ADVOCACIA-GERAL DA UNIÃO
CONSULTORIA-GERAL DA UNIÃO
CONSULTORIA JURÍDICA JUNTO AO MINISTÉRIO DA CULTURA
COORDENAÇÃO-GERAL DE POLÍTICAS CULTURAIS
PARECER n. 00427/2024/CONJUR-MINC/CGU/AGU
NUP: 01400.035136/2023-95
INTERESSADOS: CORREGEDORIA COREG/GM/MINC
ASSUNTOS: ATOS ADMINISTRATIVOS
Senhor Coordenador-Geral
EMENTA: PROCESSO ADMINISTRATIVO DE RESPONSABILIZAÇÃO/PAR.
I - Prática de atos lesivos contra a Administração Pública nos termos da operação intitulada "República de Laguna", deflagrada pela Polícia Federal em conjunto com a Controladoria-Geral da União, para apuração de indícios de irregularidades em projetos culturais aprovados pelo Ministério da Cultura no período de 2007 a 2011, pelo Grupo Terra Teatral.
II - Denúncia encaminhada pela Diretoria de Responsabilização de Entes Privados da Controladoria-Geral da União de Santa Catarina, recomendando investigações iniciais e provável abertura de Processo Administrativo de Responsabilização - PAR.
III - A análise apresentada pela CGU-R/SC apontou como resultado a Nota Técnica nº 1710, de 16 de outubro de 2015, que constatou supostas irregularidades tais como pagamentos em duplicidade em despesas com elenco; show pirotécnico e confecção de cartazes; serviços prestados antes da formalização de contrato; superfaturamento na locação de outdoors; superdimensionamento em evento comparado ao ano anterior; e omissão de receita de bilheteria.
IV - Avaliação do Relatório Final apresentado pela Comissão Processante, que recomendou o arquivamento do feito em razão da ausência de materialidade.
V - Parecer desfavorável à conclusão proposta no citado Relatório Final, recomendando o regular prosseguimento do presente PAR.
VI - À consideração superior.
O presente Processo Administrativo de Responsabilização (PAR) encaminhado a esta Consultoria Jurídica por meio do Ofício nº 4540/2024/GM/MinC, trata da Operação "República de Laguna" conjunta da Polícia Federal (PF) com a Controladoria-Geral da União, visando apurar indícios de irregularidades na aplicação de recursos de convênios formalizados pelo Governo do Estado de Santa Catarina para realização do evento "A República em Laguna", no período de 2007 a 2011, no Município de Laguna/SC.
A Diretoria de Responsabilização de Entes Privados, da Controladoria-Geral da União/CGU-R/SC, após a análise preliminar da matéria, opinou pelo encaminhamento do feito a este Ministério da Cultura por meio do Ofício nº 4815/2023/DIREP/SIPRI/CGU, de 17/04/2023, informando que a investigação em destaque se deu no âmbito do Inquérito Policial nº 0430/2013-4 - SR/DPF/SC, bem como recomendando a esta Pasta que promovesse ao juízo da admissibilidade dos fatos e, se fosse o caso, que instaurasse o devido procedimento apuratório.
Houve esclarecimento na Nota Técnica CGU-R/SC - Relatório sobre a Análise Inicial de Admissibilidade, datada de 26 de fevereiro de 2024 (processo administrativo nº 00223.000018/2015-81), que, em juízo de admissibilidade inicial realizado no âmbito da COAC/CRG ("identificador de análise" 32115), foi recomendado o encaminhamento da matéria ao Ministério da Cultura para apuração, uma vez que não estavam presentes os requisitos para atuação direta da Controladoria-Geral da União previstos no Decreto nº 11.129/2022.
Consoante se extrai do retrocitado Relatório de Análise de Admissibilidade/CGU-R/SC, a "Operação República de Laguna" teve início pelo Ofício nº 0506/2015-IPL 0430/2013-4-SR/DPD/SC, de 03 de fevereiro de 2015, quando a autoridade policial enviou cópias de processos de convênios formalizados pelo Governo do Estado de Santa Catarina para realização do evento "A República em Laguna" solicitando análise da regularidade das Prestações de Contas dos referidos projetos culturais, nos seguintes termos:
"Nesse sentido, os processos referem-se aos projetos culturais formalizados junto ao Ministério da Cultura com vistas à captação de recursos, por meio dos mecanismos de incentivo da Lei 8.313/1991 (Rouanet), no âmbito do Programa Nacional de Apoio à Cultura – Pronac, para a realização da encenação do espetáculo teatral “A República em Laguna”, nos anos de 2007 a 2011. Todos os projetos tiveram como proponente o Grupo Teatral Terra, CNPJ 07.006.933/0001-35.
Assim, a CGU-R/SC procedeu ao exame dos elementos constantes nos autos procedendo a análise documental dos processos de convênios e suas respectivas prestações de contas, tendo como resultado a Nota Técnica nº 1710, de 16 de outubro de 2015 (0348824). A análise, que contemplou os anos de 2007 a 2011, apontou uma série de irregularidades, com destaque a: pagamentos em duplicidade em despesas com elenco, show pirotécnico e confecção de cartazes; serviços prestados antes da formalização do contrato; superfaturamento na locação de outdoors; superdimensionamento em evento comparado ao ano anterior; e omissão de receita de bilheteria.
Nesse teor, indicou-se um prejuízo potencial de pelo menos R$ 1.483.095,00, aproximadamente 19,6% dos recursos aportados (p.30 0348824)".
Segundo as apurações realizadas pelo DPF e pela CGU-Regional/SC, teriam sido utilizados irregularmente recursos públicos federais repassados pelo Ministério da Cultura, no âmbito do Programa Nacional de Apoio à Cultura - PRONAC tendo por proponente o Grupo Teatral Terra, com potencial prejuízo ao erário no registro das seguintes condutas:
"GRUPO TEATRAL TERRA
Fraude em Convênios Públicos - Nos termos da Nota Técnica n.º 1710/2015/CGU-R/SC (0348824), a pessoa jurídica teria supostamente praticado diversas irregularidades, na realização da encenação do espetáculo teatral “A República em Laguna” nos anos de 2007 a 2011, dentre elas: pagamentos em duplicidade em despesas com elenco, show pirotécnico e confecção de cartazes; serviços prestados antes da formalização do contrato; superfaturamento na locação de outdoors; superdimensionamento em evento comparado ao ano anterior; e omissão de receita de bilheteria.
Tais irregularidades teriam resultado em prejuízo potencial ao erário de pelo menos R$ 1.483.095,00.
Solicitação de informações para as áreas responsáveis no Ministério da Cultura.
Para esta conduta, recomenda-se "Instauração de Processo Administrativo de Responsabilização (PAR)" considerando o possível enquadramento em:
Lei 8666 art. 87, IV - Pela inexecução total ou parcial do contrato a Administração poderá, garantida a prévia defesa, aplicar ao contratado as seguintes sanções: IV - declaração de inidoneidade para licitar ou contratar com a Administração Pública enquanto perdurarem os motivos determinantes da punição ou até que seja promovida a reabilitação perante a própria autoridade que aplicou a penalidade, que será concedida sempre que o contratado ressarcir a Administração pelos prejuízos resultantes e após decorrido o prazo da sanção aplicada com base no inciso anterior.
PRESCRIÇÃO PARA ENTE(S) PRIVADO(S) Para fins de aplicação da Lei 8666, a contagem do prazo prescricional teve início em 12/12/2019, em decorrência de pela cessação da prático do ato ilícito, conforme Laudo de Reprovação da Prestação de Contas, PRONAC 110909 - Espetáculo República de Laguna, (SEI 1152115). Assim, para o(s) fato(s) referido(s) na presente análise a data de prescrição é 11/12/2024 para a sanção do tipo Declaração de Inidoneidade com prazo determinado"
Nesse sentido, por meio da PORTARIA DE PESSOAL MINC Nº 105, de 29 de fevereiro de 2024, publicada em Diário Oficial de 1º de março de 2024, foi instaurado o presente Processo Administrativo de Responsabilização (PAR) para a devida apuração das supostas irregularidades relatadas no Processo nº 01400.005913/2023-77.
Na sequência, foi anexado aos autos o Parecer nº 00263/2024/CONJUR-MINC/CGU/AGU, datado de 19/08/2024, com parcial aprovação pelo Despacho nº 00169/2024/CONJUR-MINC/CGU/AGU, de 24/09/2024 (SEI 1946597), do qual cumpre destacar pontualmente a seguinte conclusão:
(...)
Assim, em conclusão:
a) O Parecer nº 146/2024/CONJUR-MinC/CGU/AGU (1804528) esclareceu que o entendimento da CGU é no sentido de que o inciso IV do art. 5º da Lei nº 12.846, de 2013, alcança não apenas os ilícitos praticados em licitações e contratos, mas em todos os demais atos que também possuem natureza contratual (lato sensu), incluído o mecanismo de incentivo fiscal;
b) A Lei de Licitações e Contratos, antes mesmo da edição da Lei nº 14.903, de 2024, é inaplicável ao Fomento Cultural, aqui incluído o Fomento Indireto, previsto na Lei nº 8313, de 1991, deste modo não incidem ao caso as sanções previstas na Lei nº 8.666, 1993, ou na Lei nº 14.133, de 2021 ou às infrações eventualmente detectadas no âmbito do Fomento à Cultura, seja de forma direta, seja de forma indireta;
c) Apenas caso o proponente, para execução do projeto, esteja obrigado a realizar contratação de bens e serviços com fulcro na Lei nº 8.666, 1993, ou Lei nº 14.133, 2021, é que, cumulativamente à Lei Anticorrupção, poderão ser aplicadas as sanções previstas na(s) Lei(s) de Licitações e Contratos".
Conforme se vê do Estatuto Social do referido Grupo Teatral Terra (SEI nº 1947939) trata-se de fundação privada sem fins lucrativos, com sede à Rua Imaruí, 25, Apto. 203, Edifício Acapulco, Bairro Mar Grosso, na cidade de Laguna, Estado de Santa Catarina/SC.
Instada a se manifestar, a Secretaria de Economia Criativa e Fomento Cultural desta Pasta efetuou levantamento dos projetos relativos ao dito Grupo Teatral Terra e, por meio do Ofício nº 441/2023/SECFC/MinC, de 25 de abril de 2023 (SEI 1947962), esclareceu que "todos os projetos listados ou foram arquivados por excesso de prazo sem captação, ou seja, por falta de êxito na arrecadação de patrocínios, ou estão em fase de prestação de contas".
Por fim, foi elaborado o Relatório Final concluindo pela "impossibilidade de se aplicarem a penalidade do inciso IV, do art. 87, da Lei nº 8.666/1993 ao Grupo Teatral Terra em função de projetos culturais elencados no item 2 do Ofício nº 441/2023/SECFC/MinC, os quais tiveram por objeto a realização do espetáculo "A República em Laguna", nos anos de 2006 a 2011. em função disso, recomendamos à autoridade competente o arquivamento do presente PAR por falta de materialidade".
É o breve relatório. Passo à análise.
Preliminarmente, deve-se ressaltar que o exame desta Consultoria Jurídica dar-se-á nos termos do artigo 11, inciso V, da Lei Complementar nº 73/93, subtraindo-se ao âmbito da competência institucional do Órgão Consultivo a apreciação de elementos de ordem técnica, financeira ou orçamentária, bem como avaliação acerca da conveniência e oportunidade da prática de atos administrativos, restringindo-se aos limites jurídicos da consulta suscitada, consoante o Enunciado de Boas Práticas Consultivas AGU n.º 7/2016.
Impõe-se ainda destacar que foge à alçada desta Consultoria Jurídica imiscuir-se na análise técnica realizada pela unidade competente, órgão detentor de expertise para tal exame. Todavia, cabe à esta Consultoria realizar o exame sob o ponto de vista da legalidade do procedimento.
Consoante visto, o Relatório Final nº 21/2024/COREG/GM/MinC produzido pela Comissão Processante concluiu pelo arquivamento do presente PAR, com fundamento na ausência de materialidade pelo impedimento de se aplicarem a penalidade do inciso IV, do art. 87, da Lei nº 8.666/1993, ao Grupo Teatral Terra, em razão dos projetos elencado no item 2, do Ofício nº 441/2023/SECFC/MinC, que informou não ter subsídios a oferecer sobre o assunto recomendando a remessa dos autos à Subsecretaria de Gestão de Prestação e Tomada de Constas (SGPTC/SE), unidade responsável pela gestão dos projetos após a fase de execução.
Esclareça-se, por mister, que o Processo Administrativo de Responsabilização (PAR) pode ser arquivado apenas em determinadas situações, tais como: a) o pleito foi deferido ou indeferido; b) o interessado desistiu ou renunciou; e c) uma autoridade competente decidiu motivadamente.
No presente caso, vê-se que a sugestão de arquivamento se deu por decisão motivada da Comissão Processante. Com efeito, cumpre a esta Conjur avaliar a juridicidade da dita motivação da Comissão quanto ao arquivamento do presente PAR, com base nas referidas informações oriundas do Ofício nº 4441/2023/SECFC/MinC que levaram à conclusão da ausência de materialidade.
A aplicação do princípio da motivação ao PAR encontra subsídio no § 3º do art. 10 da Lei nº 12.846/2013, que exige que a Comissão motive adequadamente as sanções sugeridas em seu relatório final (no caso concreto o arquivamento), documento dedicado aos fatos apurados e à eventual responsabilidade da pessoa jurídica envolvida.
Art. 10 ...
(...)
§ 3º A comissão deverá concluir o processo no prazo de 180 (cento e oitenta) dias contados da data da publicação do ato que a instituir e, ao final, apresentar relatórios sobre os fatos apurados e eventual responsabilidade da pessoa jurídica, sugerindo de forma motivada as sanções a serem aplicadas. Ng.
Em regra, a materialidade e a autoria são provas da existência de ilícitos/crimes sendo elementos fundamentais à construção de um processo, sem os quais não caberiam condenações. Especificamente, porém, os objetos materiais de um crime contra a administração pública envolvem a necessária investigação administrativa onde se possam concluir pela aplicação ou não das penalidades respectivas somente após a devida apuração, com a coleta de depoimentos, laudos, exames periciais, ou outros procedimentos que se fizerem necessários.
Assim, de maneira geral, cabe observar que há uma infração na medida em que o ordenamento jurídico atribua à determinada autoridade, na função administrativa, a competência para impor uma penalidade à determinado ato. A infração ou o ilícito consiste, portanto, no comportamento contrário àquele estabelecido na norma jurídica, devendo-se salientar a existência de ilícitos jurídicos de diferentes naturezas (como penal, administrativo, de improbidade administrativa e outros) sabendo-se que são correspondes a cada um dos diferentes ilícitos sanções que seguem a mesma sorte de diversidade. Nesse sentido, tendo chegado ao conhecimento da administração pública relatos sobre indícios de ilícitos de qualquer natureza contra a Administração Pública, compete à Administração a investigação ampla e conclusiva com base em fatos e provas irrefutáveis.
No presente caso, embora a Comissão Processante tenha recomendado à autoridade competente o arquivamento do PAR por falta de materialidade, não se localizam nos autos quaisquer atos inequívocos de investigação que possam comprovar a alegada ausência de materialidade.
A importância da instauração do PAR, fundamenta-se no fato de ser instrumento de investigação da responsabilidade de pessoas jurídicas pela prática de atos contra a administração pública, mediante organização de sucessão lógica de procedimentos, tendentes à conformação de determinada tese. O princípio do dever de apuração encontra seu principal subsídio no poder hierárquico, portanto, que significa o poder-dever que atribui à autoridade administrativa a capacidade legal específica de controlar o cumprimento das competências de suas unidades.
Ressalte-se, ainda, que a configuração da prática de atos lesivos em face da Administração Pública demanda não apenas a subsunção de um fato ao tipo previsto em determinado dispositivo legal, mas também a existência de benefício direto ou potencial da pessoa jurídica, além do nexo de causalidade entre a prática do ato infracional e a vantagem auferida ou pretendida.
Cumpre ressaltar, nesse ponto, que a Nota Técnica e-PAD, ao proceder à Análise Inicial de Admissibilidade, se reportou à "Operação República de Laguna" deflagrada em ação conjunta da Polícia Federal e da Controladoria-Geral da União (CGU), apontando com clareza uma série de irregularidades lastreadas na provável existência de dolo com potencial de severa lesão ao erário. Nesse sentido, a simples necessidade da comprovação de ter havido ou não dolo, no que tange aos fatos relatados, implica necessariamente na continuidade do presente PAR.
A CGU-R/SC, ao proceder o exame dos elementos constantes dos autos, elaborou a Nota Técnica nº 1.710, de 16 de outubro de 2015, destacando irregularidade tais como: pagamentos em duplicidade em despesas com elenco, show pirotécnico e confecção de cartazes; serviços prestados antes da formalização do contrato; superfaturamento na locação de outdoors; superdimensionamento em evento comparado ao ano anterior; e omissão de receita de bilheteria, tendo apresentado a seguinte recomendação:
"Recomendação: "Para esta conduta, recomenda-se "Instauração de Processo Administrativo de Responsabilização (PAR)" considerando o possível enquadramento em: Lei 8666 art. 87, IV - Pela inexecução total ou parcial do contrato a Administração poderá, garantida a prévia defesa, aplicar ao contratado as seguintes sanções: IV - declaração de inidoneidade para licitar ou contratar com a Administração Pública enquanto perdurarem os motivos determinantes da punição ou até que seja promovida a reabilitação perante a própria autoridade que aplicou a penalidade, que será concedida sempre que o contratado ressarcir a Administração pelos prejuízos resultantes e após decorrido o prazo da sanção aplicada com base no inciso anterior."
Foi constatado, no entanto, que o Grupo Teatral Terra não havia celebrado contratos ou convênios com o Ministério da Cultura, mas processos relativos à projetos culturais formalizados com vistas à captação de recursos, por meio dos mecanismos de incentivo da Lei 8.313/1991 (Rouanet), no âmbito do Programa Nacional de Apoio à Cultura – Pronac, para a realização da encenação dos espetáculos teatrais “A República em Laguna”, nos anos de 2007 a 2011.
Em razão desse fato, o entendimento da Comissão Processante expresso no Relatório Final nº 21/2024 se deu pelo arquivamento do feito, com fundamento nas seguintes considerações:
"Considerando que as possíveis irregularidades são anteriores à Lei Anticorrupção (Lei n. 12.846/2013), não cabe falar na prática dos ilícitos nela tipificadas. A indicação da CGU foi avaliar a utilização do PAR para aplicar a penalidade de "declaração de inidoneidade para licitar ou contratar com a Administração Pública" prevista no inciso IV do art. 87 da antiga Lei de Licitações e Contratos Administrativos (Lei n. 8.666/1993) - penalidade devida em face da inexecução total ou parcial de contrato com a Administração. Ng.
(...)
Considerando que o Grupo Teatral Terra não celebrou nem contrato, nem convênio com o Ministério da Cultura - antes, teve sua atuação cultural apoiada pelo mecanismo do "incentivo a projetos culturais" (inciso III do art. 2º da Lei n. 8.313/1991 - Lei Rouanet), o qual é regulado por lei específica (com infrações e punições específicas) e a natural estranheza de se supor que uma entidade privada pode executar projetos com base na legislação de fomento e incentivo cultural federal e acabar punida com base no regramento de licitação e contratos administrativos (algo bastante diverso e apartado da realidade cultural), em paralelo foi aberto o processo SEI n. 01400.013091/2024-89, o qual buscou acionar a Consultoria Jurídica sobre a aplicabilidade das infrações de legislação de licitação e contratos em projetos culturais da Lei Rouanet.
(...)
Conclui-se, portanto e logicamente, que não é possível aplicar a penalidade do inciso IV do art. 87 da Lei n. 8.666/1993 ao Grupo Teatral Terra em função de projetos culturais elencados no item 2 do Ofício n. 441/2023/SECFC/MinC (1947962) - os quais tiveram por objeto a realização do espetáculo "A República em Laguna" nos anos de 2006 a 2011.
Em função disso, recomendamos à autoridade competente o arquivamento do presente PAR por falta de materialidade.
(...)
Destaque-se, porém, em que pese o entendimento de que "as possíveis irregularidades são anteriores à Lei Anticorrupção (Lei n. 12.846/2013) não cabendo falar na prática dos ilícitos nela tipificadas", que a denúncia efetivada no presente caso à autoridade competente para instauração do Processo Administrativo de Responsabilização (ciência da infração), se deu em plena vigência da referida Lei nº 12.846/2013, com a Nota Técnica CGU-R/SC que efetivou a Análise Inicial de Admissibilidade, datada de 26 de fevereiro de 2024, com o registro de fatos suficientes ao enquadramento dos ilícitos a serem apurados com base na Lei Anticorrupção.
Convém assim relembrar, quanto à referida Lei nº 12.846/2013, ser inadequado o entendimento de que se trata de legislação destinada unicamente à tipificação de condutas ilícitas, mas notadamente de legislação que norteia a aplicação de ritos processuais específicos destinados ao processo sancionador, diante do objetivo precípuo de coibir a atuação de empresas em esquemas de corrupção, de forma a se evitarem prejuízos aos cofres públicos.
Os atos lesivos de que trata a referida Lei Anticorrupção estão relacionados em seu art. 5º e abarcam, dentre outros:
"I - prometer, oferecer ou dar, direta ou indiretamente, vantagem indevida a agente público, ou a terceira pessoa a ele relacionada;
II - comprovadamente, financiar, custear, patrocinar ou de qualquer modo subvencionar a prática dos atos ilícitos previstos nesta Lei;
III - comprovadamente, utilizar-se de interposta pessoa física ou jurídica para ocultar ou dissimular seus reais interesses ou a identidade dos beneficiários dos atos praticados;
IV - no tocante a licitações e contratos:
(...)".
Conforme é cediço, assim, o artigo 5º da referida Lei nº 12.846/2013, ao prever o rol de atos lesivos à Administração Pública, visa à tutela não só do patrimônio público nacional e estrangeiro, mas também dos princípios e ritos que orientam a Administração Pública.
Importa, portanto, no caso, diferenciar quais situações atraem a aplicação da LAC, diferentemente de outros casos que impliquem tão somente nas sanções previstas nas legislações que regulamentam procedimentos específicos, tais como licitatórios e contratuais, uma vez que, além das normas de licitações e contratos públicos, não se podem ignorar a existência de legislações outras que preveem sanções administrativas aos entes privados, tal como o art. 38 da Lei nº 8.313, de 23 de dezembro de 1991 (Lei Rouanet), que determina que, na hipótese de dolo, fraude ou simulação, inclusive no caso de desvio de objeto, será aplicada, ao doador e ao beneficiário (pessoas físicas ou jurídicas), multa correspondente a duas vezes o valor da vantagem recebida indevidamente.
No que diz respeito, portanto, às pessoas jurídicas, é possível concluir que há duas linhas de responsabilização administrativa por atos de corrupção: a) na primeira, destaca-se a existência de legislação, como exemplo a Lei de Licitações e Contratos que prevê sanções de cunho administrativo aos particulares/contratados, que concorram à prática de atos irregulares, inclusive fraudes, que, de alguma forma, possam interferir na lisura do processo licitatório e/ou ensejem o descumprimento contratual; e, b) na segunda, quando o principal instrumento normativo é a própria Lei Anticorrupção que, em seu art. 5º, disciplina os tipos das irregularidades ao conceituar os atos lesivos por ela alcançados.
A referida Lei Anticorrupção, portanto, não se exaure no retrotranscrito art. 5º da Lei nº 12.846/2013, mas se aplica a todo processo sancionador relativo à Administração Pública cujos procedimentos não estejam previstos em legislações específicas.
Desse modo, embora tenha havido a indicação de se avaliarem a utilização do PAR para a aplicação da penalidade de "declaração de inidoneidade para licitar ou contratar com a Administração Pública prevista no inciso IV do art. 87 da antiga Lei de Licitações e Contratos Administrativos (Lei n. 8.666/1993)", tal fato não implica necessariamente no arquivamento do presente PAR, sem os devidos atos de apuração das irregularidades denunciadas, notadamente em razão de fortes indícios de descumprimento à Lei nº 8.313/1991.
Consoante se extrai do Manual de Responsabilização de Entes Privados da CGU (abril de 2022) é pelo PAR que a Administração busca responsabilizar o ente privado por seu comportamento impróprio em relação ao ente público, com o fim de recompor a ordem quebrada; noutra vertente, é ele ferramenta essencial à cobrança de contas junto a entidades que as devam à autoridade pública ofendida. Ocorre que a satisfatória consecução do interesse público depende, também, da boa execução dessa função correcional, que somente poderá se concretizar mediante o pleno amparo do PAR em um conjunto especial de fundamentos a que a doutrina comumente denominou “princípios”.
Continuando, o art. 8º, da Lei nº 12.846/2013, põe em relevo aspecto que denota claramente o altíssimo nível da responsabilidade assumida pela autoridade administrativa envolvida: firma-se ali a obrigação de instauração do PAR para a apuração da responsabilidade da pessoa jurídica, inclusive de ofício, mas também mediante provocação. Tal comando aplica-se, inclusive, quando previamente já instaurado procedimento específico para a reparação integral do dano, não se dispensando a apuração administrativa aqui tratada, conforme se depreende do art. 13 da mesma lei:
Art. 8º A instauração e o julgamento de processo administrativo para apuração da responsabilidade de pessoa jurídica cabem à autoridade máxima de cada órgão ou entidade dos Poderes Executivo, Legislativo e Judiciário, que agirá de ofício ou mediante provocação, observados o contraditório e a ampla defesa. Ng.
(...)
Art. 13. A instauração de processo administrativo específico de reparação integral do dano não prejudica a aplicação imediata das sanções estabelecidas nesta Lei.
Assim, no caso, deverá haver no presente PAR investigação ampla e conclusiva quanto à negativa da materialidade, uma vez que, somente depois de esgotadas as devidas apurações legais previstas na citada LAC, poderá haver conclusão da inexistência material dos ilícitos denunciados, o que levará a Administração Pública à impossibilidade de prosseguimento da ação administrativa fundamentada em ato lesivo.
No que tange à análise das Prestações de Contas referentes aos projetos culturais in question, ressalte-se a título de esclarecimento que, diante da ausência de determinações sobre a prescrição da prática de irregularidades no bojo da Lei Rouanet (8.313/1991), deve ser aplicada a Lei nº 9.873, de 23 de novembro de 1999 (Lei da Prescrição Administrativa), que "Estabelece prazo de prescrição para o exercício de ação punitiva pela Administração Pública Federal, direta e indireta", nos seguintes termos:
Art. 1o Prescreve em cinco anos a ação punitiva da Administração Pública Federal, direta e indireta, no exercício do poder de polícia, objetivando apurar infração à legislação em vigor, contados da data da prática do ato ou, no caso de infração permanente ou continuada, do dia em que tiver cessado.
§ 1o Incide a prescrição no procedimento administrativo paralisado por mais de três anos, pendente de julgamento ou despacho, cujos autos serão arquivados de ofício ou mediante requerimento da parte interessada, sem prejuízo da apuração da responsabilidade funcional decorrente da paralisação, se for o caso.
§ 2o Quando o fato objeto da ação punitiva da Administração também constituir crime, a prescrição reger-se-á pelo prazo previsto na lei penal.
(...)
Art. 2o Interrompe-se a prescrição da ação punitiva:
I – pela notificação ou citação do indiciado ou acusado, inclusive por meio de edital;
II - por qualquer ato inequívoco, que importe apuração do fato"; Ng.
Nesses termos, quanto ao item 13 do Relatório Final nº 21/2024, onde se lê: Registramos que a Corregedoria do Ministério da Cultura alertou a Subsecretaria de Gestão de Prestação e Tomada de Contas (SGPTC/SE), em 24/05/2024 (Ofício n. 57/2024/COREG/GM/MinC - 1754885), acerca do caso. Esta Comissão entende que compete à SGPTC avaliar a eventual reabertura das contas e, se for o caso, adotar providências para buscar a recomposição do erário e para provocar a aplicação das penalidades específicas previstas na Lei Rouanet ao Grupo Teatral Terra", importa salientar a urgência de ações administrativas para que a conclusão das Prestações de Contas pendentes nesta Pasta sejam embasadas nas investigações que passarão a integrar o presente PAR, que, ao seu turno, deverá caminhar em conjunto com as análises das referidas Prestações de Contas empreendidas pela SGPTC/SE.
Por fim, levando-se em conta as atribuições do Ministério Público, notadamente no dever (estadual) de velar pelas fundações situadas em sua respectiva área de atuação (art. 66 do Código Civil/CC, Lei nº 10.406/2002), notadamente no que tange à correição de funcionamento dessas fundações, bem como da legalidade e pertinência dos atos de seus administradores, ou da aplicação e utilização dos recursos financeiros, recomendamos a comunicação ao Ministério Público dos fatos denunciados que levaram à instauração do presente PAR.
CONCLUSÃO
Ante todo o exposto, considerando que a condução do processo deve atender aos princípios que regem os atos administrativos, o presente PAR deverá prosseguir em consonância com o rito procedimental previsto na Lei nº 12.846, de 2013, razão pela qual esta manifestação é desfavorável ao arquivamento do feito, recomendando o prosseguimento das investigações quanto aos ilícitos denunciados.
Ademais, levando-se em conta as atribuições do Ministério Público, notadamente no dever (estadual) de velar pelas fundações situadas em sua respectiva área de atuação (art. 66 do Código Civil/CC, Lei nº 10.406/2002), notadamente no que tange à correição de funcionamento dessas fundações, bem como da legalidade e pertinência dos atos de seus administradores, ou da aplicação e utilização dos recursos financeiros, recomendamos a comunicação ao Ministério Público dos fatos que levaram à instauração do presente PAR.
À consideração superior.
Brasília, em 06 de dezembro de 2024
MARIA IZABEL DE CASTRO GAROTTI
Advogada da União
Atenção, a consulta ao processo eletrônico está disponível em https://supersapiens.agu.gov.br mediante o fornecimento do Número Único de Protocolo (NUP) 01400035136202395 e da chave de acesso 5174c99b