ADVOCACIA-GERAL DA UNIÃO
CONSULTORIA-GERAL DA UNIÃO
CONSULTORIA JURÍDICA JUNTO AO MINISTÉRIO DA CULTURA

 

 

PARECER nº 419/2024/CONJUR-MINC/CGU/AGU

PROCESSO nº 01400.026345/2024-29

INTERESSADA: Secretaria de Direito Autorais e Intelectuais

ASSUNTO: Gestão coletiva de direitos de autor. Fiscalização.

 

EMENTA: ADMINISTRATIVO. DIREITOS AUTORAIS. GESTÃO COLETIVA.
I - Processo administrativo. Fiscalização anual de habilitação para gestão coletiva de direitos autorais.
II - Interpretação do art. 11, VII, da Instrução Normativa MinC nº 7/2023 e do art. 98, §§ 10 e 11, da Lei nº 9.610/1999 - Lei de Direitos Autorais (LDA).
III - A retenção de direitos autorais de que trata o § 10 do art. 98 da LDA refere-se a créditos de titulares não identificados, seja por não identificação da obra utilizada, seja por desconhecimento da autoria, e o prazo de cinco anos para sua identificação é decadencial, extinguindo o direito do titular individual após o seu transcurso.
IV - Na ausência de disposição especial na LDA, os créditos relativos a direitos de titulares identificados prescrevem nos termos da legislação civil, isto é, após o decurso do prazo de dez anos, conforme art. 205 do Código Civil (Lei nº 10.406/2002), tendo em vista a não incidência das regras específicas do art. 206.
V - Não havendo obrigação de retenção de créditos de titulares identificados, cabe a cada associação de gestão coletiva, seja por disposição contratual ou estatutária, estipular prazo e modo para o exercício do direito, bem como a destinação a ser dada em caso de prescrição, sendo a obrigação quesível na ausência de disposição expressa, cf. art. 327 do Código Civil.
VI - Ausência de autorização legal para regulamentação da destinação de créditos identificados e prescritos pelo poder executivo, ressalvada a possibilidade de regulamentação da fiscalização de violações aos princípios de isonomia, transparência e requisitos de habilitação em geral.
VII - Possibilidade de busca ativa de titulares de direitos autorais pelos órgãos de defesa da administração pública federal. Ausência de violação à LGPD.

 

 

Sra. Consultora Jurídica,

 

Trata-se de consulta da Secretaria de Direitos Autorais e Intelectuais - SDAI - vertida nos termos da Nota Técnica nº 45/2024 (doc. SEI/MinC 1962268), por meio da qual se solicita parecer quanto à interpretação do art. 11, inciso VII da Instrução Normativa MinC nº 7/2023.

O dispositivo em questão trata do processo administrativo de fiscalização anual da habilitação de associações de gestão coletiva de direitos autorais, estabelecendo o rol de documentos que devem ser enviados anualmente ao Ministério da Cultura, para fins de monitoramento do cumprimento dos requisitos de habilitação previstos na Lei nº 9.610/1998 - Lei de Direitos Autorais (LDA). E o inciso VII, especificamente, menciona a necessidade e apresentação de "relação atualizada de obras, fonogramas, execuções, interpretações ou emissões administrados pela associação, cujos titulares de direito não foram localizados pela associação nos últimos 5 (cinco) anos, contendo os respectivos valores repassados à associação e não distribuídos aos associados".

Segundo entendimento esposado na referida nota técnica, o dispositivo alcança os valores relativos aos créditos retidos de que tratam os §§ 10 e 11 do art. 98 da LDA, e que segundo os relatórios fornecidos pela associação fiscalizada no processo nº 01400.005407/2024-69 não estariam sendo destinados aos titulares devidos nos termo da lei.

No bojo do processo de fiscalização, a associação alega que o créditos em discussão não se referem a titulares desconhecidos, mas a titulares devidamente identificados que não reclamaram seus direitos em tempo hábil e, portanto, tais créditos não estariam sujeitos a retenção na forma dos §§ 10 e 11 do art. 98 da LDA, podendo a associação deles dispor livremente desde que amparada em sua regras estatutárias.

Diante de tais circunstâncias, questiona-se na nota técnica a respeito dos seguintes pontos:

a) Sem que haja previsão legal expressa de prescrição dos créditos enquadrados na situação do art. 11, VII da IN/MinC nº 7/2023, sob tutela das associações de gestão coletiva, poderia uma associação usar de analogia aos "créditos prescritos" de que tratam o art. 98, §§ 10 e 11, da Lei nº 9.610/1998 e decretá-los, também, prescritos se transcorridos 5 anos sem que tenha localizado os titulares credores ou sem que estes os tenham reivindicado? E, ainda, deles se apropriar para  "Fundos" criados pela Entidade?
b) Qual ou quais poderia(m) ser a(s) destinação(ções) correta(s) dos créditos, acima identificados, quando não distribuídos pelas Associações por motivo de inconsistências cadastrais (dados bancários dos titulares)? 
c) Considerando a natureza das obrigações das associações de gestão coletiva de direitos autorais, podem estas evocar o art. 327 do Código Civil que estabelece a efetuação do "pagamento no domicílio do devedor" e definir suas obrigações de distribuição de direitos de execução pública musical para com os titulares associados como "dívida quesível ou quérable (...) sendo o credor responsável por procurar o devedor para haver o seu pagamento", de modo que isso, de certa forma, as desobriguem da busca verdadeiramente diligente pelos associados credores? 
d) Considerando que a DIGEC (responsável legal pelo monitoramento das Associações habilitadas por este Ministério, por força do art. 11 da IN/MinC nº 7/2023) e a CGHAB que faz a análise documental que subsidia as decisões da Diretoria têm acesso aos Cadastros de Obras e Titulares, para consulta, mediante login e senha, disponibilizados pelas associações, poderiam fazer uso de informações presentes nos cadastros (como número de telefone ou endereço de e-mail) para sondar se titulares com créditos na situação do art. 11, VII da IN/MinC nº 7/2023 foram procurados pela associação e informados dos créditos a que têm direito? Considerando, ainda que os servidores públicos designados para tais consultas, assinaram Termo de Confidencialidade, o fato poderia ensejar quebra de confidencialidade ou desrespeito à Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais? E, ainda, o uso de tais informações encontraria respaldo no "legítimo interesse" (art. 10 da LGPD), uma vez que dar-se-ia por um órgão público no exercício de sua atividade de monitoramento de associações de gestão coletiva de direitos autorais (direitos de terceiros) e com vistas a proteger esses terceiros (titulares), em situação relacionada à prestação de serviço que os beneficia?
e) Tendo em vista que diversos titulares constantes da relação de associados com valores enquadrados na situação de "prescritos", no âmbito da Associação mencionada nesta Nota Técnica, são empresas (Pessoas Jurídicas), como Produtores Fonográficos e Editores Musicais que mantêm disponíveis, em seus sites, ao público em geral, informações de contato (endereços; telefones; e-mails) seria lícito à CGHAB/DIGEC contactá-los, para os fins acima mencionados, fazendo uso dessas informações públicas?
f) Poderia a regulamentação do inciso VII do art. 11 da IN/MinC nº 7/2023, de modo a prever destinação aos créditos identificados e não distribuídos, se dar por meio de Instrução Normativa que complemente a IN vigente, a exemplo da IN/MinC nº 8/2023?
 

É o relatório. Passo à análise.

A retenção de direitos autorais de que trata o § 10 do art. 98 da LDA refere-se a créditos de titulares não identificados, seja por não identificação da obra utilizada, seja por desconhecimento da autoria ou titularidade. É o que se infere desde o § 6 do mesmo artigo, que determina a obrigação das associações de gestão coletiva de manter cadastro de todos os contratos, declarações ou documentos de qualquer natureza que comprovem a autoria e a titularidade das obras. Os parágrafos seguintes, até o § 11, tratam desta obrigação e sua operacionalização. 

Assim, apenas na hipótese de não identificação do titular do direito autoral há que se falar em retenção do pagamento. Trata-se de procedimento necessário para que se possa, dentro de um prazo razoável, identificar a quem pertencem os direitos autorais pela utilização de uma obra anônima ou não-identificada.

O prazo de cinco anos previsto no § 11 para sua identificação é decadencial, pois uma vez transcorrido, extingue-se o direito do titular individual ao respectivo crédito, que é transferido automaticamente ao conjunto de titulares representados pela associação na rubrica referente ao direito. Esta rubrica pode ser relativa à modalidade de fruição ou à categoria do direito autoral, conforme a habilitação da associação. Transferido o direito na forma do § 11 após o decurso do prazo decadencial, o valor deve ser rateado entre os titulares, não havendo autorização legal para destinação diversa ao crédito.

Diferente situação ocorre quando o titular da obra é conhecido, porém não localizado para receber os valores a que faz jus. Nestes casos, não há obrigação de retenção de créditos de titulares identificados enquanto não sejam reclamados, embora também não haja autorização legal para qualquer destinação diversa à distribuição aos seus titulares.

O art. 98-B da LDA, todavia, em seu inciso III, estabelece às associações de gestão coletiva de direitos de autor a obrigação de buscar eficiência operacional por meio da redução dos prazos de distribuição dos valores aos titulares de direitos. Portanto, quando se trata de créditos relativos a direitos autorais de obra de titularidade conhecida, cada associação de gestão coletiva têm a prerrogativa, seja por disposição contratual ou estatutária, de estipular prazo e modo para o exercício do direito, desde que razoável.

Considerando que a LDA não possui disposição específica sobre o modo e tempo de pagamento da obrigação de distribuição de direitos autorais arrecadados por ente de gestão coletiva, infere-se tratar-se de obrigação quesível, conforme o art. 327 do Código Civil, sendo do credor o ônus de reclamar o pagamento perante a associação, caso identifique direitos não pagos no momento oportuno e de acordo com as regras estatutárias às quais esteja vinculado.

A obrigação de eficiência de que trata o inciso III do art. 98-B da LDA foi regulamentada pelo Decreto nº 9.574/2018 no que tange aos créditos de direitos sobre obras não identificadas ou anônimas, estipulando obrigações mínimas de eficiência e transparência das associações perante seus associados:

Art. 15. Observado o disposto no § 10 e no § 11 do art. 98 da Lei nº 9.610, de 1998 , as associações deverão disponibilizar aos seus associados, semestralmente, relação consolidada dos títulos das obras, das interpretações ou execuções e dos fonogramas que tiveram seu uso captado, mas cuja identificação não tenha sido possível em decorrência de:
I - inexistência de dados correspondentes no cadastro;
II - insuficiência das informações recebidas de usuários; ou
III - outras inconsistências.
§ 1º No caso das obras musicais, literomusicais e dos fonogramas que tiveram seu uso captado, mas cuja identificação não tenha sido possível nos termos do disposto no caput , o Escritório Central deverá disponibilizar às associações de titulares que o integram sistema de consulta permanente e em tempo real para a identificação dos créditos retidos e fornecer às referidas associações, semestralmente, relação consolidada contendo os títulos das obras, das interpretações ou execuções e dos fonogramas.
§ 2º Ato do Ministro de Estado da Cultura determinará as informações que deverão constar da relação a que se referem o caput e o § 1º.
§ 3º As associações deverão estabelecer regras para a solução célere e eficiente de casos de conflitos de informações cadastrais que resultem na retenção da distribuição de valores aos titulares das obras, das interpretações ou execuções e dos fonogramas. [grifos nossos]

No entanto, não há no decreto qualquer disposição que permita inferir algum tipo de delimitação ou detalhamento de deveres das entidades de gestão coletiva no que tange a direitos de autores conhecidos mas não localizados, embora se trate de matéria passível de regulamentação, a fim de prevenir abusos e riscos de prescrição.

Na seara da prescrição de direitos não sujeitos a decadência, como bem apontado na Nota Técnica nº 45/2024, trata-se de situação que não possui tratamento jurídico especial na LDA. No entanto, a falta de regra específica que trate da prescrição de tais créditos não implica imprescritibilidade. Na ausência de disposição especial na LDA, os créditos relativos a direitos de titulares identificados prescrevem nos termos da legislação civil, ou seja, após o decurso do prazo de dez anos, conforme art. 205 do Código Civil (Lei nº 10.406/2002), não havendo incidência das regras específicas do art. 206 do código.

Se há possibilidade de prescrição de direito de autor, a associação de gestão coletiva de direitos de autor pode estabelecer a destinação a ser dada no caso da prescrição decenal, especialmente em virtude da não localização do credor, quando não há indício de prática abusiva ou ineficiente da associação. Desde que não viole a lei ou os regulamentos relativos a obrigações de eficiência e transparência no exercício de gestão coletiva, esta destinação não precisaria sequer estar condicionada à prescrição do crédito. Certamente, porém, enquanto não prescrito o crédito, poderá o titular o direito reclamar seu direitos, de tal sorte que, ainda que a entidade de gestão coletiva já tenha eventualmente dado outra destinação ao crédito em prazo inferior a dez anos, em razão de disposições estatutárias, responderá com recursos próprios pelo crédito perante o titular do direito enquanto não tenha transcorrido a prescrição decenal.

O Ministério da Cultura possui papel relevante no sistema de proteção de direitos autorais do Brasil, na medida em que é o órgão estatal responsável pela fiscalização da transparência e eficiência das associações de gestão coletiva, bem como de seu dever de prestação de contas aos titulares de direitos autorais. Conforme previsto no art. 98-C da LDA, diante da insuficiência das associações em prestar contas a seus associados e cumprir adequadamente sua função social de distribuição dos valores relativos ao aproveitamento econômico de direitos autorais, podem os interessados demandar o ministério a cobrar das associações que cumpram tais obrigações, o que inclui, mas não se limita, a todas aquelas obrigações ativas descritas no art. 98-B da lei, a saber:

I - dar publicidade e transparência, por meio de sítios eletrônicos próprios, às formas de cálculo e critérios de cobrança, discriminando, dentre outras informações, o tipo de usuário, tempo e lugar de utilização, bem como os critérios de distribuição dos valores dos direitos autorais arrecadados, incluídas as planilhas e demais registros de utilização das obras e fonogramas fornecidas pelos usuários, excetuando os valores distribuídos aos titulares individualmente;
II - dar publicidade e transparência, por meio de sítios eletrônicos próprios, aos estatutos, aos regulamentos de arrecadação e distribuição, às atas de suas reuniões deliberativas e aos cadastros das obras e titulares que representam, bem como ao montante arrecadado e distribuído e aos créditos eventualmente arrecadados e não distribuídos, sua origem e o motivo da sua retenção;
III - buscar eficiência operacional, dentre outros meios, pela redução de seus custos administrativos e dos prazos de distribuição dos valores aos titulares de direitos;
IV - oferecer aos titulares de direitos os meios técnicos para que possam acessar o balanço dos seus créditos da forma mais eficiente dentro do estado da técnica;
V - aperfeiçoar seus sistemas para apuração cada vez mais acurada das execuções públicas realizadas e publicar anualmente seus métodos de verificação, amostragem e aferição;
VI - garantir aos associados o acesso às informações referentes às obras sobre as quais sejam titulares de direitos e às execuções aferidas para cada uma delas, abstendo-se de firmar contratos, convênios ou pactos com cláusula de confidencialidade;
VII - garantir ao usuário o acesso às informações referentes às utilizações por ele realizadas.

No exercício de sua função, é competência do Ministério da Cultura regulamentar a forma como as associações devem dar transparência a suas atividades a fim de manter-se habilitadas ao exercício da gestão coletiva de direito autorais, conforme previsto no parágrafo único do art. 14 e no § 2º do art. 15 do Decreto nº 9.574/2018, que regulamenta a LDA. Isto significa que o Ministério da Cultura pode estabelecer em regulamento obrigações de transparência em relação a quaisquer créditos retidos, sejam eles relativos a direitos de titulares desconhecidos (previstos no § 10 do art. 98 da LDA), de titulares conhecidos mas não localizados, e especialmente de titulares conhecidos e localizáveis que possam ser beneficiados em ações de busca ativa para o recebimento de seus direitos, sob pena de cassação da habilitação, por ineficiência na defesa dos interesses dos associados.

Reconhecer esta prerrogativa do poder público não implica aceitar a interferência do ministério na gestão interna da associações. Com efeito, não existe autorização legal para regulamentação expressa, pelo poder executivo, sobre a destinação de créditos identificados, seja de créditos prescritos ou não prescritos. A competência normativa do Ministério da Cultura deve restringir-se a estabelecer meios de fiscalização de violações aos princípios de isonomia, regras de distribuição expressas na lei, regras de transparência e requisitos de habilitação que assegurem o cumprimento de tais regras. Apenas quando estabelecida dentro destes parâmetros, pode a regulamentação eventualmente limitar ou direcionar a capacidade da associações de regularem seus processos internos em direção a uma gestão coletiva justa e equilibrada.

Para além de disciplinar o funcionamento das instituições privadas apenas de forma indireta, a regulamentação pode também avançar sobre atribuições executivas do próprio poder público, especialmente considerando sua competência para representar diretamente titulares individuais que ofereçam representação em face do descumprimento de deveres de prestação de contas pelas respectivas associações (LDA, art. 98-C, c/c Decreto nº 9.574/2018, art. 42), e outras competências em sede de mediação e arbitragem, não aplicáveis ao caso em exame. Neste sentido, deve-se reconhecer a possibilidade de busca ativa de titulares de direitos autorais pelos órgãos de defesa da administração pública federal, na forma o art. 23 da Lei 13.709/2018 (Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais - LGPD). Para tanto, é necessário que a associação que representa o titular de direito autoral seja também informada dos procedimentos adotados, bem como do fundamento legal adotado, que, conforme o caso, está amparado nos arts. 14 ou 15 do Decreto nº 9.574/2018, combinado com os arts. 10 e 11 do mesmo decreto, bem como o art. 11, incisos VII e VIII, da Instrução Normativa nº 7/2023/MinC.

 

- CONCLUSÕES

Diante de todo o exposto, apresentam-se as seguintes conclusões acerca dos questionamentos formulados pela Secretaria de Direitos Autorais e Intelectuais - SDAI - por meio da Nota Técnica nº 45/2024 (doc. SEI/MinC 1962268):

Pergunta a: Sem que haja previsão legal expressa de prescrição dos créditos enquadrados na situação do art. 11, VII da IN/MinC nº 7/2023, sob tutela das associações de gestão coletiva, poderia uma associação usar de analogia aos "créditos prescritos" de que tratam o art. 98, §§ 10 e 11, da Lei nº 9.610/1998 e decretá-los, também, prescritos se transcorridos 5 anos sem que tenha localizado os titulares credores ou sem que estes os tenham reivindicado? E, ainda, deles se apropriar para  "Fundos" criados pela Entidade? Resposta: Existe previsão legal para prescrição de tais créditos, embora não esteja disciplinada em lei específica, mas no art. 205 do Código Civil, tratando-se de prescrição decenal. A destinação de créditos prescritos está ao alvitre de cada associação, desde que baseada em ato deliberativo exarado conforme seus estatutos, e com a devida transparência exigida em lei como condição para habilitação ao exercício da gestão coletiva de direitos autorais.

Pergunta b: Qual ou quais poderia(m) ser a(s) destinação(ções) correta(s) dos créditos, acima identificados, quando não distribuídos pelas Associações por motivo de inconsistências cadastrais (dados bancários dos titulares)? Resposta: A redação do inciso VII do art. 11 da IN MinC nº 7/2023 sugere tratar-se de créditos retidos em razão de desconhecimento da autoria, isto é, a situação prevista nos §§ 10 e 11 do art. 98 da LDA, os quais têm destinação certa prevista em lei, devendo ser rateados e distribuídos entre os titulares associados vinculados à mesma rubrica do direito autoral relacionado ao crédito. Porém, para créditos de titulares identificados, a destinação correta é exclusivamente o titular do direito, ainda que seus dados bancários ou de endereço não estejam disponíveis à associação. Somente é possível destinação diversa se o crédito estiver prescrito, e desde que amparado em ato estabelecido conforme os estatutos da associação, sendo que eventual destinação diversa realizada antes da prescrição não afasta a responsabilidade da associação pelo pagamento com recursos próprios.

Pergunta c: Considerando a natureza das obrigações das associações de gestão coletiva de direitos autorais, podem estas evocar o art. 327 do Código Civil que estabelece a efetuação do "pagamento no domicílio do devedor" e definir suas obrigações de distribuição de direitos de execução pública musical para com os titulares associados como "dívida quesível ou quérable (...) sendo o credor responsável por procurar o devedor para haver o seu pagamento", de modo que isso, de certa forma, as desobriguem da busca verdadeiramente diligente pelos associados credores? Resposta: A obrigação em questão é efetivamente quesível, e não portável, cabendo ao credor o ônus de acionar o devedor para pagamento. No entanto, é relevante considerar que em matéria de gestão coletiva de direito autorais, as associações habilitadas têm deveres de tratar seus associados de forma isonômica, não sendo possível, a princípio, a alegação de quesibilidade apenas a um determinado grupo de associados, se os demais não recebem tal tratamento. Para tanto, seria necessário um discrímen compatível e proporcional à discriminação adotada. A inconsistência no cadastro por falta de atualização do interessado pode ser considerada um fator legítimo, se houver previsão em estatuto ou deliberação tomada conforme o estatuto da associação.

Pergunta d: Considerando que a DIGEC (...) e a CGHAB (...) têm acesso aos Cadastros de Obras e Titulares, para consulta, mediante login e senha, disponibilizados pelas associações, poderiam fazer uso de informações presentes nos cadastros (como número de telefone ou endereço de e-mail) para sondar se titulares com créditos na situação do art. 11, VII da IN/MinC nº 7/2023 foram procurados pela associação e informados dos créditos a que têm direito? Considerando, ainda que os servidores públicos designados para tais consultas, assinaram Termo de Confidencialidade, o fato poderia ensejar quebra de confidencialidade ou desrespeito à Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais? E, ainda, o uso de tais informações encontraria respaldo no "legítimo interesse" (art. 10 da LGPD), uma vez que dar-se-ia por um órgão público no exercício de sua atividade de monitoramento de associações de gestão coletiva de direitos autorais (direitos de terceiros) e com vistas a proteger esses terceiros (titulares), em situação relacionada à prestação de serviço que os beneficia? Resposta: Reiteramos que a redação atual do inciso VII do art. 11 da IN MinC nº 7/2023 sugere tratar-se de créditos de credores desconhecidos, o que inviabiliza tal procedimento de busca ativa. No entanto, é possível a adoção de busca ativa de credores conhecidos, mas não localizados em virtude de inconsistências cadastrais, com respaldo no princípio do legítimo interesse da LGPD, desde que a associação seja comunicada na forma do art. 23 da LGPD, com fundamento no próprio Decreto nº 9.574/2018. A falta de comunicação, em si, não enseja responsabilização da entidade associativa.

Pergunta e: Tendo em vista que diversos titulares constantes da relação de associados com valores enquadrados na situação de "prescritos", no âmbito da Associação mencionada nesta Nota Técnica, são empresas (Pessoas Jurídicas), como Produtores Fonográficos e Editores Musicais que mantêm disponíveis, em seus sites, ao público em geral, informações de contato (endereços; telefones; e-mails) seria lícito à CGHAB/DIGEC contactá-los, para os fins acima mencionados, fazendo uso dessas informações públicas? Resposta: Sim, conforme resposta anterior.

Pergunta f: Poderia a regulamentação do inciso VII do art. 11 da IN/MinC nº 7/2023, de modo a prever destinação aos créditos identificados e não distribuídos, se dar por meio de Instrução Normativa que complemente a IN vigente, a exemplo da IN/MinC nº 8/2023? Resposta: Não é possível ao Ministério da Cultura estabelecer a destinação a ser dada a créditos prescritos de titulares identificados. Porém, é possível regulamentar por instrução normativa procedimentos aos quais as associações habilitadas se sujeitem periodicamente a fim de manter sua habilitação, estabelecendo critérios relacionados aos seus deveres legais de transparência e isonomia perante seus associados, em relação a quaisquer créditos retidos. Tal regulamentação pode, assim, indiretamente induzir boas práticas de governança nas associações de modo a evitar a profusão de inconsistências cadastrais e fomentar a eficiência no pagamento de seus associados.

Com estas considerações, proponho o encaminhamento dos autos à SDAI, para conhecimento e providências de sua alçada.

 

À consideração superior.

Brasília, 5 de dezembro de 2024.

 

(assinado eletronicamente)

OSIRIS VARGAS PELLANDA

Advogado da União

Coordenador-Geral Jurídico de Políticas Culturais

 


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