ADVOCACIA-GERAL DA UNIÃO
CONSULTORIA-GERAL DA UNIÃO
CONSULTORIA JURÍDICA JUNTO AO MINISTÉRIO DA CULTURA
COORDENAÇÃO-GERAL DE PARCERIAS E COOPERAÇÃO FEDERATIVA


 

PARECER n. 00344/2024/CONJUR-MINC/CGU/AGU

 

NUP: 01400.021565/2023-85

INTERESSADOS: COORDENAÇÃO DE ASSUNTOS PARLAMENTARES CAP/ASPAR/GM/MINC

ASSUNTO: PROJETO DE LEI. 

 

 

I - Análise e manifestação acerca de projeto de lei em fase de sanção presidencial.
II - Projeto de Lei nº 24/2020, que “Reconhece as expressões artísticas charge, caricatura, cartum e grafite manifestações da cultura brasileira.
III – Manifestação favorável à sanção.

 

 

 

I. RELATÓRIO

 

Por meio do Ofício nº 484/2024/CAP/ASPAR/GM/MinC, a  Assessoria Especial de Assuntos Parlamentares e Federativos do Ministério da Cultura solicita análise e parecer sobre o Projeto de Lei nº 24/2020, que “Reconhece as expressões artísticas charge, caricatura, cartum e grafite manifestações da cultura brasileira”, da Deputada Benedita da Silva.

 

O pedido se dá frente ao Ofício-circular nº 220/2024/CAP/SALEG/SAJ/CC/PR , de 1 de outubro de 2024 (1946320), da Secretaria Adjunta de Assuntos Legislativos da Secretaria de Relações Institucionais da Presidência da República (SRI).

 

Este é o sucinto relatório.

 

 

II. ANÁLISE JURÍDICA

 

Preliminarmente, impende tecer breve considerações sobre a competência desta Consultoria Jurídica para manifestação no processo em tela.

 

A Constituição de 1988 prevê as funções essenciais à Justiça em seu Título IV, Capítulo IV; contemplando na Seção II a Advocacia Pública. Essa essencialidade à justiça deve ser entendida no sentido mais amplo que se possa atribuir à expressão, estando compreendidas no conceito de essencialidade todas as atividades de orientação, fiscalização e controle necessárias à defesa dos interesses protegidos pelo ordenamento jurídico.

 

O art. 131 da Constituição, ao instituir em nível constitucional a Advocacia-Geral da União - AGU, destacou como de sua competência as atividades de consultoria e assessoramento jurídico ao Poder Executivo, nos termos da lei complementar que dispuser sobre sua organização e funcionamento, in verbis:

 

Art. 131. A Advocacia-Geral da União é a instituição que, diretamente ou através de órgão vinculado, representa a União, judicial e extrajudicialmente, cabendo-lhe, nos termos da lei complementar que dispuser sobre sua organização e funcionamento, as atividades de consultoria e assessoramento jurídico do Poder Executivo.

 

Nesta esteira, o art. 11, incisos I e V, da Lei Complementar n.º 73/1993 (Lei Orgânica da Advocacia-Geral da União), estabeleceu, no que concerne à atividade de assessoramento jurídico ao Poder Executivo junto aos Ministérios, a competência das Consultorias Jurídicas para assistir a autoridade assessorada no controle interno da constitucionalidade e legalidade administrativa dos atos a serem por ela praticados. Nesse sentido, veja-se:

 

Art. 11. Às Consultorias Jurídicas, órgãos administrativamente subordinados aos Ministros de Estado, ao Secretário-Geral e aos demais titulares de Secretarias da Presidência da República e ao Chefe do Estado-Maior das Forças Armadas, compete, especialmente:
I - assessorar as autoridades indicadas no caput deste artigo;
(...)
III - fixar a interpretação da Constituição, das leis, dos tratados e dos demais atos normativos a ser uniformemente seguida em suas áreas de atuação e coordenação quando não houver orientação normativa do Advogado-Geral da União;
(...)
V - assistir a autoridade assessorada no controle interno da legalidade administrativa dos atos a serem por ela praticados ou já efetivados, e daqueles oriundos de órgão ou entidade sob sua coordenação jurídica;

 

Ressalte-se, por oportuno, que o controle interno da legalidade realizado por este órgão jurídico não tem o condão de se imiscuir em aspectos relativos à conveniência e à oportunidade da prática dos atos administrativos, que estão reservados à esfera discricionária do administrador público legalmente competente, tampouco examinar questões de natureza eminentemente técnica, administrativa e/ou financeira.

 

Por outro lado, observo que a apreciação ora empreendida cinge-se aos aspectos jurídico-formais da proposta de ato normativo, no que tange aos dispositivos que guardam pertinência com as atribuições legais desta Pasta Ministerial. Confiram-se as atribuições deste Ministério, fixadas no art. 21 da Lei n. 14.600/2023 e no art. 1º do Decreto n. 11.336/2023:

 

I - política nacional de cultura e política nacional das artes;
II - proteção do patrimônio histórico, artístico e cultural;
III - regulação dos direitos autorais;
IV - assistência ao Ministério do Desenvolvimento Agrário e Agricultura Familiar e ao Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) nas ações de regularização fundiária, para garantir a preservação da identidade cultural dos remanescentes das comunidades dos quilombos, observadas as competências do Ministério da Igualdade Racial;
V - proteção e promoção da diversidade cultural;
VI - desenvolvimento econômico da cultura e da política de economia criativa;
VII - desenvolvimento e implementação de políticas e de ações de acessibilidade cultural; e
VIII - formulação e implementação de políticas, de programas e de ações para o desenvolvimento do setor museal.

 

Elaboradas essas considerações preliminares, passa-se à análise da proposta de PL, que já encerrou o trâmite legislativo, tendo sido enviado para sanção ou veto do Exmo. Presidente da República.

 

Primeiramente, impende realçar que compete à União, aos Estados e ao Distrito Federal legislar concorrentemente sobre cultura, nos termos do art. 24, IX, da Constituição Federal. 

 

Outrossim, a proposta não está inserida no âmbito de iniciativa privativa do Presidente da República, nos termos do art. 61, § 1º, da Constituição, encontrando-se a proposta regular também nesse ponto. 

 

Adicione-se, ainda, que o PL ​já percorreu o trâmite legislativo no âmbito do Congresso Nacional, tendo sido enviado para sanção ou veto do Exmo. Presidente da República, nos termos do art. 66 da Constituição Federal.

 

Por outro lado, nos termos do art. 215 da Constituição Federal, cabe ao Estado garantir a todos o pleno exercício dos direitos culturais e acesso às fontes da cultura nacional, e apoiar e incentivar a valorização e a difusão das manifestações culturais.

 

Portanto, o projeto de lei em questão não apresenta vícios de constitucionalidade. 

 

A minuta de projeto de  lei em tela encontra, assim, o devido amparo jurídico, sob o aspecto material.

 

Adentrando-se a leitura da proposta, verifica-se que esta visa reconhecer as expressões artísticas charge, caricatura, cartum e grafite manifestações da cultura brasileira.

 

Justificação da proposta  (SEI 1479773) informa o seguinte:

 

 

Durante muito tempo, a cultura foi concebida como algo restrito ao mundo das belas-artes, da filosofia e da erudição. A apreciação estética concentrava-se na chamada “alta cultura”, com suas artes nobres (pintura, escultura, teatro, música clássica e outras manifestações). Era também vista como privilégio de poucos, uma vez que seu acesso estava reservado apenas àqueles mais aquinhoados financeiramente, que tinham dinheiro e condições materiais de frequentar as galerias de arte, os museus, as salas de cinema, de concerto e ópera.
A partir da famosa Declaração dos Direitos Humanos, proclamada pela ONU em 1948, houve uma ruptura nesse paradigma cultural quando se falou, pela primeira vez que todos têm o direito de usufruir e participar da vida cultural de sua comunidade. Ao lado dos já consagrados direitos civis, políticos e sociais, eis que emerge uma nova concepção na teoria jurídica, que passa a considerar os direitos culturais como direitos fundamentais da pessoa humana, indispensáveis à formação da cidadania.
No Brasil, o princípio da Cidadania Cultural foi incorporado na Constituição Federal de 1988 que, em seu art. 215, caput, elevou os direitos culturais à categoria de direitos humanos, devendo o Estado brasileiro garantir a todos o exercício desses direitos, bem como apoiar e incentivar a valorização e difusão das múltiplas manifestações artístico-culturais.
Por outro lado, ocorreu também uma antropologização da cultura quando a mesma, por força da reivindicação dos movimentos sociais, passou a incorporar, também, em suas manifestações, o folclore, o artesanato, a tradição oral, os falares, as danças, os folguedos e os costumes populares da sociedade. Na construção política de preservação do Patrimônio Histórico Artístico e Cultural, passou a contemplar os bens culturais imateriais, que são portadores de referência à identidade, à ação e à memória dos diferentes grupos formadores da sociedade.
Por sua vez, o olhar dos críticos de arte e gestores culturais passou a considerar outras manifestações artísticas até então consideradas marginais, tais como a charge, a caricatura, o cartum e o grafite. E hoje, muitas dessas expressões já encontram espaço nos museus e galerias de arte e passaram a ser valorizadas pela sociedade. Embora muitas vezes, ao nível do senso comum, essas expressões artísticas sejam confundidas, elas possuem suas especificidades.
(...)
Mesmo reconhecendo que essas expressões artísticas se fazem presentes em várias partes do mundo, não se pode deixar de considerar que elas encontraram em solo brasileiro um espaço fértil para seu desenvolvimento.
(...)
Neste sentido, estamos propondo por meio desse projeto de lei o reconhecimento dessas expressões artísticas como manifestações da cultura brasileira, ao tempo em que imputamos ao Poder Público e à sociedade o dever de reconhecer, valorizar e preservar tais manifestações, com respaldo no mandamento Constitucional assente no art. 216, § 1º de nossa Carta Magna.

 

 

Quanto ao mérito do projeto, reitero a impossibilidade de o presente Parecer jurídico adentrar nessa seara, cabendo tal competência aos órgãos técnicos desta Pasta. Nesse sentido, foram juntados aos autos pareceres técnicos, que atestam o mérito e o interesse público incidentes sobre a proposta e concluem favoravelmente à sanção do PL, de autoria dos seguintes órgãos e entidades: da Funarte (SEI  1501226), da Diretoria da Promoção da Diversidade Cultural (SEI 1501655), da Secretaria de Formação, Livro e Leitura (SEI 1569662), da Diretoria de Educação e Formação Artística (SEI 1948379) e novamente da Funarte (SEI 1949023).

 

Cumpre destacar, ainda, que a matéria pode ser objeto de veto com fundamento no §1º do art. 66 da Constituição, que permite o veto a projeto de lei contrário ao interesse público:

  

Art. 66. A Casa na qual tenha sido concluída a votação enviará o projeto de lei ao Presidente da República, que, aquiescendo, o sancionará.
§ 1º Se o Presidente da República considerar o projeto, no todo ou em parte, inconstitucional ou contrário ao interesse público, vetá-lo-á total ou parcialmente, no prazo de quinze dias úteis, contados da data do recebimento, e comunicará, dentro de quarenta e oito horas, ao Presidente do Senado Federal os motivos do veto.
(Negritou-se)

 

Assim, admite-se o veto de projeto de lei, parcial ou total, caso haja contrariedade ao interesse público, avaliação esta afeta ao mérito administrativo, não sujeito ao crivo desta Consultoria Jurídica. 

 

Por fim, quanto aos aspectos estritamente formais, insta ponderar que ao Projeto de Lei se aplicam as regras encartadas pela Lei Complementar nº 95, de 26 de fevereiro de 1998, ​e no Decreto nº 12.002, de 22 de abril de 2024, que dispõem sobre a elaboração de leis e atos normativos.

 

 

III. CONCLUSÃO

 

Face ao exposto, conclui-se que não se vislumbram óbices de natureza jurídica à sanção presidencial do Projeto de Lei em tela, tendo em vista que os órgãos técnicos competentes atestaram o interesse público incidente sobre a matéria, sem prejuízo de recomendações técnicas e jurídicas oriundas de outras Pastas afetas ao tema.

 

Desta forma, a presente manifestação é favorável à sanção presidencial.

 

À consideração superior.

 

 

DANIELA GUIMARÃES GOULART

Advogada da União

 

 

 


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