráter compulsório, facultativo ou voluntário, concebidas com vistas ao combate à discriminação racial, de gênero, por deficiência física e de origem nacional, bem como para corrigir ou mitigar os efeitos presentes da discriminação praticada no passado, tendo por objetivo a concretização do ideal de efetiva igualdade de acesso a bens fundamentais como a educação e o emprego (...). Em síntese, trata-se de políticas e de mecanismos de inclusão concebidos por entidades públicas, privadas e por órgãos dotados de competência jurisdicional, com vistas à concretização de um objetivo constitucional universalmente reconhecido - o direito da efetiva igualdade de oportunidades a que todos os seres humanos têm direito.
 

As ações afirmativas visam diminuir as desigualdades através da adoção de medidas concretas tendentes a equalizar a distribuição desses direitos. Em outras palavras, são políticas que pretendem conferir concretude ao princípio da igualdade material.  

 

O princípio da igualdade na sua vertente formal assegura que todos são iguais perante a lei sem quaisquer distinções. Bandeira de Mello em sua obra "O conteúdo jurídico do princípio da igualdade"  leciona que:

 
Rezam as constituições – e a brasileira estabelece no art. 5º, caput- que todos são iguais perante a lei. Entende-se [...] que o alcance do princípio não se restringe a nivelar os cidadãos diante da norma legal posta, mas que a própria lei não pode ser editada em desconformidade com a isonomia. Estamos diante do que a doutrina denomina de cláusula geral de igualdade.[2]
 

De acordo com Konrad Hesse, essa cláusula geral de igualdade corresponderia a igualdade jurídica formal que pode ser compreendida como igualdade diante da lei:

 
Ela pede a realização, sem exceção, do direito existente, sem consideração da pessoa: cada um é, em forma igual, obrigado e autorizado pelas moralizações do direito, e, ao contrário, é proibido a todas as autoridades  estatais, não aplicar direito existente a favor ou à custa de algumas pessoas. Nesse ponto, o mandamento da igualdade jurídica deixa-se fixar, sem dificuldades, como postulado fundamental do estado de direito.[3]
 

A igualdade jurídica material, diferentemente da igualdade formal, não admite um tratamento igual sem que haja distinções de todos em todas as relações. "O princípio da igualdade proíbe uma regulação desigual para situações iguais, casos iguais devem encontrar regra igual. A questão é, quais fatos são iguais e, por isso, não devem ser regulados desigualmente"[4]. A desigualdade ínsita na sociedade brasileira, especialmente  em relação a inserção da população negra em carreiras do serviço público, exige que o Estado adote medidas concretas tendentes a reverter esse quadro. Ou seja, exige que o Estado estabeleça um discrímen nesses casos.

 

Nesse contexto, no ano de 2010 foi publicada a Lei n.º 12.288 que institui o Estatuto da Igualdade Social,  "destinado a garantir à população negra a efetivação da igualdade de oportunidades, a defesa dos direitos étnicos individuais, coletivos e difusos e o combate à discriminação e às demais formas de intolerância étnica".  E, no ano de 2014 foi publicada a Lei n.º 12.990 que em seu art. 1º reserva 20% das vagas oferecidas nos concursos públicos para provimento de cargos públicos efetivos e empregos públicos no âmbito da administração pública federal, das autarquias, fundações públicas, das empresas públicas e sociedades de economia mista controladas pela União.

 

A constitucionalidade de ações afirmativas voltadas a reserva de vagas com base em critério étnico racial (cotas) foi objeto de apreciação pelo STF em dois momentos: na Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) n.º 186 e na Ação Direta de Constitucionalidade (ADC) n.º 41.

 

Na ADPF n.º 186 discutiu-se a constitucionalidade de atos da Universidade de Brasília – UnB, do Conselho de Ensino, Pesquisa e Extensão da Universidade de Brasília (CEPE) e do Centro de Promoção de Eventos da Universidade de Brasília (CESPE), os quais instituíram o sistema de reserva de vagas com base em critério étnico-racial (20% de cotas étnico-raciais) no processo de seleção para ingresso de estudantes. O STF julgou improcedente a ação nos termos da ementa a seguir transcrita:

 

Ementa: ARGUIÇÃO DE DESCUMPRIMENTO DE PRECEITO FUNDAMENTAL. ATOS QUE INSTITUÍRAM SISTEMA DE RESERVA DE VAGAS COM BASE EM CRITÉRIO ÉTNICO-RACIAL (COTAS) NO PROCESSO DE SELEÇÃO PARA INGRESSO EM INSTITUIÇÃO PÚBLICA DE ENSINO SUPERIOR. ALEGADA OFENSA AOS ARTS. 1º, CAPUT, III, 3º, IV, 4º, VIII, 5º, I, II XXXIII, XLI, LIV, 37, CAPUT, 205, 206, CAPUT, I, 207, CAPUT, E 208, V, TODOS DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. AÇÃO JULGADA IMPROCEDENTE.
I – Não contraria - ao contrário, prestigia – o princípio da igualdade material, previsto no caput do art. 5º da Carta da República, a possibilidade de o Estado lançar mão seja de políticas de cunho universalista, que abrangem um número indeterminados de indivíduos, mediante ações de natureza estrutural, seja de ações afirmativas, que atingem grupos sociais determinados, de maneira pontual, atribuindo a estes certas vantagens, por um tempo limitado, de modo a permitir-lhes a superação de desigualdades decorrentes de situações históricas particulares.
II – O modelo constitucional brasileiro incorporou diversos mecanismos institucionais para corrigir as distorções resultantes de uma aplicação puramente formal do princípio da igualdade.
III – Esta Corte, em diversos precedentes, assentou a constitucionalidade das políticas de ação afirmativa.
IV – Medidas que buscam reverter, no âmbito universitário, o quadro histórico de desigualdade que caracteriza as relações étnico-raciais e sociais em nosso País, não podem ser examinadas apenas sob a ótica de sua compatibilidade com determinados preceitos constitucionais, isoladamente considerados, ou a partir da eventual vantagem de certos critérios sobre outros, devendo, ao revés, ser analisadas à luz do arcabouço principiológico sobre o qual se assenta o próprio Estado brasileiro.
V - Metodologia de seleção diferenciada pode perfeitamente levar em consideração critérios étnico-raciais ou socioeconômicos, de modo a assegurar que a comunidade acadêmica e a própria sociedade sejam beneficiadas pelo pluralismo de ideias, de resto, um dos fundamentos do Estado brasileiro, conforme dispõe o art. 1º, V, da Constituição.
VI - Justiça social, hoje, mais do que simplesmente redistribuir riquezas criadas pelo esforço coletivo, significa distinguir, reconhecer e incorporar à sociedade mais ampla valores culturais diversificados, muitas vezes considerados inferiores àqueles reputados dominantes.
VII – No entanto, as políticas de ação afirmativa fundadas na discriminação reversa apenas são legítimas se a sua manutenção estiver condicionada à persistência, no tempo, do quadro de exclusão social que lhes deu origem. Caso contrário, tais políticas poderiam converter-se benesses permanentes, instituídas em prol de determinado grupo social, mas em detrimento da coletividade como um todo, situação – é escusado dizer – incompatível com o espírito de qualquer Constituição que se pretenda democrática, devendo, outrossim, respeitar a proporcionalidade entre os meios empregados e os fins perseguidos.
VIII – Arguição de descumprimento de preceito fundamental julgada improcedente.
(ADPF 186, Relator(a):  Min. RICARDO LEWANDOWSKI, Tribunal Pleno, julgado em 26/04/2012, ACÓRDÃO ELETRÔNICO DJe-205 DIVULG 17-10-2014 PUBLIC 20-10-2014)

 

Na ADC n.º 41 seguindo o precedente acima o STF confirmou a constitucionalidade da Lei n.º 12.990/2014. Abaixo transcrevo a ementa do acórdão:

 

Ementa: Direito Constitucional. Ação Direta de Constitucionalidade. Reserva de vagas para negros em concursos públicos. Constitucionalidade da Lei n° 12.990/2014. Procedência do pedido.
1. É constitucional a Lei n° 12.990/2014, que reserva a pessoas negras 20% das vagas oferecidas nos concursos públicos para provimento de cargos efetivos e empregos públicos no âmbito da administração pública federal direta e indireta, por três fundamentos.
1.1. Em primeiro lugar, a desequiparação promovida pela política de ação afirmativa em questão está em consonância com o princípio da isonomia. Ela se funda na necessidade de superar o racismo estrutural e institucional ainda existente na sociedade brasileira, e garantir a igualdade material entre os cidadãos, por meio da distribuição mais equitativa de bens sociais e da promoção do reconhecimento da população afrodescendente.
1.2. Em segundo lugar, não há violação aos princípios do concurso público e da eficiência. A reserva de vagas para negros não os isenta da aprovação no concurso público. Como qualquer outro candidato, o beneficiário da política deve alcançar a nota necessária para que seja considerado apto a exercer, de forma adequada e eficiente, o cargo em questão. Além disso, a incorporação do fator “raça” como critério de seleção, ao invés de afetar o princípio da eficiência, contribui para sua realização em maior extensão, criando uma “burocracia representativa”, capaz de garantir que os pontos de vista e interesses de toda a população sejam considerados na tomada de decisões estatais.
1.3. Em terceiro lugar, a medida observa o princípio da proporcionalidade em sua tríplice dimensão. A existência de uma política de cotas para o acesso de negros à educação superior não torna a reserva de vagas nos quadros da administração pública desnecessária ou desproporcional em sentido estrito. Isso porque: (i) nem todos os cargos e empregos públicos exigem curso superior; (ii) ainda quando haja essa exigência, os beneficiários da ação afirmativa no serviço público podem não ter sido beneficiários das cotas nas universidades públicas; e (iii) mesmo que o concorrente tenha ingressado em curso de ensino superior por meio de cotas, há outros fatores que impedem os negros de competir em pé de igualdade nos concursos públicos, justificando a política de ação afirmativa instituída pela Lei n° 12.990/2014.
2. Ademais, a fim de garantir a efetividade da política em questão, também é constitucional a instituição de mecanismos para evitar fraudes pelos candidatos. É legítima a utilização, além da autodeclaração, de critérios subsidiários de heteroidentificação (e.g., a exigência de autodeclaração presencial perante a comissão do concurso), desde que respeitada a dignidade da pessoa humana e garantidos o contraditório e a ampla defesa.
3. Por fim, a administração pública deve atentar para os seguintes parâmetros: (i) os percentuais de reserva de vaga devem valer para todas as fases dos concursos; (ii) a reserva deve ser aplicada em todas as vagas oferecidas no concurso público (não apenas no edital de abertura); (iii) os concursos não podem fracionar as vagas de acordo com a especialização exigida para burlar a política de ação afirmativa, que só se aplica em concursos com mais de duas vagas; e (iv) a ordem classificatória obtida a partir da aplicação dos critérios de alternância e proporcionalidade na nomeação dos candidatos aprovados deve produzir efeitos durante toda a carreira funcional do beneficiário da reserva de vagas.
4. Procedência do pedido, para fins de declarar a integral constitucionalidade da Lei n° 12.990/2014. Tese de julgamento: “É constitucional a reserva de 20% das vagas oferecidas nos concursos públicos para provimento de cargos efetivos e empregos públicos no âmbito da administração pública direta e indireta. É legítima a utilização, além da autodeclaração, de critérios subsidiários de heteroidentificação, desde que respeitada a dignidade da pessoa humana e garantidos o contraditório e a ampla defesa”.
(ADC 41, Relator(a):  Min. ROBERTO BARROSO, Tribunal Pleno, julgado em 08/06/2017, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-180 DIVULG 16-08-2017 PUBLIC 17-08-2017)
(grifos meus)

 

Posteriormente, ao julgar Embargos de Declaração interpostos em face da decisão acima, o STF esclareceu que a política de cotas se aplica aos concursos das Forças Armadas, verbis:

 

Ementa: Direito Constitucional. Embargos de Declaração em ADC. Aplicabilidade da política de cotas da Lei 12.990/2014 às Forças Armadas. Provimento.
1. As Forças Armadas integram a Administração Pública Federal, de modo que a vagas oferecidas nos concursos por elas promovidos sujeitam-se à política de cotas prevista na Lei 12.990/2014.
2. Embargos de declaração providos.
(ADC 41 ED, Relator(a):  Min. ROBERTO BARROSO, Tribunal Pleno, julgado em 12/04/2018, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-087 DIVULG 04-05-2018 PUBLIC 07-05-2018)

 

Feitos estes esclarecimentos e considerando a declaração de constitucionalidade da Lei n.º 12.990/2014 em 8 de junho de 2017 pelo STF importa consignar que os debates e as conclusões dos membros da CNU centraram-se nos limites do poder regulamentar da administração pública federal ao editar a Orientação Normativa SEGRT/MP n.º 03/2016, substituída pela Portaria SGP/MP n.º 04/2018, especificamente em relação a possibilidade de norma  infralegal: a)  instituir comissão para verificação da veracidade da autodeclaração e b) utilizar o critério fenotípico como critério exclusivo para aferição dessa veracidade.

 

b) Do Poder Regulamentar da Administração Pública e dos atos regulamentares de segundo grau

 

O poder regulamentar é um dos poderes outorgados à Administração Pública para o adequado desempenho de suas funções constitucionais e encontra-se previsto no art. 84, inciso IV, da Constituição:

 

Art. 84. Compete privativamente ao Presidente da República:
IV - sancionar, promulgar e fazer publicar as leis, bem como expedir decretos e regulamentos para sua fiel execução;
 

Segundo Celso Antônio Bandeira de Mello poder regulamentar é

 
ato geral e (de regra) abstrato, de competência privativa do Chefe do Poder Executivo, expedido com a estrita finalidade de produzir as disposições operacionais uniformizadoras necessárias 'à execução de lei' cuja aplicação demande atuação da Administração Pública.[5]

 

O poder regulamentar encontra-se umbilicalmente ligado ao princípio da legalidade na medida em que, ressalvados os casos em que se admite regulamento autônomo, a sua existência depende do amparo de uma lei. Nesse sentido, é o entendimento do STF conforme se observa dos trechos a seguir destacados:

 
É cediço na doutrina que "a finalidade da competência regulamentar é a de produzir normas requeridas para a execução de leis quando estas demandem uma atuação administrativa a ser desenvolvida dentro de um espaço de liberdade exigente de regulação ulterior, a bem de uma aplicação uniforme da lei, isto é, respeitosa do princípio da igualdade de todos os administrados" (MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de direito administrativo. 21. ed. São Paulo: Malheiros, 2006. p. 336). [ADI 4.218 AgR, rel. min. Luiz Fux, j. 13-12-2012, P, DJE de 19-2-2013.]
 
Trata-se de ação direta na qual se pretende seja declarada inconstitucional lei amazonense que dispõe sobre a realização gratuita do exame de DNA. (...) Quanto ao art. 3º da lei, a "autorização" para o exercício do poder regulamentar nele afirmada é despicienda, pois se trata, aí, de simples regulamento de execução. Em texto de doutrina anotei o seguinte: "(o)s regulamentos de execução decorrem de atribuição explícita do exercício de função normativa ao Executivo (Constituição, art. 84, IV). O Executivo está autorizado a expedi-los em relação a todas as leis (independentemente de inserção, nelas, de disposição que autorize emanação deles). Seu conteúdo será o desenvolvimento da lei, com a dedução dos comandos nela virtualmente abrigados. A eles se aplica, sem ressalvas, o entendimento que prevalece em nossa doutrina a respeito dos regulamentos em geral. Note-se, contudo, que as limitações que daí decorrem alcançam exclusivamente os regulamentos de execução, não os 'delegados' e os autônomos. Observe-se, ainda, que, algumas vezes, rebarbativamente (art. 84, IV), determinadas leis conferem ao Executivo autorização para a expedição de regulamento tendo em vista sua fiel execução; essa autorização apenas não será rebarbativa se, mais do que autorização, impuser ao Executivo o dever de regulamentar". No caso, no entanto, o preceito legal marca prazo para que o Executivo exerça função regulamentar de sua atribuição, o que ocorre amiúde, mas não deixa de afrontar o princípio da interdependência e harmonia entre os poderes. A determinação de prazo para que o chefe do Executivo exerça função que lhe incumbe originariamente, sem que expressiva de dever de regulamentar, tenho-a por inconstitucional. Nesse sentido, veja-se a ADI 2.393, rel. min. Sydney Sanches, DJ de 28-3-2003, e a ADI 546, rel. min. Moreira Alves, DJ de 14-4-2000. [ADI 3.394, voto do rel. min. Eros Grau, j. 2-4-2007, P, DJE de 15-8-2008.]
 

Embora exista certa divergência doutrinária a respeito da exclusividade do exercício do poder regulamentar pelo Chefe do Executivo, a Constituição confere competência para os Ministros de Estado expedir instruções para a execução das leis, decretos e regulamentos” (cf. art. 87, II, da CF/88). A partir deste dispositivo constitucional é possível inferir que o poder regulamentar pode ser exercido por outros órgãos da Administração Pública afastando-se a exclusividade do Chefe do Poder Executivo para desempenho deste mister. Disto decorre que não apenas as Leis, mas inclusive os Decretos, podem necessitar de instruções a serem expedidas por outras autoridades administrativas sejam Ministros de Estados, Secretários, dentre outras autoridades.

 

Com fulcro no art. 87, II da Constituição a doutrina majoritária admite a existência de atos de regulamentação de primeiro e segundo graus:  

 
Os decretos e regulamentos podem ser considerados como atos de regulamentação de primeiro grau; outros atos que a eles se subordinem e que, por sua vez, os regulamentem, evidentemente com maior detalhamento, podem ser qualificados como atos de regulamentação de segundo grau, e assim por diante. Como exemplo dos atos de regulamentação de segundo grau, podemos citar as instruções expedidas pelos Ministros de Estado[6].

 

No caso sub examine importa aferir se a Portaria SGP/MP n.º 04/2018 extrapolou os limites do poder regulamentar conferido ao Secretário de Gestão de Pessoas, posto que a CONJUR/MRE por meio da NOTA JURÍDICA n. 00002/2017/GABCONJUR/CONJUR-MRE/CGU/AGU (Seq. 9, do SAPIENS) lançou questionamentos a esse respeito, vejamos:

 

19. Há um segundo elemento que não pode ser desprezado, e que tem a ver, especificamente, com a forma de regulamentação do parágrafo único do art. 2º.
20. Ficou consagrado também no acórdão da ADC 41, que a aplicação do critério de heteroidentificação deve respeito à “dignidade da pessoa humana e garantidos o contraditório e a ampla defesa”.
21. A consideração do trecho, no acórdão, remete imediatamente à questão da aplicação do critério de heteroidentificação no domínio dos direitos fundamentais.
22. Se a possibilidade de uso desse critério subsidiário é capaz de afetar direitos fundamentais, ou, mais especificamente, de restringi-los, pode-se estar diante de uma matéria submetida a reserva legal.
23. O voto do min. Alexandre de Moraes parece colocar em perspectiva uma possível restrição de direitos fundamentais, na utilização dos critérios, quando sustenta que: “Apenas se a análise desses documentos se revelar insuficiente é que deverá ser acionada a alternativa mais invasiva (...)”.
24.Como se sabe, a melhor dogmática dos direitos fundamentais exige que qualquer restrição a direitos fundamentais seja empreendida por lei. Na frase esclarecedora de Canotilho: “Acima de tudo deve frisar-se que a distinção entre ‘regulamentação’ e ‘restrição’ – aquela a poder ser feita por regulamentos e estas apenas por actos legislativos – não deve escamotear o sentido do requisito constitucional: a regulamentação dos aspectos essenciais da restrição pertence à lei”.[7]
25. Concederia, pois, maior segurança jurídica para a Administração Pública Federal que ato com força de lei disciplinasse o modo como se dará a relação entre os critérios da autodeclaração e aquele subsidiário da heteroidentificação. Do contrário, excessiva judicialização pode se seguir por parte daqueles candidatos que se considerarem, de algum modo, lesados pela heteroidentificação, como no caso de comissões verificadores, sem que antes se lhes tenha oportunizado uma etapa específica para a autodeclaração.
 

Da leitura do art. 1º da Lei n.º 12.990/2014 depreende-se que a restrição ao direito do candidato a concorrer a todas as vagas foi prevista em lei: 

 

Art. 1o Ficam reservadas aos negros 20% (vinte por cento) das vagas oferecidas nos concursos públicos para provimento de cargos efetivos e empregos públicos no âmbito da administração pública federal, das autarquias, das fundações públicas, das empresas públicas e das sociedades de economia mista controladas pela União, na forma desta Lei.
 

Além disso, o art. 2º, caput e parágrafo único da citada Lei estabeleceu a forma através da qual o candidato negro terá acesso às vagas, bem como as penalidades decorrentes de eventual declaração falsa:

 

Art. 2o Poderão concorrer às vagas reservadas a candidatos negros aqueles que se autodeclararem pretos ou pardos no ato da inscrição no concurso público, conforme o quesito cor ou raça utilizado pela Fundação Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística - IBGE.
Parágrafo único.  Na hipótese de constatação de declaração falsa, o candidato será eliminado do concurso e, se houver sido nomeado, ficará sujeito à anulação da sua admissão ao serviço ou emprego público, após procedimento administrativo em que lhe sejam assegurados o contraditório e a ampla defesa, sem prejuízo de outras sanções cabíveis.
 

O dispositivo legal acima transcrito impõe que, em sendo constatada a falsidade da declaração, a Administração Pública elimine o candidato do concurso ou, na hipótese de já ter ingressado no serviço público, declare nula sua admissão.  Estabelece ainda que o procedimento administrativo que se destina a verificar a veracidade da declaração assegure ao candidato o contraditório e a ampla defesa.

 

Os atos regulamentares editados pelo órgão central do SIPEC  ao estabelecerem que a aferição da veracidade da declaração se daria por meio de uma comissão de heteroidentificação e que o critério utilizado seria o fenotípico a meu sentir não extrapolaram a discricionariedade conferida ao administrador público. Não houve qualquer inovação no ordenamento jurídico que restringisse direitos e liberdades individuais. A restrição está prevista na Lei n.º 12.990/2014.  Tanto a Orientação Normativa SEGRT/MP n.º 03/2016 quanto a Portaria SGP/MP n.º 04/2018 limitaram-se a estabelecer regras procedimentais visando conferir fiel execução à Lei. 

 

Não bastasse isso, conforme será aprofundado nos tópicos seguintes, a Portaria SGP/MP n.º 04/2018, deu lugar à normatização inaugurada pela Orientação Normativa SEGRT/MP n.º 03/2016 com a finalidade de se adequar à decisão do STF na ADC n.º 41. Nesse sentido, o PARECER n. 00181/2018/ALF/CGJAN/CONJUR-MP/CGU/AGU (Seq. 34 – SAPIENS) da lavra do Advogado da União André Luís Macagnan Freire com acuidade explicita:

 

39. De toda enunciação dos fundamentos legais, jurisprudenciais e teóricos ora expostos, extraio como balizas que irão orientar a normatização infralegal, em primeiro lugar, da própria licitude e legitimidade de um critério subsidiário de heteroidentificação, complementar à autodeclaração dos candidatos. Ademais, no delineamento normativo de tal procedimento, impõe-se a observância de algumas cautelas, tais quais apontadas pelo STF no âmbito da ADC 41, quais sejam, (a) respeito à dignidade humana dos candidatos; (b) observância do contraditório e da ampla defesa, quando da rejeição da autodeclaração do candidato; e (c) parcimônia no tratamento dos casos limítrofes e duvidosos ("zonas cinzentas"), à luz da miscigenação característica da população brasileira.
40. Observo que a norma em apreço, ainda que contenha escolhas discricionárias, mas devidamente justificadas, do órgão consulente na definição do rito procedimental, insere-se nestes quadrantes definidos pela Lei nº 12.990, de 2014, e pelo entendimento do STF.
 

Outro ponto que merece ser abordado diz respeito a competência do Secretário de Gestão de Pessoas para a prática deste ato regulamentar. Sobre assunto, permita-me mais uma vez trazer os fundamentos jurídicos apontados no PARECER n. 00181/2018/ALF/CGJAN/CONJUR-MP/CGU/AGU (Seq. 34 - SAPIENS):

 
2.3 Competência
41. O Senhor Secretário de Gestão de Pessoas detém competência legal e regimental para expedir a instrução normativa que pretende publicar. O art. 87 da Constituição Federal e a Lei nº 13.502, de 2017, estabelecem o fundamento constitucional e legal para atuação dos Ministros de Estado, enquanto auxiliares diretos do Senhor Presidente da República. No exercício de seu plexo de atribuições, por sua vez, os Ministros de Estado são assessorados pelos Secretários das Pastas. Logo, a competência destas autoridades se legitima "em cascata", ou seja, em decorrência das prerrogativas dos titulares dos Ministérios.
42. Mais especificamente, no que concerne à matéria posta sob consulta, a Lei que estabelece a organização básica dos Ministérios atribui ao Ministério do Planejamento a função de órgão central do Sistema de Pessoal Civil (Sipec) da Administração Pública federal. Por sua vez, a estrutura regimental da Pasta confere à SGP/MP as atribuições de formulação de políticas e diretrizes para aperfeiçoamento do recrutamento de pessoal e de orientação na realização de concursos públicos. Cito dispositivos pertinentes:
Lei nº 13.502, de 2017
Art. 53. Constitui área de competência do Ministério do Planejamento, Desenvolvimento e Gestão: VII - coordenação e gestão dos sistemas de planejamento e orçamento federal, de pessoal civil, de organização e modernização administrativa, de administração de recursos de informação e informática e de serviços gerais;
Anexo I ao Decreto nº 9.035, de 2017
Art. 24. À Secretaria de Gestão de Pessoas compete: I - formular políticas e diretrizes para o aperfeiçoamento contínuo dos processos de gestão de pessoas no âmbito da administração pública federal, nos aspectos relativos a: (...) b) recrutamento e seleção; (...)
Art. 25. Ao Departamento de Legislação e Provimento de Pessoas compete: II - orientar, analisar e emitir manifestação técnica sobre demandas para a realização de concursos públicos e de processos seletivos para contratação de pessoal por tempo determinado;

 

Assim, com fundamento nos argumentos expendidos neste tópico, é possível concluir que a instituição por meio de ato regulamentar de segundo grau de procedimento para aferição da veracidade da autodeclaração encontra respaldo no parágrafo único do art. 2º da Lei n.º 12.990/2014 e a competência do Secretário de Gestão de Pessoas para a sua prática está prevista no art. 53, da Lei n.º 13.502/2017 c/c arts. 24 e 25 do Anexo I ao Decreto n.º 9.035/2017.

 

c) Da comissão para verificação da veracidade da autodeclaração

 

Ultrapassada a discussão a respeito da possibilidade de ser editado procedimento por meio de ato regulamentar de segundo grau, interessa aprofundar a análise a respeito da instituição de comissão para verificação da autodeclaração de todos os candidatos prevista inicialmente na Orientação Normativa SEGRT/MP n.º 03/2016 e atualmente prevista na Portaria SGP/MP n.º 04/2018.  

 

Acerca da verificação da veracidade da autodeclaração por uma comissão a  revogada Orientação Normativa SEGRT/MP n.º 03/2016 dispunha:

 

Art. 2º Nos editais de concurso público para provimento de cargos efetivos e empregos públicos no âmbito da administração pública federal, das autarquias, das fundações públicas, das empresas públicas e das sociedades de economia mista controladas pela União deverão ser abordados os seguintes aspectos:
(...)
II - prever e detalhar os métodos de verificação da veracidade da autodeclaração, com a indicação de comissão designada para tal fim, com competência deliberativa;
(...)
§ 2º A comissão designada para a verificação da veracidade da autodeclaração deverá ter seus membros distribuídos por gênero, cor e, preferencialmente, naturalidade.
 

A Portaria SGP/MP n.º 04/2018, atualmente vigor, trata o assunto de forma mais detalhada conforme se observa dos dispositivos abaixo transcritos:

 

Seção II
Do Procedimento para Fins de Heteroidentificação
Art. 5º - Considera-se procedimento de heteroidentificação a identificação por terceiros da condição autodeclarada.
Art. 6º - O procedimento de heteroidentificação será realizado por comissão criada especificamente para este fim.
§ 1º - A comissão de heteroidentificação será constituída por cidadãos:
I - de reputação ilibada;
II - residentes no Brasil;
III - que tenham participado de oficina sobre a temática da promoção da igualdade racial e do enfrentamento ao racismo com base em conteúdo disponibilizado pelo órgão responsável pela promoção da igualdade étnica previsto no § 1º do art. 49 da Lei nº 12.288, de 20 de julho de 2010; e
IV - preferencialmente experientes na temática da promoção da igualdade racial e do enfrentamento ao racismo.
§ 2º - A comissão de heteroidentificação será composta por cinco membros e seus suplentes.
§ 3º - Em caso de impedimento ou suspeição, nos termos dos artigos 18 a 21 da Lei nº 9.784, de 29 de janeiro de 1999, o membro da comissão de heteroidentificação será substituído por suplente.
§ 4º - A composição da comissão de heteroidentificação deverá atender ao critério da diversidade, garantindo que seus membros sejam distribuídos por gênero, cor e, preferencialmente, naturalidade.
Art. 7º - Os membros da comissão de heteroidentificação assinarão termo de confidencialidade sobre as informações pessoais dos candidatos a que tiverem acesso durante o procedimento de heteroidentificação.
§ 1º - Serão resguardos o sigilo dos nomes dos membros da comissão de heteroidentificação, podendo ser disponibilizados aos órgãos de controle interno e externo, se requeridos.
§ 2º - Os currículos dos membros da comissão de heteroidentificação deverão ser publicados em sítio eletrônico da entidade responsável pela realização do certame.
Art. 8º - Os candidatos que optarem por concorrer às vagas reservadas às pessoas negras, ainda que tenham obtido nota suficiente para aprovação na ampla concorrência, e satisfizerem as condições de habilitação estabelecidas em edital deverão se submeter ao procedimento de heteroidentificação.
§ 1º - O edital definirá se o procedimento de heteroidentificação será promovido sob a forma presencial ou, excepcionalmente e por decisão motivada, telepresencial, mediante utilização de recursos de tecnologia de comunicação.
§ 2º - A fase específica do procedimento de heteroidentificação ocorrerá imediatamente antes do curso de formação, quando houver, e da homologação do resultado final do concurso público.
§ 3º - Será convocada para o procedimento de heteroidentificação, no mínimo, a quantidade de candidatos equivalente a três vezes o número de vagas reservadas às pessoas negras previstas no edital, ou dez candidatos, o que for maior, resguardadas as condições de aprovação estabelecidas no edital do concurso.
§ 4º - Os candidatos habilitados dentro do quantitativo previsto no § 3º serão convocados para participarem do procedimento de heteroidentificação, com indicação de local, data e horário prováveis para realização do procedimento.
§ 5º - O candidato que não comparecer ao procedimento de heteroidentificação será eliminado do concurso público, dispensada a convocação suplementar de candidatos não habilitados.
(...)
Art. 12 - A comissão de heteroidentificação deliberará pela maioria dos seus membros, sob forma de parecer motivado.
§ 1º - As deliberações da comissão de heteroidentificação terão validade apenas para o concurso público para o qual foi designada, não servindo para outras finalidades.
§ 2º - É vedado à comissão de heteroidentificação deliberar na presença dos candidatos.
§3º - O teor do parecer motivado será de acesso restrito, nos termos do art. 31 da lei n.º 15.257, de 18 de novembro de 2011.
§ 4º - O resultado provisório do procedimento de heteroidentificação será publicado em sítio eletrônico da entidade responsável pela realização do certame, do qual constarão os dados de identificação do candidato, a conclusão do parecer da comissão de heteroidentificação a respeito da confirmação da autodeclaração e as condições para exercício do direito de recurso pelos interessados.

 

Além dos normativos que disciplinam a matéria, reputa-se conveniente apresentar de maneira sucinta os argumentos apresentados pelas Consultoria Jurídicas envolvidas:

 

A CONJUR/MRE defende que o normativo editado no âmbito do MP está em desacordo com a decisão do STF na ADC n.º 41 pautando-se no seguinte raciocínio:

 

NOTA JURÍDICA n. 00002/2017/GABCONJUR/CONJUR-MRE /CGU/AGU (Seq. 9 – SAPIENS)

 

15. Entendo, salvo melhor juízo, que o próprio pressuposto da Orientação Normativa, disposto no art. 1º, inverte a ordem do que deveria ser a aferição de uma eventual falsidade da autodeclaração, estabelecendo a obrigatoriedade para que o candidato prove a veracidade daquilo que declarou. Ao empreender tal inversão, a ON nº 3/2016 não trata o critério da heteroidentificação como subsidiário, mas o promove ao primeiro patamar, esvaziando a função da autodeclaração. O que, de fato, deveria ocorrer, portanto, seria um procedimento para a aferição de ocorrência de falsidade da autodeclaração, e não de sua veracidade.
16. Do modo como redigida a ON nº 3/2016, a aferição de veracidade da autodeclaração não é dirigida apenas aos candidatos que se enquadrem, para usar a expressão do min. Barroso, “nos casos em que haja fundadas razões para acreditar que houve abuso na autodeclaração”. Todos os candidatos que apresentarem autodeclaração são obrigados a comparecer perante a comissão verificadora prevista no diploma. Indaga-se se, com esse sistema tal qual previsto, não se estaria gerando uma presunção de falsidade da autodeclaração, porquanto o candidato precisa fazer prova – que será ou não aceita pela comissão verificadora – de que declarou um estado de coisas verdadeiro. Se tal prova necessita ser feita em todos os casos, não se está mais no campo da autodeclaração, uma vez que a prova terá sempre de ser valorada por um terceiro.
17. Como muito bem destacaram vários ministros no julgamento da ADC 41, um mecanismo para conter fraudes é absolutamente necessário num sistema de cotas como o preconizado na lei 12.990/2014. Ocorre que o parágrafo único do art. 2º da referida lei não pode ser lido isoladamente, mas em conjunto com o caput, que prevê a autodeclaração. É somente nos casos em que se visualizar que a autodeclaração contém, em si, um elemento de desconfiança que pode levar alguém a crer que se trata, em verdade, de declaração falsa, que se devem acionar os mecanismos para a verificação de sua eventual falsidade.
18. Assim sendo, entendo, salvo melhor juízo, que a ON nº 3/2016, não se adequa ao que decidido pelo STF na ADC 41. Especificamente, ela conflita com o critério definido pela Suprema Corte de que a heteroidentificação deva ser meio apenas subsidiário ao critério de autodeclaração, para fins de aplicação do parágrafo único do art. 2º. Não se pode olvidar que a ON nº 3/2016 é anterior à decisão do STF.

 

A CONJUR/MP, por sua vez, por meio do PARECER n. 01216/2017/LFL/CGJRH/CONJUR-MP/CGU/AGU (Seq. 6 - SAPIENS) assim se posiciona:

 

17. No mesmo sentido, em defesa da legalidade da instituição do procedimento de averiguação da veracidade das autodeclarações por terceiros, mediante avaliação dos aspectos fenotípicos do candidato, foi prolatado o Parecer nº 01103/2016/LBS/CGJRH/CONJUR-MP/CGU/AGU (NUP: 04600.005093/2016-26), a seguir reproduzido, parcialmente:
 
"(...) 11. Destaca-se, ainda, que o procedimento para averiguação da veracidade das autodeclarações, em que pese tenha se dado a partir de provocação de órgãos externos ao Poder Executivo Federalé uma medida ex lege, alcançando candidatos nomeados ou não (art. 2º, paragrafo único da Lei nº. 12.990/2014) - desde que observados os princípios do contraditório e da ampla defesa aos eventuais prejudicados -, e que, por óbvio, visa a dar plena efetividade à política pública de reserva de vagas aos candidatos negros (pretos e pardos).
(...)
 
18. Percebe-se que, no âmbito desta unidade de assessoramento jurídico, encontra-se consolidado o entendimento favorável à criação de comissão que apure a veracidade da autodeclaração do candidato como negro, por meio da utilização exclusiva do critério do fenótipo. Os pareceres a que se fez menção até aqui (Parecer nº 00776/2015/DQO/CGJRH/CONJUR-MP/CGU/AGU, Parecer nº 00909/2016/CONJUR-MP/CGU/AGU  e Parecer nº 01103/2016/LBS/CGJRH/CONJUR-MP/CGU/AGU), ratificados nesta oportunidade, entre outros opinativos emitidos por esta Consultoria em diversas outras consultas semelhantes sobre a matéria, evidenciam que as normas da ON nº 3/16 objeto de debate, salvo melhor juízo, possuem sim fundamento legal.
(...)
22. Considerando-se, dessarte, que a legislação prevê procedimento administrativo para verificação de falsidade da autodeclaração prestada por candidatos negros, esta Consultoria Jurídica entende que a Orientação Normativa nº 3/16, ao prever a sistemática da heteroidentificação através da indicação de comissão designada especificamente para aludida averiguação, não só respeitou os ditames legais, dos quais extraiu o seu fundamento, como conferiu efetividade aos mesmos.  (...)
 

Bem elucidados os posicionamentos da CONJUR/MRE e da CONJUR/MP, passo a apresentar o posicionamento desta CNU:

 

A noção de controle dos Poderes, no qual se insere o controle da atividade administrativa, decorre da ideia de separação de funções estatais e do controle do poder político como formas de garantia das liberdades individuais inerentes à concepção do Estado de Direito.  Essas liberdades individuais consistem nos denominados direitos de primeira dimensão que têm como nota característica a garantia das esferas de autonomia dos indivíduos face ao jus imperium do Estado. Disto decorre que estes direitos de liberdade “tendem a limitar o poder do Estado e a reservar para o indivíduo, ou para grupos particulares, uma esfera de liberdade em relação ao Estado”[8].

 

As ações afirmativas se inserem no contexto dos direitos de segunda dimensão por buscarem garantir a igualdade material dos indivíduos. Caracterizam-se por serem direitos que exigem do Estado determinadas prestações jurídicas ou materiais [9] - como saúde, educação, assistência social, dentre outros - se inserindo como direitos de status positivo de acordo com a teoria de Jellinek. Por certo, “o fato de o indivíduo ter esse tipo de pretensão em face do Estado significa, em primeiro lugar, que ele tem direito a algo em face do Estado e, em segundo lugar, que tem uma competência em relação ao seu cumprimento”[10].

 

Ao transpor a noção de controle do Poder Estatal para os direitos de segunda dimensão este assume uma nova feição. Enquanto nos direitos de primeira dimensão exige-se do Estado uma abstenção e o controle sobre a atividade administrativa visa garantir que o Estado não se imiscua na seara da liberdade individual, o  controle exercido sobre os direitos de segunda dimensão são no sentido de garantir que as prestações materiais ou jurídicas do Estado sejam adequadas e suficientes para garantir a igualdade material dos indivíduos nos limites da disponibilidade orçamentária que lhes são inerentes.

 

Assim, o controle incidente sobre as ações afirmativas assume maior relevância na medida em que visa garantir que o discrímen adotado pela política pública alcance aqueles que efetivamente se enquadrem na norma, sob pena de restar violada a igualdade material. É por essa razão que todas as políticas públicas devem contar com mecanismos e práticas de avaliação e monitoramento a fim de que se avalie a sua implementação e alocação de recursos. O art. 49 da Lei n.º 12.288/2010 (Estatuto da Igualdade Racial) bem explicita essa sistemática:

 

Art. 49.  O Poder Executivo federal elaborará plano nacional de promoção da igualdade racial contendo as metas, princípios e diretrizes para a implementação da Política Nacional de Promoção da Igualdade Racial (PNPIR).
§ 1o  A elaboração, implementação, coordenação, avaliação e acompanhamento da PNPIR, bem como a organização, articulação e coordenação do Sinapir, serão efetivados pelo órgão responsável pela política de promoção da igualdade étnica em âmbito nacional.
§ 2o  É o Poder Executivo federal autorizado a instituir fórum intergovernamental de promoção da igualdade étnica, a ser coordenado pelo órgão responsável pelas políticas de promoção da igualdade étnica, com o objetivo de implementar estratégias que visem à incorporação da política nacional de promoção da igualdade étnica nas ações governamentais de Estados e Municípios.
§ 3o  As diretrizes das políticas nacional e regional de promoção da igualdade étnica serão elaboradas por órgão colegiado que assegure a participação da sociedade civil.

 

Por certo, a  Administração Pública deve dispor de meios para realizar esse controle como forma de fortalecer e conferir efetividade e transparência à política pública e, por consequência, permitir o accountability pelos órgãos de controle e pela sociedade. Nesse sentido, mais uma vez destaco dispositivo da Lei n.º 12.288/2010 (Estatuto da Igualdade Racial):

 

Art. 59.  O Poder Executivo federal criará instrumentos para aferir a eficácia social das medidas previstas nesta Lei e efetuará seu monitoramento constante, com a emissão e a divulgação de relatórios periódicos, inclusive pela rede mundial de computadores.

 

A instituição de comissões de  heteroidentificação visa conferir maior controle, transparência e efetividade à política pública de cotas étnico raciais, tendo em vista que  "as evidências empíricas mostram que o procedimento de heteroidentificação, ou até outra forma de averiguação complementar à autodeclaração, é uma necessidade imperiosa, à luz das recentes fraudes deflagradas. Entendo que a medida é necessária para que a ação afirmativa e a Lei nº 12.990, de 2014, alcancem seus objetivos com efetividade. A adoção de mecanismos de enforcement se impõe ao Poder Público, com vistas a assegurar a efetiva observância da reserva de vagas, reduzindo-se a margem de erro no ingresso de candidatos não negros no serviço público pelo sistema de reserva de vagas."[11]

 

Assim, ao contrário da interpretação conferida pela CONJUR/MRE no sentido de que a Orientação Normativa SEGRT/MP n.º 03/2016, substituída pela Portaria SGP/MP n.º 04/2018, pressupõe a falsidade da declaração ao estabelecer um  procedimento obrigatório para todos os candidatos que se autodeclararem negros estando em descompasso com a prevalência da autodeclaração em afronta ao decidido pelo STF na ADC n.º 41, parece-me evidente que a intenção da norma é conferir efetividade a política de cotas assegurando a sua igualdade material. 

 

Nesse sentido, destaco trechos do voto do Ministro Relator Luís Roberto Barroso na ADC n.º 41 que reconheceu que para conferir concretude ao disposto no art. 2º, parágrafo único da Lei n.º 12.990/2014 se admite a combinação dos sistema da autodeclaração (principal) e da heteoridentificação (subsidiário):

 

67. Para dar concretude a esse dispositivo, entendo que é legítima a utilização, além da autodeclaração, de critérios subsidiários de heteroidentificação para fins de concorrência pelas vagas reservadas, para combater condutas fraudulentas e garantir que os objetivos da política de cotas sejam efetivamente alcançados. São exemplos desses mecanismos: a exigência de autodeclaração presencial, perante a comissão do concurso; a exigência de fotos; e a formação de comissões, com composição plural, para entrevista dos candidatos em momento posterior à autodeclaração . A grande dificuldade, porém, é a instituição de um método de definição dos beneficiários da política e de identificação dos casos de declaração falsa, especialmente levando em consideração o elevado grau de miscigenação da população brasileira. 68. É por isso que, ainda que seja necessária a associação da autodeclaração a mecanismos de heteroidentificação, para fins de concorrência pelas vagas reservadas nos termos Lei nº 12.990/2014, é preciso ter alguns cuidados. Em primeiro lugar, o mecanismo escolhido para controlar fraudes deve sempre ser idealizado e implementado de modo a respeitar a dignidade da pessoa humana dos candidatos. Em segundo lugar, devem ser garantidos os direitos ao contraditório e à ampla defesa, caso se entenda pela exclusão do candidato. Por fim, deve se ter bastante cautela nos casos que se enquadrem em zonas cinzentas. Nas zonas de certeza positiva e nas zonas de certeza negativa sobre a cor (branca ou negra) do candidato, não haverá maiores problemas. Porém, quando houver dúvida razoável sobre o seu fenótipo, deve prevalecer o critério da autodeclaração da identidade.
 

Assim, não se trata de conferir prevalência à heteroidentificação em detrimento à autodeclaração, mas de garantir a efetividade do princípio da igualdade material por meio de mecanismos de enforcement da política pública. Tanto é assim que a Portaria SGP/MP n.º 4/2018 ao mesmo tempo em que considera que a autodeclaração goza de presunção relativa de veracidade (art. 3º, caput, da citada Portaria), estabelece que em caso de dúvida razoável a respeito do fenótipo do candidato prevalecerá a autodeclaração (art. 3º, § 2º da citada Portaria):

 

Art. 3º - A autodeclaração do candidato goza da presunção relativa de veracidade.
§ 1º - Sem prejuízo do disposto no caput, a autodeclaração do candidato será confirmada mediante procedimento de heteroidentificação;
§ 2º A presunção relativa de veracidade de que goza a autodeclaração do candidato prevalecerá em caso de dúvida razoável a respeito de seu fenótipo, motivada no parecer da comissão de heteroidentificação.

 

Argumentação semelhante consta no PARECER n. 00181/2018/ALF/CGJAN/CONJUR-MP/CGU/AGU (Seq. 34 – SAPIENS) que devido a importância transcrevo abaixo:

 

8. A controvérsia reside na potencial contradição entre a suposta suficiência do sistema de autodeclaração do candidato e a possibilidade de fraude ao certame por pessoa que  não faz jus ao tratamento legal diferenciado, a demandar um modelo que complementa a autodeclaração com a averiguação por terceiros.
(...)
15. O procedimento de heteroidentificação para implementação da política de cotas raciais no ingresso no serviço público impõe à Administração Pública contratante o dever de observância da igualdade (art. 5º, caput, e art. 37, II, CRFB). As ações afirmativas, por sua natureza, prestigiam a igualdade em sua vertente material, conferindo tratamento favorecido a categorias de sujeitos desfavorecidos ou discriminados. Assim, o procedimento de averiguação, voltado à devida implementação desta ação afirmativa, também deverá atender a esta orientação. Por outro lado, aos sujeitos inseridos dentro da mesma categoria, isto é, entre os negros e entre os não negros, a Administração Pública deve dar concretude ao tratamento isonômico em sua acepção formal: aos iguais, deve-se adotar a mesma conclusão em relação à aplicabilidade da ação afirmativa. O Ministro Luís Roberto Barroso, no voto proferido na Ação Declaratória de Constitucionalidade nº 41 mais adiante abordada, insere, ainda, como terceira categoria a "igualdade como reconhecimento ", que está relacionada "ao respeito às minorias e ao tratamento da diferença de uma maneira geral. (...) significa respeitar as pessoas nas suas diferenças, mas procurar aproximá-las, igualando as oportunidades".
16. Considerando a finitude dos recursos públicos que subsidiam as ações  governamentais, é dever do administrador fazer com que as políticas públicas atendam à economicidade, buscando alcançar maior resultado com o dispêndio de menos recursos. Sob a ótica constitucional, trata-se de implementar o princípio da eficiência (art. 37, caput, CRFB) na idealização da melhor modelagem, que alcance o objeto da Lei de Cotas sem comprometer um montante irrazoável de recursos públicos na  heteroidentificação dos candidatos autodeclarados negros.
17. Por fim, vetor axiológico imbricado no Estado Democrático de Direito é a proteção aos direitos e garantias individuais. A aferição da veracidade da autodeclaração do candidato que se apresenta como negro, para fins de concorrência pelas vagas reservadas, pressuporá sempre o respeito ao plexo mínimo de direitos inerentes aos administrados, tais quais a sua dignidade, a sua intimidade e o seu direito de autodeterminação da identidade.
18. No entanto, estas três normas de maximização jamais poderão ser implementadas em sua plenitude, sem que isto promova um sacrifício relativo recíproco. Para ilustrar o argumento, recorro uma situação exemplificativa, inclusive cogitada no bojo do relatório final do GTI. Um dos aspectos a ser normatizado é o momento para realização do procedimento de heteroidentificação. A averiguação da qualificação negra do candidato no início do concurso público tem a vantagem de conferir mais segurança e atende à igualdade, pois desde o início do certame os candidatos têm ciência se concorrerão pelas vagas reservadas ou se a banca examinadora não os considera aptos a concorrerem por este sistema. Este modelo, a seu turno, se mostra dispendioso, já que será aplicado a uma gama muito maior de concorrentes. Por outro lado, optando-se por aplicar o procedimento de heteroidentificação ao final do concurso público, prestigia-se a economicidade, vez que um espectro menor de candidatos serão submetidos à averiguação, mas fere-se a igualdade formal entre os candidatos negros aprovados dentro do percentual de vagas reservadas e os candidatos negros que deixaram de concorrer pelo sistema de reserva de vagas, por receio da conclusão da comissão averiguadora e sua consequente exclusão do certame.

 

Dito isto, parece-me não haver dúvidas de que a instituição de comissões de heteroidentificação encontra respaldo no ordenamento jurídico brasileiro e tem por finalidade precípua conferir efetividade à política de cotas, em observância ao princípios da transparência, da efetividade e da igualdade material.

 

d) Do critério fenotípico como critério exclusivo para aferição da veracidade da autodeclaração.

 

O último aspecto a ser abordado no presente Parecer é o fenótipo como critério exclusivo para aferição da veracidade da autodeclaração.

 

Sobre a adoção do critério fenotípico a  revogada Orientação Normativa SEGRT/MP n.º 03/2016 dispunha:

 

Art. 2º Nos editais de concurso público para provimento de cargos efetivos e empregos públicos no âmbito da administração pública federal, das autarquias, das fundações públicas, das empresas públicas e das sociedades de economia mista controladas pela União deverão ser abordados os seguintes aspectos:
(...)
§ 1º As formas e critérios de verificação da veracidade da autodeclaração deverão considerar, tão somente, os aspectos fenotípicos do candidato, os quais serão verificados obrigatoriamente com a presença do candidato.
 

A Portaria SGP/MP n.º 04/2018, atualmente vigor, trata o assunto da seguinte forma:

 

Art. 9º - A comissão de heteroidentificação utilizará exclusivamente o critério fenotípico para aferição da condição declarada pelo candidato no concurso público.
§ 1º - Serão consideradas as características fenotípicas do candidato ao tempo da realização do procedimento de heteroidentificação.
§ 2º - Não serão considerados, para os fins do caput, quaisquer registros ou documentos pretéritos eventualmente apresentados, inclusive imagem e certidões referentes a confirmação em procedimentos de heteroidentificação realizados em concursos públicos federais, estaduais, distritais e municipais.

 

A CONJUR/MP no PARECER n. 01216/2017/LFL/CGJRH/CONJUR-MP/CGU/AGU (Seq. 6 - SAPIENS) defendeu a adoção do critério fenotípico com fulcro na argumentação abaixo transcrita:

 
17. No mesmo sentido, em defesa da legalidade da instituição do procedimento de averiguação da veracidade das autodeclarações por terceiros, mediante avaliação dos aspectos fenotípicos do candidato, foi prolatado o Parecer nº 01103/2016/LBS/CGJRH/CONJUR-MP/CGU/AGU (NUP: 04600.005093/2016-26), a seguir reproduzido, parcialmente:
 
"(...)
Da autodeclaração e da heteroatribuição
22. Avançando sobre as razões apresentadas, faz-se necessário abordar, ainda, a controvérsia acerca da autodeclaração do candidato como negro para fins de inclusão na reserva de vagas em concurso público à luz da Lei nº. 12.990/2014.
23. Em que pese o âmbito desta manifestação jurídica não permita a elaboração de um estudo minucioso acerca do tema das costas raciais, mormente pela sua conhecida extensão e complexidade, não se pode olvidar que a questão da legitimidade da referida política pública fora apreciada exaustivamente na ADPF nº. 186. Neste sentido, concluiu-se que, embora não se justifique falar em diferentes "raças" sob o ponto de vista científico-biológico, é amplamente reconhecida a existência de discriminação e preconceito nas sociedades humanas contra determinados "grupos" seja em razão de aspectos físicos, crença religiosa, origem etc - daí a razão de ser da política afirmativa em comento.
24. Conforme assentado no PARECER n. 00776/2015/DQO/CGJRH/CONJUR-MP/CGU/AGU, de 15 de julho de 2015, a ideia de "raça" possui extrema relevância jurídica, uma vez que na discriminação existente em razão da "cor" do indivíduo, a definição de "raça/cor" negra, branca, amarela, etc, decorre de elementos fenotípicos que a sociedade elencou como característicos de cada uma delas.
25. Em outro dizer, o critério adotado, portanto, para a verificação racial, para fins de aplicação da política de reserva de vagas para negros, é o de "averiguação fenotípica", ou seja, a manifestação visível ou detectável da constituição genética de um determinado indivíduo; posicionamento este amparado no entender do Supremo Tribunal Federal (vide voto-condutor do Min. Ricardo Lewandowsky na ADPF nº. 186) - este é o ponto fulcral para se entender a demanda.
26. Acrescenta-se, ainda, entendimento doutrinário no mesmo sentido, in verbis:
"Qualquer conversa sobre raça deve primeiramente começar com uma discussão sobre o que está e o que não está incluído na definição de raça. Enquanto a maioria dos indivíduos argumentará que a raça pode ser definida como uma classificação biológica baseada nos compartilhados traços genéticos e atributos físicos, na verdade, não há características raciais aparentes, distintas e definidas. Além do mais, não foi descoberto 'nenhum gene' que seja típico de um grupo racial para se distinguir de outro. Assim, a classificação da população humana em particulares grupos raciais é altamente arbitrária (...).
(...)
A raça é embutida nas relações sociais nas quais interpretações codificadas são usadas para se estabelecer as regras de interação com outros. A sociedade então se utiliza de características físicas, ou fenótipos, associados com uma raça em particular como uma maneira de se explicar as diferenças na natureza humana." Grifou-se. (BOWEN, Deirdre, ERIKSON, Jessica. Ação Afirmativa nos EUA, in Ações Afirmativas: a questão das cotas: análises jurídicas de um dos assuntos mais controvertidos da atualidade. Coordenador Renato Ferreira. Niterói, Rio de Janeiro, Impetus, 2011).
(...)
30. Dessa forma, a nosso sentir, o argumento exposto pela Requerente, com o escopo de infirmar a verificação efetuada, em que pese esteja fundamentado, esbarra no entendimento predominante de que, para fins de aplicação da Lei nº. 12.990, de 2014, o critério já fora amplamente debatido e chancelado pelo próprio Supremo Tribunal Federal, qual seja, o fenótipo do candidato submetido a exame, o que fora seguido in totum na condução do certame em voga. (...)" (grifos originais)
 
18. Percebe-se que, no âmbito desta unidade de assessoramento jurídico, encontra-se consolidado o entendimento favorável à criação de comissão que apure a veracidade da autodeclaração do candidato como negro, por meio da utilização exclusiva do critério do fenótipo. Os pareceres a que se fez menção até aqui (Parecer nº 00776/2015/DQO/CGJRH/CONJUR-MP/CGU/AGU, Parecer nº 00909/2016/CONJUR-MP/CGU/AGU  e Parecer nº 01103/2016/LBS/CGJRH/CONJUR-MP/CGU/AGU), ratificados nesta oportunidade, entre outros opinativos emitidos por esta Consultoria em diversas outras consultas semelhantes sobre a matéria, evidenciam que as normas da ON nº 3/16 objeto de debate, salvo melhor juízo, possuem sim fundamento legal.
19. De fato, conforme apontado pelo MRE no Aviso nº 02/G/JURI, que deu origem ao processo em exame, a Lei nº 12.288/10 estabeleceu como critério definidor de "população negra" a autodeclaração, e não aspectos fenotípicos, em seu art. 1°, parágrafo único, inciso IV, transcrito abaixo para facilitar a compreensão:
"Art. 1º Esta Lei institui o Estatuto da Igualdade Racial, destinado a garantir à população negra a efetivação da igualdade de oportunidades, a defesa dos direitos étnicos individuais, coletivos e difusos e o combate à discriminação e às demais formas de intolerância étnica.
Parágrafo único. Para efeito deste Estatuto, considera-se:
(...)
IV - população negra: o conjunto de pessoas que se autodeclaram pretas e pardas, conforme o quesito cor ou raça usado pela Fundação Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), ou que adotam autodefinição análoga; (...)" (grifos acrescidos)
20. Recorrendo a idêntico parâmetro, a Lei nº 12.990/14, editada com o objetivo de dar concretude às normas do Estatuto da Igualdade Racial que previram a implementação de programas de ação afirmativa, dispôs, em seu art. 2º, caput, que "poderão concorrer às vagas reservadas a candidatos negros aqueles que se autodeclararem pretos ou pardos no ato da inscrição no concurso público, conforme o quesito cor ou raça utilizado pela Fundação Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística - IBGE."
21. Constata-se, assim, que tanto a Lei nº 12.288/10 como a Lei nº 12.990/14 definiram a autodeclaração, no campo teórico, como método principal para definição das pessoas negras, partindo-se do pressuposto de que se deve respeitar a pessoa como ela própria se percebe, privilegiar a autopercepção. Ocorre que, na vida real, inúmeros são os casos em que são constatadas fraudes ao sistema da autodeclaração. Nesse contexto, a Lei nº 12.990/14, apesar de adotar a autodeclaração como método primário, permitiu a realização de controle subsidiário destinado a coibir as situações de uso irregular, abusivo e desonesto da autodeclaração, nos termos do parágrafo único do seu artigo 2º, reproduzido adiante, ipsis litteris: (...)
(...). Quanto à previsão do uso exclusivo do fenótipo para aferição da veracidade da autodeclaração, trata-se, consoante exposto nas manifestações anteriores desta unidade de assessoramento jurídico e na ADPF nº 186, de critério escolhido de maneira pertinente e razoável, tendo-se em vista que, no Brasil, o preconceito e a discriminação raciais decorrem justamente das características físicas exteriores do organismo.

 

O PARECER n. 00181/2018/ALF/CGJAN/CONJUR-MP/CGU/AGU (Seq.  34 - SAPIENS), por sua vez,  ao analisar a juridicidade da Portaria SGP/MP n.º 04/2018 destacou que a escolha do critério fenotípico insere-se no mérito do ato administrativo, não competindo ao órgão de assessoramento jurídico adentrar nesse aspecto, todavia remanesceria o dever da autoridade administrativa fundamentar a decisão, verbis:

 

65. A escolha do critério fenotípico e a adoção da contemporaneidade da avaliação são matérias afetas ao mérito administrativo, alheio ao crivo da CONJUR/MP. Acima de tudo, esta escolha pressupõe a devida fundamentação da autoridade consulente, motivo pelo qual recorro ao relatório final do GTI a esse respeito. Este colegiado não apenas apontou a conveniência da definição do crivo pelo fenótipo, mas também assinalou a inconveniência de outros parâmetros, como a biometria e a ancestralidade.
Cito:
3.3 A exclusividade do critério fenotípico
A confluência entre as discussões realizadas no âmbito do grupo de trabalho instituído pela Portaria Conjunta MP/MJC nº 11/2016 e as experiências acumuladas até o momento na realização de comissões de heteroidentificação em concursos públicos promovidos sob a égide da Lei nº. 12.990/2014 propiciou a formulação de uma série de diretrizes a balizarem a regulamentação desse diploma legal.
O primeiro aspecto a ser considerado é a explicitação do quesito a ser avaliado em sede de comissão de heteroidentificação: o fenótipo apresentado no momento do procedimento para fins de heteroidentificação. Este se apresenta como o fator mais adequado, em função da constatação incontornável de ser o reconhecimento social do indivíduo como negro calcado na identificação fenotípica cotidianamente operada pelo conjunto dos sujeitos integrantes do meio social.
Dado que o objetivo da lei é promover a representatividade étnico-racial no serviço público brasileiro, o aspecto fenotípico deve necessariamente ser o fator de verificação nos concursos públicos, por ser o aspecto desencadeador do ato de reconhecimento, tanto em termos positivos – no caso, a valorização da diversidade no conjunto do funcionalismo – quanto negativos – as manifestações de racismo desencadeadas pelo reconhecimento do negro.
Por essa razão, há que se afastar a ideia da necessidade de adoção de três ordens de critérios comumente aventados como desejáveis para a atuação das comissões de heteroidentificação, a saber: 1) medidas biométricas; 2) a investigação de antecedentes antropológicos, culturais e/ou biográficos que denotem a pertença do candidato à raça negra; e 3) a ancestralidade negra (genótipo).
Por medidas biométricas entende-se, neste contexto, a construção e adoção de quesitos para se avaliar se um candidato pode ser ou não considerado negro por meio do atendimento de medidas corporais (tais como espessura e formato dos lábios, do nariz, das maçãs do rosto ou da mandíbula) definidas como um valor numérico padronizado.
Já o que se nomeou como investigação de antecedentes antropológicos, culturais e/ou biográficos diz respeito à busca de elementos, perspectivas e experiências do candidato que estejam supostamente associadas à negritude. O entendimento e a experiência pessoais da condição de negro não são os fatores determinante para o reconhecimento social da negritude. Quando tomados em conta, muitas vezes por um viés negativo, tais aspectos assumem a forma de estereótipos culturais associados ao ser negro – aspectos como vestimenta, religiosidade, formas e estilos de expressão artística etc., que, se podem efetivamente ter origem em meios predominantemente negros, não configuram elementos normativamente apreciados ou cultivados por indivíduos negros.
Finalmente, não há que se falar, para fins de promoção da representatividade étnico-racial no serviço público, em se usar a ancestralidade negra como critério. A informação da existência de um ou vários antepassados negros nada diz, em termos de percepção racial, se desvinculado da percepção fenotípica. Mais uma vez, deve-se repisar que a discriminação deve ser compreendida socialmente, ainda que seja perpetrada por um indivíduo contra outro, a opressão é social, apesar das consequências da opressão serem sentidas pelo indivíduo, independente da raça ou cor de seus antepassados.
No caso do critério biométrico, além de estabelecer uma vinculação irreal entre a percepção racial e medidas numéricas no limite da arbitrariedade, acarretaria um processo de fragmentação do sujeito, deixado de ser tomado em sua totalidade existencial para ser reduzido a um nariz, a um crânio, a lábios, a uma tonalidade de pele etc. Por sua vez, o segundo e terceiro critério não operacionalizam a percepção racial – ao menos não isoladamente – pois esta se desencadeia geralmente da simples visualização do sujeito, sem qualquer interação mais aprofundada que leve ao conhecimento de sua experiência, mentalidade e condições de existência e ancestralidade.
Insista-se que o reconhecimento racial na sociedade brasileira não opera de nenhuma dessas três maneiras. Faça-se o exercício ex absurdo de se pensar um ato de racismo cometido em função de qualquer dessas percepções, isoladamente: as medidas do nariz ou dos lábios, em milímetros; a apreciação de elementos culturais associados à negritude, na verdade muitas vezes apropriados e elevados a símbolos da nacionalidade; ou o genótipo do sujeito.
A adoção de qualquer das três ordens de critérios que se acaba de descrever viria, ademais, a corroborar a crítica apressadamente dirigida à ação afirmativa de reserva de vagas, segundo a qual as comissões de heteroidentificação consistiriam em “tribunais raciais”. Constata-se a superficialidade de tal criticismo justamente pelo fato de, diferentemente da percepção disseminada pelo senso comum, a atividade das comissões
para fins de heteroidentificação não contemplar quaisquer dos critérios acima. Quanto mais pormenorizada e detalhada a análise a ser feita com base em características fragmentadas, como querem alguns puristas em objetividade, mais próximo o procedimento estaria do que se costumou chamar de “tribunal racial”.
A fenotipia do indivíduo é o fato gerador da discriminação, não importando outras dimensões para o ato discriminatório. Nas entrevistas de emprego, nas abordagens violentas da polícia, no preterimento em relacionamentos afetivos, em nenhum desses momentos se consideram medidas craniológicas isoladas, ou um suposto “pertencimento negro”, tampouco a árvore genealógica ou um exame de ancestralidade genética para verificar se a pessoa é ou não negra. É com base no conjunto fenotípico que a pessoa negra é discriminada.
Como a discriminação negativa da população negra no Brasil se dá pelas características fenotípicas visíveis, assim deve se dar também a discriminação positiva que visa alterar esse cenário a partir das ações afirmativas, no caso a reserva de vagas. Retoma-se aqui a importante lição do Ministro Luiz Fux, quando do voto da ADPF 186:
A discriminação e o preconceito existentes na sociedade não têm origem em supostas diferenças no genótipo humano. Baseiam-se, ao revés, em elementos fenotípicos de indivíduos e grupos sociais. São esses traços objetivamente identificáveis que informam e alimentam as práticas insidiosas de hierarquização racial ainda existentes no Brasil.
Nesse sentido, em consonância com o expresso na Lei 12.990/2014, com as deliberações do STF na ADPF 186 e na ADC 41, e ainda com o “fato social” de ser negro, o único critério utilizado na heteroidentificação é o fenótipo apresentado no dia do procedimento. Com isso, em nenhuma da etapas do concurso público será aceito documento ou material relativo às suas características fenotípicas pretéritas, ainda que para ser utilizado de forma subsidiária ao procedimento para fins de heteroidentificação. Laudos antropológicos, fotos de parentes, laudos dermatológicos ou médicos de qualquer ordem, documentos quaisquer, ainda que emitidos pela administração pública, não serão aceitos no concurso e não devem ser recepcionados pela administração pública em nenhuma hipótese.
No caso dos documentos emitidos pela administração pública, não se pode garantir que a heteroidentificação realizada por outro órgão ou ente tenha prezado pelos detalhes pormenorizados do procedimento descrito nesse relatório. Em alguns casos, como no recrutamento militar, a heteroidentificação pode ser feita em uma fila imensa de conscritos, sem nenhuma preparação prévia da pessoa responsável pela identificação, o que influencia
diretamente no resultado da identificação feita dessa maneira. A criação de uma “lista” de candidatos negros, como também pretendem os puristas, também não é recomendada, dado que poderia causar estigmas persistentes contra aqueles considerados “definitivamente” negros pelo Estado. (pp. 33-36, grifei).
 
A esse respeito, o Ministro Luís Roberto Barroso, reconhecendo as dificuldades na definição de critérios de análise, em seu voto condutor na ADC 41, assinalou o descabimento do uso do critério genotípico e a melhor adequação do parâmetro fenotípico ao fato social do racismo no contexto brasileiro, em decisão afeta à conveniência e à oportunidade da Administração Pública. O emprego desta clivagem por fenótipo, inclusive, enseja a assunção de raça por parte dos negros, no entanto, pode dar margem a oportunismos e desvirtuamento do modelo quando o sistema de cotas é acionado por não negros:
64. Não existem raças humanas sob o ponto de vista genético. As diferenças que separam brancos e negros no aspecto do genótipo são insignificantes e puramente superficiais.
Como é natural, essa descoberta significativa da ciência não acabou com o racismo enquanto fenômeno social; apenas serviu para deixar ainda mais claro o quanto essa forma de menosprezo ao outro é cruel, arbitrária e autointeressada. Essa questão já foi objeto de manifestação por parte do STF, que rejeitou a ideia de que a inexistência biológica de raças humanas teria tornado insubsistente o racismo e as demais formas de preconceito baseado no fenótipo ou em fatores correlatos. Feita a observação, é preciso reconhecer que a definição de critérios objetivos para identificar os beneficiários de eventuais programas de cotas de viés racial esbarra em dificuldades variadas.
65.Dentre todas as opções, a que parece menos defensável é o exame do genótipo, uma vez que o preconceito no Brasil parece resultar, precipuamente, da percepção social, muito mais do que da origem genética. A partir desse ponto, porém, a eleição de determinado critério parece envolver avaliações de conveniência e oportunidade, sendo razoável que sejam levados em conta fatores inerentes à composição social e às percepções dominantes em cada localidade.
O sistema da autodeclaração, que tem sido adotado com maior frequência no país, apresenta algumas vantagens, sobretudo no que diz respeito à simplificação dos procedimentos e ao fato de se privilegiar a autopercepção, a partir do fenótipo – das características exteriores do organismo. Ela encoraja, ainda, os indivíduos a assumirem a
sua raça, contribuindo para o reconhecimento dos negros na sociedade brasileira. Há, todavia, problemas associados a esse modelo. Em especial, o risco de oportunismo e idiossincrasia, que poderia levar ao parcial desvirtuamento da política pública. Esse fato foi apontado pelo Professor Daniel Sarmento, que afirmou que “é evidente que a inexistência de mecanismos de controle abre espaço para autodeclarações oportunistas, da parte de pessoas que não se consideram efetivamente pertencentes a grupos raciais historicamente discriminados”. (grifei)

 

Perfilho do posicionamento acima explicitado no sentido de que a escolha do critério subsidiário à autodeclaração integra o mérito deste ato administrativo discricionário. 

 

Os atos discricionários são aqueles que a lei concede ao administrador uma margem de atuação para realização do ato. Há, neste caso, uma valoração do administrador ao escolher entre várias possibilidades àquela mais conveniente e oportuna aos interesses públicos. O professor Diógenes Gasparini ao tratar dos atos discricionários leciona:

 

Discricionários são os atos administrativos praticados pela Administração Pública conforme um dos comportamentos que a lei prescreve. Assim, cabe à Administração Pública escolher dito comportamento. Essa escolha se faz por critérios de conveniência e oportunidade, ou seja, de mérito. Há conveniência sempre que o ato interessa, convém ou satisfaz ao interesse público. Há oportunidade quando o ato é praticado no momento adequado à satisfação do interesse público. São juízos subjetivos do agente competente sobre certos fatos e que levam essa autoridade a decidir de um ou de outro modo.[12]

 

A margem de atuação da discricionariedade do administrador é chamada de conveniência e oportunidade da administração pública, também conhecida como mérito do ato administrativo. A conveniência pode ser entendida como a adequação do ato ao interesse público perseguido com a sua realização, por conseguinte deve ser uma atuação vantajosa e útil para a Administração. A oportunidade reside em decidir dentre os diversos interesses existentes àquele mais adequado à realização do ato em determinado momento.

 

O mérito administrativo por consistir em um campo de liberdade legado ao administrador público possui natureza eminentemente política. Na concepção do professor Celso Antônio Bandeira de Mello o mérito do ato administrativo corresponderia a:

 

O campo de liberdade suposto na lei e que efetivamente venha a remanescer no caso concreto, para que o administrador, segundo critérios de conveniência e oportunidade, decida-se entre duas ou mais soluções admissíveis perante a situação vertente, tendo em vista o exato atendimento da finalidade legal, ante a impossibilidade de ser objetivamente identificada qual delas seria a única adequada.[13] .
 

A emenda constitucional n.º 19, de 1998 constitui um importante marco no Direito Administrativo brasileiro ao alçar a eficiência a princípio administrativo com status constitucional. O Estado burocrático, que privilegia a hierarquização, vem paulatinamente sendo substituido pelo  Estado gerencial, voltado para o controle dos resultados e para a descentralização visando alcançar seus objetivos sociais. Esta transformação exigem que o mérito do ato administrativo esteja em conformidade com os princípios constitucionais administrativos, não basta que sejam aferidos os critérios legais do ato discricionário (controle de legalidade), é imprescindível a análise de sua juridicidade, isto é, que se verifique a sua adequação aos princípios constitucionais da Administração Pública (publicidade, moralidade, eficiência e impessoalidade), nos princípios gerais do direito (razoabilidade e proporcionalidade) e no principio constitucional da igualdade.

 

Assim, no caso concreto, não ignoro a existência de outros "critérios comumente aventados como desejáveis para a atuação das comissões de heteroidentificação, a saber: 1) medidas biométricas; 2) a investigação de antecedentes antropológicos, culturais e/ou biográficos que denotem a pertença do candidato à raça negra; e 3) a ancestralidade negra (genótipo)" conforme apontado pelo Grupo de Trabalho Interministerial constituído para revisar a Orientação Normativa SEGRT/MP n.º 03/2016. Nada obstante, o papel do advogado público em relação ao mérito administrativo limita-se a verificar se o administrador motivou adequadamente a sua decisão com base no juízo de ponderação de valores realizada in concreto.

 

Por certo, é por meio do dever de  motivação consagrado no art. 2º, caput, da Lei n.º 9.784/1999, que se torna possível essa análise.  Destaca-se que recentemente esse dever maior importância com a edição da Lei n.º 13.665/2018 que inseriu o art. 20 no Decreto-Lei n.º 4.657/1942:

 
Art. 20.  Nas esferas administrativa, controladora e judicial, não se decidirá com base em valores jurídicos abstratos sem que sejam consideradas as consequências práticas da decisão.  (Incluído pela Lei nº 13.655, de 2018)
Parágrafo único. A motivação demonstrará a necessidade e a adequação da medida imposta ou da invalidação de ato, contrato, ajuste, processo ou norma administrativa, inclusive em face das possíveis alternativas.
  

A norma conferiu maior concretude ao princípio da motivação ao exigir que a decisão esteja pautada na necessidade e adequação da medida. A esse respeito, a Resposta aos comentários tecidos pela Consultoria Jurídica do TCU ao PL n.º 7.448/2017 defende que o referido dispositivo:

 
Veda, assim, motivações decisórias vazias, apenas retóricas ou principiológicas, sem análise prévia de fatos e de impactos. Obriga o julgador a avaliar, na motivação, a partir de elementos idôneos coligidos no processo administrativo, judicial ou de controle, as consequências práticas de sua decisão.
(...)
No mais, o dispositivo a ser inserido na LINDB é clara aplicação do conhecido princípio da proporcionalidade, que exige ao tomador de decisão a comprovação de que a medida a ser adotada é adequada, necessária e proporcional em sentido estrito. Como se sabe, sempre que o Poder Público tiver de decidir tendo por base um conflito de bens jurídicos de qualquer espécie, deve analisar a possibilidade dessa medida levar à realização pretendida (adequação), de a medida ser a menos restritiva aos direitos e interesses envolvidos (necessidade) e de a finalidade pública buscada ser valorosa a ponto de justificar a restrição imposta (proporcionalidade em sentido estrito)[14]

 

Volvendo-se ao caso concreto, o fato da Portaria SGP/MP n.º 04/2018 ser fruto de um Grupo de Trabalho Interministerial instituído com a finalidade de “discutir os procedimentos a serem adotados para verificação da autodeclaração de cotistas prevista no art. 2º da Lei nº 12.990, de 9 de junho de 2014” e “apresentar diretrizes que nortearão o Ministério do Planejamento, Desenvolvimento e Gestão na edição de Instrução Normativa para regulamentar o procedimento de verificação da autodeclaração prevista no art. 2º da Lei nº 12.990, de 2014”,  grupo este composto pelos diversos órgãos públicos afetos à temática da igualdade racial com o propósito de conferir maior amplitude de vivências e perspectivas sobre a política pública em tela, só reforça a legitimidade da motivação apresentada pelo GTI e consagrada na norma vigente de adoção do critério fenotípico como critério exclusivo por ser o mais adequado às peculiaridades da formação da sociedade brasileira 

 

Face ao exposto neste tópico, com fulcro na motivação constante no Relatório Final do Grupo de Trabalho Interministerial instituído pela Portaria Conjunta MP/MJC Nº 11, de 26 de dezembro de 2016, para regulamentação dos procedimentos de heteroidentificação previsto na Lei n.º 12.990, de 9 de junho de 2014 (Seq. 28 - SAPIENS) que, em síntese, defende que são os traços fenotípicos que induzem a vulnerabilidade racial no país, concluo que a escolha do critério fenotípico como exclusivo critério a ser adotado pela comissão de heteroidentificação encontra respaldo no ordenamento jurídico brasileiro por se inserir dentro da seara de discricionariedade do administrador público.

 

III - CONCLUSÃO

 

Face ao exposto, conclui-se que a instituição de comissão para verificação da veracidade da autodeclaração e a utilização do fenótipo como critério exclusivo pela Orientação Normativa SEGRT/MP n.º 03, de 1º de agosto de 2016, substituída pela Portaria SGP/MP n.º 04, de 6 de abril de 2018, encontra respaldo nos princípios da igualdade material, eficiência e transparência. 

 

Brasília, 05 de setembro de 2018.

 

 

PRISCILA CUNHA DO NASCIMENTO

Relatora 

Advogada da União

Membro da CNU

 

 

 


Atenção, a consulta ao processo eletrônico está disponível em http://sapiens.agu.gov.br mediante o fornecimento do Número Único de Protocolo (NUP) 00400001054201736 e da chave de acesso eb984297

Notas

  1. ^ GOMES, Joaquim B. Barbosa. O debate constitucional sobre ações afirmativas. In: Ação Afirmativa – políticas públicas contra as desigualdades raciais. SANTOS, Renato Emerson dos; LOBATO, Fátima (Orgs). Rio de Janeiro: DP&A, 2003, p. 27.
  2. ^ MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Conteúdo Jurídico do Princípio da igualdade. 3 ed., 14 tir., São Paulo: Malheiros, 2006. p. 9.
  3. ^ HESSE. Konrad. Elementos de direito constitucional da república federal da república da Alemanha. 20 ed., tradução de Luís Afonso Heck. Porto Alegre: Sergio Fabris, 1998. p. 330
  4. ^ Op. cit. p. 331. 
  5. ^ DE MELLO, Celso Antônio Bandeira, Curso de Direito Administrativo, Ed. Malheiros, 13" edição, p. 309
  6. ^ CARVALHO FILHO, José dos Santos, Manual de Direito Administrativo, Ed. Lúmen Juris, Rio de Janeiro, 2001, p.37
  7. ^ GOMES GANOTILHO, J. J. Direito Constitucional e Teoria da Constituição. 5ª ed. Coimbra: Almedina, 2002, p. 1261.
  8. ^ BOBBIO, Norberto. A era dos direitos. Trad. Carlos Nelson Coutinho. Rio de Janeiro: Campus, 1992, p. 32.
  9. ^ Os direitos a uma prestação jurídica são aqueles que dependem da edição de normas jurídica, razão pela qual, em regra, a sua concretização e efetividade dependem dessa normatização pelo Estado. Os direitos a prestações materiais, por sua vez, são os direitos a uma prestação em sentido estrito e dependem de uma utilidade concreta - bem ou serviço - a ser fornecida pelo Estado, de onde decorre a indispensabilidade de uma disponibilidade orçamentária para concretização plena deste direito.
  10. ^ BOBBIO, N., op. cit., p. 32.
  11. ^ Trecho extraído da PARECER n. 00181/2018/ALF/CGJAN/CONJUR-MP/CGU/AGU - Seq. 34 do SAPIENS.
  12. ^ GASPARINI, Diógenes. Direito Administrativo. 10. ed. São Paulo: Saraiva, 2005, p. 95.
  13. ^ MELLO, Celso Antonio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo. 17.ed. São,  Paulo: Malheiros, 2004, p. 847-848.
  14. ^ Trecho extraído da Resposta aos comentários tecidos pela Consultoria Jurídica do TCU ao PL n.º 7.448/2017. Disponível em: https://www.conjur.com.br/dl/parecer-juristas-rebatem-criticas.pdf. Acesso em: 16 de junho de 2018. 



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