ADVOCACIA-GERAL DA UNIÃO
CONSULTORIA-GERAL DA UNIÃO
CONSULTORIA JURÍDICA JUNTO AO MINISTÉRIO DA CULTURA
COORDENAÇÃO-GERAL DE PARCERIAS E COOPERAÇÃO FEDERATIVA


 

PARECER n. 00431/2024/CONJUR-MINC/CGU/AGU

 

NUP: 01400.020118/2024-90

INTERESSADOS: COORDENAÇÃO-GERAL DE INOVAÇÃO TECNOLÓGICA NA SAÚDE - CGITS/DGITIS/SCTIE/MS

ASSUNTOS: POLÍTICA NACIONAL ALDIR BLANC - PNAB

 

 

 

EMENTA: Direito Administrativo. Política Nacional Aldir Blanc - PNAB. Lei n. 14.399/2022. Medida Provisória nº 1.27/2024. Prazo para adequação orçamentária. Art. 8º do Decreto n. 11.740/2023. Autonomia dos Entes da Federação.
 

 

Por meio do Ofício nº 62/2024/CGITJ/DAT/SCC/GM/MinC (2012762), o Titular da Diretoria de Assistência Técnica a Estados, Distrito Federal e Municípios - DAT/SCC/MINC solicita a esta Consultoria Jurídica manifestação sobre questionamentos decorrentes da recente edição da Medida Provisória - MP nº 1.274, de 22 de novembro de 2024, que altera a Lei nº 14.399/2022, que institui a Política Nacional Aldir Blanc de Fomento à Cultura (PNAB).

 

Segundo informa o órgão consulente, a PNAB determinou a transferência de recursos da União aos demais entes federativos para execução de ações culturais de forma interfederativa. Desse modo, o Ministério da Cultura repassa os valores e institui diretrizes gerais, enquanto Estados, Distrito Federal e Municípios executam os recursos de forma direta ou por meio de editais de fomento à cultura.

 

Nos termos da Lei, os municípios deveriam realizar a adequação orçamentária desses recursos em até 180 dias a contar do recebimento, prazo este que findou em junho de 2024 para os recursos recebidos em dezembro de 2023, e em setembro de 2024 para os recebidos em março de 2024.

 

No entanto, recentemente, foi publicada a Medida Provisória - MP nº 1.274, de 22 de novembro de 2024, que altera a​ Lei nº 14.399/2022.  Dentre as alterações efetuadas pela MP, verifica-se a supressão do prazo de 180 dias para que os municípios realizassem a adequação orçamentária.

 

Ante o exposto, a DAT/SCC/MINC entende que, a partir da publicação da MP nº 1274/2024, não haverá prazo para realização de adequação orçamentária nos próximos ciclos de execução.

 

Ressalta-se que na redação anterior, os recursos recebidos pelos Municípios que não tinham sido objeto de programação publicada em até 180 dias após o recebimento deveriam ser automaticamente revertidos ao fundo estadual de cultura do Estado onde o Município se localiza ou ao órgão ou entidade estadual responsável pela gestão desses recursos. Deste modo, alguns municípios que não cumpriram o prazo já repassaram os valores aos seus estados.

 

Contudo, restam dúvidas acerca da possibilidade de aplicação do disposto na Medida Provisória aos municípios que não realizaram adequação orçamentária no primeiro ano de repasse e não enviaram os recursos aos estados.

 

Deste modo, a DAT/SCC/MINC questiona:

 

a) se é possível aplicar o disposto na Medida Provisória nº 1274/2024 aos municípios que não realizaram adequação orçamentária dos valores referentes ao ano de 2023 no prazo anteriormente previsto em lei, permitindo, deste modo, que os recursos possam ser por eles utilizados sem necessidade de envio ao respectivo estado?

b) caso seja possível aplicar o disposto na Medida Provisória nº 1274/2024 aos municípios que não realizaram adequação orçamentária dos valores referentes ao ano de 2023, os municípios que já enviaram os recursos aos estados podem solicitá-los de volta? Caso positivo, o Estado é obrigado a restituir os valores?

 

Este é o relatório do necessário.

 

 

FUNDAMENTAÇÃO

 

A presente análise se dá com fundamento no art. 131 da Constituição Federal e no art. 11 da Lei Complementar nº 73/93, subtraindo-se do âmbito da competência institucional deste Órgão Jurídico, delimitada em lei, análises que importem em considerações de ordem técnica, financeira ou orçamentária.

 

A consulta em tela diz respeito às alterações efetuadas pela Medida Provisória nº 1274/2024 sobre a Lei n. 14.399/2022 (PNAB) e contém dois questionamentos específicos:

 

(i) a aplicabilidade da nova regra contida na Medida Provisória nº 1274/2024 aos municípios que não realizaram adequação orçamentária dos recursos recebidos no prazo previsto na PNAB; e

(ii) caso seja possível aplicar o disposto na Medida Provisória nº 1274/2024 aos municípios que não realizaram adequação orçamentária dos valores recebidos, questiona-se sobre a possibilidade de os municípios que já enviaram os recursos aos estados solicitá-los de volta e se o Estado é obrigado a restituir os valores.

 

Dito isso, passo à análise da consulta.

 

A Lei nº 14.399, de 8 de julho de 2022 (Lei da PNAB), recentemente alterada pela Medida Provisória nº 1274/2024, estabelece em seu art. 8º que os recursos da PNAB serão executados de maneira descentralizada, mediante repasses da União aos demais entes federativos:

 

Art. 8º Os recursos previstos no art. 6º desta Lei serão repassados aos Estados, aos Municípios e ao Distrito Federal, da seguinte forma:
I - 50% (cinquenta por cento) aos Estados e ao Distrito Federal, dos quais 20% (vinte por cento) de acordo com os critérios de rateio do Fundo de Participação dos Estados e do Distrito Federal (FPE) e 80% (oitenta por cento) proporcionalmente à população;
II - 50% (cinquenta por cento) aos Municípios, dos quais 20% (vinte por cento) de acordo com os critérios de rateio do Fundo de Participação dos Municípios (FPM) e 80% (oitenta por cento) proporcionalmente à população.
II - 50% (cinquenta por cento) aos Municípios e ao Distrito Federal, dos quais 20% (vinte por cento) de acordo com os critérios de rateio do Fundo de Participação dos Municípios (FPM) e 80% (oitenta por cento) proporcionalmente à população.   (Redação dada pela Medida Provisória nº 1.274, de 2024)
§ 1º Os recursos recebidos que não tenham sido objeto de programação publicada pelos Municípios em até 180 (cento e oitenta) dias deverão ser automaticamente revertidos ao fundo estadual de cultura do Estado onde o Município se localiza ou ao órgão ou entidade estadual responsável pela gestão desses recursos.
§ 1º Para os repasses realizados a partir de 2025, o cálculo a que se referem os incisos do caput será realizado considerando o quociente de participação no respectivo Fundo de Participação e a proporção populacional existente ao final do exercício de 2024.    (Redação dada pela Medida Provisória nº 1.274, de 2024)
§ 2º Eventuais recursos da União referentes às ações previstas nesta Lei que não forem destinados aos demais entes federativos em razão do não cumprimento de procedimentos e de prazos exigidos a Estados, ao Distrito Federal e a Municípios, inclusive o previsto no § 1º do art. 6º desta Lei, serão imediatamente redistribuídos pela União aos demais entes, segundo os mesmos critérios de partilha estabelecidos no caput deste artigo.
§ 2º Eventuais recursos da União referentes às ações previstas nesta Lei que não forem destinados aos demais entes federativos em razão do não cumprimento de procedimentos e de prazos exigidos a Estados, ao Distrito Federal e a Municípios serão imediatamente redistribuídos pela União aos demais entes federativos, observados os mesmos critérios de partilha estabelecidos no caput e os prazos e as condições estabelecidos em regulamento.   (Redação dada pela Medida Provisória nº 1.274, de 2024)
§ 3º Os Estados, na implementação das iniciativas previstas no art. 5º desta Lei, buscarão regulamentar formas de estimular a desconcentração territorial de ações, de iniciativas e de atividades apoiadas, beneficiando em especial os Municípios que não obtiverem recursos da União oriundos desta Lei.
§ 4º Nos editais e congêneres de que trata esta Lei, os entes federativos recebedores dos repasses da União deverão estabelecer políticas de ação afirmativa.

 

De acordo com a redação original do art. 8º, §1º (tachada na transcrição acima), os recursos recebidos pelos Municípios que não fossem objeto de programação orçamentária no prazo de 180 dias deveriam ser automaticamente revertidos ao fundo estadual de cultura do Estado onde o Município se localiza ou ao órgão ou entidade estadual responsável pela gestão desses recursos.

 

Este dispositivo, no entanto, foi revogado pela MP n. 2.147/2024 e, desse modo,  atualmente não há mais na Lei prazo explícito para a realização da adequação orçamentária. 

 

Após a publicação da Medida Provisória, o Decreto nº 11.740/2023 (que regulamenta a Lei da PNAB) foi alterado pelo  Decreto nº 12.257, de 22 de novembro de 2024, e atualmente dispõe em seus artigos 7º e 8º:

 

Art. 7º Todos os recursos repassados serão objeto de adequação orçamentária pelos entes federativos no prazo de cento e oitenta dias, contado da data de recebimento dos recursos.
Art. 7º Os recursos repassados aos Municípios serão objeto de adequação orçamentária.    (Redação dada pelo Decreto nº 12.257, de 2024)
Parágrafo único. A destinação de recursos por meio de consórcio público intermunicipal suprirá a necessidade de adequação orçamentária de que trata o caput, observado o disposto na Lei nº 11.107, de 6 de abril de 2005, e no Decreto nº 6.017, de 17 de janeiro de 2007.
§ 1º  A destinação de recursos por meio de consórcio público intermunicipal suprirá a necessidade de adequação orçamentária de que trata o caput, observado o disposto na Lei nº 11.107, de 6 de abril de 2005, e no Decreto nº 6.017, de 17 de janeiro de 2007.    (Redação dada pelo Decreto nº 12.257, de 2024)
§ 2º A destinação de recursos na Lei Orçamentária Anual em valores iguais ou superiores ao recebido pelo Município suprirá a necessidade de adequação orçamentária de que trata o caput.    (Incluído pelo Decreto nº 12.257, de 2024)
 
Art. 8º Os recursos recebidos que não tenham sido objeto de programação publicada pelos Municípios no prazo de cento e oitenta dias serão revertidos para a conta bancária específica criada automaticamente pela plataforma oficial de transferências da União, vinculada ao fundo estadual de cultura do Estado onde o Município se localiza, ou ao órgão ou à entidade estadual pública responsável pela gestão desses recursos, até dez dias após o encerramento do prazo previsto neste artigo.

 

Verifica-se, portanto, que, muito embora o prazo não seja mais mencionado na Lei, o art. 8º do Decreto que regulamenta a PNAB ainda estabelece o prazo de 180 dias para adequação orçamentária. Com efeito, o fato de a Lei não mais prever esse prazo não impede que o Decreto presidencial o estabeleça, sendo inquestionável que a obrigação de adequação orçamentária no prazo de 180 dias continua válida e vigente.

 

Portanto, os questionamentos expostos pela SCC/MINC no Ofício nº 62/2024/CGITJ/DAT/SCC/GM/MinC (2012762) restam desde já prejudicados, considerando que, apesar de a Medida Provisória nº 1274/2024 não mais prever o prazo de 180 dias para a realização de adequação orçamentária, esse prazo continua válido e exigível, nos termos do art. 8º do Decreto n. 11.740/2023.

 

Assim, quanto à primeira questão posta pela DAT/SCC, conclui-se que a aplicação da Medida Provisória nº 1274/2024 não beneficia os municípios que não realizaram adequação orçamentária dos recursos recebidos no prazo de 180 dias, já que permanece vigente a regra segundo a qual os recursos que não tenham sido objeto de programação publicada pelos Municípios no prazo de 180 dias d​everão ser revertidos pelos municípios recebedores ao fundo estadual de cultura do respectivo Estado, ou ao órgão ou à entidade estadual pública responsável pela gestão desses recursos (art. 8º do Decreto n. 11.740/2023).

 

Observo, no entanto, que esta Consultoria Jurídica manifestou-se recentemente sobre matéria correlata por meio do PARECER n. 00417/2024/CONJUR-MINC/CGU/AGU (2013680), que tratou da legalidade da concessão de efeitos retroativos à adequação orçamentária a que estão sujeitos os Municípios que receberam recursos da PNAB. Esse parecer foi coincidentemente exarado no mesmo dia em que a Medida Provisória nº 1.274/2024 foi publicada, em edição extra do DOU, e levava em consideração o prazo de 180 dias estabelecido pela Lei n. 14.399/2022 e que atualmente consta apenas do Decreto n. 11.740/2023. Assim, é importante levar as conclusões do referido Parecer ao conhecimento da DAT/SCC/MINC, para que, eventualmente, o órgão reavalie as orientações a serem dadas aos Municípios interessados.

 

Quanto ao segundo questionamento, este também resta prejudicado face à conclusão de que o prazo para adequação orçamentária continua valendo, nos termos do art. 8º do Decreto n. 11.740/2023.

 

No entanto, vale notar que a eventual possibilidade de restituição dos recursos devolvidos pelos Municípios aos Estados dependeria exclusivamente destes, não constituindo um direito do Município. Com efeito, considerando a autonomia dos entes federativos (art. 18 da CF) e tendo em vista que não há regra federal estabelecida para o uso dos recursos devolvidos, o Estado é o único responsável pela decisão sobre o futuro direcionamento do interesse público incidente sobre os recursos em questão no momento em que o recurso entra em sua conta.

 

Em outras palavras, não cabe à União determinar o destino dos recursos devolvidos, e não há direito adquirido do Município sobre os recursos da PNAB a partir do momento em que este reverte o recurso ao Estado.

 

Assim, para reaver os recursos devolvidos, o Município deveria entrar em contato diretamente com o órgão ou entidade estadual responsável pela gestão desses recursos, cabendo a este decidir, com base na legislação vigente aplicável à matéria, o melhor destino a ser dado aos recursos devolvidos, desde que o observados os objetivos da PNAB.

 

 

CONCLUSÃO

 

Diante do exposto, e ressalvados os aspectos técnicos de conveniência e de oportunidade não sujeitos ao crivo desta Consultoria Jurídica, conclui-se que o prazo de 180 dias para a realização de adequação orçamentária continua válido e exigível, nos termos do art. 8º do Decreto n. 11.740/2023, apesar de não mais constar da Medida Provisória nº 1274/2024. Assim, a aplicação da Medida Provisória nº 1274/2024 não beneficia os municípios que não realizaram adequação orçamentária dos recursos recebidos no prazo de 180 dias.

 

Quanto ao segundo questionamento, vale notar que, face à autonomia dos entes federativos, não cabe à União determinar o destino dos recursos devolvidos, e não há direito adquirido do Município sobre os recursos da PNAB a partir do momento em que este reverte o recurso ao Estado. Assim, para reaver os recursos devolvidos, o Município deve entrar em contato diretamente com o órgão ou entidade estadual responsável pela gestão desses recursos, cabendo a este decidir, com base na legislação vigente aplicável à matéria, o melhor destino a ser dado aos recursos devolvidos, desde que o observados os objetivos da PNAB.

 

Isso posto, submeto o presente processo à consideração superior, sugerindo que, após aprovação, os autos sejam encaminhados à DAT/SCC/MINC, para as providências cabíveis.

 

 

 

DANIELA GUIMARÃES GOULART

Advogada da União

Coordenadora-Geral

 

 


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