ADVOCACIA-GERAL DA UNIÃO
CONSULTORIA-GERAL DA UNIÃO
CONSULTORIA JURÍDICA JUNTO AO MINISTÉRIO DA CULTURA
COORDENAÇÃO-GERAL DE PARCERIAS E COOPERAÇÃO FEDERATIVA
PARECER n. 00345/2024/CONJUR-MINC/CGU/AGU
NUP: 01400.025421/2024-89
INTERESSADOS: ASPAR/MINC
ASSUNTOS: PROJETO DE LEI
EMENTA:
I Análise e manifestação acerca de projeto de lei em fase de sanção presidencial.
II -Projeto de Lei nº 6204/2023 (PL nº 1133/2015 em sua casa de origem), que “Declara o educador Anísio Teixeira Patrono da Escola Pública Brasileira”.
III – Manifestação favorável à sanção.
I. RELATÓRIO
Por meio do Ofício-Circular nº 141/2024/CAP/ASPAR/GM/MinC (SEI 1946448), a Assessoria Especial de Assuntos Parlamentares e Federativos do Ministério da Cultura solicita análise e parecer sobre o Projeto de Lei nº 6204/2023 (PL nº 1133/2015 em sua casa de origem), que “Declara o educador Anísio Teixeira Patrono da Escola Pública Brasileira”, de autoria da Deputada Alice Portugal (SEI 1946244).
O pedido se dá frente ao Ofício-circular nº 230/2024/SALEG/SAJ/CC/PR , de 1 de outubro de 2024 (1946248), da Secretaria Adjunta de Assuntos Legislativos da Secretaria de Relações Institucionais da Presidência da República (SRI).
Este é o sucinto relatório.
II. ANÁLISE JURÍDICA
Preliminarmente, impende tecer breve considerações sobre a competência desta Consultoria Jurídica para manifestação no processo em tela.
A Constituição de 1988 prevê as funções essenciais à Justiça em seu Título IV, Capítulo IV; contemplando na Seção II a Advocacia Pública. Essa essencialidade à justiça deve ser entendida no sentido mais amplo que se possa atribuir à expressão, estando compreendidas no conceito de essencialidade todas as atividades de orientação, fiscalização e controle necessárias à defesa dos interesses protegidos pelo ordenamento jurídico.
O art. 131 da Constituição, ao instituir em nível constitucional a Advocacia-Geral da União - AGU, destacou como de sua competência as atividades de consultoria e assessoramento jurídico ao Poder Executivo, nos termos da lei complementar que dispuser sobre sua organização e funcionamento, in verbis:
Art. 131. A Advocacia-Geral da União é a instituição que, diretamente ou através de órgão vinculado, representa a União, judicial e extrajudicialmente, cabendo-lhe, nos termos da lei complementar que dispuser sobre sua organização e funcionamento, as atividades de consultoria e assessoramento jurídico do Poder Executivo.
Nesta esteira, o art. 11, incisos I e V, da Lei Complementar n.º 73/1993 (Lei Orgânica da Advocacia-Geral da União), estabeleceu, no que concerne à atividade de assessoramento jurídico ao Poder Executivo junto aos Ministérios, a competência das Consultorias Jurídicas para assistir a autoridade assessorada no controle interno da constitucionalidade e legalidade administrativa dos atos a serem por ela praticados. Nesse sentido, veja-se:
Art. 11. Às Consultorias Jurídicas, órgãos administrativamente subordinados aos Ministros de Estado, ao Secretário-Geral e aos demais titulares de Secretarias da Presidência da República e ao Chefe do Estado-Maior das Forças Armadas, compete, especialmente:
I - assessorar as autoridades indicadas no caput deste artigo;
(...)
III - fixar a interpretação da Constituição, das leis, dos tratados e dos demais atos normativos a ser uniformemente seguida em suas áreas de atuação e coordenação quando não houver orientação normativa do Advogado-Geral da União;
(...)
V - assistir a autoridade assessorada no controle interno da legalidade administrativa dos atos a serem por ela praticados ou já efetivados, e daqueles oriundos de órgão ou entidade sob sua coordenação jurídica;
Ressalte-se, por oportuno, que o controle interno da legalidade realizado por este órgão jurídico não tem o condão de se imiscuir em aspectos relativos à conveniência e à oportunidade da prática dos atos administrativos, que estão reservados à esfera discricionária do administrador público legalmente competente, tampouco examinar questões de natureza eminentemente técnica, administrativa e/ou financeira.
Por outro lado, observo que a apreciação ora empreendida cinge-se aos aspectos jurídico-formais da proposta de ato normativo, no que tange aos dispositivos que guardam pertinência com as atribuições legais desta Pasta Ministerial. Confiram-se as atribuições deste Ministério, fixadas no art. 21 da Lei n. 14.600/2023 e no art. 1º do Decreto n. 11.336/2023:
I - política nacional de cultura e política nacional das artes;
II - proteção do patrimônio histórico, artístico e cultural;
III - regulação dos direitos autorais;
IV - assistência ao Ministério do Desenvolvimento Agrário e Agricultura Familiar e ao Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) nas ações de regularização fundiária, para garantir a preservação da identidade cultural dos remanescentes das comunidades dos quilombos, observadas as competências do Ministério da Igualdade Racial;
V - proteção e promoção da diversidade cultural;
VI - desenvolvimento econômico da cultura e da política de economia criativa;
VII - desenvolvimento e implementação de políticas e de ações de acessibilidade cultural; e
VIII - formulação e implementação de políticas, de programas e de ações para o desenvolvimento do setor museal.
Elaboradas essas considerações preliminares, passa-se à análise da proposta de PL, que já encerrou o trâmite legislativo, tendo sido enviado para sanção ou veto do Exmo. Presidente da República.
Primeiramente, impende realçar que compete à União, aos Estados e ao Distrito Federal legislar concorrentemente sobre cultura, nos termos do art. 24, IX, da Constituição Federal.
Outrossim, a proposta não está inserida no âmbito de iniciativa privativa do Presidente da República, nos termos do art. 61, § 1º, da Constituição, encontrando-se a proposta regular também nesse ponto.
Adicione-se, ainda, que o PL já percorreu o trâmite legislativo no âmbito do Congresso Nacional, tendo sido enviado para sanção ou veto do Exmo. Presidente da República, nos termos do art. 66 da Constituição Federal.
Por outro lado, nos termos do art. 215 da Constituição Federal, cabe ao Estado garantir a todos o pleno exercício dos direitos culturais e acesso às fontes da cultura nacional, e apoiar e incentivar a valorização e a difusão das manifestações culturais.
Portanto, o projeto de lei em questão não apresenta vícios de constitucionalidade.
A minuta de projeto de lei em tela encontra, assim, o devido amparo jurídico, sob o aspecto material.
Adentrando-se a leitura da proposta, verifica-se que esta visa declarar o educador Anísio Teixeira Patrono da Escola Pública Brasileira.
A Justificação da proposta [1] informa o seguinte:
Em mais de quarenta anos de trabalho pela educação brasileira, Anísio produziu numerosos artigos, palestras, relatórios e livros. Em suas ações e em tudo o que escreveu esteve presente a concepção de que a educação não é privilégio, é um direito de todos. Citando, mais uma vez, Florestan Fernandes: “Anísio Teixeira foi o campeão na luta contra a educação como privilégio. Ele sempre quis banir esse mal do solo brasileiro, para que a educação fosse um valor universal, acessível a todos, capaz de criar no Brasil uma revolução brasileira que fosse realmente democrática em todos os seus aspectos”.
Como gestor da educação pública, especialmente no Distrito Federal, nos anos 1930, e na Bahia, nos anos 1950, Anísio Teixeira realizou um trabalho prioritariamente voltado para a educação das classes populares. Como destaca Clarice Nunes4 , “o caráter dessa intervenção foi de capital importância para compreender a sua defesa da democracia, uma vez que, ao lidar com a heterogeneidade, não o fez, como alguns de seus colaboradores e contemporâneos, de forma a identificá-la como decorrente da carência de atributos intrínsecos do sujeito pobre. Ao contrário, Anísio Teixeira deslocou a carência do indivíduo para a omissão dos governos na direção da reconstrução das condições sociais e escolares, e isso ficou patente nas medidas concretas que assumiu para alargar as chances educativas das crianças das classes populares e para dotar a escola pública de um ensino de qualidade”.
O patrono de determinada categoria deve ser aquele cuja excepcional atuação serve de paradigma e inspiração a seus pares. Anísio Teixeira dedicou sua vida e sua inteligência à luta pela intervenção do Estado na educação, pelo fortalecimento da escola pública, pela educação para todos – educação boa e bastante para todos.
Assim, diante das razões expostas, contamos com o apoio dos nobres pares à homenagem que ora propomos, para que Anísio Teixeira seja reconhecido, oficialmente, como o Patrono da Escola Pública Brasileira.
No caso em apreço, o reconhecimento de Anísio Teixeira preenche os requisitos legais, haja vista sua identificação como figura tutelar de interesse nacional, mais precisamente, no campo da educação pública, com reconhecimento internacional, além de já terem decorridos mais de 10 anos de sua morte.
Assim, muito embora se trate de tema mais afeto à competência do Ministério da Educação, não se visualizam óbices jurídicos, no que concerne às competências deste Ministério da Cultura.
Quanto ao mérito do projeto, reitero a impossibilidade de o presente Parecer jurídico adentrar nessa seara, cabendo tal competência aos órgãos técnicos desta Pasta. Nesse sentido, foi juntado aos autos o Parecer Técnico (formulário de posicionamento) da Secretaria de Formação, Livro e Leitura (SEI 1948525) que atesta o mérito e o interesse público incidentes sobre a proposta e conclui favoravelmente à sanção do PL.
Cumpre destacar, ainda, que a matéria pode ser objeto de veto com fundamento no §1º do art. 66 da Constituição, que permite o veto a projeto de lei contrário ao interesse público:
Art. 66. A Casa na qual tenha sido concluída a votação enviará o projeto de lei ao Presidente da República, que, aquiescendo, o sancionará.
§ 1º Se o Presidente da República considerar o projeto, no todo ou em parte, inconstitucional ou contrário ao interesse público, vetá-lo-á total ou parcialmente, no prazo de quinze dias úteis, contados da data do recebimento, e comunicará, dentro de quarenta e oito horas, ao Presidente do Senado Federal os motivos do veto.
(Negritou-se)
Assim, admite-se o veto de projeto de lei, parcial ou total, caso haja contrariedade ao interesse público, avaliação esta afeta ao mérito administrativo, não sujeito ao crivo desta Consultoria Jurídica.
Por fim, quanto aos aspectos estritamente formais, insta ponderar que ao Projeto de Lei se aplicam as regras encartadas pela Lei Complementar nº 95, de 26 de fevereiro de 1998, e no Decreto nº 12.002, de 22 de abril de 2024, que dispõem sobre a elaboração de leis e atos normativos.
III. CONCLUSÃO
Face ao exposto, conclui-se que não se vislumbram óbices de natureza jurídica à sanção presidencial do Projeto de Lei em tela, tendo em vista que os órgãos técnicos competentes atestaram o interesse público incidente sobre a matéria, sem prejuízo de recomendações técnicas e jurídicas oriundas de outras Pastas afetas ao tema.
Desta forma, a presente manifestação é favorável à sanção presidencial.
À consideração superior.
DANIELA GUIMARÃES GOULART
Advogada da União
Nota:
[1] https://www.camara.leg.br/proposicoesWeb/prop_mostrarintegra?codteor=1320741&filename=Tramitacao-PL%201133/2015
Atenção, a consulta ao processo eletrônico está disponível em https://supersapiens.agu.gov.br mediante o fornecimento do Número Único de Protocolo (NUP) 01400025421202489 e da chave de acesso 265a12e9