ADVOCACIA-GERAL DA UNIÃO
CONSULTORIA-GERAL DA UNIÃO
CONSULTORIA JURÍDICA JUNTO AO MINISTÉRIO DA CULTURA
COORDENAÇÃO-GERAL DE PARCERIAS E COOPERAÇÃO FEDERATIVA


 

PARECER n. 00360/2024/CONJUR-MINC/CGU/AGU

 

NUP: 01400.023575/2024-36

INTERESSADOS: COORDENAÇÃO-GERAL DE INSTRUMENTOS TÉCNICOS E JURÍDICOS CGITJ/DAT/SCC/GM/MINC

ASSUNTOS: EDITAIS DA PNAB.

 

 

EMENTA:
I. Direito Administrativo. Consulta.
II. Possibilidade de participação de agentes públicos do Ministério da Cultura e das entidades vinculadas nos editais realizados com recursos da Política Nacional Aldir Blanc de Fomento à Cultura (PNAB) pelos Estados, Distrito Federal e Municípios.
III. Princípios gerais de direito administrativo. Lei n. 14.399/2022. Lei nº 14.903/2024. Decreto nº 11.453/2023. 
IV. Princípio da vinculação ao instrumento convocatório. Interpretação restritiva das exceções. Democratização do acesso às políticas de fomento cultural. 
V. Possibilidade jurídica, desde que não haja vedação em Edital específico, e desde que se demonstre que os agentes em questão não estão diretamente envolvidos na etapa de proposição técnica da minuta de edital, na etapa de análise de propostas ou na etapa de julgamento de recursos.
 

 

 

I. RELATÓRIO

 

Por meio do Ofício nº 54/2024/CGITJ/DAT/SCC/GM/MinC (SEI 1924821), o Titular da Diretoria de Assistência Técnica a Estados, Distrito Federal e Municípios do Ministério da Cultura - DAT/SCC/MINC solicita a esta Consultoria Jurídica manifestação quanto à possibilidade de participação de agentes públicos do Ministério da Cultura e das entidades vinculadas nos editais lançados pelos Estados, Distrito Federal e Municípios, com recursos da Política Nacional Aldir Blanc de Fomento à Cultura (PNAB).

 

A consulta se dá em tese, em função de questionamento recebido por e-mail, que não identifica a autoria e as circunstâncias que levaram à consulta (1924820).

 

A DAT/SCC/MINC destaca que a Política Nacional Aldir Blanc de Fomento à Cultura prevê o repasse de R$ 3.000.000.000,00 (três bilhões de reais) pela União aos demais entes federativos (art. 6º da Lei n. 14.399/2022), que deverão ser aplicados na execução das ações e atividades descritas no art. 5º da Lei. 

 

Nesses termos, cabe aos Estados, Distrito Federal e Municípios que receberem os recursos da PNAB realizar os procedimentos de seleção dos agentes culturais, que serão os destinatários finais dos recursos.

 

A DAT/SCC/MINC alega que a Lei da PNAB não dispõe sobre vedações e impedimentos de participação de agentes culturais em editais de fomento à cultura. Contudo, aduz o órgão consulente, a Lei nº 14.903/2024 (novo Marco Regulatório do Fomento à Cultura) aplica-se aos editais realizados com recursos da PNAB, e estabelece as hipóteses de vedação de recebimento de recursos em seu art. 10. Tais impedimentos constam também nos art. 19 e 20 do Decreto nº 11.453/2023. Esses dispositivos vedam expressamente a participação de agentes culturais que estejam diretamente envolvidos na etapa de proposição técnica da minuta de edital, na etapa de análise de propostas ou na etapa de julgamento de recursos, mas não restringe a participação de servidores públicos em geral.

 

Neste sentido, a dúvida suscitada se refere à possibilidade de servidores do Ministério da Cultura e vinculadas concorrerem ou serem contratados em projetos realizados pelos Estados, Distrito Federal e Municípios com recursos da Lei nº 14.399/2022.

 

É o relatório.

 

 

II. FUNDAMENTAÇÃO

 

A presente análise se dá com fundamento no art. 131 da Constituição Federal e no art. 11 da Lei Complementar nº 73/93, subtraindo-se do âmbito da competência institucional deste Órgão Jurídico, delimitada em lei, análises que importem em considerações de ordem técnica, financeira ou orçamentária.

 

​A consulta em tela diz respeito à possibilidade de participação de agentes públicos federais (servidores públicos, empregados terceirizados, estagiários, entre outros) do Ministério da Cultura e das entidades vinculadas, concorrerem ou serem contratados em projetos selecionados nos editais lançados pelos Estados, Distrito Federal e Municípios, com recursos da Política Nacional Aldir Blanc de Fomento à Cultura (Lei n. 14.399/2022).

 

Inicialmente, vale notar que a Administração Pública brasileira rege-se por um conjunto de princípios fundamentais que norteiam sua atuação e garantem a efetividade dos direitos dos cidadãos. Entre esses princípios, destacam-se a impessoalidade[1] e a moralidade[2], pilares basilares da boa governança e da construção de um Estado Democrático de Direito. Nos termos da Constituição Federal:

 Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte: (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 19, de 1998)
(...)

 

 

Em sentido complementar, o art. 2º da Lei n. 9.784/1999 (Lei do Processo Administrativo) dispõe:

 

Art. 2º Administração Pública obedecerá, dentre outros, aos princípios da legalidade, finalidade, motivação, razoabilidade, proporcionalidade, moralidade, ampla defesa, contraditório, segurança jurídica, interesse público e eficiência.

 

Esses princípios são valores que devem guiar toda e qualquer seleção pública, independentemente de estarem expressamente previstos em um regramento específico. 

 

Considerando esses princípios como norte para o entendimento do tema, cabe ao gestor, ao analisar a vedação de uma conduta específica, verificar o regime jurídico no qual a situação prática está enquadrada.

 

Assim, diante de um caso concreto, a investigação inicial para responder se determinada conduta ou contratação é vedada deve partir das normas que regulamentam o instrumento específico a ser celebrado.

 

Observo que esta Consultoria Jurídica já se manifestou sobre temas correlatos em outros contextos. Vide, por exemplo, o PARECER n. 00043/2024/CONJUR-MINC/CGU/AGU (01400.004881/2023-92) e o PARECER n. 00189/2024/CONJUR-MINC/CGU/AGU (01400.016309/2024-57). O primeiro tratou da vedação de participação de servidor do MinC em edital lançado pelo próprio MinC; e o segundo tratou da celebração de termo de fomento ou convênio, que tenha como beneficiário de emenda parlamentar uma entidade com participação de parente de algum dirigente do Ministério.

 

No caso em tela, a consulta trata da possibilidade de agentes públicos federais (servidores públicos, empregados terceirizados, estagiários, entre outros) do Ministério da Cultura e das entidades vinculadas, concorrerem ou serem contratados em projetos selecionados nos editais lançados pelos Estados, Distrito Federal e Municípios, com recursos da Política Nacional Aldir Blanc de Fomento à Cultura (Lei n. 14.399/2022).

 

Como dito, os recursos da Política Nacional Aldir Blanc de Fomento à Cultura - PNAB (Lei n. 14.399/2022) foram repassados pela União aos Estados, Municípios e Distrito Federal e deverão ser executados diretamente por estes entes, que realizarão os procedimentos de seleção dos agentes culturais (destinatários finais dos recursos da PNAB), para financiamento das ações e atividades culturais indicadas no art. 5º da Lei nº 14.399/2022.

 

Como órgãos executores de política cultural (no caso, a PNAB), aplica-se a todos os entes da Federação a Lei nº 14.903/2024, conforme estabelece seu art. 1º:

 

Art. 1º  Esta Lei estabelece o marco regulatório do fomento à cultura, no âmbito da administração pública da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, nos termos do inciso IX do caput do art. 24 da Constituição Federal, e abrange:
I - órgãos da administração direta, autarquias, fundações, bem como empresas públicas e sociedades de economia mista prestadoras de serviço público, e suas subsidiárias, enquadradas no disposto no § 9º do art. 37 da Constituição Federal; e
II - órgãos dos Poderes Legislativo e Judiciário da União, dos Estados e do Distrito Federal e órgãos do Poder Legislativo dos Municípios, quando no desempenho de função administrativa.

 

A Lei n. 14.903/2024 assim define os objetos e sujeitos por ela regulados: 

 

Art. 3º  Para fins desta Lei, consideram-se:
I - ação cultural: qualquer atividade ou projeto apoiado por políticas públicas de fomento cultural;
II - agente cultural: agente atuante na arte ou na cultura, na qualidade de pessoa física, microempresário individual, empresário individual, organização da sociedade civil, sociedade empresária, sociedade simples, sociedade unipessoal ou outro formato de constituição jurídica previsto na legislação;

 

No caso em tela, considerando que os Editais publicados pelos entes federativos com recursos da Lei n. 14.399/2022 (PNAB) são destinados à realização de ações culturais, por agentes culturais (conforme definidos pelo art. 3º da Lei n. 14.903/2024), aplica-se a esses Editais o disposto na Lei n. 14.903/2024.

 

Voltando à dúvida objeto dos autos, observo que o Marco de Fomento à Cultura, composto atualmente pela Lei n. 14.903/2024 e pelo Decreto n. 11.453/2023, trata das hipóteses de restrição à participação nos Editais e ao recebimento de recursos por agentes culturais nos seguintes termos:

 

Lei n. 14.903/2024
 
Art. 10. 
(...)
§ 2º  Os requisitos de habilitação deverão ser compatíveis com a natureza do respectivo instrumento jurídico, sem implicar restrições que prejudiquem a democratização do acesso de agentes culturais às políticas públicas de fomento cultural.
(...)
§ 5º O edital deverá prever vedação à celebração de instrumentos por agentes culturais diretamente envolvidos na etapa de proposição técnica da minuta de edital referida no inciso II do caput do art. 8º, na etapa de análise de propostas referida no inciso II do caput do art. 9º ou na etapa de julgamento de recursos referida no inciso IV do caput do art. 9º, todos desta Lei.
§ 6º Configurará nepotismo e impedirá a celebração de instrumentos pelo agente cultural quando, na etapa de habilitação, for verificado que ele é cônjuge, companheiro ou parente em linha reta, colateral ou por afinidade, até o terceiro grau, de servidor público do órgão responsável pelo edital e este tiver atuado nas etapas referidas no § 5º deste artigo.
§ 7º  O agente cultural que integrar conselho de cultura poderá participar de chamamento público para receber recursos do fomento cultural, salvo quando se enquadrar nas hipóteses previstas no § 5º deste artigo.
(...)
 
Decreto n. 11.453/2023
 
Art. 19.
(...)
§ 2º  Os requisitos de habilitação serão compatíveis com a natureza do instrumento jurídico respectivo e não poderão implicar restrições que prejudiquem a democratização do acesso de agentes culturais às políticas públicas de fomento.
(...)
§ 5º Eventual verificação de nepotismo na etapa de habilitação impedirá a celebração de instrumento pelo agente cultural que seja cônjuge, companheiro ou parente em linha reta, colateral ou por afinidade, até o terceiro grau, de servidor público do órgão responsável pelo edital, nos casos em que o referido servidor tiver atuado nas etapas a que se refere o caput do art. 20, sem prejuízo da verificação de outros impedimentos previstos na legislação específica ou no edital.
 
Art. 20. O edital preverá a vedação à celebração de instrumentos por agentes culturais diretamente envolvidos na etapa de proposição técnica da minuta de edital, na etapa de análise de propostas ou na etapa de julgamento de recursos.
Parágrafo único. O agente cultural que integrar Conselho de Cultura poderá participar de chamamentos públicos para receber recursos do fomento cultural, exceto quando se enquadrar na vedação prevista no caput.

 

Das regras acima transcritas é possível extrair quatro conclusões principais:

 

 

Assim, verifica-se que a regra geral, no Marco da Cultura, é a democratização do acesso, de modo que as vedações apenas incidem sobre servidores públicos vinculados ao próprio órgão responsável pelo edital e somente se estes estiverem diretamente envolvidos na etapa de proposição técnica da minuta de edital, na etapa de análise de propostas ou na etapa de julgamento de recursos. Assim, pode-se concluir desde já que não há no Marco de Fomento à Cultura uma vedação genérica à participação de servidores de um órgão ou ente público em Editais lançados por outro órgão ou ente.

 

Pode-se questionar, ainda, se a hipótese aventada não incidiria na vedação prevista na Lei de Diretrizes Orçamentárias - LDO. Nesse sentido, dispõe o art. 18, inciso VII, da LDO/2024 (Lei nº 14.791/2023):

 

Art. 18. Não poderão ser destinados recursos para atender a despesas com:
(...)
VII - pagamento, a qualquer título, a agente público da ativa por serviços prestados, inclusive consultoria, assistência técnica ou assemelhados, à conta de quaisquer fontes de recursos;
(...)

 

Com esse dispositivo, o legislador pretendeu evitar que recursos públicos sejam empregados para remunerar agentes públicos por atividades pertencentes à sua esfera de atribuições, e pelas quais esses servidores já recebem do Poder Público ao qual pertencem.

 

No entanto, como já destacado no início desta manifestação, o objeto dos editais da PNAB é a seleção de agentes culturais para a execução de ações e atividades de natureza cultural, descritas no art. 5º da Lei n. 14.399/2022, a saber:

 

Art. 5º Para o alcance dos objetivos previstos no art. 2º desta Lei, a Política Nacional Aldir Blanc de Fomento à Cultura apoiará as seguintes ações e atividades:
I - fomento, produção e difusão de obras de caráter artístico e cultural, inclusive a remuneração de direitos autorais;
II - realização de projetos, tais como exposições, festivais, festas populares, feiras e espetáculos, no País e no exterior, inclusive a cobertura de despesas com transporte e seguro de objetos de valor cultural;
III - concessão de prêmios mediante seleções públicas;
IV - instalação e manutenção de cursos para formar, especializar e profissionalizar agentes culturais públicos e privados;
V - realização de levantamentos, de estudos, de pesquisas e de curadorias nas diversas áreas da cultura;
VI - realização de inventários e concessão de incentivos para as manifestações culturais brasileiras que estejam em risco de extinção;
VII - concessão de bolsas de estudo, de pesquisa, de criação, de trabalho e de residência artística, no País ou no exterior, a artistas, a produtores, a autores, a gestores culturais, a pesquisadores e a técnicos brasileiros ou estrangeiros residentes no País ou vinculados à cultura brasileira;
VIII - aquisição de bens culturais e obras de arte para distribuição pública e outras formas de expressão artística e de ingressos para eventos artísticos;
IX - aquisição, preservação, organização, digitalização e outras formas de promoção e de difusão do patrimônio cultural, inclusive acervos, arquivos, coleções e ações de educação patrimonial;
X - construção, formação, organização, manutenção e ampliação de museus, de bibliotecas, de centros culturais, de cinematecas, de teatros, de territórios arqueológicos e de paisagens culturais, além de outros equipamentos culturais e obras artísticas em espaço público;
XI - elaboração de planos anuais e plurianuais de instituições e grupos culturais, inclusive a digitalização de acervos, de arquivos e de coleções, bem como a produção de conteúdos digitais, de jogos eletrônicos e de videoarte, e o fomento à cultura digital;
XII - aquisição de imóveis tombados com a estrita finalidade de instalação de equipamentos culturais de acesso público;
XIII - manutenção de grupos, de companhias, de orquestras e de corpos artísticos estáveis, inclusive processos de produção e pesquisa continuada de linguagens artísticas;
XIV - proteção e preservação do patrimônio cultural imaterial, inclusive os bens registrados e salvaguardados e as demais expressões e modos de vida de povos e comunidades tradicionais;
XV - realização de intercâmbio cultural, nacional ou internacional;
XVI - ações, projetos, políticas e programas públicos de cultura previstos nos planos de cultura dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios;
XVII - serviço educativo de museus, de centros culturais, de teatros, de cinemas e de bibliotecas, inclusive formação de público na educação básica;
XVIII - apoio a projetos culturais não previstos nos incisos I a XVII deste caput considerados relevantes em sua dimensão cultural e com predominante interesse público, conforme critérios de avaliação estabelecidos pelas autoridades competentes dos Estados, dos Municípios e do Distrito Federal.
Parágrafo único. As ações estabelecidas neste artigo e os recursos de que trata esta Lei não poderão ser destinados:
I - para pagamento de pessoal ativo ou inativo de órgãos ou entidades da administração direta ou indireta; e
II - para empresas terceirizadas contratadas por órgãos ou entidades da administração direta ou indireta, ou para custeio da estrutura e de ações administrativas públicas da gestão local, salvo, até o limite de 5% (cinco por cento) do total do valor recebido pelo ente federativo, estritamente para a execução das ações finalísticas previstas neste artigo, entre as quais, atividades de consultoria, de emissão de pareceres e de participação em comissões julgadoras de projetos, de ações, de iniciativas e de candidatos a prêmios e a bolsas em editais e congêneres.

 

Com efeito, os Editais realizados com recursos da PNAB não visam a contratação de agentes culturais para a realização de serviços, e os agentes culturais selecionados não prestam ao órgão realizador do certame nenhum serviço assemelhado a consultoria ou assistência técnica, nos termos da LDO/2024 (art. 18, inciso VII, acima transcrito),

 

O parágrafo primeiro, inciso VI, do art. 18 da LDO, ao excepcionar a vedação constante do inciso VII (caput), cita "pagamento pela prestação de serviços técnicos profissionais especializados por tempo determinado". Assim, se o escopo do Edital não envolve nenhuma forma de prestação de serviços à Administração Pública, não há vedação genérica ao pagamento a servidores públicos de qualquer esfera, desde que respeitadas as demais restrições legais.

 

Por outro lado, a título de argumentação, caso se adote a interpretação de que a LDO veda a participação de qualquer servidor público em um Edital lançado por órgão público, essa interpretação seria incompatível com a Lei n. 14.903/2024, que limita a vedação a servidor (ou parente) do órgão responsável pelo edital. Com efeito, há que se interpretar o ordenamento jurídico de forma sistemática e orgânica, buscando compreender, em cada caso, o que o legislador pretendeu, face à legislação pré-existente.

 

Vale notar, ainda, que o parágrafo único do art. 5º da Lei n. 14.399/2022 (acima transcrito) estabelece que os recursos da PNAB não poderão ser destinados para pagamento de pessoal ativo ou inativo de órgãos ou entidades da administração direta ou indireta. Esta regra também consta do art. 12 do Decreto n. 11740/2023.

 

Tais dispositivos devem ser interpretados no mesmo sentido que a LDO, conforme tratado acima, ou seja: o legislador pretendeu evitar que os recursos da PNAB (assim como os recursos do orçamento, no caso da LDO) sejam empregados para remunerar agentes públicos por atividades pertencentes à sua esfera de atribuições e pelas quais esses servidores já recebem do Poder Público ao qual pertencem.

 

No caso dos Editais da PNAB como dito, não se trata de contratação de agentes culturais para a realização de serviços (nos termos da LDO), o que equivale a dizer que os recursos da PNAB não poderão destinar-se ao pagamento de pessoal ativo ou inativo de órgãos ou entidades da administração direta ou indireta, na qualidade de servidores (pessoal ativo ou inativo), já que as atividades financiadas pela PNAB são ações e atividades de cunho cultural, nos termos do art. 5º da Lei n. 14.399/2022, e não atividades de cunho administrativo como as que são realizadas normalmente por servidores públicos.

 

Essa interpretação sistemática visa harmonizar a PNAB e a LDO com o Novo Marco de Fomento à Cultura, tendo em vista que a democratização do acesso de agentes culturais às políticas públicas de fomento à cultura é um valor a ser protegido; e que a participação de um agente público que, fora do expediente, exerça atividades culturais, em seleção realizada por outro ente/órgão público não fere, por si só, os princípios da moralidade e da impessoalidade.

 

Por fim, como a consulta se deu em tese, vale mencionar que, sendo os Editais da PNAB de competência dos entes federativos, esses têm autonomia constitucional para aplicar sua própria legislação ao processo seletivo e interpretá-la de acordo com a orientação dos respectivos órgãos de assessoramento jurídico. Assim, é preciso verificar em cada Edital se este prevê alguma restrição específica.

 

Ressalto, nesse sentido, que, uma vez publicado o Edital, este vinculará tanto a Administração Pública quanto os particulares que participaram da competição. É o que preceitua o princípio da vinculação ao instrumento convocatório, segundo o qual a Administração Pública deve consolidar as regras de regência do processo competitivo e, ao editar esta regra, estará imediatamente submetida a ela, devendo assegurar o seu integral cumprimento pelos participantes, que a ela também devem respeito.

 

A propósito, a doutrina administrativista assim apresenta o princípio da vinculação ao instrumento convocatório:

 

Esse princípio nada mais é que faceta dos princípios da legalidade e moralidade, mas que merece tratamento próprio em razão de sua importância. Com efeito, o edital é ato normativo editado pela administração pública para disciplinar o processamento do concurso público. Sendo ato normativo editado no exercício de competência legalmente atribuída, o edital encontra-se subordinado à lei e vincula, em observância recíproca. Administração e candidatos, que dele não podem se afastar (...) [3]

 

Também é pacífico o posicionamento dos tribunais sobre o tema, como se vê nos seguintes julgados do Supremo Tribunal Federal e do Superior Tribunal de Justiça:

 

(...) CONCURSO PÚBLICO – EDITAL – PARÂMETROS – OBSERVÂNCIA BILATERAL. A ordem natural das coisas, a postura sempre aguardada do cidadão e da Administração Pública e a preocupação insuplantável com a dignidade do homem impõe o respeito aos parâmetros do edital do concurso. [4]

 

RECURSO ORDINÁRIO - MANDADO DE SEGURANÇA - CONCURSO PÚBLICO - PROVAS DISCURSIVAS DESIGNADAS PARA O DIA DE SÁBADO - CANDIDATO MEMBRO DA IGREJA ADVENTISTA DO SÉTIMO DIA - PEDIDO ADMINISTRATIVO PARA ALTERAÇÃO DA DATA DA PROVA INDEFERIDO - INEXISTÊNCIA DE ILEGALIDADE - NÃO VIOLAÇÃO DO ART. 5º, VI E VII, CR/88 - ISONOMIA E VINCULAÇÃO AO EDITAL - RECURSO DESPROVIDO. 1. O concurso público subordina-se aos princípios da legalidade, da vinculação ao instrumento convocatório e da isonomia, de modo que todo e qualquer tratamento diferenciado entre os candidatos tem que ter expressa autorização em lei ou no edital. [5]

 

Logo, as regras estabelecidas pelo Edital, se não ferirem normas jurídicas superiores, devem ser observadas pela Administração Pública, pois esta é a garantia de que outros princípios como isonomia, impessoalidade e moralidade, que previamente foram sopesados e concretizados no certame, serão cumpridos. 

 

Soma-se a isso o princípio geral de Direito segundo o qual as exceções se interpretam restritivamente. Nesse sentido, a Consultoria Jurídica junto ao Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento, ao analisar consulta que envolvia a participação de servidor da respectiva Pasta em Edital deflagrado pelo órgão, assim entendeu, nos termos da NOTA n. 00850/2018/CONJUR-MAPA/CGU/AGU (21000.042968/2018-11):

 

2. Ao que informa a Consulente, o servidor, que compõe o Quadro de Acesso ao posto de Adido Agrícola do MAPA, participa do processo seletivo inaugurado pelo Edital n. 03, de 26.09.2018, destinado à “seleção para composição de lista tríplice de candidatos a postos de adidos agrícolas junto a missões diplomáticas brasileiras no exterior”.
(...)
5. Ora, do que se colhe desses atos administrativos, num primeiro átimo, não se vislumbra impeço à participação do aludido servidor.
6. Isso porque, consoante deduz-se do princípio da vinculação ao edital, este [o edital] “é a lei do concurso”. Noutros termos, é dizer que todos os atos que regem o concurso público devem obediência ao que o seu edital prescreve.
(...)
10. E mais uma orientação que serve ao exercício hermenêutico de disposições que tais essas acima trasladadas: uma vez que as seleções públicas se prestam a concretizar os princípios da impessoalidade e isonomia, as normas constantes dos seus editais que estabelecem limitações à participação devem ser lidas de forma sempre restritiva, a fim de privilegiar a envoltura do número máximo de candidatos.
(...)
 

Assim, considerando o princípio da vinculação ao instrumento convocatório, tendo em vista que as exceções se interpretam restritivamente, e buscando concretizar a democratização do acesso às políticas públicas de fomento à cultura, há que se concluir que, desde que não haja vedação específica no Edital em questão, não há impedimento genérico para que agentes públicos do Ministério da Cultura e suas vinculadas participem em editais lançados pelos demais entes públicos, desde que se garanta que os agentes em questão não estão diretamente envolvidos na etapa de proposição técnica da minuta de edital, na etapa de análise de propostas ou na etapa de julgamento de recursos.

 

Todavia, diante de situações concretas, em especial quanto à possibilidade de agentes públicos do Ministério da Cultura e vinculadas serem contratados com recursos da PNAB, cabe ponderar sobre a existência de algum reflexo de natureza administrativa disciplinar, como, por exemplo, incompatibilidade de execução do objeto do Edital com cargo de natureza de dedicação exclusiva. Como destacado no PARECER n. 00043/2024/CONJUR-MINC/CGU/AGU (01400.004881/2023-92), é recomendável a análise individual de cada caso concreto, verificando-se a existência de conflitos de interesses, nos termos da Lei nº 12.813, de 16 de maio de 2013.

 

Por fim, vale ressaltar que o raciocínio jurídico aqui desenvolvido versa sobre uma consulta efetuada em tese. Portanto, é recomendável análise e manifestação específica do órgão técnico, diante de eventuais casos concretos, sobre a possibilidade de que algum agente público vinculado ao Ministério da Cultura ou vinculadas, concorrente em edital publicado por outros entes públicos, tenha recebido alguma informação privilegiada ou esteja envolvido em situação que configure a quebra de isonomia no pleito, violando os princípios da impessoalidade e da moralidade (entre outros acima mencionados), ou o código de ética profissional do servidor público federal (Decreto nº 1.171, de 22 de junho de 1994).

 
 

 

III - CONCLUSÃO

 

Diante do exposto, ressalvados os aspectos técnicos de conveniência e de oportunidade não sujeitos ao crivo desta Consultoria Jurídica, conclui-se que, desde que não haja vedação em Edital específico, não há impedimento legal genérico para que agentes públicos do Ministério da Cultura e suas vinculadas concorram em editais lançados pelos demais entes públicos.

 

Vale reforçar que esta é uma manifestação em tese e que dúvidas específicas quanto à aplicação dos princípios mencionados no presente Parecer, ou sobre eventual incompatibilidade com o cargo de um agente específico, poderão ser avaliadas pelo órgão responsável e poderão ser eventualmente submetidas a esta Consultoria Jurídica, caso o exposto no presente Parecer não seja suficiente para sanear a questão.

 

Isso posto, submeto o presente processo à consideração superior, sugerindo que, após aprovação, os autos sejam encaminhados à Diretoria de Assistência Técnica a Estados, Distrito Federal e Municípios, para as providências cabíveis.

 

 

DANIELA GUIMARÃES GOULART

Advogada da União

Coordenadora-Geral

 

 

 

Notas

 

[1] A Administração Pública brasileira, nos termos do art. 37 da Constituição Federal, rege-se por um conjunto de princípios fundamentais que norteiam sua atuação e garantem a efetividade dos direitos dos cidadãos. Entre esses princípios, destacam-se a impessoalidade e a moralidade, pilares basilares da boa governança e da construção de um Estado Democrático de Direito. O princípio da impessoalidade estabelece que a Administração Pública deve tratar todos os cidadãos com igualdade, sem distinção de qualquer natureza. Isso significa que os atos administrativos não podem ser direcionados a indivíduos ou grupos específicos, mas sim voltados ao atendimento do interesse público e à satisfação das necessidades da coletividade. A Administração Pública também deve manter-se neutra em relação a disputas políticas, não utilizando seus recursos ou meios para favorecer ou prejudicar candidatos, partidos políticos ou ideologias.

[2] O princípio da moralidade impõe à Administração Pública a necessidade de agir com ética e probidade, observando os mais altos valores morais e os princípios da Administração Pública. Isso significa que a Administração Pública deve agir com honestidade, boa-fé, probidade administrativa, razoabilidade e transparência. O descumprimento desses princípios pode acarretar diversas consequências jurídicas para a Administração Pública, tais como a nulidade dos atos, a responsabilização dos agentes públicos e a indenização por danos morais e materiais aos cidadãos.

[3] Motta, Fabrício.“Concursos públicos e o princípio da vinculação ao edital”. In: Revista de Direito Administrativo. Rio de Janeiro, n.239 (https://periodicos.fgv.br/rda/article/view/43864/44722)

[4] STF. 2ª Turma. RMS n. 23.657/DF, Rel. Min. Marco Aurélio. Julgamento em 21.11.2000. DJe de 09.11.2001.

[5] RECURSO EM MANDADO DE SEGURANÇA Nº 16.107 - PA (2003/0045071-3).

 

 

 


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