ADVOCACIA-GERAL DA UNIÃO
CONSULTORIA-GERAL DA UNIÃO
CONSULTORIA JURÍDICA JUNTO AO MINISTÉRIO DA CULTURA
GABINETE
PARECER n. 00415/2024/CONJUR-MINC/CGU/AGU
NUP: 01400.022037/2024-24
INTERESSADOS: ASSESSORIA ESPECIAL DE ASSUNTOS INTERNACIONAIS AEAI/GM/MINC
ASSUNTOS: MEMORANDO DE ENTENDIMENTO
EMENTA: I. Direito internacional. Parceria com órgão estatal estrangeiro. Minuta de Memorandos de Entendimento. Instrumento não-vinculante e não-oneroso. II. Possibilidade jurídica. III. Recomendações.
Por meio do Ofício nº 1533/2024/SAV/GAB/SAV/GM/MinC (SEI 1997687), o Chefe de Gabinete da Secretaria do Audiovisual solicita a esta Consultoria análise e manifestação sobre minuta de Memorando de Entendimento que se pretende celebrar com a China Media Group (SEI 1960236), a fim de promover promover o fortalecimento do intercâmbio entre os povos e a cooperação cultural; aprofundar a compreensão mútua entre a China e o Brasil; e contribuir para o desenvolvimento saudável das relações entre os dois países.
Para o que interessa à presente análise, além da minuta de Memorando de Entendimento acima mencionada, foi juntada aos autos a Nota Técnica 35/2024 (SEI 1974710), da Diretoria de Preservação e Difusão Audiovisual/SAV/GM/MinC, que fornece o histórico da demanda.
É o relatório.
A presente análise se dá com fundamento no art. 131 da Constituição Federal e no art. 11 da Lei Complementar nº 73/1993, subtraindo-se do âmbito da competência institucional deste Órgão Jurídico, delimitada em lei, análises que importem em considerações de ordem técnica, financeira ou orçamentária.
Quanto aos aspectos técnicos e de conveniência e oportunidade do ajuste, cabe à área técnica justificar e motivar o ato, atribuições que fogem à seara de competências desta Consultoria, como dito acima.
Nesse sentido, foi juntada aos autos a Nota Técnica 35/2024 (SEI 1974710), da Diretoria de Preservação e Difusão Audiovisual/SAV/GM/MinC, que narra os desdobramentos de duas missões institucionais do Ministério da Cultura à China e potenciais parcerias e ações a serem fomentadas com a perspectiva de constituição de uma agenda estratégica entre Brasil e China.
Como dito, o ato em análise é um Memorando de Entendimento que se pretende celebrar com a China Media Group (SEI 1960236), a fim de promover a cooperação no campo do audiovisual.
Consta da Nota Técnica 35/2024 (SEI 1974710) que o China Media Group (Central Radio-Television General Station), também conhecido como Voz da China, ou Grupo de Mídias da China, é a Empresa estatal de Mídia predominante por meio de transmissão de rádio e televisão na República Popular da China. Foi fundada em 21 de março de 2018 através da fusão da CCTV (Televisão Central da China), CGTN (China Global Television Network), CNR (Rádio Nacional da China), e CRI (Rádio Internacional da China).
Nesse cenário, pode-se aferir que é um órgão/entidade do governo Chinês. Portanto, a presente análise parte da premissa de que se trata de ajuste entre órgãos/entidades do Brasil e da China.
Dito isso, observo que é variada a denominação dada aos atos internacionais. Embora a denominação escolhida não influencie o caráter do instrumento, ditada pelo arbítrio das partes, pode-se estabelecer certa diferenciação na prática diplomática, decorrente do conteúdo do ato e não de sua forma. As denominações mais comuns são tratado, acordo, convenção, protocolo e memorando de entendimento.
Memorando de Entendimento, especificamente, é a designação comum para atos redigidos de forma simplificada, destinados a registrar princípios gerais que orientarão as relações entre as Partes nos planos político, econômico, cultural ou em outros. Conforme exposto no o Manual de Redação Oficial e Diplomática do Itamaraty:
Memorando de entendimento designa ato de forma bastante simplificada destinado a registrar princípios gerais que orientarão as relações entre as partes, em particular nos planos político, econômico, cultural, científico e educacional, bem como definir linhas de ação e áreas de cooperação. Em geral, a nomenclatura “memorando de entendimento” é usada para atos que prescindam de aprovação congressual e que possam entrar em vigor na data de sua assinatura.
Assim, os Memorandos de Entendimento são instrumentos ordinariamente utilizados para formalizar a intenção das Partes para a consecução de determinado objeto específico, sendo, em síntese, verdadeiros protocolos de intenções, sem força vinculante, vez que não criam obrigações ou direitos entre os celebrantes, tratando-se de articulação embrionária de avenças futuras e que ganham forma para dar maior solenidade às intenções manifestadas.
É da natureza do instrumento não definir qualquer obrigação entre as partes, quer no plano do direito internacional, quer no plano doméstico, o que lhe retira ao menos parcela de seu caráter operacional, limitando-se mais a estabelecer, assim, princípios gerais que nortearão futuras cooperações de interesse das instituições envolvidas, se for o caso.
Portanto, o Memorando de Entendimento não pode gerar, por si só, a obrigação de as partes pactuarem iniciativas de cooperação, já que não pode haver vinculação jurídica obrigacional neste tipo de instrumento. A base para estes futuros acordos deverá ser um Tratado assinado pelo Presidente da República ou outro agente plenipotenciário, incorporado ao ordenamento jurídico interno com decreto legislativo e posterior decreto presidencial de incorporação.
Nesse sentido é a definição encartada pelo Manual de Gestão da Cooperação Técnica Sul-Sul da Agência Brasileira de Cooperação:
Os Memorandos de Entendimento (MdE) e as Declarações Conjuntas são atos redigidos de forma genérica e simplificada, destinados a registrar a intenção das Partes (que podem ser Governos ou organizações internacionais) em estabelecer iniciativas de cooperação técnica Sul-Sul, definidas em amplas linhas de ação. O Memorando de Entendimento é um documento de função meramente política e não pode gerar obrigações de qualquer espécie e tampouco prever o empenho de recursos. Em vista disso, o MdE não faz referência a valores orçamentários e não inclui termos referentes a mecanismos ou arranjos de execução ou implementação das futuras iniciativas. Para o Governo brasileiro, o Memorando de Entendimento não oferece respaldo jurídico a iniciativas de cooperação. Este instrumento não requer ratificação pelo Congresso Nacional e, na medida em que não criem compromissos gravosos para a União, podem entrar em vigor na data da assinatura.(destacamos) Disponível em:
http://www.abc.gov.br/Content/ABC/docs/Manual_SulSul_v4.pdf.
Nessa esteira, eventuais ajustes futuros que concretizem a intenção de cooperação inicial deverão se basear nos Tratados assinados com os partícipes e, a depender do caso, a aplicação do Decreto nº 5.151, de 22 de julho de 2004, sempre com a participação da ABC na formalização do instrumento.
Observo que o instrumento não envolve transferência de recursos e não estabelece obrigações legais entre as Partes. Assim, caso venha a ser necessário o financiamento de qualquer despesa de uma parte por outra, deve ser celebrado novo instrumento com essa finalidade específica, seguindo os ritos oficiais específicos.
De fato, o Memorando de Entendimento é um instrumento não-vinculante, que não implica compromisso de transferência de recursos do Estado brasileiro ou atividades gravosas ao patrimônio nacional, de modo que não precisa ser submetido ao Congresso Nacional.
Vale notar que apenas os atos internacionais que acarretem encargos ou compromissos gravosos ao patrimônio nacional devem ser aprovados pelo Congresso Nacional, nos termos do art. 49, inciso I, da Constituição Federal, bem como ser celebrados pelo Presidente da República ou agente plenipotenciário natos, sujeitos ao referendo do Congresso Nacional, como determina o art. 84, VIII da Constituição Federal:
Art. 49. É da competência exclusiva do Congresso Nacional:
I - resolver definitivamente sobre tratados, acordos ou atos internacionais que acarretem encargos ou compromissos gravosos ao patrimônio nacional;
(...)
Art. 84. Compete privativamente ao Presidente da República:
[...]
VIII - celebrar tratados, convenções e atos internacionais, sujeitos a referendo do Congresso Nacional;
Assim, o fato de o instrumento não trazer compromissos ou vinculação jurídica ao País no plano internacional, faz com que também não precise ser obrigatoriamente subscrito pelo Presidente da República, pelo Ministro das Relações Exteriores e/ou outra autoridade plenipotenciária ou agente com carta de plenos poderes.
No que diz respeito à autoridade que assinará os instrumentos, observo que a competência do Ministério da Cultura para tratar do tema consta do art. 21 da Lei n. 14.600/2023, e do art. 1º do Decreto nº 11.336/2023:
I - política nacional de cultura e política nacional das artes;
II - proteção do patrimônio histórico, artístico e cultural;
III - regulação dos direitos autorais;
IV - assistência ao Ministério do Desenvolvimento Agrário e Agricultura Familiar e ao Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) nas ações de regularização fundiária, para garantir a preservação da identidade cultural dos remanescentes das comunidades dos quilombos, observadas as competências do Ministério da Igualdade Racial;
V - proteção e promoção da diversidade cultural;
VI - desenvolvimento econômico da cultura e da política de economia criativa;
VII - desenvolvimento e implementação de políticas e de ações de acessibilidade cultural; e
VIII - formulação e implementação de políticas, de programas e de ações para o desenvolvimento do setor museal.
Portanto, não há dúvidas quanto à competência do Ministério da Cultura, representado por sua Titular, para a assinatura de Memorando de Entendimento como o que ora se pretende firmar, por tratar-se de assunto concernente a matéria que foi atribuída pelo Presidente da República e pelo Congresso Nacional a esta Pasta.
No âmbito do Ministério da Cultura, a Portaria MINC nº 18, de 10 de abril de 2023 (art. 5º) delega competências aos titulares da Secretaria-Executiva e das Secretarias finalísticas e seus respectivos ordenadores de despesa para a "celebração de convênios, contratos administrativos, termos de colaboração, termos de fomento, acordos de cooperação, termos de execução descentralizada, e instrumentos congêneres, no âmbito da competência de sua unidade".
Não está claro na Portaria se um instrumento de âmbito internacional estaria abrangido pela delegação dada. Nesse sentido, caso se pretenda que a Secretária do Audiovisual assine os instrumentos, recomenda-se consulta ao Gabinete da Ministra, a fim de verificar a necessidade de esclarecimento/alteração da Portaria, ou se de fato não foi intenção da Ministra delegar a competência específica para a celebração de instrumentos internacionais, ainda que sem transferência de recursos.
Com relação aos termos da minuta ora submetida à análise desta Consultoria (SEI 1960236), observo que esta abrange os dispositivos necessários e suficientes para a finalidade a que se destina, considerando a natureza do Memorando de Entendimento, conforme exposto acima.
Sobre a prorrogação (renovação) automática, prevista no Artigo 5 da minuta (SEI 1960236), observo que, dada a natureza jurídica não vinculante e não onerosa do instrumento, a autoridade signatária possui discricionariedade para avaliar a oportunidade e conveniência de celebrá-lo por prazo indeterminado ou determinado, com sucessivas prorrogações automáticas.
Não obstante, sugiro um ajuste pontual no item 5.1 da minuta (SEI 1960236), nos seguintes termos: "5.1 O presente MoU entrará em vigor na data de sua assinatura..."
Recomendo, ainda, que os títulos dos Artigos 3 e 4 sejam revistos, posto que não condizem com os conteúdos dos respectivos dispositivos.
Ademais, sugiro que a minuta seja uniformizada, levando em consideração outros instrumentos celebrados pelo Ministério da Cultura, de modo que o documentos contenha as mesmas cláusulas-padrão adotadas pelo Ministério, especialmente aquelas que definem o Memorando de Entendimento, a saber: o caráter não-oneroso e não-vinculante. A título de colaboração, apresenta-se a seguinte redação:
ARTIGO X
X.1 O presente Memorando de Entendimento não gera direitos nem obrigações jurídicas ou financeiramente vinculantes para as Partes. Obrigações legais ou financeiras com relação a qualquer atividade ligada a este Memorando de Entendimento dependerão de assinatura de acordo específico.
Por fim, recomendo o encaminhamento dos autos à Assessoria Especial de Assuntos Internacionais -AEAI/MINC para análise dos aspectos de sua alçada, inclusive eventual necessidade de remessa ao Ministério das Relações Exteriores, considerando as competências deste, nos termos do art. 44 da Lei n. 14.600/2023.
Ante o exposto, ressalvados os aspectos técnicos e de conveniência e oportunidade na efetivação do ajuste, não sujeitos ao crivo desta Consultoria Jurídica, e ainda considerando-se a manifestação favorável do órgão técnico competente, cumpre opinar pela regularidade do procedimento, e pela aprovação da minuta submetida à apreciação desta Consultoria Jurídica, sem prejuízo de eventuais recomendações advindas da Assessoria Especial de Assuntos Internacionais - AEAI/MINC e do Ministério das Relações Exteriores.
Por fim, vale lembrar que, de acordo com o Enunciado nº 05 do Manual de boas Práticas Consultivas da AGU, não é necessário o retorno dos autos a esta Consultoria, salvo se subsistir dúvida de cunho jurídico.
Isto posto, submeto o presente processo à consideração superior, sugerindo que os autos sejam, na sequência, encaminhados à Secretaria do Audiovisual, para as providências cabíveis.
Brasília, 18 de novembro de 2024.
Daniela Guimarães Goulart
Advogada da União
Coordenadora-Geral
Atenção, a consulta ao processo eletrônico está disponível em https://supersapiens.agu.gov.br mediante o fornecimento do Número Único de Protocolo (NUP) 01400022037202424 e da chave de acesso 9d879eac