ADVOCACIA-GERAL DA UNIÃO
CONSULTORIA-GERAL DA UNIÃO
DEPARTAMENTO DE COORDENAÇÃO E ORIENTAÇÃO DE ÓRGÃOS JURÍDICOS
PARECER n. 00064/2024/DECOR/CGU/AGU
NUP: 01400.018008/2023-87
INTERESSADOS: CONSULTORIA JURÍDICA JUNTO AO MINISTÉRIO DA CULTURA (CONJUR/MINC), PROCURADORIA-GERAL DA FAZENDA NACIONAL (PGFN)
ASSUNTOS: Divergência acerca da incidência ou não de imposto de renda em premiações concedidas a pessoas físicas no âmbito da legislação de fomento à cultura. LC nº 195/2022. Lei nº 14.399/2022. Lei nº 14.903/2024.
EMENTA: IMPOSTO DE RENDA. PESSOA FÍSICA. ISENÇÃO. ART. 6º, XVI, DA LEI Nº 7.713/1988. PREMIAÇÃO CULTURAL. ATRIBUIÇÃO LEGAL DE NATUREZA JURÍDICA DE DOAÇÃO SEM ENCARGO. APLICAÇÃO DA ISENÇÃO ANTES E APÓS A VIGÊNCIA DA LEI Nº 14.903/2024 (MARCO REGULATÓRIO DA CULTURA).
I. Antes da vigência da Lei nº 14.903/2024, são isentas de imposto de renda apenas as premiações culturais a pessoas físicas revestidas de natureza jurídica de doação sem encargo por força do art. 18, § 3, da Lei Complementar nº 195/2022 (Lei Paulo Gustavo). Interpretação literal das isenções tributárias (art. 111, II, do CTN) e princípio da legalidade tributária (art. art. 150, §6 da CF e art. 176 do CTN).
II. Após a vigência da Lei nº 14.903/2024, são isentas de imposto de renda as premiações culturais a pessoas físicas embasadas juridicamente no Marco Regulatório de Fomento à Cultura, ainda que o recurso financeiro repassado pela Administração Pública tenha como fonte outras leis específicas de fomento cultural (arts. 2, 22 e 35, VI, da Lei nº 14.903/2024 c/c art. 6º, XVI, da Lei nº 7.713/1988).
III. Os editais de premiação cultural a pessoas físicas publicados antes da Lei nº 14.903/2024 cujos pagamentos ainda não foram realizados estão sujeitos à incidência do imposto de renda, salvo se embasados juridicamente na Lei Complementar nº 195/2022 (Lei Paulo Gustavo). Princípio da vinculação ao edital. Irretroatividade do novo regime próprio do Marco Regulatório da Cultura para editais de chamamento público anteriores à sua vigência e com fundamento legal em leis diversas.
IV. Os editais de premiação cultural a pessoas físicas publicados antes da Lei nº 14.903/2024 cujos pagamentos foram realizados após à vigência deste marco normativo, em regra, estão sujeitos à incidência do imposto de renda, desde que o premiado tenha sido devidamente informado de que a questão estava sob análise e da necessidade de recolher o valor no momento do ajuste anual caso não confirmado o entendimento da CONJUR/MinC, salvo se embasados juridicamente na Lei Complementar nº 195/2022 (Lei Paulo Gustavo). Princípios da segurança jurídica e da legítima expectativa do contribuinte.
Sra. Coordenadora-Geral de Orientação,
I - RELATÓRIO
Trata-se de divergência de entendimento jurídico acerca da incidência ou não de imposto de renda em premiações concedidas a pessoas físicas no âmbito da legislação de fomento à cultura entre a Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN) e a Consultoria-Jurídica junto ao Ministério da Cultura (CONJUR/MinC).
Em 10/10/2023, a Consultoria Jurídica junto ao Ministério da Cultura exarou o PARECER nº 244/2023/CONJUR-MINC/CGU/AGU (seq. 12 destes autos) opinando pela isenção de imposto de renda em relação a quaisquer premiações concedidas a pessoas físicas no âmbito da legislação de fomento à cultura por serem caracterizadas como doações sem encargo:
15. Este mesmo parecer, todavia, também ressalta que o Regulamento do Imposto de Renda (atualmente aprovado na forma do Decreto nº 9.580/2018) compila uma série de isenções estabelecidas em leis específicas, e explicita em seu art. 35, inciso VII, alínea "c", que o valor dos bens adquiridos por meio de doação, por pessoas físicas, é caracterizado como rendimento isento, nos termos do art. 6º, XVI,da Lei nº 7.713/1988.
16. Uma vez que se entendam caracterizadas as premiações culturais como doações pela legislação de fomento, há substrato jurídico para que se considerem tais acréscimos patrimoniais isentos de imposto de renda, apesar de integrarem a hipótese de incidência do tributo. Tal caracterização exsurge do art. 41 do Decreto nº 11.453/2023, que destaca a natureza jurídica de doação sem encargo à modalidade de fomento de premiação cultural.
17. Conforme o art. 150, inciso I, da Constituição Federal, é vedado exigir ou aumentar tributo sem lei que o estabeleça. Em seu § 6º, este mesmo artigo também estabelece que isenções tributárias também só podem ser instituídas por lei. O art. 41 do Decreto nº 11.453/2023 não incorre em nenhuma destas vedações; primeiro, porque não majora nenhum imposto; segundo, porque não estabelece propriamente a isenção sobre doações, que é estabelecida no art. 6º, XVI, da Lei nº 7.713/1988.
18. Normas tributárias em branco, isto é, aquelas em que os conceitos envolvidos na definição da hipótese de incidência ou base de cálculo do tributo não se encontram suficientemente delineados em lei e precisam ser detalhados em regulamento, não são estranhas ao ordenamento jurídico nacional, já tendo sua constitucionalidade reconhecida em outros casos. O art. 22 da Lei nº 8.212/1991, por exemplo, já teve sua constitucionalidade reconhecida pelo STF no Recurso Extraordinário nº 343.446/SC.
19. Pode-se questionar se a delegação legislativa ao poder executivo pode ser ampla o suficiente para permitir que por decreto se esvazie a hipótese de incidência de um determinado tributo. No entanto, isto não ocorre no caso da isenção de imposto de renda sobre doações, em que o conceito de doação é bem definido na legislação civil e deriva, em última análise, da própria previsão constitucional de tributação diversa de competência estadual para tal hipótese de incidência (Constituição, art. 155,inciso I).
20. Portanto, entendo haver respaldo jurídico suficiente para que, com base no art. 6º, XVI, da Lei nº 7.713/1988, cumulado com o art. 41 do Decreto nº 11.453/2023, sejam considerados isentos os rendimentos decorrentes de quaisquer premiações concedidas a pessoas físicas no âmbito da legislação de fomento à cultura, o que exige complementar, nesta parte, o entendimento proferido no Parecer nº 455/2010/CONJUR-MinC, no sentido de que, embora se tratem de acréscimos patrimoniais, tais valores encontram-se isentos na medida em que se caracterizam como doações. É importante ressaltar ainda que tais situações não se equiparam a prêmios de outras naturezas, decorrentes de loterias ou sorteios de qualquer espécie, que não são considerados doações em virtude de previsão legal específica, conforme disposto nos arts. 732 e 733 do Regulamento do Imposto de Renda (Decreto nº 9.580/2018).
21. Porém, há de se enfatizar que, como a questão relativa à tributação de premiações culturais aguarda pronunciamento da Procuradoria-Geral Adjunta de Assuntos Tributários, da PGFN, no bojo do Processo nº 01400.010819/2023-30, esta orientação pode ser modificada caso haja pronunciamento contrário que suscite o encaminhamento da divergência à Consultoria-Geral da União ou mesmo ao Advogado-Geral da União. (Seq. 12, grifos no original)
Em 21/11/2023, no âmbito do Processo nº 01400.010819/2023-30, a Procuradoria-Geral Adjunta de Assuntos Tributários da PGFN proferiu o PARECER SEI nº 3702/2023/MF (seq. 13) postulando pela isenção de imposto de renda somente para as premiações culturais pagas em dinheiro às pessoas físicas que sejam revestidas de natureza jurídica de doação sem encargo por força da Lei Complementar nº 195/2022, a chamada Lei Paulo Gustavo (LGP):
71. No rumo do que se evidencia, tem-se a compreensão de que somente as premiações culturais pagas em dinheiro às pessoas físicas, revestidas da natureza jurídica de doação sem encargo, por força da LC 195/2022, é que não sofrem a incidência do imposto de renda pessoa física.
72. Dito de outro modo, apenas as premiações culturais pagas em dinheiro com recursos decorrentes da LC 195/2022, por possuírem a natureza jurídica de doação sem encargo, legalmente atribuída ao prêmio pago em dinheiro, e, desde que, necessariamente, seja afastada qualquer contraprestação que possa descaracterizar a doação sem encargo, implicará na isenção do IRPF.
73. Feitos tais registros, conclui-se que, da perspectiva dos tributos federais, a doação (sem encargo) não se sujeita à incidência do imposto de renda. Desse modo, a doação efetuada em dinheiro não é tributada pelo imposto de renda pessoa física.
74. Com isso, parece fundamental restringir o campo de interpretação que decorre desta consulta, que se limita aos prêmios pagos em dinheiro com natureza jurídica de doação sem encargo e executados com recursos previstos na LC 195, de 2022. (Seq. 13, grifos no original)
Constatada a divergência, a Consultoria Jurídica junto ao Ministério da Cultura, por meio do DESPACHO n. 00398/2024/CONJUR-MINC/CGU/AGU (seq. 11), solicitou o envio da questão a este DECOR para pacificar o entendimento jurídico acerca da incidência ou não de imposto de renda em relação a quaisquer premiações concedidas a pessoas físicas no âmbito de leis de fomento à cultura, como as decorrentes da Lei nº 14.399/2022, conhecida como Política Nacional Aldir Blanc de Fomento à Cultura (PNAB).
Em 27/06/2024, foi editada a Lei nº 14.903/2024, com vigência imediata, que estabeleceu o marco regulatório do fomento à cultura no âmbito da administração pública da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios. O art. 22 desta lei estabeleceu expressamente que o termo de premiação cultural, um dos instrumentos nela previstos para a execução do regime próprio de fomento à cultura, possui natureza jurídica de doação sem encargo:
Art. 22. O termo de premiação cultural, com natureza jurídica de doação sem encargo, sem estabelecimento de obrigações futuras, visa a reconhecer relevante contribuição de agentes culturais para a cultura nos âmbitos nacional, estadual, distrital ou municipal. (Grifos adicionados)
Consoante disposto no DESPACHO DE APROVAÇÃO n. 00148/2024/CONJUR-MINC/CGU/AGU (seq. 18), no âmbito da Consultoria Jurídica junto ao Ministério da Cultura, encontra-se consolidado o entendimento de que, para os pagamentos ocorridos após a entrada em vigor da Lei nº 14.903/2024, é possível a adoção do entendimento no âmbito do Parecer nº 3702/MF, por força da regra contida no art. 22 do marco regulatório do fomento à cultura. Todavia, em relação aos pagamentos ocorridos antes da entrada em vigor da Lei nº 14.903/2024, que se deu em 26/06/2024, entende ser necessário aguardar a manifestação da PGFN. Assim, considerando a possibilidade de entendimento diverso, reiterou a consulta junto a este DECOR para pacificação da questão quanto à necessidade de recolhimento de imposto de renda sobre premiações culturais concedidas no âmbito da Lei nº 14.903/2024.
Diante disso, o procedimento de uniformização em questão foi admitido pela COTA n. 00149/2024/DECOR/CGU/AGU (seq. 19), aprovada pelo DESPACHO n. 00574/2024/GAB/DECOR/CGU/AGU (seq. 20), para esclarecer as seguintes questões:
i) antes da entrada em vigor da Lei nº 14.903/2024, se a isenção de imposto de renda é aplicável a quaisquer premiações concedidas a pessoas físicas no âmbito da legislação de fomento à cultura ou apenas às que sejam revestidas de natureza jurídica de doação sem encargo por força da Lei Complementar nº 195/2022;
ii) após a entrada em vigor da Lei nº 14.903/2024, se seria possível a adoção do entendimento proferido pela PGFN no âmbito do Parecer nº 3702/MF, tendo em vista que as premiações concedidas a pessoas físicas foram revestidas de natureza jurídica de doação sem encargo por força do art. 22 da Lei nº 14.903/2024. (Seq. 19)
Ressalta-se que o procedimento foi recebido como um pedido de uniformização de jurisprudência administrativa em relação à primeira questão e como um pedido de uniformização de orientação jurídica sobre questões relevantes e transversais em relação à segunda questão, nos termos do art. 2, § 1º, da Portaria Normativa CGU/AGU nº 14/2023, em razão de a PGFN ainda não ter se manifestado sobre este ponto específico no momento de admissão e, por conseguinte, inexistir controvérsia jurídica. Assim, também foi solicitado que a PGFN apresentasse manifestação jurídica quanto à possibilidade de adoção do entendimento proferido no Parecer nº 3702/MF após a entrada em vigor da Lei nº 14.903/2024 (Marco Regulatório da Cultura) (seq. 19).
Ademais, abriu-se procedimento de vista coletiva, facultando a apresentação, no prazo de 30 (trinta) dias, de manifestação de mérito por parte de outros órgãos jurídicos que eventualmente demonstrem interesse sobre a questão, consoante art. 7º, II, "a" e art. 8º, ambos da Portaria Normativa CGU/AGU n.º 14/2023 (seq. 19).
Em 03/10/2024, às 14h00, foi realizada a reunião de apresentação de caso conforme previsto no art. 7º, II, "b", art. 11 e art. 12, todos da Portaria Normativa CGU/AGU n.º 14/2023. Na ocasião, os interessados debateram o assunto e apresentaram os argumentos que embasam seus respectivos posicionamentos jurídicos, conforme registrado na MEMÓRIA DE REUNIÃO n. 00028/2024/DECOR/CGU/AGU (seq. 24). Além disso, também foram detalhados os pontos a serem objeto de manifestação jurídica da PGFN, no prazo de 30 (trinta) dias, como um dos encaminhamentos da referida reunião (seq. 24).
Posteriormente, a PGFN solicitou a prorrogação do prazo de entrega do referido parecer por mais 10 (dez) dias (seq. 31).
Em 11/11/2024, a PGFN juntou aos autos o PARECER SEI Nº 3628/2024/MF (seq. 32), manifestando-se nos seguintes termos:
a.1) possibilidade de aplicação do entendimento proferido no Parecer SEI nº 3702/2023/MF após a edição da Lei nº 14.903/24 (Marco Regulatório da Cultura),tendo em vista que as premiações concedidas a pessoas físicas foram revestidas de natureza jurídica de doação sem encargo por força do seu art. 22;
R- A partir da vigência do marco legal cultural, introduzido no ordenamento jurídico pela Lei 14.903/24, a concessão de prêmios culturais a pessoas físicas, revestidos da natureza jurídica de doação sem encargo, são isentos da incidência do imposto de renda, em uma interpretação combinada do inciso XVI do art. 6ºda Lei 7.713/88 com o art. 22 da 14.903/24.
a.2) em relação aos editais de premiação cultural publicados antes da Lei nº 14.903/2024 (Marco Regulatório da Cultura), mas cujos pagamentos ainda não foram realizados ou foram realizados posteriormente à edição da referida lei, se é aplicável ou não a isenção de IRPF;
R- Editais de premiação cultural em andamento, ou seja, publicados antes do marco legal, devem ser disciplinados pelo regime jurídico à época da sua edição. Neste caso, ainda que os valores sejam pagos após o marco legal, sujeitam-se à incidência do imposto de renda, o que tem fundamento de validade no art. 43c/c o art. 144, ambos do CTN, e inciso III do art. 153 da CF.
a.3) em relação a novos editais de premiação cultural publicados após a Lei nº 14.903/24 (Marco Regulatório da Cultura) e nela juridicamente embasados, porém, com recursos financeiros advindos de outras fontes, como a Lei nº 14.399/22 (Política Nacional Aldir Blanc de Fomento à Cultura - PNAB) ou o orçamento próprio do Ministério da Cultura, se é aplicável ou não a isenção de IRPF.
R- A verba será isenta em razão da natureza jurídica atribuída a ela por lei, a atrair a incidência do inciso XVI do art. 6º da Lei 7.713/88 combinado com o art. 22da 14.903/24. Tal circunstância não desobriga o gestor de atender regras de conformidade orçamentária e financeira. (Seq. 32)
É o que importa relatar.
II - FUNDAMENTAÇÃO
II.1. Antes da Lei nº 14.903/2024 - são isentas de imposto de renda apenas as premiações culturais revestidas de natureza jurídica de doação sem encargo por força da Lei Complementar nº 195/2022 (Lei Paulo Gustavo) - interpretação literal da isenção tributária e princípio da legalidade tributária
Trata-se de divergência de entendimento jurídico acerca da incidência da isenção de imposto de renda em relação a premiações culturais, isto é, se aplicável a quaisquer premiações concedidas a pessoas físicas no âmbito da legislação de fomento à cultura ou se apenas às revestidas de natureza jurídica de doação sem encargo por força da Lei Complementar nº 195/2022 (Lei Paulo Gustavo).
Neste tópico, será endereçada a referida controvérsia jurídica exclusivamente quanto ao escopo temporal que antecedeu a entrada em vigor da Lei nº 14.903/2024 (Marco Regulatório da Cultura), ou seja, até o dia 27/06/2024, visto que o diploma normativo teve vigência imediata. Para a análise quanto ao momento posterior ao marco, confira o tópico II.2 deste parecer.
A Lei Complementar nº 195/2022 (Lei Paulo Gustavo) expressamente atribuiu a natureza jurídica de doação "sem previsão de contrapartidas obrigatórias" à premiação cultural em seu art. 18, §3º:
Art. 18. Os entes da Federação poderão, na implementação desta Lei Complementar, conceder premiações em reconhecimento a personalidades ou a iniciativas que contribuam para a cultura do respectivo ente da Federação.
§ 1º As premiações de que trata o caput deste artigo devem ser implementadas por meio de pagamento direto, mediante recibo.
§ 2º A inscrição de candidato em chamamento público da modalidade de premiação pode ser realizada pelo próprio interessado ou por terceiro que o indicar.
§ 3º O pagamento direto de que trata o § 1º deste artigo tem natureza jurídica de doação e será realizado sem a previsão de contrapartidas obrigatórias. (Grifos adicionados)
Diante disso, a premiação cultural embasada na Lei Complementar nº 195/2022 (Lei Paulo Gustavo) se amolda à isenção de imposto de renda sobre doações recebidas por pessoa física, conforme previsto na Lei nº 7.713/199:
Art. 6º Ficam isentos do imposto de renda os seguinte rendimentos percebidos por pessoas físicas:
XVI - o valor dos bens adquiridos por doação ou herança; (Grifos adicionados)
Ocorre que a Consultoria Jurídica junto ao Ministério da Cultura sustenta que a isenção de imposto de renda se aplica em relação a quaisquer premiações concedidas a pessoas físicas no âmbito da legislação de fomento à cultura, e não apenas as embasadas na Lei Complementar nº 195/2022 (Lei Paulo Gustavo) (seq. 12). Isto porque o Decreto nº 11.453/2023, que dispõe sobre os mecanismos de fomento do sistema de financiamento à cultura, também atribui a natureza jurídica de doação sem encargo à modalidade de premiação cultural em seu art. 41:
Art. 41. A modalidade de concessão de premiação cultural visa reconhecer relevante contribuição de agentes culturais ou iniciativas culturais para a realidade municipal, estadual, distrital ou nacional da cultura, com natureza jurídica de doação sem encargo, sem estabelecimento de obrigações futuras.
Assim, a Consultoria Jurídica junto ao Ministério da Cultura argumenta que o art. 6, XVI, da Lei nº 7.713/1988, cumulado ao art. 41 do Decreto nº 11.453/2023, permitiria aplicar a isenção tributária em relação às premiações culturais embasadas em outras leis de fomento à cultura. Sustenta, ademais, que esta interpretação não incorreria em violação ao princípio da legalidade tributária, visto que o art. 6º, XVI, da Lei nº 7.713/1988 que estabelece a isenção sobre doações a pessoas físicas e que o conceito de doação é bem definido na legislação civil:
17. Conforme o art. 150, inciso I, da Constituição Federal, é vedado exigir ou aumentar tributo sem lei que o estabeleça. Em seu § 6º, este mesmo artigo também estabelece que isenções tributárias também só podem ser instituídas por lei. O art. 41 do Decreto nº 11.453/2023 não incorre em nenhuma destas vedações; primeiro, porque não majora nenhum imposto; segundo, porque não estabelece propriamente a isenção sobre doações, que é estabelecida no art. 6º, XVI, da Lei nº 7.713/1988.
18. Normas tributárias em branco, isto é, aquelas em que os conceitos envolvidos na definição da hipótese de incidência ou base de cálculo do tributo não se encontram suficientemente delineados em lei e precisam ser detalhados em regulamento, não são estranhas ao ordenamento jurídico nacional, já tendo sua constitucionalidade reconhecida em outros casos. O art. 22 da Lei nº 8.212/1991, por exemplo, já teve sua constitucionalidade reconhecida pelo STF no Recurso Extraordinário nº 343.446/SC.
19. Pode-se questionar se a delegação legislativa ao poder executivo pode ser ampla o suficiente para permitir que por decreto se esvazie a hipótese de incidência de um determinado tributo. No entanto, isto não ocorre no caso da isenção de imposto de renda sobre doações, em que o conceito de doação é bem definido na legislação civil e deriva, em última análise, da própria previsão constitucional de tributação diversa de competência estadual para tal hipótese de incidência (Constituição, art. 155,inciso I). (Seq. 12)
Não obstante, o conceito de doação sem encargo previsto na legislação civil não é suficiente para inferir, por si só, que a premiação cultural possui esta natureza jurídica. O Código Civil, em seu art. 538 define a doação da seguinte forma:
Art. 538. Considera-se doação o contrato em que uma pessoa, por liberalidade, transfere do seu patrimônio bens ou vantagens para o de outra.
A liberalidade, por sua vez, é conceituada por Carlos Roberto Gonçalves como:
A liberalidade ou animus donandi é elemento essencial para a configuração da doação, tendo o significado de ação desinteressada de dar a outrem, sem estar obrigado, parte do próprio patrimônio. No direito italiano alude-se a “espírito de liberalidade”, o qual não se aperfeiçoa apenas com a atribuição patrimonial sem contraprestação, mas com a existência, no agente, da intenção de doar pela consciência de conferir a outrem uma vantagem patrimonial sem ser obrigado (liberalitas nullo iure cogente in accipientem facta). (GONÇALVES, C. R. Direito Civil Brasileiro: Contratos e Atos Unilaterais. 20. ed. São Paulo: Saraiva, 2023, p. 579, grifos adicionados)
Assim, embora a legislação civil seja suficiente para identificar e categorizar doações entre pessoas físicas no âmbito de relações privadas, o mesmo não pode ser dito com relação às premiações culturais. Isto se deve às próprias características do mecanismo de premiação cultural que "visa reconhecer relevante contribuição de agentes culturais ou iniciativas culturais para a realidade municipal, estadual, distrital ou nacional da cultura" (art. 41 do Decreto nº 11.453/2023) e é precedida de edital de chamamento público, que estabelecerá critérios de seleção. Desse modo, na premiação cultural não se vislumbra, inicialmente, uma "ação desinteressada" de liberalidade do Poder Público de doar determinado valor sem contraprestação, mas sim um mecanismo interessado no fomento à cultura que é diretamente relacionado à "relevante contribuição" do premiado à cultura, o qual, por sua vez, não é previamente determinado, sendo selecionado conforme os parâmetros estabelecidos no edital de chamamento público. Diante disso, a premiação cultural, em uma análise preliminar, enquadra-se mais como uma espécie de instrumento de fomento estatal do que como uma doação consoante o conceito previsto na legislação civil.
Além disso, as isenções tributárias devem ser interpretadas literalmente, conforme determinado pelo art. 111, II, do Código Tributário Nacional. Conforme leciona Leandro Paulsen:
O que se extrai como norma do art. 111 não é a vedação à utilização dos diversos instrumentos que nos levam à compreensão e à aplicação adequada de qualquer dispositivo legal, quais sejam, as interpretações histórica, teleológica, sistemática, a consideração dos princípios etc. Traz, isto sim, uma advertência no sentido de que as regras atinentes às matérias arroladas devem ser consideradas como regras de exceção, aplicáveis nos limites daquilo que foi pretendido pelo legislador, considerando-se as omissões como “silêncio eloquente”, não se devendo integrá-las pelo recurso à analogia. (PAULSEN, L. Curso de direito tributário completo. 14. ed. São Paulo: Saraiva, 2023, p. 494, grifos adicionados.)
Disso se depreende que a isenção prevista no art. 6º, XVI, da Lei nº 7.713/1988 está atrelada ao conceito de doação da legislação civil, a qual se insere no âmbito das relações entre particulares. Isto não quer dizer que o Poder Público não possa realizar doações a pessoas físicas que estejam abarcadas pela referida isenção, mas tão somente que é necessário distinguir quando o Estado age como um particular e, por conseguinte, está sujeito às normas de direito privado, e quando atua nas atribuições do Poder Estatal, sujeitando-se ao direito público. No caso de fomento a determinados setores, verifica-se que há uma atividade tipicamente estatal, o que impede o emprego analógico da definição de doação feita pela legislação civil, sob pena de se violar a aplicação da isenção nos limites pretendidos pelo legislador.
Portanto, é necessária a atribuição expressa da natureza jurídica de doação sem encargo à premiação cultural, conforme feito pelo art. 18, §3 da Lei Complementar nº 195/2022 (Lei Paulo Gustavo), já que não é possível inferir tal caracterização apenas a partir do conceito de doação na legislação civil, seja pela própria característica do instrumento de fomento ou pela interpretação literal das isenções tributárias.
Nesse sentido, esclarece a PGFN que o seu entendimento é que a Lei Complementar nº 195/2022 (Lei Paulo Gustavo) inaugurou uma nova modalidade de isenção:
Com isso, pretende-se dizer que, ao que parece, a regra prevista no art. 18 da LC 195/22 inaugurou no ordenamento jurídico uma nova modalidade de isenção, restrita ao contexto e aos termos daquela legislação, incidente sobre as premiações culturais ao atribuir-lhe a natureza jurídica de doação sem encargo.
E registra-se isso porque, fora do contexto desse marco normativo, o entendimento é pela incidência do imposto de renda sobre os valores pagos a título de premiação cultural a pessoas físicas. (Seq. 13).
Até a edição da referida lei complementar, o entendimento era pela incidência do imposto de renda sobre os valores pagos a título de premiações em geral a pessoas físicas, conforme a Solução de Divergência no 9 - Cosit, datada de 16 de julho de 2012 (seq. 13):
ASSUNTO: IMPOSTO SOBRE A RENDA RETIDO NA FONTE - IRRFCONCURSOS ARTÍSTICOS, DESPORTIVOS, CIENTÍFICOS, LITERÁRIOS OU A OUTROS TÍTULOS ASSEMELHADOS. PRÊMIOS DISTRIBUÍDOS EM DINHEIRO OU SOB A FORMA DE BENS E SERVIÇOS. BENEFICIÁRIO PESSOA FÍSICA E PESSOA JURÍDICA.
I - Beneficiário Pessoa Física
Na hipótese da ocorrência de concursos artísticos, desportivos, científicos, literários ou a outros títulos assemelhados, com distribuição de prêmios efetuada por pessoa jurídica a pessoa física, deve ser adotado o seguinte:
a) quando houver vinculação quanto à avaliação do desempenho dos participantes, hipótese na qual os prêmios assumem o aspecto de remuneração do trabalho, independentemente se distribuídos em dinheiro ou sob a forma de bens e serviços, o imposto sobre a renda incide na fonte, calculado de acordo com a tabela progressiva mensal, a título de antecipação do devido na Declaração de Ajuste Anual (DAA), ou, se o beneficiário for residente no exterior, incide exclusivamente na fonte à alíquota de 25% (vinte e cinco por cento);
b) quando não houver vinculação quanto à avaliação do desempenho dos participantes e:
b.1) distribuídos sob a forma de bens e serviços, no caso de concursos em geral, o imposto sobre a renda incide exclusivamente na fonte, à alíquota de 20% (vinte por cento) ou, se o beneficiário for residente no exterior, à alíquota de 15% (quinze por cento). Na hipótese de o beneficiário ser residente em país com tributação favorecida, assim considerado pela legislação do imposto, este incide exclusivamente na fonte, à alíquota de 25% (vinte e cinco por cento);
b.2) distribuídos em dinheiro e:
b.2.1) tratando-se de concursos de prognósticos desportivos e concursos desportivos em geral, compreendidos os de turfe, o imposto sobre a renda incide exclusivamente na fonte, à alíquota de 30% (trinta por cento) ou, se o beneficiário for residente no exterior, à alíquota de 15% (quinze por cento). Na hipótese de o beneficiário ser residente em país com tributação favorecida, assim considerado pela legislação do imposto, este incide exclusivamente na fonte, à alíquota de 25% (vinte e cinco por cento);
b.2.2) não se tratando de concursos de prognósticos desportivos e concursos desportivos em geral, o imposto sobre a renda incide na fonte, calculado de acordo com a tabela progressiva mensal, a título de antecipação do devido na Declaração de Ajuste Anual (DAA), ou, se o beneficiário for residente no exterior, incide exclusivamente na fonte à alíquota de 15% (quinze por cento). Na hipótese de o beneficiário ser residente em país com tributação favorecida, assim considerado pela legislação do imposto, este incide exclusivamente na fonte, à alíquota de 25% (vinte e cinco por cento)
De forma similar, estão sujeitas à incidência do imposto de renda as premiações desportivas, artísticas, loterias ou concursos e sorteios de qualquer espécie (art. 732 e 733 do Decreto nº 9580/2018). Isto reforça a constatação de que, no âmbito de premiações a pessoas físicas em geral, não se aplica automaticamente o conceito de doação da legislação civil apto a atrair a isenção tributária prevista no art. 6º, XVI, da Lei nº 7.713/1988.
Assim, a isenção de imposto de renda decorre da determinação expressa da natureza jurídica de doação sem encargo feita pelo art. 18, §3 da Lei Complementar nº 195/2022 (Lei Paulo Gustavo), cumulado com o art. 6º, XVI, da Lei nº 7.713/1988. A interpretação literal das isenções, conforme determinado pelo art. 111, II, do Código Tributário Nacional, impede que a referida atribuição seja estendida às demais ações embasadas juridicamente em outros diplomas normativos de fomento à cultura.
Não se pode, ainda, admitir que a natureza jurídica de doação sem encargo seja atribuída à premiação cultural por meio do art. 41 do Decreto nº 11.453/2023. Nos termos do art. 150, § 6º da Constituição Federal, a isenção tributária só pode ser concedida mediante lei específica:
Art. 150, § 6º Qualquer subsídio ou isenção, redução de base de cálculo, concessão de crédito presumido, anistia ou remissão, relativos a impostos, taxas ou contribuições, só poderá ser concedido mediante lei específica, federal, estadual ou municipal, que regule exclusivamente as matérias acima enumeradas ou o correspondente tributo ou contribuição, sem prejuízo do disposto no art. 155, § 2.º, XII, g. (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 3, de 1993) (Grifos adicionados)
Nesse mesmo sentido, segue também o art. 176 do Código Tributário Nacional:
Art. 176. A isenção, ainda quando prevista em contrato, é sempre decorrente de lei que especifique as condições e requisitos exigidos para a sua concessão, os tributos a que se aplica e, sendo caso, o prazo de sua duração.
A necessidade de lei decorre do próprio princípio da legalidade tributária, previsto no art. 150, I, da Constituição Federal. Assim, se a limitação ao poder de tributar demanda que a instituição de um tributo seja feita por forma de lei, pelo princípio do paralelismo das formas, também a lei é necessária para dispensá-lo. Além disso, a lei que concede a isenção deve ainda ser específica, isto é, regular exclusivamente a matéria ou o tributo, nos termos do art. 150, §6º da Constituição Federal, o que reforça a natureza de exceção da desoneração tributária.
Apenas a lei pode inovar no ordenamento jurídico, estando o decreto regulamentar do Poder Executivo adstrito à sua função de regular a fiel execução da lei, nos termos do art. 84, IV, da Constituição Federal. Portanto, como visto que o conceito de doação sem encargos da legislação civil não se aplica automaticamente às premiações culturais, a atribuição de tal natureza jurídica a este mecanismo de fomento à cultura deve ser feita por meio de lei para que se possa atrair a incidência da isenção tributária prevista no art. 6º, XVI, da Lei nº 7.713/1988.
O Decreto nº 11.453/2023 encontra fundamento de validade em diversas leis de fomento à cultura, de modo que suas normas devem ser interpretadas consoante o limite legal de cada uma delas:
Art. 1º Este Decreto dispõe sobre os mecanismos de fomento do sistema de financiamento à cultura de que trata o inciso VI do § 2º do art. 216-A da Constituição, instituídos pela Lei nº 8.313, de 23 de dezembro de 1991, pela Lei nº 13.018, de 22 de julho de 2014, pela Lei nº 14.399, de 8 de julho de 2022, e pela Lei Complementar nº 195, de 8 de julho de 2022, e estabelece procedimentos padronizados de prestação de contas para instrumentos não previstos em legislação específica, na forma do disposto na Lei Complementar nº 195, de 2022.
Dentre as referidas leis, apenas a Lei Complementar nº 195/2022 (Lei Paulo Gustavo) atribui expressamente a natureza jurídica de doação sem encargo ao mecanismo da premiação cultural. Não é possível, portanto, estender a previsão do art. 41 do Decreto nº 11.453/2023, que também determina que a premiação cultural constitui doação sem encargo, às demais ações de fomento que se encontrem embasadas juridicamente em outras leis além da Lei Paulo Gustavo, sob pena de se violar o princípio da legalidade tributária.
Conforme bem pontuado pela PGFN:
É neste contexto que se registra a compreensão de que as regras contidas no Decreto 11.453/23, que dispõe sobre os mecanismos de fomento do sistema de financiamento à cultura, devem ser interpretadas no limite legal de cada ato normativo que lhe dá fundamento de validade, uma vez que tal instrumento normativo não pode transbordar o campo normativo existente, tampouco inovar no ordenamento jurídico, mormente para conceder benefício tributário sem amparo legal.
Assim, fora do contexto normativo inaugurado pela LC 195/22, compreendeu-se que os prêmios pagos em dinheiro, enquadram-se, como regra geral, como "demais rendimentos", nos termos do inciso II do art. 7º da Lei 7.713/88. Nessa circunstância, a regra destina-se, precipuamente, a disciplina dos prêmios que se originam em sorteios. (Seq. 32)
Diante do exposto, antes da vigência da Lei nº 14.903/2024, entende-se que são isentas de imposto de renda apenas as premiações culturais revestidas de natureza jurídica de doação sem encargo por força da Lei Complementar nº 195/2022 (Lei Paulo Gustavo).
II.2. Após a Lei nº 14.903/2024 - são isentas de imposto de renda as premiações culturais juridicamente embasadas no Marco Regulatório da Cultura
Em 27/06/2024, foi editada a Lei nº 14.903/2024, com vigência imediata, que estabeleceu o Marco Regulatório do Fomento à Cultura no âmbito da administração pública da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios.
O referido diploma normativo teve o importantíssimo papel de instituir um marco regulatório para o setor, uniformizando conceitos e institutos previstos em lei esparsas de fomento à cultura. Nesse âmbito, ao regular o termo de premiação cultural, em seu art. 22 atribuiu-lhe a natureza jurídica de doação sem encargo:
DA EXECUÇÃO DO REGIME PRÓPRIO DE FOMENTO À CULTURA
Seção I
Dos Tipos de Instrumento
Art. 4º São instrumentos de execução do regime próprio de fomento à cultura:
I - com repasse de recursos pela administração pública:
a) termo de execução cultural;
b) termo de premiação cultural;
c) termo de bolsa cultural;
Subseção II
Do Termo de Premiação Cultural
Art. 22. O termo de premiação cultural, com natureza jurídica de doação sem encargo, sem estabelecimento de obrigações futuras, visa a reconhecer relevante contribuição de agentes culturais para a cultura nos âmbitos nacional, estadual, distrital ou municipal.
§ 1º A inscrição de candidato em chamamento público que tenha por objeto a premiação cultural poderá ser realizada pelo próprio interessado ou por terceiro que o indicar.
§ 2º O edital de chamamento público deverá conter seção informativa sobre incidência tributária, conforme legislação aplicável no ente federativo.
Art. 23. O termo de premiação cultural deverá ser firmado pelo agente cultural e produzirá efeito de recibo do pagamento direto realizado pela administração pública ao premiado.
Parágrafo único. Os ritos previstos nos arts. 13 a 21 desta Lei não se aplicam ao termo de premiação cultural, em razão da natureza jurídica do instrumento. (Grifos adicionados)
Inicialmente, ressalta-se que que o PARECER SEI nº 3702/2023/MF (seq. 13) foi exarado antes da publicação da Lei nº 14.903/2024. Desse modo, quanto à aplicação ou não da isenção de imposto de renda após este marco normativo, o presente procedimento foi recebido pela COTA n. 00149/2024/DECOR/CGU/AGU como um pedido de uniformização de orientação jurídica sobre questões relevantes e transversais, nos termos do art. 2, § 1º, da Portaria Normativa CGU/AGU nº 14/2023, em razão de a PGFN ainda não ter se manifestado sobre este ponto específico no momento de admissão e, por conseguinte, inexistir controvérsia jurídica.
No curso da instrução do procedimento de uniformização em tela, a PGFN manifestou-se pela aplicação da isenção de imposto de renda às premiações culturais juridicamente embasadas na Lei nº 14.903/2024, já que esta instituiu um novo regime jurídico com a expressa previsão legal de que possuem natureza jurídica de doação sem encargo (seq. 40):
28. Assim, o marco legal do fomento à cultura introduz no ordenamento um novo regime jurídico e, a partir dele, há expressa previsão de que os prêmios culturais pagos em dinheiro têm natureza jurídica de doação sem encargo e, em razão disso, não deverão sofrer a incidência do imposto de renda. E isso é uma interpretação que decorre do inciso XVI do art. 6º da Lei 7.713/88 combinado com o art. 22 da Lei 14.903/24.29.
29. Com isso, endereça-se o questionamento formulado nesta consulta com a seguinte resposta: após a entrada em vigor do marco legal cultural, as premiações concedidas a pessoas físicas, por possuírem natureza jurídica de doação sem encargo, não se submetem à incidência do imposto de renda, por tratar-se de parcela isenta, com fundamento de validade que decorre do inciso XVI do art. 6º da Lei 7.713/88combinado com o art. 22 da Lei 14.903/24.
30. Assim, em uma linha normativa temporal pode-se dizer que, antes do marco legal de fomento à cultura, as premiações culturais, à exceção daquelas concedidas com fundamento na LC 195/22, eram objeto de tributação. Lado outro, as premiações culturais concedidas a pessoas físicas após o novo marco legal, por força expressa de lei, serão isentas. (Seq. 34, grifos adicionados).
Portanto, após a Lei nº 14.903/2024, diante da previsão do seu art. 22 que, ao regular o termo de premiação cultural atribuiu-lhe a natureza jurídica de doação sem encargo, aplica-se a isenção de imposto de renda prevista no art. 6º, XVI, da Lei nº 7.713/1988.
Ressalta-se que, como a Lei nº 14.903/2024 possui, evidentemente, status de lei, e é específica ao regular exclusivamente a matéria de fomento cultural, resta devidamente atendido o princípio da legalidade tributária previsto nos art. 150, § 6º da Constituição Federal e art. 176 do Código Tributário Nacional.
Além disso, diferentemente da Lei Complementar nº 195/2022 (Lei Paulo Gustavo), cujos efeitos são restritos ao seu escopo de ação emergencial no contexto da pandemia de Covid-19, a Lei nº 14.903/2024, como Marco Regulatório do Fomento à Cultura, possui efeitos amplos ao setor, tendo instituído o regime próprio para execução de políticas públicas de fomento cultural:
Art. 1º Esta Lei estabelece o marco regulatório do fomento à cultura, no âmbito da administração pública da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, nos termos do inciso IX do caput do art. 24 da Constituição Federal, e abrange:
I - órgãos da administração direta, autarquias, fundações, bem como empresas públicas e sociedades de economia mista prestadoras de serviço público, e suas subsidiárias, enquadradas no disposto no § 9º do art. 37 da Constituição Federal; e
II - órgãos dos Poderes Legislativo e Judiciário da União, dos Estados e do Distrito Federal e órgãos do Poder Legislativo dos Municípios, quando no desempenho de função administrativa.
Art. 2º A União executará as políticas públicas de fomento cultural por meio do regime próprio de que trata o Capítulo II desta Lei, dos regimes previstos nas Leis nº 8.685, de 20 de julho de 1993, nº 11.437, de 28 de dezembro de 2006, nº 13.018, de 22 de julho de 2014, e nº 13.019, de 31 de julho de 2014, e na Medida Provisória nº 2.228-1, de 6 de setembro de 2001, ou de outros regimes estabelecidos em legislação federal específica. (Grifos adicionados)
Verifica-se, assim, que a Lei nº 14.903/2024 instituiu um novo regime jurídico próprio em seu Capítulo II, no qual constam os instrumentos de fomento à cultura, dentre eles, o termo de premiação cultural (art. 4, I, "b" e art. 22).
Ademais, em relação aos recursos destinados ao seu cumprimento, o Marco Regulatório do Fomento à Cultura estabeleceu a possibilidade de utilização outras fontes ou mecanismos previstos em legislação específica:
CAPÍTULO III
DOS RECURSOS DAS POLÍTICAS PÚBLICAS DE FOMENTO À CULTURA
Seção I
Dos Mecanismos e das Transferências
Art. 35. Os recursos destinados ao fomento cultural, executados por meio dos regimes previstos no art. 2º desta Lei, poderão ser originários de quaisquer fontes ou mecanismos dos sistemas de financiamento à cultura, entre os quais se incluem:
I - dotações orçamentárias;
II - fundos públicos destinados às políticas públicas culturais;
III - captação de recursos privados, com ou sem incentivo fiscal;
IV - captação de recursos complementares;
V - rendimentos obtidos durante a execução da ação cultural;
VI - outras fontes ou mecanismos previstos em legislação específica.
Parágrafo único. As regras sobre chamamento público, quando houver, e os procedimentos de execução de recursos e de prestação de contas aplicáveis no caso concreto serão aqueles definidos no regime jurídico escolhido pela administração pública no processo administrativo respectivo, conforme o disposto no art. 2º desta Lei. (Grifos adicionados)
Dessa forma, as premiações culturais a pessoas físicas feitas com base no novo regime jurídico próprio instituído pelo Marco Regulatório do Fomento à Cultura, são isentas de imposto de renda, conforme interpretação do art. 22 da Lei nº 14.903/2024 cumulado com o art. 6º, XVI, da Lei nº 7.713/1988, ainda que se utilizem recursos financeiros advindos de outros diplomas normativos específicos, como da Lei nº 14.399/2022 (Política Nacional Aldir Blanc de Fomento à Cultura).
Ressalta-se que o fundamento para a aplicação da isenção de imposto de renda é a interpretação conjunta dos art. 22 da Lei nº 14.903/2024 e art. 6º, XVI, da Lei nº 7.713/1988. Assim, conforme apontado pela PGFN, não basta apenas que o pagamento seja feito posteriormente à vigência da Lei nº 14.903/2024, sendo necessário, também, que o edital de chamamento público esteja juridicamente embasado neste novo diploma normativo:
40. Em linha com o que já foi mencionado, sublinhe-se, não basta o pagamento do prêmio vigência do novo marco legal para que se compreenda que a verba é isenta. É preciso considerar o regime jurídico que orienta a sua concessão. Sendo assim, no caso de novos editais publicados após a Lei nº14.903/24, e nela juridicamente embasados, a verba será isenta em razão da natureza jurídica de doação sem encargo a ela atribuída por lei.
Ante o exposto, conclui-se que, após a Lei nº 14.903/2024, são isentas de imposto de renda as premiações culturais a pessoas físicas juridicamente embasadas no Marco Regulatório da Cultura, ainda que o recurso financeiro repassado pela Administração Pública tenha como fonte outras leis específicas de fomento cultural.
Reitera-se, ademais, a necessidade de observância das normas de regularidade fiscal e orçamentária, tendo em vista que a isenção tributária constitui uma forma de renúncia de receita, consoante também apontado pela PGFN (seq. 34).
II.3. Editais de premiação cultural publicados antes da Lei nº 14.903/2024 cujos pagamentos ainda não foram realizados
Ao longo da instrução do presente procedimento de uniformização, evidenciou-se a necessidade de também uniformizar o tratamento de transição para os editais de premiação cultural que tenham sido publicados antes da Lei nº 14.903/2024, mas cujos pagamentos ainda não foram realizados ou foram realizados posteriormente à vigência deste marco normativo (seq. 24).
No entendimento da Consultoria Jurídica junto ao Ministério da Cultura, como o fato gerador do imposto de renda ocorre com o pagamento do prêmio, momento em que há disponibilidade econômica, mesmo que o edital de premiação cultural tenha sido publicado antes da Lei nº 14.903/2024, se o pagamento ocorreu após o Marco Regulatório, então, a isenção seria aplicável:
a) a incidência do IR (quando for o caso) nas premiações culturais se dá no momento do pagamento do valor do prêmio ao agente cultural, quando ocorre o acréscimo patrimonial;
b) para os pagamentos ocorridos antes entrada em vigor da Lei nº 14.903, de 2024, ou seja, até o dia 26.06.2024, em que pese o entendimento exposto no Parecer nº 244/2023/CONJUR-MinC/CGU/AGU, quanto à extensão do entedimento sobre a extensão da isenção, necessária a manifestação conclusiva no âmbito da PGFN e CGU;
c) para os pagamentos ocorridos após a entrada em vigor da Lei nº 14.903, de 2024, ou seja, a partir do dia 27.06.2024, o entendimento quanto à tributação do IR previsto no âmbito do Parecer nº 3702/MF pode ser adotado para todas as premiações culturais, por força da regra contida no art. 22 do marco regulatório do fomento à cultura;
d) apesar da necessidade de um entendimento conclusivo sobre o afirmado na alínea "c", a área técnica não precisa reter o valor relativo ao IR, devendo, no entanto, comunicar aos agentes culturais premiados que a questão jurídica encontra-se sobanálise da PGFN, e que, caso infirmado o entendimento jurídico da Conjur/MinC, o premiado deverá recolher o valor no momento do ajuste anual. (Seq. 18, grifos no original)
Instada a se manifestar sobre este ponto específico, a PGFN opinou que (seq. 34):
32. Com efeito, na eventualidade de haver editais culturais com fundamento de validade no regime jurídico anterior ao novo marco legal, ainda que os valores concedidos a título de premiação cultural sejam pagos após o novo marco legal, tais valores serão objeto de tributação.
33. E isso ocorre porque o regime jurídico que fundamenta a concessão do prêmio cultural, ainda que o efetivo pagamento seja materializado quando da vigência do novo marco, tem por lastro legal a legislação anterior que, por todas as razões apontadas, prevê a incidência do imposto de renda, uma vez que inexistente lei concessiva de isenção - ressalvadas as premiações pertinentes à LC 195/22.34.
34. Com efeito, o fato gerador do imposto de renda é o acréscimo patrimonial. No momento do pagamento da verba será preciso examinar a sua natureza jurídica e todo o arcabouço normativo que lhe dá fundamento de validade. Se ela está fundamentada em um edital - que é a lei do caso concreto - que toma como ponto de partida as leis vigentes ao tempo da sua edição, motivado em um regime jurídico que não assegurava a natureza jurídica de verba isenta - dado que a premiação ofertada no edital não revelava a natureza jurídica de doação sem encargo atribuída pela Lei 14.903/24 -, não há como desconsiderar tal circunstância, sem malferir o princípio da legalidade, da segurança jurídica e da irretroatividade das leis.
35. Sublinhe-se, o art. 144 do CTN revela a compreensão de que o lançamento reporta-se à datada ocorrência do fato gerador da obrigação e rege-se pela lei então vigente, ainda que posteriormente modificada ou revogada.
36. No caso em análise, a lei vigente no momento do fato gerador é integrada por todo o regime jurídico legal que dá lastro ao pagamento desta verba, sem olvidar do que consta expressamente registrado no próprio edital cultural.
37. Bem por isso, postergar no tempo o pagamento do prêmio cultural, cujo edital foi publicado com base em regime jurídico anterior, não tem o condão de atrair a incidência da nova legislação, desonerando a verba da incidência do imposto de renda, considerando que o fundamento legal de validade do edital tem lastro em outro regime jurídico tributário, o qual emprestava às premiações culturais a natureza tributável.
38. Diante disso, ainda que os pagamentos dos prêmios ocorram após a entrada em vigor da Lei 14.903/24, é preciso considerar, para fins de tributação, o regime jurídico que fundamenta o edital cultural e que dá lastro a este pagamento. (Seq. 34, grifos no original).
Com efeito, o fato gerador do imposto de renda é a aquisição da disponibilidade econômica ou jurídica da renda ou dos proventos de qualquer natureza, consoante o art. 43 do Código Tributário Nacional:
Art. 43. O impôsto, de competência da União, sôbre a renda e proventos de qualquer natureza tem como fato gerador a aquisição da disponibilidade econômica ou jurídica:
I - de renda, assim entendido o produto do capital, do trabalho ou da combinação de ambos;
II - de proventos de qualquer natureza, assim entendidos os acréscimos patrimoniais não compreendidos no inciso anterior. (Grifos adicionados)
Portanto, considerando-se que a disponibilidade econômica, isto é o efetivo acréscimo patrimonial, ocorre com o recebimento do valor referente à premiação cultural, é neste momento em que ocorre o fato gerador da obrigação tributária. Assim, o fundamento legal para a aplicação de isenção nos casos em que o pagamento se deu posteriormente à vigência da Lei nº 14.903/2024, estaria no art. 144 do Código Tributário Nacional:
Art. 144. O lançamento reporta-se à data da ocorrência do fato gerador da obrigação e rege-se pela lei então vigente, ainda que posteriormente modificada ou revogada. (Grifos adicionados)
No entanto, verifica-se que o intuito do art. 144 é assegurar a segurança jurídica quanto ao lançamento tributário, ou seja, a previsibilidade da aplicação da legislação na constituição do crédito tributário. Isto porque, apesar de a obrigação tributária surgir com a ocorrência do fato gerador, o crédito tributário só é instituído pelo lançamento tributário, que muitas vezes ocorre após um longo período do acontecimento do fato gerador. Por conseguinte, a fim de assegurar que o lançamento seja previsível ao contribuinte, é necessário resguardar a aplicação das leis vigentes no momento do fato gerador, tais como a alíquota do imposto, base de cálculo, entre outras.
Nesse sentido, leciona Alexandre Mazza:
Por tais razões, a conclusão é no sentido de que o lançamento consiste em ato declaratório da ocorrência do fato gerador e constitutivo do crédito tributário. Reforçando a tese do caráter declaratório do lançamento em face do fato gerador da obrigação tributária, o art. 144 do Código Tributário Nacional prescreve que: “O lançamento reporta-se à data da ocorrência do fato gerador da obrigação e rege-se pela lei então vigente, ainda que posteriormente modificada ou revogada”. Cristalina a conclusão, destarte, de que, para o CTN, o lançamento retroage à data do fato gerador, tendo eficácia ex tunc. Se à época do fato gerador estava em vigor a lei “X”, mas na data do lançamento vigia a lei “Y”, aplica-se a lei “X”. (MAZZA, Alexandre. Manual de Direito Tributário. 9. ed. São Paulo: Saraiva, 2023, p. 1068, grifos adicionados)
Assim, o art. 144 assegura a aplicação ao lançamento tributário da lei tributária vigente no momento do fato gerador, não podendo ser interpretado no sentido de permitir a alteração da natureza jurídica do pagamento. A título de exemplo, considere-se um contrato de prestação de serviços. Caso se estipule que parcela do pagamento será feita após um ano, o momento em que recebido tal valor será o fato gerador e, assim, as leis então vigentes que determinarão qual será a alíquota, a base de cálculo e os demais parâmetros que serão utilizados no futuro lançamento do tributo. A natureza jurídica da verba, contudo, já está determinada pelo contexto que ensejou o seu recebimento, qual seja, a prestação de serviço, independentemente de quando for feito o pagamento.
No caso concreto, o que determina a natureza jurídica da verba é o edital de chamamento público e o fundamento legal deste. Não é possível, assim, que a natureza jurídica de doação sem encargos atribuída por lei posterior ao edital retroaja se não havia embasamento legal para tanto quando publicado o edital de chamamento público de premiação cultural, isto é, caso não tivesse fundamentado na Lei Complementar nº 195/2022 (Lei Paulo Gustavo).
O fato do pagamento ter ocorrido em momento posterior à vigência da Lei nº 14.903/2024 não tem o condão de alterar o embasamento jurídico do edital de chamamento público da premiação cultural, que deu ensejo ao respectivo prêmio, sob pena de se violar o princípio da irretroatividade e o princípio da vinculação ao edital que rege os processos seletivos feitos pela Administração Pública.
Reitera-se que, conforme exposto no tópico II.2 deste parecer, o fundamento para a aplicação da isenção de imposto de renda após a vigência da Lei nº 14.903/2024 é a interpretação conjunta do seu art. 22, que atribuiu expressamente a natureza de doação sem encargo à premiação cultural, com o art. 6º, XVI, da Lei nº 7.713/1988, que concede a isenção de imposto de renda aos valores recebidos por pessoas físicas por meio de doação. Assim, a isenção é devida diante da natureza jurídica deste instrumento inserido no regime próprio instituído pelo Marco Regulatório da Cultura, e não meramente pelo momento em que realizado o pagamento.
Situação diferente seria se a alteração legislativa tivesse modificado a alíquota aplicável ou então concedido a isenção de imposto de renda diretamente e expressamente às premiações culturais recebidas por pessoas físicas (ao invés de o fazer pela atribuição de natureza jurídica de doação). Aí sim, com base no art. 144 do Código Tributário Nacional, seria aplicável ao lançamento a lei vigente no momento do fato gerador, ou seja, do pagamento. Não obstante, não foi isto que ocorreu. O art. 22 da Lei nº 14.903/2024 não alterou a legislação aplicável ao lançamento tributário, mas sim criou um regime próprio e atribuiu uma natureza jurídica expressa a um instrumento de fomento. Portanto, não é possível que o novo regime próprio da Lei nº 14.903/2024 retroaja para editais de chamamento público criados antes da sua vigência e com fundamento legal em leis diversas.
Destarte, entende-se que os editais de premiação cultural publicados antes da Lei nº 14.903/2024, mas cujos pagamentos ainda não foram realizados ou foram realizados posteriormente à vigência deste marco normativo, em regra, estão sujeitos à incidência do imposto de renda, salvo se embasados juridicamente na Lei Complementar nº 195/2022 (Lei Paulo Gustavo).
II.4. Editais de premiação cultural publicados antes da Lei nº 14.903/2024 cujos pagamentos foram realizados posteriormente à vigência deste marco normativo
Conforme visto no tópico anterior, em regra, para os editais de premiação cultural publicados antes da Lei nº 14.903/2024, que não sejam embasados na Lei Complementar nº 195/2022 (Lei Paulo Gustavo), há incidência do imposto de renda. Não obstante, é necessário fazer uma ressalva em relação aos pagamentos realizados posteriormente ao Marco Regulatório, visando a assegurar a segurança jurídica e expectativa legítima dos contribuintes premiados.
A Consultoria Jurídica junto ao Ministério da Cultura, em atendimento a estes princípios, instruiu a sua área técnica a "comunicar aos agentes culturais premiados que a questão jurídica encontra-se sob análise" e que, caso infirmado o seu entendimento, "o premiado deverá recolher o valor no momento do ajuste anual":
d) apesar da necessidade de um entendimento conclusivo sobre o afirmado na alínea "c", a área técnica não precisa reter o valor relativo ao IR, devendo, no entanto, comunicar aos agentes culturais premiados que a questão jurídica encontra-se sob análise da PGFN, e que, caso infirmado o entendimento jurídico da Conjur/MinC, o premiado deverá recolher o valor no momento do ajuste anual. (Seq. 16, grifos adicionados)
Assim, caso o premiado tenha sido advertido em conformidade com a prudente orientação da Consultora Jurídica junto ao Ministério da Cultura (seq. 16), resta devidamente assegurada a legítima expectativa do contribuinte, que foi informado da possível necessidade de futuro recolhimento do IRPF.
Não obstante, caso não tenha sido retido o valor relativo ao IRPF ou comunicada ao premiado a possibilidade de futura necessidade de recolhimento do valor no momento do ajuste anual, deve-se considerar os princípios da segurança jurídica e da legítima expectativa do contribuinte premiado frente à Administração Pública como um todo. Isto porque, para a pessoa física que recebe um pagamento de um prêmio por parte de um ente integrante da Administração Pública da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, cria-se a legítima expectativa de que as normas tributárias estão sendo devidamente respeitadas. Para o cidadão comum que recebeu o pagamento após a vigência do Marco Regulatório da Cultura, sem qualquer ressalva ou retenção, há a perspectiva de isenção do IRPF criada por um órgão público, independentemente de a quem incumbe a competência específica para determinar a extensão da isenção no presente caso.
Ressalta-se, ainda, que este raciocínio é restrito aos editais que, embora tenham sido publicados antes do Marco Regulatório da Cultura, tenham tido seus pagamentos realizados posteriormente à sua vigência. Conforme exposto no tópico II.2 deste parecer, o princípio da legalidade tributária demanda que isenções sejam concedidas por lei específica, de modo que não se pode cogitar a expectativa legítima de dispensa do pagamento de imposto de renda sem a devida previsão legal. Porém, em relação aos pagamentos realizados posteriormente à vigência do art. 22 da Lei nº 14.903/2024, que, cumulado com o art. 6º, XVI, da Lei nº 7.713/1988, autoriza a isenção do IRPF, aí sim verifica-se a possibilidade de expectativa legítima dos contribuintes que não foram devidamente advertidos da possibilidade futura de recolhimento do imposto.
Nesse sentido, orientam os arts. 23 e 24 da Lei de Introdução às Normas Brasileiras (LINDB) que:
Art. 23. A decisão administrativa, controladora ou judicial que estabelecer interpretação ou orientação nova sobre norma de conteúdo indeterminado, impondo novo dever ou novo condicionamento de direito, deverá prever regime de transição quando indispensável para que o novo dever ou condicionamento de direito seja cumprido de modo proporcional, equânime e eficiente e sem prejuízo aos interesses gerais.
Art. 24. A revisão, nas esferas administrativa, controladora ou judicial, quanto à validade de ato, contrato, ajuste, processo ou norma administrativa cuja produção já se houver completado levará em conta as orientações gerais da época, sendo vedado que, com base em mudança posterior de orientação geral, se declarem inválidas situações plenamente constituídas.
Diante disso, entende-se que os editais de premiação cultural publicados antes da Lei nº 14.903/2024 cujos pagamentos foram realizados após à vigência deste marco normativo, em regra, estão sujeitos à incidência do imposto de renda, desde que o premiado tenha sido devidamente informado de que a questão estava sob análise e da necessidade de recolher o valor no momento do ajuste anual caso não confirmado o entendimento da CONJUR/MinC, salvo se embasados juridicamente na Lei Complementar nº 195/2022 (Lei Paulo Gustavo).
III – CONCLUSÃO
Ante o exposto, conclui-se que:
I. antes da vigência da Lei nº 14.903/2024, são isentas de imposto de renda apenas as premiações culturais a pessoas físicas revestidas de natureza jurídica de doação sem encargo por força da Lei Complementar nº 195/2022 (Lei Paulo Gustavo);
II. após a vigência da Lei nº 14.903/2024, são isentas de imposto de renda as premiações culturais a pessoas físicas embasadas juridicamente no Marco Regulatório de Fomento à Cultura, ainda que o recurso financeiro repassado pela Administração Pública tenha como fonte outras leis específicas de fomento cultural;
III. os editais de premiação cultural a pessoas físicas publicados antes da Lei nº 14.903/2024 cujos pagamentos ainda não foram realizados, estão sujeitos à incidência do imposto de renda, salvo se embasados juridicamente na Lei Complementar nº 195/2022 (Lei Paulo Gustavo).
IV. os editais de premiação cultural a pessoas físicas publicados antes da Lei nº 14.903/2024 cujos pagamentos foram realizados após à vigência deste marco normativo, em regra, estão sujeitos à incidência do imposto de renda, desde que o premiado tenha sido devidamente informado de que a questão estava sob análise e da necessidade de recolher o valor no momento do ajuste anual caso não confirmado o entendimento da CONJUR/MinC, salvo se embasados juridicamente na Lei Complementar nº 195/2022 (Lei Paulo Gustavo).
Sugere-se ainda, que sejam realizadas as seguintes providências administrativas caso esta manifestação seja aprovada:
À consideração superior.
Brasília, 22 de novembro de 2024.
JULIA NAMIE MAIA PINTO ISHIHARA
Advogada da União
Atenção, a consulta ao processo eletrônico está disponível em https://supersapiens.agu.gov.br mediante o fornecimento do Número Único de Protocolo (NUP) 01400018008202387 e da chave de acesso 55941f0c