ADVOCACIA-GERAL DA UNIÃO
CONSULTORIA-GERAL DA UNIÃO
CÂMARA NACIONAL DE LICITAÇÕES E CONTRATOS ADMINISTRATIVOS - CNLCA/DECOR/CGU
PARECER n. 00022/2024/CNLCA/CGU/AGU
NUP: 00688.002164/2024-75
INTERESSADOS: SGA-MEC
ASSUNTOS: ATOS ADMINISTRATIVOS
EMENTA: DIREITO ADMINISTRATIVO. CESSÃO ONEROSA DE BEM PÚBLICO. NATUREZA JURÍDICA. CONTRATO DE RECEITA. OBRIGAÇÃO PRINCIPAL. REMUNERAÇÃO PELA UTILIZAÇÃO DO BEM. INAPLICABILIDADE DA LEI COMPLEMENTAR 123/2006 NOS CONTRATOS DE RECEITA.
I. Objeto contratual é o que se pretende obter ou realizar, a finalidade ou objetivo de um contrato.
II. Os contratos de despesa são aqueles em que a Administração Pública assume a obrigação de pagar um valor em troca de bens ou serviços. Esses contratos envolvem a utilização de recursos públicos e tem por objetivo a aquisição de bens ou a contratação de serviços que atendam ao interesse público.
III. Os contratos de receita são aqueles em que a Administração Pública busca arrecadar recursos financeiros. Esses contratos geralmente envolvem a exploração de atividades que geram receita para o Estado, e objetivam a percepção de receitas pela Administração Pública, que pode ser obtida através de serviços prestados, concessões, permissões ou arrendamentos.
IV. O contrato de cessão onerosa de bem público federal é utilizado pela Administração Pública para transferir a utilização de um bem público federal a um particular, mediante o pagamento de uma contraprestação financeira.
V. O que define o objeto contratual é a necessidade da Administração. No contrato de cessão onerosa, o objeto principal sempre será a aferição de receita pelo uso exclusivo do particular do bem público, mesmo que venha ser a prestado um serviço de apoio, que é a atividade econômica do particular, e não influencia no contrato com a Administração.
VI. A relação jurídica entre a Administração e o cessionário é relativa ao uso do bem e à sua remuneração. A prestação de um serviço pelo cessionário é um elemento secundário e acidental que não transfigura o contrato de cessão em um contrato de prestação de serviços.
VII. O cerne do art. 179 da Constituição do Brasil é que as ME e EPPs tenham direito ao tratamento jurídico diferenciado quando disputarem por contratos que, no futuro, lhe garantam receita que lhe gerem crescimento e sobrevivência no mercado.
VIII. Os incentivos e preferências da Lei Complementar 123, de 2006, são aplicáveis a contratos onde a Administração Pública é a contratante e assume a obrigação de pagar, como na aquisição de bens ou aplicações de serviços. No caso de contratos que geram receitas, como a cessão onerosa de bens públicos, a dinâmica é diferente, pois a Administração pública está recebendo recursos, e não realizando um gasto.
IX. A Lei Complementar nº 123, de 2006, não concede tratamento diferenciado para microempresas e empresas de pequeno porte nas licitações voltadas a contratos que visam gerar receitas para o Estado. A concessão desse tratamento está restrita aos contratos que implicam em despesas pela Administração Pública.
Sra. Coordenadora e demais membros da Câmara Nacional de Licitações e Contratos Administrativos (CNLCA),
Cuida-se de pedido de subsídios a respeito de divergência de jurisprudência interna sobre se o limite de R$ 80.000,00 (para licitação exclusiva de ME/EPP). No caso o cerne da questão gravita em se considerar o gasto da administração (geralmente inexistente neste tipo de contrato) ou a receita prevista da futura contratada.
O parecer nº 01222/2024/CONJUR-MGI/CGU/AGU conclui que o limite deve ser baseado na receita esperada pela empresa, alinhando-se com o Parecer nº 00392/2024/CGPEP/SCGP/CGU/AGU. O despacho subsequente manifesta concordância com o parecer e o encaminha para o DECOR/CGU/AGU. A argumentação se baseia na interpretação dos artigos 44 e 48 da Lei Complementar nº 123/2006 e do artigo 4º da Lei nº 14.133/2021, e no Parecer-Plenário nº 01/2016/CNU-DECOR-CGU/AGU, que enfatiza a natureza principal do serviço prestado (alimentação e bebidas) em detrimento do valor da cessão do espaço.
No parecer nº 01295/2022 sobre a solicitação do Departamento Penitenciário Nacional (DEPEN) para realizar pregão eletrônico para a cessão onerosa de espaço na Penitenciária Federal em Campo Grande para a instalação de uma cantina/restaurante o parecer recomendou o pregão eletrônico como modalidade licitatória, preferencialmente na forma eletrônica, de acordo com a Orientação Normativa CNU/CGU nº 01/2016 e o Parecer - Plenário nº 01/2016/CNU-DECOR-CGU/AGU. Detalhou os requisitos legais para a participação de microempresas e empresas de pequeno porte. O critério de julgamento recomendado foi o menor preço global para os serviços, com o valor da cessão do espaço previamente definido.
O parecer jurídico nº 00392/2024/CGPEP/SCGP/CGU/AGU analisou a legalidade do processo do Ministério da Educação (MEC) para a cessão onerosa de um imóvel da União para a exploração de restaurante e lanchonete, como atividade de apoio. O parecer concluiu que a cessão é legal, baseando-se na Lei nº 9.636/1998 e no Decreto nº 3.725/2001, que permitem a cessão onerosa de imóveis para atividades de apoio. Conforme a Orientação Normativa CNU/CGU nº 01/2016, a modalidade licitatória deve ser Pregão Eletrônico, pois o serviço de restaurante e lanchonete é o objeto principal do contrato, e a cessão do imóvel, acessória. O critério de julgamento sugerido é o "menor preço da atividade de apoio", com o valor da cessão prefixado.
O parecer listou diversas recomendações para o prosseguimento do processo, incluindo esclarecimento sobre a aplicação do tratamento favorecido a ME, EPP e equiparados, considerando a divergência jurisprudencial sobre o limite de R$ 80.000,00.
Os despachos (nº 00462/2024 e nº 00477/2024) subsequentes aprovam o parecer e suas recomendações, destacando a necessidade de solucionar a divergência jurisprudencial sobre o tratamento favorecido para microempresas e empresas de pequeno porte, sugerindo o encaminhamento da questão ao DECOR/CGU. Independentemente da resolução desta divergência, o processo pode prosseguir, pois o valor estimado da renda anual ultrapassa os R$ 80.000,00.
Desse modo, a divergência é sobre a exigência da licitação exclusiva para ME e EPP para a cessão onerosa de bem público com serviço de apoio, conforme a NOTA n. 00099/2024/DECOR/CGU/AGU (seq. 1):
O ponto controvertido consiste em saber qual o critério deve ser utilizado para definir a incidência de tratamento favorecido às microempresas e às empresas de pequeno porte, nas licitações para cessão de uso, a título oneroso, de imóvel da União para a exploração de atividade de apoio, especialmente os serviços de restaurante e lanchonete.
Esse é o quadro.
É necessário fixar o objeto do contrato de cessão onerosa de bem público com serviço de apoio.
As partes, ao consentirem e formarem a relação contratual, o fazem sobre um determinado programa, que, no momento da formação do contrato, foi idealizado.
O objeto contratual é o que se pretende obter ou realizar, a finalidade ou objetivo de um contrato.
O objeto do contrato é o elemento central que define as obrigações e deveres das partes envolvidas. Em termos simples, é o que está sendo acordado ou negociado entre as partes. Pode ser um bem, um serviço, uma ação ou qualquer coisa que as partes concordem em trocar ou cumprir. O objeto deve ser lícito, possível e determinado ou determinável para que o contrato seja considerado válido.
Silvio de Salvo Venosa preleciona que, no sentido de objeto imediato ou conteúdo, se está no campo de “constituição, modificação ou extinção” de relações jurídicas e no sentido do objeto mediato o objeto propriamente dito, tem-se a própria coisa ou o próprio interesse sobre os quais recai o negócio. (VENOSA, Silvio de Salvo. Direito civil: teoria geral: introdução ao direito romano. São Paulo: Atlas, 2006, p. 273).
A prestação principal "são os direitos e deveres (créditos e débitos) que constituem o elemento central dessa relação. Além da centralidade que assume, a prestação principal é relevante para a determinação do tipo ao qual a relação contratual remete" (Martins, Raphael Manhães. Análise Paradigmática do Direito das Obrigações: Boa-fé, Deveres Laterais e Violações Positivas do Contrato. In: Revista da EMERJ, v. 11, nº 44, 2008, p. 225).
A prestação principal dirige-se a proporcionar ao credor um determinado benefício (seja um fazer, um não fazer ou um dar) e consubstancia-se em um direito do credor e obrigação do devedor. O seu cumprimento, na maioria dos casos, extinguirá a relação obrigacional, eis que esta atingiu o seu fim (Martins, Raphael Manhães. Análise Paradigmática do Direito das Obrigações: Boa-fé, Deveres Laterais e Violações Positivas do Contrato. In: Revista da EMERJ, v. 11, nº 44, 2008, p. 225).
No âmbito dos contratos administrativos, o objeto do contrato é a descrição detalhada do que será fornecido, realizado ou executado pela parte contratada para a Administração Pública.
O dever de planejamento fica claro na nova lei ao prever o dever de boa governança à alta administração pública, que deve promover um ambiente íntegro e confiável, e assegurando o alinhamento das contratações ao planejamento estratégico do órgão ou entidade (art. 11, parágrafo único).
Nas contratações públicas, uma das piores patologias é o planejamento deficiente, que não identifica bem qual é a necessidade a ser atendida, não descreve adequadamente a solução que vai ser cumprida pelo contratado, com falhas de levantamento de quantitativos e especificações insuficientes do objeto, demandando, nesses casos, a necessidade de aditivos contratuais para corrigir a execução do contrato, causando prejuízos de toda ordem para o atingimento do interesse público.
A solução (objeto) se expressa na ideia de um encargo que alguém deverá cumprir como condição para que a necessidade possa ser satisfeita (MENDES, Renato Geraldo. O Processo de Contratação Pública – Fases, etapas e atos. Curitiba: Zênite, 2012, p. 49.).
A definição do encargo e do seu núcleo, o objeto, é uma das providências mais importantes no processo de contratação. Em torno dela gravitarão quase todas as demais exigências fixadas na fase do planejamento. Errar na definição da solução (e na descrição do objeto) é praticar uma espécie de equívoco imperdoável em matéria de contratação. Qualquer equívoco na descrição do objeto é capaz de impedir que se atenda plenamente à necessidade da Administração e implicará, potencialmente, o desfazimento da contratação, pois atender a tal necessidade é o seu propósito (MENDES, Renato Geraldo. O Processo de Contratação Pública – Fases, etapas e atos. Curitiba: Zênite, 2012, p. 49-50).
O objeto do contrato administrativo deve estar vinculado às finalidades públicas e ao interesse coletivo, sendo vedada a celebração de contratos cujo objeto seja estranho ou conflitante com os objetivos da Administração Pública.
A identificação da necessidade pública é a primeira providência a ser adotada pela Administração. Em primeiro lugar, ela precisa entender o que precisa para, depois, formatar uma solução capaz de satisfazê-la, na fase de planejamento da contratação.
Segundo o art. 18, caput, da Lei 14.133, de 2021 - Lei de Licitações e Contratos -, a fase preparatória da contratação é caracterizada pelo planejamento e deve se compatibilizar com o plano de contratações anual, com as leis orçamentárias, bem como abordar todas as considerações técnicas, mercadológicas e de gestão que podem interferir na contratação. E isso compreende “a descrição da necessidade da contratação fundamentada em estudo técnico preliminar que caracterize o interesse público envolvido” (art. 18, I).
O art. 18 da Lei de Licitações inclui, na fase preparatória da contratação, “a definição do objeto para o atendimento da necessidade, por meio de termo de referência, anteprojeto, projeto básico ou projeto executivo, conforme o caso” (art. 18, II, da Lei 14.133/2021). Assim, a solução que irá satisfazer a necessidade pública.
Desse modo, é a necessidade da Administração que irá definir qual será o objeto da contratação.
Nos contratos administrativos, há uma distinção fundamental entre contratos de despesa e contratos de receita, e essa diferença se refere à natureza das obrigações assumidas pelas partes envolvidas no contrato.
Os contratos de despesa são aqueles em que a Administração Pública assume a obrigação de pagar um valor em troca de bens ou serviços. Esses contratos envolvem a utilização de recursos públicos e tem por objetivo a aquisição de bens ou a contratação de serviços e obras que atendam ao interesse público.
São os contratos para a compra de materiais, contratação de serviços de transporte, execução de obras, dentre outros.
Implicam, assim, em uma saída de recursos financeiros da Administração Pública, ou seja, a Administração Pública gasta recursos para cumprir suas obrigações.
Por outro lado, os contratos de receita são aqueles em que a Administração Pública busca arrecadar recursos financeiros. Esses contratos geralmente envolvem a exploração de atividades que geram receita para o Estado, e objetivam a percepção de receitas pela Administração Pública, que pode ser obtida através de serviços prestados, concessões, permissões ou arrendamentos.
Os exemplos mais corriqueiros são os contratos de concessão de serviços públicos, permissão de uso e cessão onerosa de bens públicos, contratos de arrendamento que gerem receita.
Desse modo, a principal diferença entre os contratos de despesa e os contratos de receita é a direção do fluxo financeiro: os contratos de despesa envolvem pagamentos e despesas por parte da Administração Pública, enquanto os contratos de receita envolvem a arrecadação de recursos pelo governo. Essa distinção é importante para a gestão e controle das finanças públicas.
O contrato de cessão onerosa de bem público federal é utilizado pela Administração Pública para transferir a utilização de um bem público federal a um particular, mediante o pagamento de uma contraprestação financeira.
Diferente da cessão gratuita, a cessão onerosa envolve uma contrapartida econômica, com o dever do cessionário pagar uma quantia ao ente federativo pela utilização do bem.
Na esfera federal, o tema é tratado pela Lei nº 9.636, de 1998, regulamentada pelo Decreto nº 3.725, de 2001.
O art. 20 da Lei nº 9.636, de 1998 autoriza a cessão de uso de áreas para exercício de atividade de apoio, definidas em regulamento, necessárias ao desempenho da atividade administrativa. O Decreto nº 3.725, de 2001 enumera as atividades consideradas de apoio à Administração, autorizando, no art. 12, inciso VI, que os Ministros de Estado estabeleçam outras:
Lei nº 9.636, de 1998:
Art. 20. Não será considerada utilização em fim diferente do previsto no termo de entrega, a que se refere o § 2o do art. 79 do Decreto-Lei no 9.760, de 1946, a cessão de uso a terceiros, a título gratuito ou oneroso, de áreas para exercício de atividade de apoio, definidas em regulamento, necessárias ao desempenho da atividade do órgão a que o imóvel foi entregue.
Parágrafo único. A cessão de que trata este artigo será formalizada pelo chefe da repartição, estabelecimento ou serviço público federal a que tenha sido entregue o imóvel, desde que aprovada sua realização pelo Secretário-Geral da Presidência da República, respectivos Ministros de Estado ou autoridades com competência equivalente nos Poderes Legislativo ou Judiciário, conforme for o caso, e tenham sido observadas as condições previstas no regulamento e os procedimentos licitatórios previstos em lei. (g.n.)
Decreto nº 3.725, de 2001:
Art. 12. Não será considerada utilização em fim diferente do previsto no termo de entrega, a que se refere o §2º do art. 79 do Decreto-Lei nº 9.760, de 1946, a cessão de uso a terceiros, a título gratuito ou oneroso, de áreas para exercício das seguintes atividades de apoio necessárias ao desempenho da atividade do órgão a que o imóvel foi entregue:
I - posto bancário;
II - posto dos correios e telégrafos;
III - restaurante e lanchonete;
IV - central de atendimento a saúde;
V - creche; e
VI - outras atividades similares que venham a ser consideradas necessárias pelos Ministros de Estado, ou autoridades com competência equivalente nos Poderes Legislativo e Judiciário, responsáveis pela administração do imóvel.
Parágrafo único. As atividades previstas neste artigo destinar-se-ão ao atendimento das necessidades do órgão cedente e de seus servidores. (g.n.)
A Instrução Normativa SPU/ME Nº 67, de 20 de setembro de 2022, estabelece as diretrizes de avaliação dos imóveis da União, e exige a elaboração de laudo de avaliação do imóvel da União para fins de cessão de uso onerosa. Vejamos:
Art. 5º A avaliação de imóveis da União e de seu interesse, bem como a definição de parâmetros técnicos para cobrança pela utilização desses bens será realizada para fins de:
(...)
VI - cessão gratuita ou onerosa;
(...)
Art. 14. O valor de mercado será determinado por meio de laudo de avaliação, o qual deverá atender às prescrições contidas na NBR 14.653 e suas partes e NBR 12.721.
(...)
Art. 20. O laudo de avaliação será exigido para as seguintes finalidades:
(...)
III - locação e arrendamento de imóveis nas condições previstas;
Percebe-se que, mesmo havendo a prestação do serviço, tal fato não altera a natureza da cessão onerosa de bem público, permanecendo um contrato de receita.
A definição da modalidade licitatória e do critério de julgamento tem especial relevância neste procedimento, em razão da Orientação Normativa CNU/CGU nº 01/2016 que estabeleceu paradigma relacionado ao objeto da licitação visando cessão de uso para atividade de apoio. Vejamos:
ORIENTAÇÃO NORMATIVA CNU/CGU nº 01, de 22/06/2016
Na cessão de uso de imóvel administrado pela União, para fins de prestação de serviços comuns em favor de servidores públicos e administrados, é obrigatória a modalidade licitatória pregão, preferencialmente eletrônico, tendo em vista que estes são o verdadeiro objeto contratual. Caso constatada a inviabilidade da forma eletrônica, deverá ser utilizada, excepcionalmente, a forma presencial, desde que por ato fundamentado em justificativas concretas e detalhadas.
O Parecer Plenário nº 01/2016/CNU, da Câmara Nacional de Uniformização de Entendimentos Consultivos (CNU), que deu base à ORIENTAÇÃO NORMATIVA CNU/CGU nº 01, de 22/06/2016, analisou a modalidade de licitação adequada para a cessão de uso de imóveis da União para a prestação de serviços de apoio a servidores e administrados. E concluiu que, para serviços comuns, o pregão (preferencialmente eletrônico) é obrigatório.
O Parecer Plenário nº 01/2016/CNU e a orientação normativa 1 foram aprovados pelo Consultor - Geral da União e pelo Advogado - Geral da União.
A partir do entendimento da ON nº 01/2016, da Câmara Nacional de Uniformização, produziu-se uma mudança paradigmática no próprio objeto da cessão de uso relacionada às atividades de apoio à Administração. A cessão da área passou a ser considerada elemento acessório. O serviço de apoio é o objeto principal, fundamento da licitação realizada para suprir as necessidades dos servidores e administrados. Neste sentido, vejamos o que diz a Ementa do Parecer - Plenário nº 01/2016, que fundamentou a ON CNU/CGU nº 01/2016:
Parecer - Plenário nº 01/2016/CNU - Decor - CGU/AGU
(...)
2. A prestação de serviços de apoio, de natureza comum, constitui o verdadeiro objeto contratual, ao passo que a cessão é apenas elemento, acessório e necessário, por intermédio do qual será alcançada a consecução do objeto principal, que é a prestação de serviços que supram as necessidades dos servidores e administrados.
Conforme destacado no PARECER n. 2562/2024/ADV-SUMÁRIO/E-CJU/SSEM/CGU/AGU (seq. 4), anteriormente à edição da ON em epígrafe, o entendimento predominante era de que o objeto do procedimento corresponderia tão somente a cessão da área (m²), o que afastava o Pregão, por não se tratar de compra ou serviço, de modo que a Administração realizava convites ou tomada de preços (modalidades convencionais), em que o critério de julgamento era sempre o maior valor mensal pago para a Administração pela cessão de uso da área (também denominado "maior preço", "maior lance", "maior oferta" ou "melhor proposta").
Ainda conforme o PARECER n. 2562/2024/ADV-SUMÁRIO/E-CJU/SSEM/CGU/AGU (seq. 4), sendo o serviço inerente à atividade de apoio o objeto principal da licitação, desde que se trate de serviço comum, é obrigatória a adoção da modalidade Pregão, preferencialmente em sua forma eletrônica (Art. 6º, XLI c/c Art. 29 e Art. 17, §2º da Lei 14.133, de 2021), nos seguintes termos:
8. Nos contratos da espécie, o objeto primordial não é o valor a ser ressarcido pela contratada por conta do uso do espaço físico (cessão de uso onerosa), mas sim a própria execução dos serviços de restaurante e lanchonete (ou seja, o valor a ser cobrado pela contratada pelo fornecimento de comidas e bebidas).
9. Em regra, o valor a ser ressarcido pela contratada à Administração já é fixado pelo edital e vale para todas as licitantes. Esse ressarcimento visa a cobrir os custos de uso de espaço físico, energia elétrica, água etc. Tal valor, portanto, não é objeto de competição entre os participantes da licitação. O que é objeto de efetiva competição, na verdade, é o valor dos itens (alimentação e bebida) que serão prestados pela contratada aos usuários e consumidores.
Com a devida vênia, o que define o objeto contratual é a necessidade da Administração. No contrato de cessão onerosa, o objeto principal sempre será a aferição de receita pelo uso exclusivo do particular do bem público, mesmo que venha ser a prestado um serviço de apoio, que é a atividade econômica do particular, e não influencia no contrato com a Administração.
A relação jurídica entre a Administração e o cessionário é relativa ao uso do bem e à sua remuneração. A prestação de um serviço pelo cessionário é um elemento secundário e acidental que não transfigura o contrato de cessão em um contrato de prestação de serviços.
Por isso, as premissas que basearam o Parecer - Plenário nº 01/2016/CNU - Decor-CGU/AGU devem ser revisitadas, uma vez que, no contrato de receita, o principal interesse da Administração é a remuneração pelo uso do bem, e não a prestação de serviço, que transformaria o contrato em contrato de despesa, que não é o caso.
A situação inclusive gera perplexidade, na medida em que, se na cessão onerosa com serviço de apoio a principal obrigação for o serviço, deveria haver a fiscalização por parte da Administração da execução do serviço e dos direitos trabalhistas e previdenciários dos trabalhadores, uma vez que nos contratos com dedicação exclusiva de mão de obra, é exigida da Administração a preocupação com a gestão e fiscalização das obrigações trabalhistas e previdenciárias dos empregados da empresa terceirizada, conforme determina o § 2º do art. 121 da Lei n. 14.133, de 2021.
As obrigações trabalhistas abrangem parcelas pagas diretamente ao empregado, tais como salário, horas extras, 13º salário, férias, insalubridade e periculosidade. Forma-se a responsabilidade subsidiária da Administração pelas obrigações trabalhistas. Deve-se estabelecer fiscalização periódica, no mínimo, por amostragem, do cumprimento dessas obrigações.
Quanto aos encargos previdenciários, ensejadores de responsabilidade solidária, a fiscalização contratual deve observá-los no momento do pagamento das faturas. Nos casos de cessão de mão de obra, isto é, de disponibilização ao contratante, em suas dependências ou de terceiros, de segurados que realizam trabalho contínuo, o art. 31 da Lei nº 8.212, de 1991, define que o contratante deverá reter 11% do valor bruto da nota fiscal ou fatura e recolher a importância aos cofres da Previdência Social, nos termos do item 10.2 do Anexo VIII-B da Instrução Normativa SEGES n° 05, de 26 de maio de 2017.
Nada disso ocorre no contrato de cessão de uso de bens.
Desse modo, a cessão onerosa é um contrato de receita, independentemente da prestação de serviço de apoio.
Esse ponto é relevante para a aplicação do tratamento diferenciado para as microempresas e as empresas de pequeno porte.
Um dos objetivos da República Federativa do Brasil, de acordo com a Constituição do Brasil, é “garantir o desenvolvimento nacional” (artigo 3º, II). Para isso, a Constituição do Brasil estabelece que os entes federativos devem oferecer às microempresas (ME) e empresas de pequeno porte (EPP), como definido em lei, um “tratamento jurídico diferenciado” (artigo 179). Essa determinação tem o objetivo de “incentivá-las pela simplificação de suas obrigações administrativas, tributárias, previdenciárias e creditícias, ou pela eliminação ou redução dessas”. As regras que definem esse tratamento diferenciado, incluindo vantagens tributárias, cumprimento de obrigações trabalhistas e acesso ao mercado, estão estabelecidas na Lei Complementar nº 123, de 14 de dezembro de 2006.
O tratamento diferenciado para microempresas (ME) e empresas de pequeno porte (EPP) em contratos administrativos está fundamentado na Lei Complementar nº 123, de 2006, que estabelece o Estatuto Nacional da Microempresa e da Empresa de Pequeno Porte. O objetivo da lei é promover o desenvolvimento econômico e social, ampliar a eficiência das políticas públicas e incentivar a inovação tecnológica.
O art. 48, I, da Lei Complementar nº 123, de 2006, dispõe que a administração pública poderá realizar processo licitatório destinado exclusivamente à participação de microempresas e empresas de pequeno porte nas contratações cujo valor seja de até R$ 80.000,00 (oitenta mil reais).
O art. 6º do Decreto nº 8.538, de 6 de outubro de 2015, que regulamenta o tratamento favorecido, diferenciado e simplificado em favor dessas empresas, nas contratações públicas de bens, serviços e obras, no âmbito da Administração Pública federal, estabeleceu que os órgãos e entidades contratantes deverão realizar processo licitatório destinado exclusivamente à participação de microempresas e empresas de pequeno porte nas contratações cujo valor seja de até R$ 80.000,00.
As normas que facilitam o acesso das ME e EPPs ao mercado e lhes dão vantagens em licitações são vistas pelo legislador como uma forma de incentivo, com base no artigo 179 da CR88. Sem essa determinação, todos os benefícios em licitações para ME e EPPs seriam proibidos, o que violaria o princípio da isonomia concorrencial, que é também constitucional e justifica a realização das licitações.
A Constituição do Brasil, por meio do artigo 179, exige que o poder público incentive as ME e EPPs com um tratamento diferenciado, oferecendo benefícios em licitações para ajudar no crescimento dessas empresas no Brasil e atingir os objetivos de desenvolvimento nacional. Por isso, a LC 123 definiu quais empresas podem se beneficiar, levando em conta seu faturamento no momento da licitação, já que o direito ao benefício é baseado no faturamento do último exercício e não em despesas futuras.
O cerne do art. 179 da Constituição do Brasil é que as ME e EPPs tenham direito ao tratamento jurídico diferenciado quando disputarem por contratos que, no futuro, lhe garantam receita que lhe gerem crescimento e sobrevivência no mercado.
É importante ressaltar que a Administração Pública possui o direito de não aplicar as regras do tratamento jurídico diferenciado nas licitações voltadas para Microempresas (ME) e Empresas de Pequeno Porte (EPP) quando isso não for vantajoso ou representar prejuízo para o conjunto ou complexo do objeto a ser contratado. Essa possibilidade está prevista no artigo 49, inciso III, da Lei Complementar 123.
Com base nessas premissas, as preferências nas licitações para microempresas e empresas de pequeno porte previstas na Lei Complementar 123, de 2006, não se aplicam a contratos que gerem receitas para o Estado. A Lei Complementar 123, de 2006, estabelece um tratamento diferenciado e favorecido para microempresas (MEs) e empresas de pequeno porte (EPPs) em licitações que têm como objetivo a contratação de bens e serviços cuja execução envolve despesas para a Administração Pública.
Os incentivos e preferências da Lei Complementar 123, de 2006, são aplicáveis a contratos onde a Administração Pública é a contratante e assume a obrigação de pagar, como na aquisição de bens ou aplicações de serviços. No caso de contratos que geram receitas, como a cessão onerosa de bens públicos, a dinâmica é diferente, pois a Administração pública está recebendo recursos, e não realizando um gasto.
Portanto, a Lei Complementar nº 123, de 2006, não concede tratamento diferenciado para microempresas e empresas de pequeno porte nas licitações voltadas a contratos que visam gerar receitas para o Estado. A concessão desse tratamento está restrita a contratos que implicam em despesas pela Administração Pública.
Face ao exposto, opino no seguinte sentido:
a) a cessão onerosa de bem público é um contrato de receita, em que a principal obrigação é a utilização do bem público;
b) o serviço de apoio é uma atividade secundária em relação à cessão de bem público;
c) a lei complementar nº 123, de 2006, não garante tratamento diferenciado para microempresas e empresas de pequeno porte nas licitações voltadas a contratos que visam gerar receitas para a Administração Pública, não sendo, pois, aplicável à cessão onerosa de bem público;
d) resta prejudicada qualquer análise a respeito do critério que deve ser utilizado para definir a incidência de tratamento favorecido às microempresas e às empresas de pequeno porte nas cessões onerosas;
e) Recomenda-se a revisão da Orientação Normativa CNU/CGU nº 01, de 22/06/2016.
É o parecer, que ora é submetido à deliberação dos membros da colenda Câmara Nacional de Licitações e Contratos Administrativos, com sugestão de, em caso de aprovação, ser encaminhado à consideração da Senhora Diretora do Departamento de Coordenação e Orientação de Órgãos Jurídicos da Consultoria - Geral da União, em prosseguimento.
Brasília, 18 de dezembro de 2024.
Diego da Fonseca Hermes Ornellas de Gusmão
Procurador Federal
Relator
Ana Lídia Vasconcelos
Procuradora da Fazenda Nacional
Camila Lorena Lordelo Santana Medrado
Advogada da União
Fabrício Lopes Oliveira
Procurador federal
Fernando Ferreira Baltar Neto
Advogado da União
Flávio Garcia Cabral
Procurador da Fazenda Nacional
Liana Antero de Melo
Advogada da União
Lucas Hayne Dantas Barreto
Procurador Federal
Michelle Marry Marques da Silva
Advogada da União
Coordenadora da CNLCA
Rafael Schaefer Comparin
Advogado da União
Rafael Sérgio Lima de Oliveira
Procurador Federal
Tais Teodoro Rodrigues
Advogada da União
Thyago de Pieri Bertoldi
Advogado da União
Atenção, a consulta ao processo eletrônico está disponível em https://supersapiens.agu.gov.br mediante o fornecimento do Número Único de Protocolo (NUP) 00688002164202475 e da chave de acesso 3d21d226