ADVOCACIA-GERAL DA UNIÃO
CONSULTORIA-GERAL DA UNIÃO
CONSULTORIA JURÍDICA JUNTO AO MINISTÉRIO DA CULTURA
GABINETE


 

PARECER n. 00350/2024/CONJUR-MINC/CGU/AGU

 

NUP: 01400.018691/2017-12

INTERESSADOS: COORDENAÇÃO DE ASSUNTOS PARLAMENTARES - CAP/MINC

ASSUNTOS: ATOS ADMINISTRATIVOS

 

EMENTA: I - Análise e manifestação acerca de projeto de lei em fase de sanção presidencial. II - Projeto de Lei 5021/2019 (PL nº 7544/2017 em sua casa de origem), que “Reconhece o artesanato em capim dourado como manifestação da cultura nacional.”, de autoria do Deputado Vicentinho Júnior. III – Manifestação favorável à sanção.

 

Trata-se do Ofício-Circular nº 139/2024/CAP/ASPAR/GM/MinC, por intermédio do qual a COORDENAÇÃO DE ASSUNTOS PARLAMENTARES solicita a esta Consultoria Jurídica análise e emissão de parecer, acerca do autógrafo referente ao Projeto de Lei 5021/2019 (PL nº 7544/2017 em sua casa de origem), que “Reconhece o artesanato em capim dourado como manifestação da cultura nacional.”, de autoria do Deputado Vicentinho Júnior.

 

Tendo em vista que a matéria já se encontra em fase de sanção, solicita o órgão solicitante que seja encaminhada manifestação , impreterivelmente, até 03 de outubro de 2024.

 

Secretaria de Cidadania e Diversidade Cultural manifestou-se sobre ponto de vista técnico, através do Formulário Posicionamento Proposição Legislativa, posicionando-se favoravelmente ao Projeto de Lei em apreço

 

 É o relatório. Passo à análise.

 

II. ANÁLISE JURÍDICA

 

O art. 131 da Constituição Federal dispõe sobre a Advocacia-Geral da União - AGU, responsável pelas atividades de consultoria e assessoramento jurídico ao Poder Executivo. E o art. 11, incisos I e V, da Lei Complementar n.º 73/1993 (Lei Orgânica da AGU), estabeleceu a competência das Consultorias Jurídicas para assistir a autoridade assessorada no controle interno da constitucionalidade e legalidade administrativa dos atos a serem por ela praticados.[1] 

 

Destaco que este controle realizado pelas Consultorias Jurídicas não deve se imiscuir em aspectos relativos à conveniência e à oportunidade da prática dos atos administrativos (reservados à esfera discricionária do administrador público legalmente competente), tampouco examinar questões de natureza eminentemente técnica, administrativa e/ou financeira, nos termos do Enunciado nº 7 do Manual de Boas Práticas Consultivas da AGU[2].

 

Elaboradas essas considerações preliminares, passa-se à análise da proposta de PL, que já encerrou o trâmite legislativo, tendo sido enviado para sanção ou veto do Exmo. Presidente da República, nos termos do art. 66 da Constituição Federal.

 

A proposta visa reconhecer o artesanato em capim dourado como manifestação da cultura nacional.

 

Verifica-se o que segue na justificativa apresentada pelo Senador EDUARDO GOMES​:

"(...)
O capim dourado é uma espécie de sempre-viva da família Eriocaulacae, que ocorre principalmente em regiões úmidas do cerrado brasileiro. Sua relevância para a sociedade vem de sua utilização no artesanato, que remonta à técnica empregada pelos índios Xerente, assimilada na região do Jalapão, no Estado do Tocantins. Os moradores da comunidade quilombola de Mumbuca, no município de Mateiros, desenvolveram esse artesanato, a partir dos anos 1920, que foi se difundindo em outros municípios do Jalapão. Décadas se passaram até que os belíssimos produtos artesanais do capim dourado começassem a ser valorizados em um círculo geográfico mais amplo.
Atualmente, o artesanato em capim dourado é reconhecido e procurado no Brasil e no exterior. Passou a representar uma importante fonte de renda para as comunidades do Jalapão, associando-se frequentemente às atividades turísticas, também muito significativas para a economia da região. É necessário, contudo, zelar pelo uso sustentável do capim dourado, que só pode ser colhido entre 20 de setembro e 20 de novembro para que não venha a correr risco de extinção.
A proposição mostra-se meritória, ao reconhecer como manifestação da cultura nacional uma criação artesanal genuinamente brasileira, com raízes profundas em diferentes grupos que compõem nosso povo. Sua importância econômica para diversas comunidades de artesãos é inquestionável, exigindo, como vimos, cuidados especiais, para não dizermos rigorosos, a fim de garantir a preservação da espécie vegetal que constitui sua matéria-prima.
(...)"

 

Secretaria de Cidadania e Diversidade Cultural manifestou-se sobre ponto de vista técnico, através do Formulário Posicionamento Proposição Legislativa, posicionando-se favoravelmente ao Projeto de Lei em apreço, nos seguintes termos:

 

"(...)

2. análise

O capim dourado que tem o nome científico de Syngonanthus nitens é uma planta típica do Cerrado brasileiro que ocorre em regiões de campos úmidos próximos a veredas em diversos estados do país, entre eles, podemos citar: Mato Grosso, Mato Grosso do Sul, Minas Gerais, Goiás, Tocantins, Distrito Federal e Bahia. Muito embora, a referência maior de sua proeminência e visibilidade seja, principalmente, a região do Jalapão no estado do Tocantins. Envolve uma tradição ancestral no modo de fazer as produções artesanais resultantes da fibra do capim dourado que remonta alguns séculos. Tem a participação direta de comunidades tradicionais quilombolas e indígenas da região. Além disso, há uma relevante importância das mulheres artesãs dessas comunidades tradicionais nesse processo de artesania do capim dourado.

Segundo a propositura legislativa em questão temos as seguintes informações: “Essa técnica é muito desenvolvida na região do Jalapão, no Estado do Tocantins, onde o costume da costura mantido pelas comunidades quilombolas que ali se refugiaram no século XVIII uniu-se ao do trançado indígena, na criação de cestas e potes artesanais utilizados no cotidiano doméstico. A beleza e o brilho do capim dourado, espécie de sempre-viva que nasce em campos úmidos de áreas de cerrado, características encontradas nos campos preservados do Jalapão, tornaram inevitável sua incorporação às técnicas de trançado e cestaria das comunidades da região.” (Projeto de Lei Nº 5021/2019)

Desse modo, é perceptível que, essa união de modos de fazeres característicos relacionados as heranças culturais indígenas e quilombolas, colaboram por sua vez para a singularidade da produção desse tipo de artesanato específico da cultura brasileira. Essa matéria-prima é representante da cadeia de sociobiodiversidade da região e está presente no cotidiano da vida das comunidades ao longo de gerações que praticam a colheita do capim dourado em conformidade com a conservação e preservação do bioma do Cerrado.

É pelas mãos de mais de centenas de artesãs, em sua maioria, que essa haste brilhante que tem uma cor que se assemelha a um fio de ouro reluzente e carrega uma pequena flor branca na ponta, por meio do seu trançado, transforma essa matéria prima em diferentes objetos, como: bolsas, chapéus, caixas, bijuterias, mandalas, entre outros. Esses artesanatos circulam nos mercados culturais e nos comércios locais, nacionais e internacionais, assim como, em feiras e lojas de diversas cidades do país e do exterior. Por meio dessa atividade profissional as artesãs locais levam adiante essa tradição centenária, e ao mesmo tempo, promovem a geração de renda para suas famílias principalmente das zonas rurais. Além disso, contribuem para o desenvolvimento local e a conservação do Cerrado que é considerado o maior Bioma da América do Sul.

A tradição do artesanato do capim dourado é uma expressão cultural e econômica bastante significativa no Brasil. As culturas populares constituem exatamente estas manifestações que se referenciam nas tradições, contribuindo para a preservação do legado cultural, o pertencimento e o reconhecimento comunitário enquanto expressão de sua identidade. Valorizar sua produção e reprodução social contribui para a cidadania, o fortalecimento da identidade, da diversidade e a multiculturalidade que nos constitui enquanto nação. Fortalece laços sociais e culturais, além de contribuir para as atividades econômicas, históricas e turísticas dos locais.

Importante citar ainda, que, no estado do Tocantins, a Lei estadual nº 2.106/2009 reconheceu o capim dourado como patrimônio cultural e histórico do estado. Diante da justificativa apresentada para a propositura, bem como dos demais elementos encontrados que respaldam e reforçam a importância do artesanato em capim dourado entende-se pertinente a aprovação do Projeto de Lei, que se refere ao Reconhecimento do artesanato em capim dourado como manifestação da cultura nacional, considerando o disposto no art. 21, inciso I do Decreto nº 11.336/2023, transcrito abaixo:

Art. 21. À Diretoria de Promoção das Culturas Populares compete:

I - formular, apoiar, monitorar e avaliar os programas, os projetos e as ações de proteção e promoção das culturas populares, de sua produção cultural e dos mestres e mestras que as mantém vivas nos territórios onde são praticadas; [grifo nosso]

 

3. conclusão

Diante do exposto, sugere-se que esta Secretaria posicione-se favoravelmente ao Projeto de Lei em apreço.

(...)"

 

Cabe registrar, sob o ponto de vista jurídico, que nos termos do inciso II do art. 1º do Decreto nº 3.351, de 2000, o registro de bens culturais imateriais que constituem o patrimônio cultural brasileiro compete ao IPHAN.

 

Em propostas semelhantes, como por exemplo, no Projeto de Lei nº 1.227/2023, de autoria do Deputado Federal Ruy Carneiro, que “reconhece as quadrilhas juninas como manifestação da cultura nacional” (Processo nº 01400.012428/2023-50), a referida autarquia não tem imposto obstáculos a esse tipo de reconhecimento, por entender quenão há óbices para reconhecimento de natureza meramente declaratória de determinado bem cultural como manifestação da cultural nacional em proposições de iniciativa parlamentar e desde que não haja criação de qualquer obrigação que vincule o Poder Executivo a tomar medidas administrativas protetivas relativas àquela manifestação cultural.

 

Com efeito, a proposta limita-se a reconhecer o artesanato com capim dourado como manifestação da cultura nacional, o que, efetivamente, não se confunde com o procedimento de registro de bens culturais imateriais que constituem o patrimônio cultural brasileiro, instituído pelo Decreto nº 3551/2000, de competência do IPHAN.

 

Nesse sentido, sob tal aspecto  não se vislumbra óbice de juridicidade.

 

Cumpre apontar, ademais, que a matéria se encontra dentro das atribuições do Ministério da Cultura, que, nos termos dos incisos I e II do art. 1º do Decreto nº 11.336/2023, tem competência para os assuntos relacionados à política nacional de cultura e das artes, assim como a proteção do patrimônio histórico, artístico e cultural.

 

Além disso, a redação autografada do PL reveste-se de constitucionalidade e legalidade, tendo sido apresentado em consonância com as regras previstas na Lei Complementar nº 95, de 26 de fevereiro de 1998, e no Decreto nº 12.002, de 22 de abril de 2024, que dispõem sobre a elaboração de leis e atos normativos.

 

III. CONCLUSÃO 

 

14. Diante do exposto, sem adentrar nos valores de conveniência e oportunidade, alheios ao crivo dessa Consultoria Jurídica, manifesto-me pela constitucionalidade do PL nº 1.227, de 2023, do Deputado Federal Ruy Carneiro, que reconhece as quadrilhas juninas como manifestação da cultura nacional.

 

15. Desta forma, a manifestação desta Conjur/MinC é favorável à sanção presidencial.

 

Brasília, 03 de outubro de 2024.

 

 

GUSTAVO NABUCO MACHADO

ADVOGADO DA UNIÃO

 

 


Atenção, a consulta ao processo eletrônico está disponível em https://supersapiens.agu.gov.br mediante o fornecimento do Número Único de Protocolo (NUP) 01400018691201712 e da chave de acesso ed3e6040

 




Documento assinado eletronicamente por GUSTAVO NABUCO MACHADO, com certificado A1 institucional (*.agu.gov.br), de acordo com os normativos legais aplicáveis. A conferência da autenticidade do documento está disponível com o código 1708345904 no endereço eletrônico http://sapiens.agu.gov.br. Informações adicionais: Signatário (a): GUSTAVO NABUCO MACHADO, com certificado A1 institucional (*.agu.gov.br). Data e Hora: 07-10-2024 12:47. Número de Série: 65437255745187764576406211080. Emissor: Autoridade Certificadora do SERPRO SSLv1.