ADVOCACIA-GERAL DA UNIÃO
CONSULTORIA-GERAL DA UNIÃO
DEPARTAMENTO DE COORDENAÇÃO E ORIENTAÇÃO DE ÓRGÃOS JURÍDICOS


 

PARECER n. 00060/2024/DECOR/CGU/AGU

 

NUPs: 25000.034922/2024-27 e 19973.008796/2024-55

INTERESSADOS: DEPARTAMENTO DE LOGÍSTICA EM SAÚDE - DLOG/SE/MS E OUTROS

ASSUNTO: Divergência entre órgãos jurídicos consultivos desta Advocacia-Geral da União acerca da regularidade do cumprimento da exigência de reserva de cargos para pessoa com deficiência e para reabilitado da Previdência Social por parte de empresa que não logrou êxito em atender o comando do art. 93 da Lei n° 8.213, de 24 de julho de 1991, por circunstâncias alheias a sua vontade.

 

 

 

EMENTA:
DIREITO ADMINISTRATIVO. LICITAÇÕES E CONTRATOS. EXIGÊNCIA DE RESERVA DE CARGOS PARA PESSOA COM DEFICIÊNCIA E REABILITADO DA PREVIDÊNCIA SOCIAL
 
I - Divergência entre órgãos jurídicos consultivos desta Advocacia-Geral da União acerca da regularidade do cumprimento da exigência de reserva de cargos para pessoa com deficiência e para reabilitado da Previdência Social por parte de empresa que não logrou êxito em atender o comando do art. 93 da Lei n° 8.213, de 24 de julho de 1991, por circunstâncias alheias a sua vontade.
 
II - Nos termos do inciso IV do art. 63 da Lei n° 14.133/2021, na fase de habilitação da licitação, somente se poderá exigir do licitante declaração de que cumpre as exigências de reserva de cargos para pessoa com deficiência e para reabilitado da Previdência Social, previstas em lei e em outras normas específicas.
 
III - A declaração apresentada pelo licitante tem presunção de veracidade juris tantum (relativa). Se houver concomitantemente à apresentação da declaração um documento da fiscalização trabalhista que infirme o seu conteúdo, deverá prevalecer esse em detrimento daquela;
 
IV - Os autos de infração e as certidões expedidos pelos Auditores-Fiscais do Trabalho constituem documentos públicos oficiais, sendo vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios, inclusive a seus servidores, recusar-lhes fé, conforme se pode atestar da leitura do inciso II do art. 19 da Constituição da República e do inciso III do art. 117 da Lei n° 8.112/1990.
 
V - Se autuado pela fiscalização trabalhista por inobservância da disposição constante do art. 63, IV, da Lei n° 14.133/2021, o licitante deverá providenciar a anulação ou a suspensão do auto para poder prosseguir no certame ou na execução do contrato.
 
Cod. Ement.: 23.

 

 

 

 

Senhora Coordenadora-Geral,

 

 

-I-

DO RELATÓRIO

DO PROCESSO DE NUP 25000.034922/2024-27

 

 

Consta dos autos que o Departamento de Logística em Saúde do Ministério da Saúde (DLOG/MS) endereçou à Consultoria Jurídica junto à Pasta (CONJUR/MS) demanda acerca da regularidade do cumprimento da exigência de reserva de cargos para pessoa com deficiência e para reabilitado da Previdência Social por determinada empresa, em procedimento instaurado para a aquisição de um certo tipo de medicamento.

 

Registrou-se na consulta que, não obstante a empresa responsável pela melhor proposta tenha declarado cumprir a exigência de reserva de cargos para pessoa com deficiência e para reabilitado da Previdência Social, a Secretaria de Inspeção do Trabalho (SIT/MTE) havia emitido certidão em que consta a informação de que a mesma não atendia à obrigação legal.

 

O DLOG/MS assentou em sua consulta, ainda, que, em face de diligência efetuada pelo agente da contratação, o fornecedor fez acostar aos autos decisão da Justiça do Trabalho em que a autuação e a multa pelo descumprimento do percentual legal de contratação haviam sido anuladas, sob o argumento de que a empresa "vem cumprindo com as determinações legais contidas no artigo 93, da Lei nº 8.213/91 para a contratação de pessoas com deficiências na medida dos limites fáticos impostos pelas circunstâncias materiais existentes e que a totalidade da cota de vagas não foi preenchida pela autora no momento da realização da fiscalização do trabalho por motivos alheios à sua vontade".

 

Em resposta à solicitação do DLOG/MS, a CONJUR/MS fez elaborar o PARECER n. 00345/2024/CONJUR-MS/CGU/AGU, de 04 de julho de 2024 (sequencial 02 do Sapiens), onde lançou a seguinte ementa:

 

DIREITO ADMINISTRATIVO. LICITAÇÕES E CONTRATOS. CONSULTA ACERCA DA REGULARIDADE DO CUMPRIMENTO DAS EXIGÊNCIAS DE RESERVA DE CARGOS PARA PESSOA COM DEFICIÊNCIA E REABILITADO NA PREVIDÊNCIA SOCIAL PELA EMPRESA UNIÃO QUÍMICA FARMACÊUTICA NACIONAL S/A NA DISPENSA ELETRÔNICA Nº 90005/2024 PARA AQUISIÇÃO DO MEDICAMENTO MEDROXIPROGESTERONA ACETATO (150 MG/ML, SUSPENSÃO INJETÁVEL).
 
I. Na visão desta Consultoria Jurídica, caso haja comprovação nos autos de que a empresa procurou dar atendimento à exigência do artigo 93 da Lei nº 8.213, de 1991, mas não logrou êxito por circunstâncias alheias a seu controle, pode-se considerar atendidos os requisitos do artigo 63, inciso IV, da Lei nº 14.133, de 2021, e do artigo 8º, inciso V,  da IN SEGES/ME nº 67, de 2021.
 
II. Existência de entendimento contrário, igualmente sustentável e plausível, no âmbito da Advocacia-Geral da União (Enunciado BPC nº 19).
 
III. Fundamentos jurídico: art. 93 Lei nº 8.213, 1991; arts. 63, inc. IV, Lei nº 14.133, 2021; art. 8º, inc. V, IN SEGES/ME nº 67, 2021; Parecer n. 00118/2024/CGAQ/SCGP/CGU/AGU; e Parecer n. 00267/2023/CJU-MG/CGU/AGU.
 
IV. Parecer facultativo e opinativo.
 
(Destaque nosso)

 

Como se pode verificar do item “I.” da ementa, na visão da CONJUR/MS, caso haja comprovação nos autos de que a empresa procurou dar atendimento à exigência do artigo 93 da Lei nº 8.213/1991, mas não logrou êxito por circunstâncias alheias a seu controle, pode-se considerar atendidos os requisitos do artigo 63, inciso IV, da Lei nº 14.133, de 2021, e do artigo 8º, inciso V, da IN SEGES/ME nº 67, de 2021.

 

No parágrafo “23.” do opinativo referido, o parecerista registrou que o posicionamento defendido já havia sido adotado pela Coordenação-Geral de Aquisições da Subconsultoria-Geral da União de Gestão Pública (CGAQ/SCGP/CGU/AGU) quando da elaboração do Parecer n. 00118/2024/CGAQ/SCGP/CGU/AGU, de 11 de abril de 2024 (sequencial 138 do Sapiens do processo de NUP nº 00693.000678/2023-36), de lavra da I. Advogada da União Lilian Barros de Oliveira Almeida, como se pode conferir da leitura do seguinte excerto:

 

Parecer n. 00118/2024/CGAQ/SCGP/CGU/AGU
 
22. Logo, diante do acima exposto, entende-se que a interpretação mais adequada da expressão "reserva de cargos para pessoa com deficiência e para reabilitado da Previdência Social," constante no art. 63, IV, da Lei nº 14.133, de 2021, é no sentido de que: a) a empresa deve destinar o percentual de cargos, previsto no art. 93 da Lei 8.213/91, às pessoas com deficiência e para reabilitados da Previdência Social; b) a eventual não ocupação de tais cargos destinados deve se dar exclusivamente por razões alheias à vontade da empresa; c) a empresa efetivamente deve estar empreendendo esforços para preencher o percentual legal de vagas.
 
23. Nesse sentido, caso os requisitos acima forem preenchidos, será legítima a simples declaração, feita pela própria empresa, de que ela "cumpre as exigências de reserva de cargos para pessoa com deficiência e para reabilitado da Previdência Social, previstas em lei e em outras normas específicas." (destaques no original)

 

 

O I. parecerista também deixou assinalado que existem opinativos no âmbito desta Advocacia-Geral da União (AGU) em que se defende entendimento diverso, no sentido de que os requisitos trazidos pelo artigo 63, inciso IV, da Lei nº 14.133, de 2021, são objetivos, não cabendo aos agentes contratantes quaisquer interpretações sobre os limites de seu atendimento.

 

Por essa razão, deveria prevalecer a informação constante da certidão emitida pela SIT/MTE, sem possibilidade de a empresa produzir outros meios de prova para infirmar seu conteúdo.

 

Sobre esse entendimento, fez-se referência ao Parecer n. 00267/2023/CJU-MG/CGU/AGU (sequencial 06 do Sapiens do processo de NUP 08354.001997/2022-31), lavrado no âmbito da Consultoria Jurídica da União no Estado de Minas Gerais (CJU/MG), tendo merecido destaque a seguinte passagem:

 

Parecer n. 00267/2023/CJU-MG/CGU/AGU
 
7. Inobstante os argumentos apresentados, temos tido o entendimento de que as situações de habilitação à participação do certame descritas na Lei de Regência são objetivos e não merecem interpretação por parte do pregoeiro ou agente de contratação. Assim, caso fosse o caso de a declaração existente nos órgãos públicos não coincidir com a realidade, a solução seria o interessado diligenciar até o órgão público a fim de submeter suas informações e assim obter a retificação da informação obtida.
 
8. Ademais, incabível ao agente da contratação efetuar juízo de avaliação acerca de informações trazidas unicamente pela interessada. Para que isso pudesse ser realizado de forma efetiva, toda a contabilidade e demais informações acerca das contratações teriam que ser disponibilizados à Administração, o que seria incabível em razão do tempo que seria despendido e também do conhecimento que seria necessário ao agente público poder analisar tal situação.
 
9. Assim, a informação abstrata, a nosso ver, não teria o condão de invalidar a informação objetivamente considerada pela emissão da declaração emitida pelo órgão público, que, pelo menos a princípio, reveste-se de fé pública e só poderia ser atacada pelo próprio interessado através dos meios próprios.
 
10. Veja-se que em situações em que a empresa não se sujeita à observância de cotas para reabilitados e deficientes, a declaração é emitida com tal informação, o que não foi o caso.
 
11Não se desconhece o fato de que o envidamento de esforços no sentido de cumprir a norma poderia ser um sinalizador de seu cumprimento, mas isso é realizado no campo dos fatos, ou seja, com análise profunda dessa iniciativa, o que não é cabível no campo da análise objetiva que se faz da documentação necessária à participação de interessados no certame. Repisa-se que a verificação, análise e correção dos dados constantes dos órgãos públicos deve ser realizada de forma prévia pelo interessado em participar do processo licitatório junto ao órgão público detentor do dado incorreto. Tal tarefa não pode competir ao pregoeiro, que não tem tempo nem conhecimento técnico para assim proceder, o que poderia, em alguns casos, a absurdos, levando a interpretação contraditórias sobre a aplicação da norma, tanto pelo órgão público responsável pela análise do cumprimento das cotas, quanto pelo agente da contratação.
 
12. Analisando o conteúdo do PARECER n. 078/2023/NUCJUR/CJU-BA/CGU/AGU, conforme informação trazido pelo órgão assessorado, discordamos, com todas as vênias cabíveis, de sua conclusão, por um fator simples: os entendimentos jurisprudenciais que levaram à possibilidade de se aceitar o esforço da empresa em cumprir a norma como de efetivo cumprimento da regra cogente se basearam em análise das provas apresentadas em juízo, que são sujeitas ao contraditório e ampla defesa pelas partes, o que não ocorre no âmbito da participação das empresas no processo licitatório, quer na fase de habilitação quanto na fase de julgamento das propostas.
 
13. Como dito acima, a análise documental dos documentos necessários à participação nos processos licitatórios é, em regra, objetivo, cabendo a interferência estatal nessa hipótese somente nos casos de erro claro ou em casos em que diligências simples seriam necessárias para elucidar dúvida, não para casos de análises complexas e profundas, como seria a análise de se saber se determinado licitante teria ou não empregados suficientes para se sujeitar à norma legal, que, aliás, determinado órgão público informa que seria.
 
14. Desta forma, caberia à própria licitante discutir administrativamente ou judicialmente, de forma prévia, a aplicação da norma para o seu caso concreto ao invés de submeter tal análise ao agente ou à comissão de contratação que não detém competência para isso e muito menos teria conhecimento e tempo para tomar uma decisão acertada. (sem destaques no original)
 
(Destaque nosso)

 

Diante da divergência indicada, o I. autor do PARECER n. 00345/2024/CONJUR-MS/CGU/AGU propôs a remessa do caso a este Departamento de Coordenação e Orientação de Órgãos Jurídicos da Consultoria-Geral da União (DECOR/CGU/AGU) para fins de uniformização da jurisprudência administrativa, sugestão prontamente acatada pela chefia (sequenciais 03 e 04 do Sapiens).

 

No âmbito deste DECOR/CGU/AGU, em atenção ao disposto na Portaria Normativa CGU n° 14, de 23 de maio de 2023, que atualmente disciplina o fluxo das atividades desenvolvidas nos procedimentos de uniformização no Departamento, adotamos as seguintes providências:

 

a) agendamos reunião de apresentação de caso com a participação de representantes dos órgãos envolvidos (CONJUR/MS, CJU/MG e DIAQ/SCGP/CGU/AGU); e
 
b) abrimos vista coletiva do caso para que outros órgãos jurídicos, integrantes ou vinculados à AGU, pudessem apresentar elementos acerca do assunto até o dia 12 de agosto de 2024.

 

A reunião de apresentação de caso ocorreu no dia 30 de julho de 2024 (sequencial 10 do Sapiens), tendo participado dela, também, representantes da Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN), em razão de seu interesse pela matéria.

 

À exceção deste Advogado, que compareceu presencialmente, os demais representantes participaram do encontro na modalidade “on-line”. Dentre os apontamentos lançados na Memória de Reunião, decorrentes dos debates ali travados, merecem destaque os seguintes:

 

a) a legislação prevê que na fase de habilitação das licitações será exigida do licitante declaração de que cumpre as exigências de reserva de cargos para pessoa com deficiência e para reabilitado da Previdência Social, previstas em lei e em outras normas específicas (art. 63, IV, da Lei n° 14.331, de 1° de abril de 2021);
 
b) muitas vezes, a empresa apresenta a declaração, mas há, concomitantemente, auto de infração ou certidão da SIT/MTE onde se atesta o descumprimento do comando legal;
 
c) em relação a esse dissenso, as empresas licitantes asseveram não conseguir atender à exigência legal por circunstâncias alheias a sua vontade, tais como fatores de ordem mercadológica, ausência de candidatos às vagas etc.; e
 
d) a jurisprudência da justiça trabalhista esta sedimentada no sentido de que, comprovado pela empresa que envidou todos os esforços a fim de cumprir a cota destinada a beneficiários reabilitados da Previdência Social e pessoas com deficiência, mas não alcançado o percentual previsto na referida norma em razão de motivos alheios à sua vontade, não lhe cabe qualquer responsabilização

 

Diante desses pontos, entenderam os participantes da reunião que se mostrava importante a realização de um novo encontro, desta vez com a participação de representantes da Consultoria Jurídica junto ao Ministério do Trabalho e Emprego (CONJUR/MTE) e, se possível, da SIT/MTE, de modo a se tentar alinhar um entendimento sobre o tema.

 

Também se compreendeu que o prazo definido para a prestação de subsídios, por parte de órgãos integrantes ou vinculados a esta AGU, deveria ser prorrogado, pelo prazo de 30 (trinta) dias, a partir do término do termo anterior (12.08.2024), em face da necessidade de realização da nova reunião.

 

No decorrer dos trabalhos, cabe registrar que o I. Representante da Diretoria de Aquisições da SCGP/CGU/AGU (DIAQ/SCGP/CGU/AGU) relembrou que, por meio de mensagem eletrônica (e-mail) transmitida no dia 22 de julho de 2024, havia sugerido a avaliação conjunta do processo de NUP 19973.008796/2024-55 com o presente, em virtude de guardarem correlação temática.

 

A segunda reunião de apresentação de caso ocorreu no dia 15 de agosto de 2024 (sequencial 23 do Sapiens), tendo os representantes da SIT/MTE esclarecido, ao serem questionados sobre a possibilidade de levar em consideração, nas fiscalizações, o fato de as empresas não conseguirem observar o disposto no art. 93 da Lei n° 8.213/1991 por circunstâncias alheias a sua vontade que, usualmente, aquelas se limitam a ofertar as vagas aos portadores de deficiência e reabilitados da Previdência Social, não adotando, verdadeiramente, medidas práticas para viabilizar a contratação.

 

Asseveraram os representantes da SIT/MTE que:

 

a) muitas vezes, as razões apresentadas pelas empresas como justificativas para o não atendimento do comando estabelecido pelo art. 93 da lei n° 8.213/1991 não passam de escusas injustificadas;
 
b) apesar da Lei n° 8.213/1991 ter sido editada em 1991, apenas entre 2008 e 2009 passou a ter real efetividade, em razão da atuação da SIT/MTE. Enquanto o mercado de trabalho observou um crescimento de 18%, as contratações de pessoas com deficiência tiveram um incremento de 78%;
 
c) atualmente, 93% das pessoas com deficiência que estão trabalhando nas empresas o fazem em razão da atuação da fiscalização. São em torno de 500.000 (quinhentos mil) trabalhadores;
 
d) a atividade de fiscalização não encontra boa receptividade por parte das empresas, mas ocorre na efetivação de uma política pública afirmativa do Estado, com público específico, qual seja, pessoas com limitação;
 
e) na maioria das vezes, quando as empresas asseveram não encontrar profissionais com deficiência para o desempenho dos trabalhos, na verdade não oferecem condições de acessibilidade para tal;
 
f) o art. 34 da Lei n° 13.146, de 06 de julho de 2015, estabelece que “toda pessoa com deficiência tem direito à igualdade de oportunidades com as demais pessoas e não sofrerá nenhuma espécie de discriminação”;
 
g) por força do Decreto n° 9.405, de 11 de junho de 2018, mesmo as microempresas e as empresas de pequeno porte devem garantir acessibilidade a pessoas portadoras de deficiência;
 
h) as empresas alegam ônus desproporcional ou indevido quanto aos gastos que precisam implementar para a garantia da acessibilidade;
 
i) não se considera ser desproporcional o gasto de até 4,5% do orçamento;
 
j) na verdade, as empresas só demonstram ter divulgado vagas de trabalho para pessoas com deficiência, mas não exteriorizam efetivo esforço para contratar.
 
k) a SIT/MTE dá prazo de até 04 (quatro) meses para as empresas se adaptarem aos termos do art. 93 da lei n° 8.213/1991, que já vige há 33 (trinta e três) anos;
 
l) as empresas podem, ainda, celebrar termo de compromisso com a fiscalização, o que pode gerar a concessão de até dois anos para se adaptarem aos ditames legais;
 
m) só após todo esse procedimento é lavrado o auto de infração;
 
n) outro argumento apresentado pelas empresas como justificativa para o não atendimento da lei é o de as pessoas portadoras de deficiência não possuírem qualificação. Não obstante isso, concomitantemente, admitem jovens aprendizes e investem em seu treinamento;
 
o) a atitude é desigual com os portadores de deficiência; e
 
p) um outro ponto que deve ser considerado é o de que a mitigação dos deveres de determinada empresa em contratar pessoas com deficiência ensejaria concorrência desleal com aquelas, concorrentes, que observam o comando legal. Um procedimento nesse sentido poderia até contribuir para o desestímulo das empresas que atuam com retidão continuarem contratando.

 

Posteriormente, a PGFN fez elaborar o PARECER SEI Nº 2983/2024/MF, datado de 12 de setembro de 2024 (sequencial 24 do Sapiens), onde se apôs a seguinte conclusão:

 

56. Assim sendo, diante da questão levantada junto ao DECOR, tendo em vista, especialmente, que i) a lei e a regulamentação existentes fixam critérios claros e objetivos; ii) que essa legislação tem presunção de constitucionalidade e de legalidade; iii) que o ordenamento jurídico como um todo visa à proteção da pessoa com deficiência; iv) que descumprir a exigência do número mínimo de pessoas com deficiência representa o esvaziamento de uma política pública; v) que o ambiente concorrencial próprio da licitação pressupõe a existência de regras prévias e objetivas, respeitando a isonomia e a competitividade; vi) que as decisões judiciais trabalhistas existentes, que flexibilizam esses critérios, ocorrem essencialmente em ambientes sancionatórios ou de poder de polícia, cujo contexto é bastante diferente do ambiente concorrencial; vii) que permitir a flexibilização de regras objetivas de habilitação abriria o caminho interpretativo para que qualquer outro requisito fosse flexibilizado diante das dificuldades encontradas pelos licitantes, esvaziando a lógica da licitação; viii) que as decisões judiciais devem ser cumpridas dentro dos seus limites objetivos e subjetivos, não servindo, quando contrariarem a lei e não se mostrarem vinculantes, como paradigma de interpretação para os casos futuros, esta Coordenação-Geral se manifesta no sentido de que a demonstração de que empresa envidou todos os esforços para cumprir as exigências de reserva de cargos para pessoa com deficiência e para reabilitado da Previdência Social, mas não conseguiu por fatores alheios à sua vontade, em regra, não afasta a exigência do art. 63, inciso IV, da Lei nº 14.133, de 2021, e do art. 8º, inciso V, da IN SEGES/ME nº 67, de 2021, eis que se trata de critério objetivo a ser cumprido.

 

Em síntese, opinou-se ali que a demonstração de que empresa envidou todos os esforços para cumprir as exigências de reserva de cargos para pessoa com deficiência e para reabilitado da Previdência Social, sem cumprir a medida por fatores alheios à sua vontade, em regra, não afasta a exigência do art. 63, inciso IV, da Lei nº 14.133, de 2021, e do art. 8º, inciso V, da IN SEGES/ME nº 67, de 2021, eis que se trata de critério objetivo a ser cumprido.

 

Eis o relatório.

 

 

-II-

DO RELATÓRIO

DO PROCESSO DE NUP 19973.008796/2024-55

 

 

Como visto alhures, o I. Representante da DIAQ/SCGP/CGU/AGU, no decorrer da reunião de apresentação de caso havida no dia 30 de julho de 2024, rememorou a sugestão que havia feito em mensagem eletrônica, transmitida a este Advogado no dia 22 daquele mês, de que a avaliação do presente feito fosse empreendida de forma conjunta com a do referente ao processo de NUP 19973.008796/2024-55, por guardarem correlação temática.

 

O referido feito tem por objeto a aquisição, por dispensa de licitação, de combustível de aviação para o transporte aéreo de pessoas e materiais que objetive o suporte à população dos municípios do estado do Rio Grande do Sul (RS) que se encontram em situação de calamidade pública ou de emergência, em razão das enchentes de maio de 2024 (vide Nota Técnica SEI nº 23841/2024/MGI, assinada eletronicamente em 10 de junho de 2024 – sequencial 97 do Sapiens do processo de NUP 19973.008796/2024-55).

 

Estabeleceu-se no subitem 4.9 do Aviso de Contratação nº 1/2024 que, no cadastramento da proposta inicial, o fornecedor deveria declarar, em campo próprio do sistema eletrônico, que cumpre as exigências de reserva de cargos para pessoa com deficiência e para reabilitado da Previdência Social, de que trata o art. 93 da Lei nº 8.213/91.

 

A única empresa participante do certame teve sua proposta analisada e aceita.

 

Passando-se à fase de habilitação, foi verificado que, embora a referida empresa houvesse declarado (SEI 42611332) no sistema o cumprimento das exigências de reserva de cargos para pessoa com deficiência e para reabilitado da Previdência Social, a mesma ostentava, junto ao MTE, a Certidão de Regularidade na Contratação de Pessoas com Deficiência e Reabilitados da Previdência Social (SEI 42668082) com indicativo de percentual inferior ao estabelecido na norma.

 

Instada a se manifestar, a empresa apresentou documentos e fundamentos tendentes a demonstrar que o não atendimento do percentual legal se verificou em razão de circunstâncias alheias a sua vontade.

 

A Administração considerou que, diante da documentação apresentada, seria possível se certificar que a empresa cumpria com a verdade, pois atestou buscar a recomposição de sua força de trabalho em observância às normas vigentes. A mesma contratou, inclusive, empresa especializada em recrutamento e seleção, exclusivamente para contratação de pessoa com deficiência, visando preencher o cargo de auxiliar administrativo; divulgou a seleção em sítio especializado; bem como apresentou comprovação de vínculo dos 3 (três) funcionários com deficiência contratados. 

 

Não obstante isso, mesmo após a análise da documentação e a comprovação de que a empresa buscava atender as normas vigentes, o inadimplemento por parte da mesma persistiria, em razão de efetivamente não cumprir as exigências de reserva de cargos para pessoas com deficiência e para reabilitados da Previdência Social junto ao MTE.

 

Desse modo, demandou-se à Consultoria Jurídica junto à Pasta (CONJUR/MGI) que se manifestasse sobre a legalidade quanto aos requisitos de habilitação social, tanto na fase de seleção do fornecedor como ao longo da execução contratual, tendo em vista a declaração acostada ao sistema e a documentação apresentada em sede de diligência por parte da empresa licitante.

 

Por intermédio do DESPACHO n. 16594/2024/CONJUR-MGI/CGU/AGU, de 13 de junho de 2024 (sequencial 98 do Sapiens do processo de NUP 19973.008796/2024-55), a CONJUR/MGI direcionou o caso à SCGP/CGU/AGU, em razão de se tratar do órgão responsável por uniformizar o atendimento consultivo prestado pela AGU aos Ministérios, conforme estabelecido no Decreto nº 11.328, de 1º de janeiro de 2023.

 

No âmbito da CGAQ/SCGP/CGU/AGU, elaborou-se a NOTA n. 00036/2024/CGAQ/SCGP/CGU/AGU, de 19 de junho de 2024, onde se concluiu que:

 

a) a empresa (...) demonstrou nos autos que destinou o percentual legal de vagas para pessoa com deficiência e para reabilitado da Previdência Social, mas que tais vagas não foram preenchidas por razões alheias à vontade da empresa, apesar da efetiva busca pelo preenchimento do percentual legal das vagas;
 
b) em razão de tal demonstração nos autos, considerou-se atendido o disposto no art. 63, IV, da Lei nº 14.133, de 2021, seja na fase de habilitação como de execução contratual, sendo necessário que a empresa, na fase de execução contratual, atualizasse, se fosse o caso, a demonstração de que ainda não havia conseguido preencher o percentual legal de vagas destinadas a pessoas com deficiência  e para reabilitado da Previdência Social por razões alheias à sua vontade, apesar da efetiva busca pelo preenchimento do percentual legal das vagas; e
 
c) seria desprovida de legalidade a exigência, pela Administração, de certidão emitida pelo MTE, para fins de habilitação em procedimentos licitatórios, sendo suficiente a exigência da apresentação de Declaração dos próprios licitantes, conforme expressamente previsto no art. 63, IV, da Lei nº 14.133, de 2021.

 

A NOTA n. 00036/2024/CGAQ/SCGP/CGU/AGU veio a ser aprovada tanto pelo Exmo. Sr. Coordenador-Geral (vide DESPACHO n. 00291/2024/DIAQ/SCGP/CGU/AGU, assinado eletronicamente em 19 de junho de 2024 – sequencial 102 do Sapiens do processo de NUP 19973.008796/2024-55) quanto pelo Exmo. Sr. Diretor (vide DESPACHO n. 00292/2024/DIAQ/SCGP/CGU/AGU, assinado eletronicamente em 19 de junho de 2024 – sequencial 103 do Sapiens do processo de NUP 19973.008796/2024-55).

 

Feitos esses registros, procede-se à uniformização da jurisprudência administrativa em relação ao tema de interesse.

 

 

-III-

DA ANÁLISE

 

 

Como relatado, trata-se de controvérsia jurídica apontada pela CONJUR/MS em face de entendimento adotado pela CJU/MG acerca da regularidade do cumprimento da exigência de reserva de cargos para pessoa com deficiência e para reabilitado da Previdência Social por parte de empresa que não logrou êxito em atender o comando do art. 93 da Lei n° 8.213/1991 por circunstâncias alheias a sua vontade.

 

A CONJUR/MS compreende que, em havendo comprovação nos autos de que a empresa procurou dar atendimento à exigência do artigo 93 da Lei nº 8.213/1991, sem ter logrado êxito por circunstâncias alheias a seu controle, pode-se considerar atendidos os requisitos do artigo 63, inciso IV, da Lei nº 14.133/2021, e do artigo 8º, inciso V, da IN SEGES/ME nº 67/2021.

 

A CGAQ/SCGP/CGU/AGU adota a mesma linha de entendimento da CONJUR/MS, ao passo que a CJU/MG defende que os requisitos trazidos pelo artigo 63, inciso IV, da Lei nº 14.133/2021, são objetivos, não cabendo aos agentes contratantes quaisquer interpretações sobre os limites de seu atendimento.

 

O I. Representante da DIAQ/SCGP/CGU/AGU sugeriu a avaliação conjunta do processo de NUP 19973.008796/2024-55, por guardar correlação temática com o caso presente.

 

Eis o que estabelecem os dispositivos normativos de interesse:

 

Lei nº 8.213/1991
 
Art. 93. A empresa com 100 (cem) ou mais empregados está obrigada a preencher de 2% (dois por cento) a 5% (cinco por cento) dos seus cargos com beneficiários reabilitados ou pessoas portadoras de deficiência, habilitadas, na seguinte proporção:
 
I - até 200 empregados ....................................................................... 2%;
 
II - de 201 a 500 ...................................................................................3%;
 
III - de 501 a 1.000 ...............................................................................4%;
 
IV - de 1.001 em diante. .......................................................................5%.
 
 
 
 
Lei nº 14.133/2021
 
Art. 63. Na fase de habilitação das licitações serão observadas as seguintes disposições:
 
(...)
 
IV - será exigida do licitante declaração de que cumpre as exigências de reserva de cargos para pessoa com deficiência e para reabilitado da Previdência Social, previstas em lei e em outras normas específicas. (sem destaques no original)
 
 
 
 
IN SEGES/ME nº 67/2021
 
Art. 8º O fornecedor interessado, após a divulgação do aviso de contratação direta, encaminhará, exclusivamente por meio do Sistema de Dispensa Eletrônica, a proposta com a descrição do objeto ofertado, a marca do produto, quando for o caso, e o preço, até a data e o horário estabelecidos para abertura do procedimento, devendo, ainda, declarar, em campo próprio do sistema, as seguintes informações: (...)
 
(...)
 
V -  o cumprimento das exigências de reserva de cargos para pessoa com deficiência e para reabilitado da Previdência Social, de que trata o art. 93 da Lei nº 8.213, de 24 de julho de 1991, se couber; e
 

 

O inciso IV do art. 63 da Lei n° 14.133/2021 deixa claro que, em relação ao ponto que constitui objeto dos presentes autos, na fase de habilitação da licitação, somente se poderá exigir do licitante declaração de que cumpre as exigências de reserva de cargos para pessoa com deficiência e para reabilitado da Previdência Social, previstas em lei e em outras normas específicas.

 

Essa declaração possui presunção de veracidade juris tantum, ou seja, de natureza relativa, não tendo o condão de prevalecer sobre eventual certidão ou auto de infração expedido pela fiscalização trabalhista, que infirme o seu conteúdo.

 

A respeito da fiscalização trabalhista, consta do inciso XVIII do art. 18 do Decreto n° 4.552, de 27 de dezembro de 2002 (aprova o Regulamento da Inspeção do Trabalho) que compete aos Auditores-Fiscais do Trabalho lavrar autos de infração em sua área de atuação por inobservância de disposições legais, como se pode observar de sua transcrição:

 

 Art. 18.  Compete aos Auditores-Fiscais do Trabalho, em todo o território nacional:
 
(...)
 
XVIII - lavrar autos de infração por inobservância de disposições legais;

 

Prevê o § 2° do art. 11 da Lei n° 10.593, de 06 de dezembro de 2002, incluído pela Lei n° 13.464, de 10 de julho de 2017, que “os ocupantes do cargo de Auditor-Fiscal do Trabalho, no exercício das atribuições previstas neste artigo, são autoridades trabalhistas”:  

 

Art. 11. Os ocupantes do cargo de Auditor-Fiscal do Trabalho têm por atribuições assegurar, em todo o território nacional:
 
(...)
 
§ 2o Os ocupantes do cargo de Auditor-Fiscal do Trabalho, no exercício das atribuições previstas neste artigo, são autoridades trabalhistas.    

 

Os autos de infração expedidos pelos Auditores-Fiscais do Trabalho constituem documentos públicos oficiais, sendo vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios recusar-lhes fé, conforme se pode atestar da leitura do inciso II do art. 19 da Constituição da República:

 

Art. 19. É vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios:
 
(...)
 
II - recusar fé aos documentos públicos;
 

Consta ainda do inciso III do art. 117 da Lei n° 8.112, de 11 de dezembro de 1990, que ao servidor público é proibido recusar fé a documentos públicos, nos seguintes termos:

 

Art. 117.  Ao servidor é proibido:                    (Vide Medida Provisória nº 2.225-45, de 4.9.2001)
 
(...)
 
III - recusar fé a documentos públicos;

 

Diante da previsão constante do inciso II do art. 19 da Constituição Federal e do inciso III do art. 117 da Lei n° 8.112/1990, não podem os agentes responsáveis pelos processos licitatórios e acompanhamento da execução dos contratos públicos simplesmente desconsiderar a existência de certidão, auto de infração ou qualquer outro documento expedido pela fiscalização trabalhista que expressamente aponte o descumprimento de requisitos legais por parte da empresa licitante.

 

Nesse passo, se autuado pela fiscalização trabalhista por inobservância da disposição constante do art. 63, IV, da Lei n° 14.133/2021, o licitante deverá providenciar a anulação ou a suspensão dos efeitos dos autos de infração, certidões ou outros documentos da fiscalização trabalhista que apontem o desatendimento da obrigação legal.

 

Como ressaltado em diversos momentos nos autos, a jurisprudência da Justiça do Trabalho vem adotando o entendimento no sentido de que, uma vez comprovado que a empregadora realizou notórias e relevantes ações para realizar as contratações estabelecidas pela lei, não lhe pode ser aplicada penalidade em razão de não ter atingido a quota mínima exigida.

 

Eis a ementa de um precedente recente, que espelha bem a compreensão da Justiça do Trabalho sobre o tema:    

 

"RECURSO DE REVISTA. ACÓRDÃO REGIONAL PUBLICADO NA VIGÊNCIA DA LEI N° 13.467/2017 – CONTRATAÇÃO DE PESSOAS COM DEFICIÊNCIA. DIVULGAÇÃO EM MEIOS OFICIAIS. BUSCA ATIVA. DIFICULDADE DE CONTRATAÇÃO. VAGAS NÃO PREENCHIDAS. O art. 93 da Lei nº 8.213/1991 prevê que a empresa que possui 100 ou mais empregados está obrigada a preencher o seu quadro de pessoal com pessoas com deficiência ou com beneficiários da Previdência Social reabilitados, no percentual de 2% e 5% do total de cargos disponíveis. Trata-se de ação afirmativa que impõe ao empregador a obrigação de empreender todos os esforços necessários ao cumprimento das cotas mínimas reservadas a empregados reabilitados ou com deficiência. Esta Corte Superior possui o entendimento no sentido de que, uma vez comprovado que a empregadora realizou notórias e relevantes ações para realizar as contratações estabelecidas pela lei, não lhe pode ser aplicada penalidade em razão de não ter atingido a quota mínima exigida. Necessário, portanto, analisar-se criteriosamente a alegação de “ dificuldade de contratação ”, constituindo-se ônus do empregador a demonstração de que realizou diversos esforços para o cumprimento do referido dispositivo legal, sob pena de se esvaziar a finalidade do que dispõe o art. 93 da Lei nº 8.213/1991. No caso, o Tribunal Regional consignou que “ os documentos apresentados pelo requerente demonstram que a maioria dos anúncios de vagas destinadas às pessoas com deficiência ou reabilitadas foram veiculados na internet, no jornal e na rádio local em datas posteriores à lavração do auto de infração ”. Assim, o contexto fático delineado na origem não alberga as alegações da empresa no sentido de que agiu com a diligência necessária a fim de atender ao cumprimento das vagas exigidas legalmente. Conclusão diversa esbarra no óbice da Súmula 126 do TST. Recurso de revista de que não se conhece" (RR-12232-33.2018.5.15.0111, 8ª Turma, Relator Ministro Sergio Pinto Martins, DEJT 16/09/2024).

 

Há que se ter presente, em relação a essas decisões judiciais, que:

 

a) via de regra, a coisa julgada só vincula as partes (limite subjetivo da lide); e
 
b) as decisões judiciais não geram efeitos à Administração, se não participou da ação;

 

O atendimento do comando legal não se restringe à fase de habilitação, estendendo-se, também, à fase de execução do contrato.

 

Afinal de contas, prevê o art. 116 da Lei n° 14.133/2021 que “ao longo de toda a execução do contrato, o contratado deverá cumprir a reserva de cargos prevista em lei para pessoa com deficiência, para reabilitado da Previdência Social ou para aprendiz, bem como as reservas de cargos previstas em outras normas específicas”.

 

Consta do parágrafo único do art. 116 da referida norma que “sempre que solicitado pela Administração, o contratado deverá comprovar o cumprimento da reserva de cargos a que se refere o caput deste artigo, com a indicação dos empregados que preencherem as referidas vagas”.

 

Assim como ressaltaram a SIT/MTE e a PGFN:

 

a) os requisitos estabelecidos na legislação para a reserva de cargos para pessoa com deficiência e reabilitado da Previdência Social constituem critérios objetivos;
 
b) a declaração emitida pela empresa tem presunção juris tantum (relativa), podendo ser afastada por documento oficial emitido pela fiscalização trabalhista em sentido contrário, que tem fé pública;
 
c) a mitigação dos deveres de determinada empresa em contratar pessoas com deficiência ensejaria concorrência desleal com aquelas, concorrentes, que observam o comando legal. Um procedimento nesse sentido poderia até contribuir para o desestímulo das empresas que atuam com retidão continuarem contratando;
 
d) em havendo auto de infração, certidão ou qualquer outro documento da fiscalização trabalhista em que se preveja o desatendimento da obrigação legal, deve a empresa interessada buscar a regularização, uma vez que os órgãos e entes púbicos não podem recusar fé a documentos públicos.     

 

Esses os elementos que tínhamos a apresentar para a consideração de V.Exa.

 

-IV-

DA CONCLUSÃO

 

 

Diante do exposto, opinamos que:

 

a) nos termos do inciso IV do art. 63 da Lei n° 14.133/2021, na fase de habilitação da licitação, somente se poderá exigir do licitante declaração de que cumpre as exigências de reserva de cargos para pessoa com deficiência e para reabilitado da Previdência Social, previstas em lei e em outras normas específicas;
 
b) a declaração apresentada pelo licitante tem presunção de veracidade juris tantum (relativa). Se houver concomitantemente à apresentação da declaração um documento da fiscalização trabalhista que infirme o seu conteúdo, deverá prevalecer esse em detrimento daquela;
 
c) os autos de infração e as certidões expedidos pelos Auditores-Fiscais do Trabalho constituem documentos públicos oficiais, sendo vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios, inclusive a seus servidores, recusar-lhes fé, conforme se pode atestar da leitura do inciso II do art. 19 da Constituição da República e do inciso III do art. 117 da Lei n° 8.112/1990; e
 
d) se autuado pela fiscalização trabalhista por inobservância da disposição constante do art. 63, IV, da Lei n° 14.133/2021, o licitante deverá providenciar a anulação ou a suspensão do auto para poder prosseguir no certame ou na execução do contrato.

 

Por guardarem correlação temática, sugerimos que os autos do processo de NUP 19973.008796/2024-55 sejam apensados aos presentes e que uma cópia deste opinativo seja ali colacionada.

 

Caso aprovada a presente manifestação, sugerimos que se dê ampla divulgação de seu teor em razão da transversalidade e da abrangência do tema. 

 

À consideração superior.

 

Brasília, 08 de outubro de 2024.

 

 

MAURÍCIO BRAGA TORRES

ADVOGADO DA UNIÃO

 

 


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