ADVOCACIA-GERAL DA UNIÃO
CONSULTORIA-GERAL DA UNIÃO
CONSULTORIA JURÍDICA JUNTO AO MINISTÉRIO DA DEFESA
CGDAM - COORDENAÇÃO-GERAL DE DIREITO ADMINISTRATIVO E MILITAR
ESPLANADA DOS MINISTÉRIOS, BLOCO Q, SALA 733, CEP: 70049-900, BRASÍLIA-DF TELEFONE: 61-3312-4123. EMAIL: CONJUR@DEFESA.GOV.BR


 

PARECER n. 00607/2018/CONJUR-MD/CGU/AGU

 

NUP: 00688.000596/2017-12 (REF. 00557.000974/2016-72)

INTERESSADOS: ANA MARTINA E OUTROS

ASSUNTOS: SISTEMA REMUNERATÓRIO E BENEFÍCIOS

 

 
EMENTA: DIREITO ADMINISTRATIVO MILITAR. UNIFORMIZAÇÃO DE TESE INICIADA POR PROVOCAÇÃO DA PGU/AGU. DIVERGÊNCIA ACERCA DA NECESSIDADE OU NÃO DE PRÉVIO REGISTRO DE LEGALIDADE PELO TRIBUNAL DE CONTAS DA UNIÃO PARA FINS DE PAGAMENTO DE EXERCÍCIOS ANTERIORES RELATIVOS À PENSÃO MILITAR.
1. O direito de recebimento da pensão - sejam prestações vencidas ou vincendas - surge a partir do ato administrativo de concessão, em face da presunção de legitimidade de que este goza.
2. O registro de legalidade pelo TCU, nos termos do art. 71, III, da CF, além de englobar a análise de legalidade do ato como um todo, é feito em sede de controle externo de legalidade, não tendo o condão de suspender os efeitos do ato administrativo de concessão de pensão.
3. Até a perfectibilização do ato pelo TCU, reputam-se provisórias tanto as parcelas atuais como as pretéritas, não existindo motivo de ordem legal para conferir tratamento jurídico distinto ao pagamento das duas, de forma a exigir-se prévio exame do TCU para uma situação e dispensá-lo para outra.
4. Recomenda-se que a administração militar dos três Comandos Militares passem a aplicar o entendimento jurídico apresentado neste Parecer, a fim de - se ainda o fazem - não mais exijam prévio registro de legalidade do TCU para fins de pagamento de exercícios anteriores relativos a atrasados de pensão, tendo em vista a crescente derrota da União nas ações ajuizadas para esse fim e, por isso, os consequentes os custos ao Erário com sucumbência em verba honorária.
5. Sugestão de aprovação do presente parecer pelo Sr. Ministro de Estado da Defesa, para que, nos termos do art. 42 da Lei Complementar nº 73/93, adquira força vinculante em relação aos Comandos Militares e órgãos e entidades vinculadas.
 

 

Sr. Coordenador-Geral,

 

relatório

 

O presente feito teve origem no DESPACHO n. 10802/2017/PGU/AGU (seq. 5), que encaminhou a esta Consultoria Jurídica e outras unidades da AGU a NOTA n. 03129/2017/PGU/AGU, na qual o Departamento de Servidores Civis e de Militares daquele órgão de direção superior destaca que os tribunais pátrios vem se posicionando no sentido de que a Administração não pode condicionar o pagamento dos valores em atraso, relativos à pensão de militar, ao posterior registro do ato de concessão do benefício no âmbito do TCU.

Consta que a Procuradoria-Seccional da União em Blumenau/SC, considerando os valores despendidos com sucumbência em verba honorária, sugeriu ao Núcleo de Assuntos Militares da Consultoria-Geral da União (NAMI/CGU) que sejam realizados estudos visando à alteração do entendimento administrativo que exige prévia aprovação do TCU para pagamento de valores em atraso, em razão do entendimento jurisprudencial pacífico em sentido contrário (MEMORANDO n. 00174/2017/CONT/PSUBNU/PGU/AGU - seq. 1).

A matéria também chegou ao conhecimento desta Consultoria, num primeiro momento, em razão do MEMORANDO n. 00169/2017/CONT/PSUBNU/PGU/AGU, encaminhado por meio de comunicação expedida pela PSU Blumenau no Sapiens (NUP 00731.000255/2017-74, vinculado ao NUP 00557.000577/2016-09), visando à realização de estudos, por parte deste órgão consultivo, com o mesmo propósito.

Naquela ocasião, a documentação foi redirecionada à Consultoria Jurídica-Adjunta do Comando do Exército (CJACEx) que, por sua vez, emitiu a NOTA n. 0749/2017/CJACEx/CGU/AGU (cópia na Seq. 3 dos presentes autos), concluindo pela necessidade de mudança do entendimento administrativo em torno da matéria. Por outro lado, argumentou que caberia à Organização Militar competente para a normatização interna dos procedimentos relativos ao pagamento de exercícios anteriores analisar, de acordo com sua livre apreciação de conveniência e oportunidade, a necessidade de modificação do entendimento administrativo correlato.

Por fim, o Departamento de Servidores Civis e de Militares da PGU, atendendo à solicitação do NAMI/CGU, emitiu a citada NOTA n. 03129/2017/PGU/AGU, na qual, depois de colacionar precedentes jurisprudenciais dos 5 Tribunais Regionais Federais, firmou as seguintes conclusões:

 
Ante o exposto, resta inequívoco que todos os cinco Tribunais Regionais Federais possuem o mesmo entendimento sobre a questão ora analisada: a Administração não pode condicionar o pagamento dos valores em atraso, relativos à pensão de militar, ao posterior registro do ato de concessão do benefício no TCU.
 
A postergação do pagamento dos valores atrasados, até que a concessão da pensão seja apreciada pela Corte de Contas, gera o ajuizamento de diversas ações judiciais, nas quais a União não possui, via de regra, chances reais de êxito. Nessas ações, a União é condenada ao pagamento dos atrasados e, ainda, ao pagamento dos ônus de sucumbência.
 
Por sua vez, a Consultoria Jurídica Adjunta junto ao Comando do Exército concluiu que cabe à Organização Militar competente para a normatização interna dos procedimentos relativos ao pagamento de exercícios anteriores, analisar, de acordo com sua livre apreciação de conveniência e oportunidade, a necessidade de modificação do entendimento administrativo.
 
Diante desse quadro, entendo que, antes de restituir os autos à Consultoria-Geral da União, é importante que se manifeste a Consultoria Jurídica junto ao Ministério da Defesa, a quem compete uniformizar os temas jurídicos pertinentes às Forças Armadas.
 
Após aprovação, registre-se tarefa para a Consultoria Jurídica junto ao Ministério da Defesa.
 
Além disso, deve ser dada ciência da presente manifestação ao Núcleo de Assuntos Militares da Consultoria-Geral da União, aos Coordenadores Regionais de Militares, à Procuradoria-Seccional da União em Blumenau (solicitante) e à Procuradoria da União no Rio Grande do Norte (ante a notícia de demandas semelhantes em trâmite nesta undiade).

 

Diante desse contexto, esta CONJUR entendeu pertinente, conforme a NOTA n. 00401/2017/CONJUR-MD/CGU/AGU, verificar qual tem sido a postura adotada na esfera administrativa pelas Forças Armadas, bem como colher a manifestação dos respectivos órgãos de assessoramento jurídico, para verificar se na prática há divergências que justifiquem orientação uniformizadora por parte desta Consultoria. Nesse sentido, foram solicitados, via SAPIENS, subsídios aos três Comandos.

O Consultoria Jurídica-Adjunta do Comando da Aeronáutica enviou os Ofícios nº 873/COJAER/1868 e 874/COJAER/1869 (Seq. 34) a órgãos internos daquele Comandos solicitando informações referentes aos impactos financeiros e de pessoal decorrentes do assunto. Posteriormente, na Seq. 56, a CONJUR-FAB se manifestou por meio do Ofício nº 1319/COJAER/2505, afirmando que "esta Consultoria Jurídica-Adjunta vem se posicionar, no mesmo sentido, de que a Administração não pode condicionar o pagamento dos valores em atraso, relativos à pensão de militar, ao posterior registro do ato de concessão do beneficio no TCU".

A Consultoria Jurídica-Adjunta do Comando da Marinha manifestou-se por meio do Ofício nº 38/CJACM-MB (Seq. 36), informando que "participo a V. Exa. que esta Força concede os direitos relativos à Pensão Militar e de Ex-combatentes por meio de Títulos e Apostilas e, ato contínuo, realiza a implantação dos benefícios no pagamento mensal, não condicionando o pagamento de valores atrasados à homologação do ato de concessão pelo Tribunal de Contas da União (TCU)".

Por sua vez, a Consultoria Jurídica-Adjunta do Comando do Exército inicialmente se manifestou nos termos da NOTA n. 0749/2017/CJACEx/CGU/AGU (cópia na seq. 3 dos presentes autos), onde conclui pela necessidade de mudança do entendimento administrativo em torno da matéria, embora mencione que cabe à Organização Militar competente para a normatização interna dos procedimentos relativos ao pagamento de exercícios anteriores analisar, de acordo com sua livre apreciação de conveniência e oportunidade, a necessidade de modificação do entendimento administrativo correlato.

Na Seq. 38 encontra-se o Oficio nº 0947-10.2.2/AAAJ/DCIPAS, pelo qual o Departamento-Geral do Pessoal do Comando do Exército argumentou, primeiramente, que a jurisprudência, embora fonte do direito administrativo, não vincula as decisões administrativas. Ademais, aponta que o art. 31 da Lei 3.765/60 e o art. 13 da Lei nº 8.059/90 determinam que o pagamento de exercícios anteriores está condicionado ao julgamento da legalidade pelo TCU. Nesse sentido, destaca a natureza provisória do pagamento até o registro pelo TCU. Cita, ainda, a Portaria EB nº 1054, de 11/12/1997, que prevê que após o julgamento, tanto da pensão militar quanto da pensão especial, pelo TCU, o competente processo relativo a exercícios anteriores terá início mediante a entrada de requerimento do(a) interessado(a) na UG de sua vinculação. Ao final, conclui que "em obediência ao Princípio da Legalidade, não se faz possível a alteração do entendimento administrativo que exige prévia aprovação do TCU para pagamento de valores referentes a exercícios anteriores de pensionistas militares".

Posteriormente, por meio da NOTA n. 00053/2018/CONJUR-MD/CGU/AGU (Seq. 39), esta CONJUR além de reiterar o pedido de subsídios à FAB, entendeu por bem colher novo posicionamento da CONJUR-EB, com a sugestão de que se manifestasse sobre a aparente divergência em torno da matéria no âmbito do Exército, considerando, especialmente, que o posicionamento da área técnica da Força Terrestre baseia-se em razões de ordem legal e não discricionárias.

Desse modo, referida CONJUR adjunta produziu a NOTA n. 0125/2018/CONJUR-EB/CGU/AGU (Seq. 41), onde ressaltou a observância da jurisprudência pátria e reencaminhou o assunto ao DGP a fim de que avaliasse novamente a questão. Referido órgão encaminhou o OFÍCIO Nº 0298-10.1.2/AAAJ/DCIPAS (Seq. 48), reiterando o posicionamento esposado no OFÍCIO Nº 0947-10.2.2/AAAJ/DCIPAS, sem fazer qualquer outra ressalva.

É o necessário a relatar.

 

análise

 

Trata-se de demanda administrativa no qual se busca uniformizar divergência de entendimento entre as Forças Armadas acerca da exigência ou não de prévia aprovação do TCU para pagamento de valores referentes a exercícios anteriores de pensionistas militares.

A questão foi inicialmente suscitada nestes autos pela PGU (NOTA n. 03129/2017/PGU/AGU), que destacou a jurisprudência pátria em sentido contrário à tese de que seria necessário registro do ato de concessão da pensão para o pagamento do valores atrasados. Alertou ainda para o fato de que, nas demandas judiciais, a União é condenada ao pagamento dos atrasados e, ainda, dos ônus de sucumbência.

A divergência sobre a matéria reside no Comando do Exército, cujo Departamento-Geral de Pessoal argumenta, nos termos do Oficio nº 0947-10.2.2/AAAJ/DCIPAS, o seguinte: 

 
i) que a jurisprudência, embora fonte do direito administrativo, não vincula as decisões administrativas; 
ii) que o art. 31 da Lei 3.765/60 e o art. 13 da Lei nº 8.059/90 determinam que o pagamento de exercícios anteriores está condicionado ao julgamento da legalidade pelo TCU. Nesse sentido, destaca a natureza provisória do pagamento até o registro pelo TCU; e
iii) que a Portaria EB nº 1054, de 11/12/1997, prevê que após o julgamento, tanto da pensão militar quanto da pensão especial, pelo TCU, o competente processo relativo a exercícios anteriores terá início mediante a entrada de requerimento do(a) interessado(a) na UG de sua vinculação.
 

Ao final, conclui aquele Comando que "em obediência ao Princípio da Legalidade, não se faz possível a alteração do entendimento administrativo que exige prévia aprovação do TCU para pagamento de valores referentes a exercícios anteriores de pensionistas militares"

Torna-se necessário analisar o que dispõem as normas regentes da matéria, tanto no que diz respeito à natureza do ato administrativo de concessão de pensão quanto do exame feito pelo TCU.

Nesse sentido, vejamos o teor da Lei 3.765/60 e Lei nº 8.059/90, que dispõem, respectivamente, sobre a pensão militar e sobre a pensão especial devida aos ex-combatentes da Segunda Guerra Mundial e a seus dependentes, in verbis:

 
Lei 3.765/60:
Art 31. O processo e o pagamento da pensão militar, inclusive os casos de reversão e melhoria, são da competência dos ministérios a que pertencerem os contribuintes, devendo ser submetidas ao Tribunal de Contas as respectivas concessões, para julgamento da sua legalidade.
 
§1º Para o caso das pensionistas que, na data, da publicação desta lei, já estejam percebendo suas pensões pelo Ministério da Fazenda, o processo e o pagamento nos casos de reversão e melhoria continuam sendo da competência do mesmo ministério.
 
§ 2º O julgamento da legalidade da concessão, pelo Tribunal de Contas, importará no registro automático da respectiva despesa e no reconhecimento do direito dos beneficiários ao recebimento, por exercícios findos, das mensalidades relativas a exercícios anteriores, na forma do artigo 29 desta lei.
 
Decreto 49.096/1960:
Art 55. O julgamento da legalidade da concessão do beneficio, pelo Tribunal de Contas, importará no registro automático da respectiva despesa.
Parágrafo Único. Somente depois dêsse julgamento é que os beneficiários poderão consignar em fôlha de pagamento, salvo as consignações de empréstimo hipotecário.      
 
[...]
 
Art 57. O julgamento da legalidade da concessão, pelo Tribunal de Contas, importará no registro automático da respectiva despesa e no reconhecimento do direito dos beneficiários ao recebimento, por exercícios findos, das mensalidades relativas a exercícios anteriores, na forma do artigo 72 dêste regulamento.
 
Art 58. As dívidas de exercícios findos, relativas à pensão, serão pagas pelo Ministério a que estiver vinculado o beneficiário.
 
Art 59. As dotações necessárias ao pagamento da pensão militar, relativas a cada exercício e a exercícios anteriores, serão consignadas, anualmente, no orçamento da República aos Ministérios interessados.
 
 
Lei nº 8.059/90:
Art. 12. É da competência do Ministério Militar ao qual esteve vinculado o ex-combatente durante a Segunda Guerra Mundial o processamento da pensão especial, desde a habilitação até o pagamento, inclusive nos casos de substituição a outra pensão ou reversão.
 
Art. 13. Estando o processo devidamente instruído, a autoridade designada pelo Ministro competente autorizará o pagamento da pensão especial, em caráter temporário, até a apreciação da legalidade da concessão e registro pelo Tribunal de Contas da União.
 
§ 1º O pagamento da pensão especial será efetuado em caráter definitivo, após o registro pelo Tribunal de Contas da União.
 
§ 2º As dívidas por exercícios anteriores são pagas pelo ministério a que estiver vinculado o pensionista.
 
(grifos nossos)
 

Diversamente do entendimento esposado pelo EB, pensamos que não existe uma determinação legal que vincule o pagamento de valores retroativos à data da implantação do registro do ato pelo TCU. 

Da legislação colacionada se depreende, apenas, que a concessão administrativa da pensão possui caráter temporário até o julgamento de sua legalidade pelo TCU. Porém, tal julgamento não é condição para a produção de efeitos imediatos do ato administrativo concessivo do benefício. 

Com efeito, uma vez praticado o ato administrativo de concessão de pensão, este automaticamente goza do atributo de presunção de legitimidade/legalidade, que, nas palavras de Celso Antônio Bandeira de Mello[1], "é a qualidade, que reveste tais atos, de se presumirem verdadeiros e conformes ao Direito, até prova em contrário. Isto é: milita em favor deles uma presunção juris tantum de legitimidade. [...]"

Portanto, após a concessão administrativa do benefício, seus efeitos jurídicos são imediatos, incidindo sobre as parcelas mensais devidas, quais sejam: i) as vincendas, com a implantação mensal do benefício na folha de pagamento do órgão, e ii) as vencidas, caso haja prestações anteriores à implantação não pagas.

Resta claro, pois, que a natureza precária do ato administrativo concessório não lhe retira seu atributo de presunção de legitimidade. Por consequência, sendo o ato válido e presumidamente legal, seus efeitos jurídicos são integrais, não sendo correto concluir que a lógica do pagamento das parcelas vincendas e vencidas seja distinta, exigindo-se prévio exame do TCU para uma situação e dispensando-o para outra.

Observe-se ainda que a reconhecida natureza complexa do ato de aposentadoria/pensão/reforma também não derroga sua presunção de legitimidade desde a concessão pelo administrador público. O exame realizado pelo TCU se dá em sede de controle externo de legalidade, tal como disposto na Constituição Federal:

 
Art. 71. O controle externo, a cargo do Congresso Nacional, será exercido com o auxílio do Tribunal de Contas da União, ao qual compete:
 
III - apreciar, para fins de registro, a legalidade dos atos de admissão de pessoal, a qualquer título, na administração direta e indireta, incluídas as fundações instituídas e mantidas pelo Poder Público, excetuadas as nomeações para cargo de provimento em comissão, bem como a das concessões de aposentadorias, reformas e pensões, ressalvadas as melhorias posteriores que não alterem o fundamento legal do ato concessório;
 
(grifos nossos)
 

Logo, o ato de registro pelo TCU não tem natureza constitutiva (e.g. criativa) do direito. Este nasce, embora a título precário, quando da concessão no órgão administrativo,  conforme afirmado anteriormente. O TCU se manifesta tão somente para fins de registro de legalidade do ato de concessão, perfectibilizando-o e tornando-o definitivo.

Desse modo, reputam-se provisórias tanto as parcelas atuais como as pretéritas, não existindo motivo de ordem legal para conferir tratamento jurídico distinto ao pagamento das duas. Ambos de fato são provisórios ou precários até o julgamento pelo TCU, de forma que, em não se confirmando a legalidade do ato, devem ser objeto de restituição ao erário, se cabível.

Tal fundamento é justamente o que embasa as decisões judiciais colacionadas pela PGU, a exemplo dos seguintes:

 
2. O pagamento, em caráter temporário, da pensão militar até que haja apreciação da legalidade de sua concessão pelo TCU não impede o pagamento das parcelas relativas a exercícios anteriores, uma vez que a fiscalização realizada naquele órgão não se restringe apenas às parcelas pretéritas do benefício e sim à pensão como um todo. É que o julgamento de legalidade da concessão da pensão militar abrange, além do direito da pensionista à percepção dos atrasados, também o próprio ato deferitório do benefício(TRF1, AC 0008013-95.2006.4.01.3400 / DF, Rel. DESEMBARGADOR FEDERAL ANTÔNIO SÁVIO DE OLIVEIRA CHAVES, PRIMEIRA TURMA, e-DJF1 p.279 de 10/03/2009) (grifos nossos)
 
 
1. A tese da União, de que o pagamento das parcelas retroativas está condicionado ao registro da pensão pelo TCU, com fundamento no §2º do artigo 31 da Lei 3.765/60 e do §5º do artigo 54 do Regulamento de Pensões Militares, aprovado pelo Decreto 49.096/60, não encontra amparo legal. Precedentes. 2. O exame da legalidade dos atos concessórios de pensões pelo Tribunal de Contas da União não tem o condão de obstar o recebimento de atrasados, tanto em face da presunção da legalidade e legitimidade dos atos administrativos, quanto por não ser tal verba, por si só, objeto de apreciação pela Corte de Contas, mas sim o próprio ato concessório. Se a concessão, inicialmente em caráter temporário, da pensão militar à autora já lhe assegura o direito à percepção das prestações vincendas, o mesmo fundamento justifica o pagamento das prestações pretéritas do mesmo benefício. (TRF3, SEGUNDA TURMA,  APELREEX - APELAÇÃO/REMESSA NECESSÁRIA - 1264584 - 0009921-98.2003.4.03.6000, Rel. DESEMBARGADOR FEDERAL SOUZA RIBEIRO, julgado em 28/06/2016, e-DJF3 Judicial 1 DATA:05/07/2016) (grifos nossos)
 

Dentro do contexto acima exposto é que deve ser interpretado o art. 31 da Lei 3.765/20, o qual dispõe que a análise do TCU sobre a legalidade acarretará no "registro automático da respectiva despesa e no reconhecimento do direito dos beneficiários ao recebimento, por exercícios findos, das mensalidades relativas a exercícios anteriores".

Essa norma afirma, em outras palavras, que a análise do TCU torna a despesa definitiva, tanto a mensal como a retroativa, a nosso ver. O dispositivo fala em "registro automático da respectiva despesa" e "no reconhecimento do direito dos beneficiários ao recebimento de valores referentes a exercícios anteriores". 

Não significa dizer, como entende o Comando do Exército, que o direito ao recebimento de exercícios anteriores surge a partir desse momento, ou seja, do julgamento de legalidade pelo TCU.

Corroborando essa tese, observe-se que o art. 55 do Decreto 49.096/1960, seu decreto regulamentar, expressa que o julgamento de legalidade pelo órgão de contas importará no registro automático da respectiva despesa. De qual despesa está-se a falar? Certamente da despesa concernente à pensão. Isso se aplica tanto aos valores pagos após a implantação quanto àqueles porventura anteriores a ela.

A expressão "no reconhecimento do direito dos beneficiários ao recebimento, por exercícios findos, das mensalidades relativas a exercícios anteriores" contida no art. 31 da Lei 3.765/20 e art. 57 do Decreto 49.096/1960, embora possa ensejar alguma dúvida interpretativa, não assevera ser necessário prévio julgamento pelo TCU para fins de pagamento de exercícios anteriores. Afirma que tal julgamento importa em registro automático da despesa e no reconhecimento (leia-se, ratificação, corroboração) do direito aos valores retroativos.

Ademais, a norma sob comento deve ser interpretada em coerência com as demais que regem a matéria, as quais asseveram de fato o caráter precário do benefício até a apreciação pela Corte de Contas, mas não fazem distinção entre valores posteriores e anteriores ao ato administrativo de concessão do benefício.

Nesse sentido, observe-se que até mesmo a Lei 8.059/90, que dispõe sobre a pensão especial devida aos ex-combatentes da Segunda Guerra Mundial, não faz qualquer distinção entre parcelas de pensão vencidas ou vincendas. Referida norma afirma que "a autoridade designada pelo Ministro competente autorizará o pagamento da pensão especial, em caráter temporário, até a apreciação da legalidade da concessão e registro pelo Tribunal de Contas da União", restando claro que o "pagamento" engloba aquilo que é devido pela Administração, seja o valor atual ou pretérito.

Por essas razões, entendemos não haver respaldo de ordem legal para a tese de que as despesas de exercícios anteriores somente podem ser pagas após a análise de legalidade pelo TCU.

Apenas a título ilustrativo, vale registrar que o Ministério do Desenvolvimento, Orçamento e Gestão, a quem compete a disciplina gerencial e normativa do pessoal civil, não exige prévio julgamento do TCU para pagamento de exercícios anteriores de atrasados de pensão. Com efeito, a Portaria Conjunta nº 2, de 30 de novembro de 2012, daquela Pasta, que disciplina "o pagamento de vantagens concedidas administrativamente classificadas como despesas de exercícios anteriores relativas a pessoal, no âmbito do Sistema de Pessoal Civil da União - SIPEC", exige como documento necessário apenas o parecer emitido pela Controladoria-Geral da União - CGU, conforme disposto na IN/TCU nº 55/2007, alterada pela IN/TCU nº 64/2010 [2], verbis:

 
Art.4º Os pagamentos de despesas de exercícios anteriores serão precedidos de processos administrativos, instruídos com os seguintes documentos:
 
h) parecer emitido pela Controladoria-Geral da União - CGU, conforme disposto na IN/TCU nº 55/2007, alterada pela IN/TCU nº 64/2010, nos atos envolvendo revisão de aposentadoria, concessão de pensão civil, revisão de pensão civil, diferença de proventos ou concessão de proventos, quando existir;
 
(grifos nossos)
 

Logo, embora referido normativo não se aplique às pensões militares, não se deve deixar de considerá-lo como um argumento de reforço ao entendimento aqui sustentado, haja vista que a natureza do ato administrativo de deferimento da pensão civil e militar não difere. 

Por fim, há de se ponderar que, embora patente o caráter não vinculante da jurisprudência dos tribunais no presente caso, o órgão contencioso da AGU, a quem compete a defesa da União em juízo, concluiu pela inviabilidade de a Administração insistir nessa tese, fato que vem gerando demasiado ônus de sucumbência à União. Ora, além de pagar o principal, a União é obrigada a suportar os custos de sucumbência. Conforme anotado pela PGU no MEMORANDO n. 00174/2017/CONT/PSUBNU/PGU/AGU:

 
Assim sendo e visando diminuir custos do Erário com sucumbência em verba honorária, entre outras despesas processuais, sugiro a Vossa Excelência determinar estudos visando a alteração do entendimento administrativo que exige prévia aprovação do TCU para pagamento de valores em atraso em razão do entendimento jurisprudencial pacífico.
 

Sobre a Portaria nº 1054, de 11/12/1997, do Comando do Exército, esta dispõe:

 
PORTARIA N° 1054, DE 11 DE DEZEMBRO DE 1997
5 -Organização do Processo
..................................................................................................................
e - Materialização do Direito O direito do requerente será comprovado pela anexação ao processo de cópia de
documento (s) que o materialize, devendo incluir-se entre esses documentos, conforme o caso, os seguintes:
 
1) decreto de concessão de pensão a ex-Combatente, título de pensão militar ou vitalícia, acompanhados, quando for o caso, da correspondente apostila, contendo, ainda, indicação do registro da despesa pelo Tribunal de Contas da União (TCU).

 

Todavia, compreendemos que o disposto no art. 71, III, da CF, no art. 31 da Lei 3.765/60 e na Lei nº 8.059/90 não ensejam a interpretação pela necessidade de prévio registro do TCU para pagamento de atrasados de pensão.

 

Por todo o exposto, conclui-se o seguinte:

 

i) o direito ao recebimento da pensão militar - sejam as prestações vencidas ou vincendas - surge a partir do ato administrativo de concessão, em face da presunção de legitimidade de que este goza;
 
ii) o registro de legalidade pelo TCU, nos termos do art. 71, III, da CF, além de englobar a análise de legalidade do ato como um todo, é feito em sede de controle externo de legalidade, não tendo o condão de suspender os efeitos do ato administrativo de concessão de pensão;
 
iii) até a perfectibilização do ato pelo TCU, reputam-se provisórias tanto as parcelas atuais como as pretéritas, não existindo motivo de ordem legal para conferir tratamento jurídico distinto ao pagamento das duas, de forma a exigir-se prévio exame do TCU para uma situação e dispensá-lo para outra;
 
iv) o disposto no art. 71, III, da CF, no art. 31 da Lei 3.765/60 e na Lei nº 8.059/90 não ensejam a interpretação de prévio registro do TCU para pagamento de atrasados de pensão;
 
v) recomenda-se que a Administração militar dos três Comandos passem a aplicar o entendimento jurídico apresentado neste Parecer, a fim de - se ainda o fazem - não mais exijam prévio registro de legalidade do TCU para fins de pagamento de exercícios anteriores relativos a atrasados de pensão, tendo em vista a crescente derrota da União em juízo e os consequentes os custos ao Erário com sucumbência em verba honorária;
 
vi) diante de tais premissas, propõe-se a seguinte tese a ser uniformizada: "A exegese do art. 71, III, da CF, e art. 31 da Lei 3.765/60 e, ainda, da Lei nº 8.059/90, enseja a conclusão de não ser necessário prévio registro de legalidade do TCU para fins de pagamento de exercícios anteriores relativos a atrasados de pensão, tendo em vista que os efeitos do ato administrativo concessório de pensão são imediatos, embora seja ele de natureza complexa"; e
 
vii) sugere-se, por fim, a aprovação do presente parecer pelo Sr. Ministro de Estado da Defesa, para que, nos termos do art. 42[3] da Lei Complementar nº 73/93, adquira força vinculante em relação aos Comandos Militares e órgãos e entidades vinculadas; e
 

Finalmente, recomenda-se à COADM o seguinte:

 

i) a inclusão da tese uniformizada no item "vi" do parágrafo 42 deste parecer no "Quadro de Teses Uniformizadas e Análises Relevantes", disponível na pasta da Coordenação-Geral de Direito Administrativo e Militar -CGDAM, subpasta "Uniformização e temas relevantes", bem como o registro no referido quadro das principais informações referentes ao presente processo. Junte-se ainda  cópia deste parecer na referida subpasta; e

 

ii) a abertura de tarefa via Sapiens às três Consultorias Jurídicas-Adjuntas das Forças para ciência deste Parecer e adoção das providências cabíveis no âmbito de sua alçada.

 

 

À consideração superior.

 

Brasília, 19 de setembro de 2018.

 

 

LEYLA ANDRADE VERAS

ADVOGADO DA UNIÃO

 

 


 

[1] Curso de Direito Administrativo, 26ª edição, Malheiros, pág. 413.

 

[2] IN-TCU 55/2007: 

DOS ATOS A SEREM REMETIDOS AO TRIBUNAL

Art. 2º A autoridade administrativa responsável por ato de admissão ou de concessão de aposentadoria, reforma ou pensão submeterá ao Tribunal, para fins de registro, por intermédio do respectivo órgão de controle interno, na forma definida em manual de instrução e com base na tabela de fundamentos legais do Sistema de Apreciação e Registro dos Atos de Admissão e Concessões (Sisac), informações relativas aos seguintes atos:

I - admissão de pessoal;

II - concessão de aposentadoria;

III - concessão de pensão civil;

IV - concessão de pensão especial a ex-combatente;

V - concessão de reforma;

VI - concessão de pensão militar.

VII - alteração do fundamento legal de ato concessório.

 

[3] Art. 42. Os pareceres das Consultorias Jurídicas, aprovados pelo Ministro de Estado, pelo Secretário-Geral e pelos titulares das demais Secretarias da Presidência da República ou pelo Chefe do Estado-Maior das Forças Armadas, obrigam, também, os respectivos órgãos autônomos e entidades vinculadas

 

 

 

 




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