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INFORMAÇÃO JURÍDICA REFERENCIAL n. 00002/2025/CONJUR-MEC/CGU/AGU

 

NUP: 23000.029858/2022-75

INTERESSADOS: DIRETOR DE POLÍTICAS E PROGRAMAS DE EDUCAÇÃO SUPERIOR - CGPES/DIPPES/SESU-MEC

ASSUNTOS: CONTRATO DE FINANCIAMENTO ESTUDANTIL - FIES (LEI Nº 10.260, DE 12/07/2001) E OUTROS

 

EMENTA:
I - Informação Jurídica Referencial – IJR. Atualização das informações prestadas por meio da Nota Técnica nº 19/2023/CGPES/DIPPES/SESU/SESU. Ações judiciais em que se requer a contratação do financiamento estudantil com recursos do Fundo de Financiamento Estudantil –​ Fies, com pretensão de que sejam afastadas as regras de classificação e pré-seleção definidas pelo Ministério da Educação, amparadas no art. 3º, § 1º, I, da Lei nº 10.260, de 12 de julho de 2001. Orientação Normativa AGU nº 55, de 23 de maio de 2014, Portaria Normativa CGU/AGU nº 05, de 31 de março de 2022, e Portaria CONJUR/MEC nº 01/2021;
II - IJR destinada a todos os órgãos de execução da Procuradoria-Geral da União – PGU. Dispensa de análise individualizada pela CONJUR/MEC para casos idênticos e recorrentes;
III - Processo administrativo nº 23000.029858/2022-75. Nota Técnica nº 469/2022/CGPES/DIPPES/SESU/SESU. Nota Técnica nº 9/2025/CGPES/DIPPES/SESU/SESu. Fundo de Financiamento Estudantil – Fies. Lei nº 10.260, de 12 de julho de 2001, alterada pela Lei nº 13.530, de 7 de dezembro de 2017. Inscrição e classificação nos processos seletivos;
IV - Normativos relacionados ao tema: inciso V do art. 208 da Constituição Federal. Inciso I do § 1º do art. 3º da Lei nº 10.260, de 2001. Arts. 37 e 38 da Portaria MEC nº 209, de 7 de março de 2018. Decisão do STF na Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental – ADPF nº 341/DF. Acórdão nº 3001/2016-TCU-Plenário, de 23 de novembro de 2016, do Tribunal de Contas da União – TCU. Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas n. 72 - TRF1; e
V - Validade: 2 anos, a partir de sua aprovação. 

 

Senhor Consultor Jurídico,

 

INTRODUÇÃO

 

​Trata-se da elaboração de Informação Jurídica Referencial – IJR a respeito dos pedidos de subsídios, de fato e de direito, solicitados pelas Procuradorias Regionais da União para defesa da União em ações judiciais em que se requer a contratação do financiamento estudantil com recursos do Fundo de Financiamento Estudantil –​ Fies, com pretensão de que sejam afastadas as regras de classificação e pré-seleção definidas pelo Ministério da Educação – MEC, amparadas no art. 3º, § 1º, I, da Lei nº 10.260, de 12 de julho de 2001.

 

A presente manifestação tem por fim, portanto, dispensar a análise individualizada desta Consultoria Jurídica acerca das questões jurídicas que envolvam matérias idênticas e recorrentes sobre o tema, nos termos do que autoriza a Orientação Normativa nº 55, de 23 de maio de 2014, do Advogado-Geral da União, a Portaria Normativa CGU/AGU nº 05, de 31 de março de 2022, e a Portaria CONJUR/MEC nº 01, de 2021.

 

Observou-se, nos últimos anos, um exponencial crescimento das ações que objetivam a contratação de financiamento estudantil com recursos do Fies, com pretensão de que sejam afastadas as regras de classificação e pré-seleção definidas pelo MEC. A título de registro informa-se que, durante os meses de janeiro e fevereiro de 2023, foram recebidos no âmbito da Consultoria Jurídica mais de 600 (seiscentos) pedidos de subsídios da mesma matéria, o que viabilizou a elaboração da INFORMAÇÃO JURÍDICA REFERENCIAL n. 00001/2023/CONJUR-MEC/CGU/AGU, objeto da presente atualização fática e jurídica.

 

Além disso, imperioso destacar que recentemente houve uma explosão de processos e decisões favoráveis aos pleiteantes, sem uma análise aprofundada das consequência geradas pelo afastamento das regras do Fies, nomeadamente os prejuízos orçamentários à sustentabilidade do programa, prejuízos a terceiros e às instituições de ensino superior etc., ocasionando sérios problemas quanto à segurança jurídica da política em si e dos processos seletivos do Fies, visto que a participação dos estudantes interessados nos referidos processos seletivos fica comprometida em razão de muitos outros estarem a obter o financiamento estudantil por meio judicial, ao arrepio das regras legais e constitucionais. 

 

Ante este cenário, revela-se a importância da presente Informação Jurídica Referencial, a qual expõe detalhadamente os argumentos fáticos e jurídicos que demonstram a legalidade/legitimidade do regramento jurídico aplicável à referida política pública, oferecendo indispensáveis subsídios para a atuação dos órgãos de execução da Procuradoria-Geral da União – PGU.

 

Imperioso consignar, por fim, que o presente processo administrativo está instruído, em síntese, com a Nota Técnica nº 469/2022/CGPES/DIPPES/SESU/SESU, de 18 de outubro de 2022, com os subsídios técnicos iniciais elaborados sobre a matéria, e com a Nota Técnica nº 9/2025/CGPES/DIPPES/SESU/SESu, de 20 de janeiro de 2025, contendo a atualização dos subsídios técnicos que têm por referência o número de demandas já analisadas pela área técnica, reforçando o caráter de identidade das demandas, bem como o impacto direto na atuação daquela área e deste órgão consultivo.

 

REQUISITOS DA MANIFESTAÇÃO JURÍDICA REFERENCIAL 

 

A Orientação Normativa AGU nº 55, de 23 de maio de 2014, prevê a possibilidade de elaboração de manifestação jurídica referencial para questões jurídicas envolvendo matérias idênticas e recorrentes, de forma que, nos pedidos subsequentes de subsídios, ateste-se que o caso se amolda ao parecer referencial, não havendo necessidade de manifestação individualizada. Vejamos o seu teor:

 

ORIENTAÇÃO NORMATIVA Nº 55, DE 23 DE MAIO DE 2014. 
O ADVOGADO-GERAL DA UNIÃO, no uso das atribuições que lhe conferem os incisos I, X, XI e XIII, do art. 4º da Lei Complementar nº 73, de 10 de fevereiro de 1993, considerando o que consta do Processo nº 56377.000011/2009-12, resolve expedir a presente orientação normativa a todos os órgãos jurídicos enumerados nos arts. 2º e 17 da Lei Complementar nº 73, de 1993:
I - Os processos que sejam objeto de manifestação jurídica referencial, isto é, aquela que analisa todas as questões jurídicas que envolvam matérias idênticas e recorrentes, estão dispensados de análise individualizada pelos órgãos consultivos, desde que a área técnica ateste, de forma expressa, que o caso concreto se amolda aos termos da citada manifestação.
II - Para a elaboração de manifestação jurídica referencial devem ser observados os seguintes requisitos:
a) o volume de processos em matérias idênticas e recorrentes impactar, justificadamente, a atuação do órgão consultivo ou a celeridade dos serviços administrativos; e
b) a atividade jurídica exercida se restringir à verificação do atendimento das exigências legais a partir da simples conferência de documentos.
Referência: Parecer nº 004/ASMG/CGU/AGU/2014
LUÍS INÁCIO LUCENA ADAMS 

 

No âmbito da Consultoria-Geral da União, foi publicada a PORTARIA NORMATIVA CGU/AGU Nº 05, de 31 de março de 2022, com intuito de disciplinar a utilização da Manifestação Jurídica Referencial (MJR) e instituir a Informação Jurídica Referencial (IJR).

 

Em síntese, a manifestação jurídica referencial consiste em parecer jurídico genérico, vocacionado a balizar todos os casos concretos, cujos contornos se amoldem ao formato do caso abstratamente analisado. 

 

Trata-se, portanto, de ato enunciativo perfeitamente afinado com o princípio da eficiência (art. 37, caput, da Constituição Federal), que, seguramente, viabilizará o adequado enfrentamento de questões que, pela intensa repetição de casos, terminavam por tumultuar o fluxo de trabalho desta Consultoria Jurídica, dificultando a dedicação de tempo às questões jurídicas de alta reflexão. 

 

Tal medida já havia sido expressamente recomendada pelo Manual de Boas Práticas Consultivas da AGU, consoante se infere da leitura do Enunciado nº 33, abaixo transcrito:

 

Como o Órgão Consultivo desempenha importante função de estímulo à padronização e à orientação geral em assuntos que suscitam dúvidas jurídicas, recomenda-se que a respeito elabore minutas-padrão de documentos administrativos e pareceres com orientações in abstrato, realizando capacitação com gestores, a fim de evitar proliferação de manifestações repetitivas ou lançadas em situações de baixa complexidade jurídica. (Enunciado nº 33, do Manual de Boas Práticas da Advocacia-Geral da União). 

 

Ressalte-se que a iniciativa foi analisada e aprovada pelo Tribunal de Contas da União – TCU, conforme notícia divulgada no Informativo TCU nº 218, de 2014:

 

Informativo TCU nº 218/2014. É possível a utilização, pelos órgãos e entidades da Administração Pública Federal, de um mesmo parecer jurídico em procedimentos licitatórios diversos, desde que envolva matéria comprovadamente idêntica e seja completo, amplo e abranja todas as questões jurídicas pertinentes. Embargos de Declaração opostos pela Advocacia-Geral da União (AGU), em face de determinação expedida pelo TCU à Comissão Municipal de Licitação de Manaus e à Secretaria Municipal de Educação de Manaus, alegara obscuridade na parte dispositiva da decisão e dúvida razoável quanto à interpretação a ser dada à determinação expedida. Em preliminar, após reconhecer a legitimidade da AGU para atuar nos autos, anotou o relator que o dispositivo questionado “envolve a necessidade de observância do entendimento jurisprudencial do TCU acerca da emissão de pareceres jurídicos para aprovação de editais licitatórios, aspecto que teria gerado dúvidas no âmbito da advocacia pública federal”. Segundo o relator, o cerne da questão “diz respeito à adequabilidade e à legalidade do conteúdo veiculado na Orientação Normativa AGU nº 55, de 2014, que autoriza a emissão de ‘manifestação jurídica referencial’, a qual, diante do comando (...) poderia não ser admitida”. Nesse campo, relembrou o relator que a orientação do TCU “tem sido no sentido da impossibilidade de os referidos pareceres serem incompletos, com conteúdos genéricos, sem evidenciação da análise integral dos aspectos legais pertinentes”, posição evidenciada na Proposta de Deliberação que fundamentou a decisão recorrida. Nada obstante, e “a despeito de não pairar obscuridade sobre o acórdão ora embargado”, sugeriu o relator fosse a AGU esclarecida de que esse entendimento do Tribunal não impede que o mesmo parecer jurídico seja utilizado em procedimentos licitatórios diversos, desde que trate da mesma matéria e aborde todas as questões jurídicas pertinentes. Nesses termos, acolheu o Plenário a proposta do relator, negando provimento aos embargos e informando à AGU que “o entendimento do TCU quanto à emissão de pareceres jurídicos sobre as minutas de editais licitatórios e de outros documentos, nos termos do art. 38, parágrafo único, da Lei nº 8.666, de 1993, referenciado nos Acórdãos 748, de 2011, e 1.944, de 2014, ambos prolatados pelo Plenário, não impede a utilização, pelos órgãos e entidades da administração pública federal, de um mesmo parecer jurídico em procedimentos licitatórios diversos, desde que envolva matéria comprovadamente idêntica e que seja completo, amplo e abranja todas as questões jurídicas pertinentes, cumprindo as exigências indicadas na Orientação Normativa AGU nº 55,de 2014, esclarecendo, ainda, de que a presente informação é prestada diante da estrita análise do caso concreto apreciado nestes autos, não se constituindo na efetiva apreciação da regularidade da aludida orientação normativa, em si mesma”. Acórdão 2674, de 2014, Plenário, TC 004.757/2014-9, relator Ministro Substituto André Luís de Carvalho, 8 de outubro de 2014. 

 

Diz o artigo 8º da Portaria CGU/AGU nº 05/2022 que a "Informação Jurídica Referencial é a manifestação jurídica produzida para padronizar a prestação de subsídios para a defesa da União ou de autoridade pública"

 

Pelo art. 8º, §1º, a IJR busca otimizar a tramitação dos pedidos e a prestação de subsídios no âmbito das Consultorias a partir da fixação de tese jurídica que possa ser utilizada uniformemente pelos órgãos de execução da Procuradoria-Geral da União.

 

Já o §2º do mesmo dispositivo estabelece que "é requisito para a elaboração da IJR a efetiva ou potencial existência de pedido de subsídios de matéria idêntica e recorrente, que possa justificadamente impactar a atuação do órgão consultivo ou a celeridade dos serviços administrativos (grifo nosso)".

 

Do acima exposto, pode-se concluir que a manifestação jurídica referencial uniformiza a atuação do órgão jurídico relativamente às consultas repetitivas, assim como sua adoção torna desnecessária a análise individualizada de processos que versem sobre matéria que já tenha sido objeto de análise em abstrato, sendo certo que as orientações jurídicas veiculadas através do parecer referencial aplicar-se-ão a todo e qualquer processo com idêntica matéria.

 

O art. 9º estabelece as informações que a IJR deve conter:

 

Art. 9º A IJR deverá conter as seguintes informações:
I - em sede de ementa: informação de que se trata de IJR com a inserção do número do processo administrativo que lhe deu origem, órgão ou setor a que se destina e prazo de validade;
II - em sede de preliminar: demonstração de que o elevado volume de processos que tratam de matéria idêntica possa prejudicar a celeridade das atividades desenvolvidas pelo órgão consultivo ou pelo órgão assessorado;
III - em sede de conclusão:
a) o prazo de validade com informação sobre data de exaurimento ou evento a partir do qual não produzirá mais efeitos;
b) encaminhamento do processo à Procuradoria-Geral da União e a seu órgão de execução que solicitou os subsídios, com registro de que se trata de IJR; e
c) encaminhamento do processo ao Departamento de Informações Jurídico-Estratégicas.

 

Diz o art. 11º, caput, que "a IJR não poderá ter prazo de validade inicial maior que dois anos, sendo admitida justificadamente a renovação".

 

A renovação da IJR se dá por despacho do titular da unidade consultiva demonstrando a permanência das condições que justificaram sua expedição, devendo ainda conter o novo prazo de validade (§§ 2º e 3º do art. 11).

 

Já o §4º do art. 11 do mesmo normativo prescreve que "caso não subsistam os motivos de fato e de direito, a unidade consultiva deverá promover a revogação da IJR e comunicar ao Departamento de Informações Jurídico-Estratégicas e à Procuradoria-Geral da União".

 

Como visto, são requisitos para a elaboração da IJR, a existência de pedidos de subsídios de matéria idêntica e recorrente.

 

Sem embargo, nos termos da Orientação Normativa AGU nº 55, de 2014, a elaboração de manifestação jurídica referencial depende da confluência de dois requisitos objetivos, a saber: i) a ocorrência de embaraço à atividade consultiva em razão da tramitação de elevado número de processos administrativos versando sobre matéria repetitiva e ii) a singeleza da atividade desempenhada pelo órgão jurídico, que se restringe a verificar o atendimento das exigências legais a partir da simples conferência de documentos; e a dispensa do envio de processos ao órgão jurídico para exame individualizado fica condicionada ao pronunciamento expresso, pela área técnica interessada, no sentido de que o caso concreto se amolda aos termos da manifestação jurídica referencial já elaborada sobre a questão.

 

Como se pode observar, a Orientação Normativa trouxe dois importantes requisitos, quais sejam, o volume elevado de processos com impacto sobre a atuação da CONJUR e sobre a celeridade dos serviços administrativos; e a atividade jurídica exercida se restringir à verificação do atendimento às exigências legais a partir da conferência de documentos.

 

No âmbito da Consultoria Jurídica junto ao Ministério da Educação - CONJUR-MEC, foi editada a Portaria CONJUR/MEC nº 01, de 2021, que, alinhada com os requisitos antes mencionados, estipulou:

 

Art. 3º Para a elaboração de parecer jurídico referencial, devem ser observados os seguintes requisitos:
I - o volume de processos em matérias idênticas e recorrentes acarretar sobrecarga de trabalho devidamente comprovada e que venha a impactar, justificadamente, a atuação do órgão consultivo ou a celeridade dos serviços administrativos; e
II - a atividade jurídica exercida se restringir à verificação do atendimento das exigências legais a partir da simples conferência de documentos. 

 

No caso concreto, quanto ao primeiro requisito, verifica-se que, anualmente, tramitam nesta Coordenação-Geral para Assuntos Contenciosos – CGAC altíssimo índice de pedidos de ações judiciais em que a parte autora requer o financiamento estudantil com recursos do Fies sem preencher todos os critérios vigentes. 

 

Tal fato tem implicado dedicação de trabalho desta Consultoria, tanto no aspecto jurídico quanto no administrativo, cujo mérito da demanda judicial é idêntico, podendo ser tratado de forma uniforme, mormente considerando o fato de que essa CGAC encontra-se, atualmente, com apenas 4 (quatro) advogados da União.

 

Assim, o volume de processos sobre o tema causa um significativo impacto sobre a atuação deste órgão consultivo, o que compromete a celeridade dos serviços administrativos prestados, além de reduzir o tempo que dispõe o Advogado da União para examinar processos mais complexos e que exigem uma análise jurídica mais detida e profunda.

 

Por fim, o segundo requisito resta atendido, uma vez que a atividade jurídica exercida se confina a prestar os mesmos subsídios repetidamente em todas as ações judiciais, já que estas apresentam praticamente os mesmos pedidos e questionamentos, pois derivados dos mesmos fatos e fundamentos jurídicos, com a ressalva, mais uma vez, de que deve ser realizada a consulta pelo apoio administrativo desta Consultoria acerca da situação cadastral da instituição de ensino demandada para correta identificação das peculiaridades, previamente ao envio desta IJR.

 

Mais recentemente, coube à Consultoria-Geral da União, por intermédio da Portaria Normativa CGU/AGU nº 05, de 31 de março de 2022, regulamentar a matéria no âmbito das Consultorias e Assessorias Jurídicas junto aos órgãos da Administração Direta no Distrito Federal e, para o caso específico de subsídios para a defesa da União, estabeleceu o instituto da Informação Jurídica Referencial, trazendo a seguinte definição:

 

Art. 8º Informação Jurídica Referencial é a manifestação jurídica produzida para padronizar a prestação de subsídios para a defesa da União ou de autoridade pública. 
§ 1º A IJR objetiva otimizar a tramitação dos pedidos de subsídios no âmbito das Consultorias e Assessorias Jurídicas da Administração Direta no Distrito Federal, a partir da fixação de tese jurídica que possa ser utilizada uniformemente pelos órgãos de execução da Procuradoria-Geral da União. 
§ 2º É requisito para a elaboração da IJR a efetiva ou potencial existência de pedido de subsídios de matéria idêntica e recorrente, que possa justificadamente impactar a atuação do órgão consultivo ou celeridade dos serviços administrativos. 
 

Portanto, demonstrando o preenchimento dos requisitos para a Informação Jurídica Referencial, passa-se ao exame do mérito em si.

 

subsídios

 

VISÃO GERAL

 

Como já registrado, os subsídios técnicos foram elaborados pela Secretaria de Educação Superior – SESu/MEC na Nota Técnica nº 9/2025/CGPES/DIPPES/SESU/SESu, nota técnica referencial contendo os fundamentos técnicos necessários para compreensão da controvérsia, fruto da identificação de demandas repetitivas que veiculam pretensão de candidatos e estudantes que, interessados em efetuar a contratação de financiamento estudantil com recursos do Fies, têm requerido junto ao Poder Judiciário que sejam afastadas as regras de classificação e pré-seleção definidas pelo Ministério da Educação com amparo no art. 3º, § 1º, I, da Lei nº 10.260, de 12 de julho de 2001, no âmbito dos processos seletivos do programa, que deve ser considerada parte integrante da presente informação com vistas a subsidiar a defesa da União nessas demandas.

 

Esclarece a SESu que desde o segundo semestre de 2015 os interessados em obter o financiamento por meio do Fies devem participar de processo seletivo conduzido pelo Ministério da Educação, o qual dispõe de regras claras quanto aos requisitos de inscrição e aos critérios de classificação e pré-seleção dos candidatos, haja vista a existência de limitação orçamentária e financeira do Fundo e, consequentemente, de vagas de financiamento.

 

De modo geral, a tese defendida pelos autores nas mencionadas ações judicias é a inconstitucionalidade das regras previstas no processo seletivo, sob o fundamento que a Constituição Federal garantiria um direito absoluto de acesso ao ensino superior e, portanto, seria obrigação do Estado ampliar o financiamento estudantil para todos os interessados.  

 

Todavia, conforme se restará demonstrado, além da inexistência de direitos absolutos no texto constitucional, as regras do Programa são claras e objetivas para classificação e pré-seleção no âmbito dos processos seletivos, além de existir uma limitação orçamentária para abarcar os financiamentos.

 

Portanto, pode-se de plano inferir que há dois tipos de impactos diretos caso acolhidas pretensões veiculados dos pleitos. O primeiro é direto na ampliação do número de vagas do curso sem o respectivo processo regulatório; o segundo se refere ao fato de que a oferta de vagas no âmbito do Fies está vinculada à observância da disponibilidade financeira e orçamentária e à compatibilidade com as metas de resultados fiscais estabelecidas na lei de diretrizes orçamentárias (§ 6º do art. 3º da Lei nº 10.260, de 2001). Além disso, o Comitê Gestor do Fies – CG-Fies é o responsável pela formulação da política de oferta de financiamento (art. 3º, inciso III, alínea "a", da Lei nº 10.260, de 2001), cabendo deliberar sobre o planejamento do financiamento estudantil por meio de plano trienal, que conterá, dentre outros, as diretrizes gerais do Fies para o triênio de referência, discriminando a quantidade anual de vagas a serem ofertadas e as prioridades de atendimento do financiamento (art. 7º, inciso VI, alínea "a", do Decreto de 19 de setembro de 2017).

 

Dito isso, pretende-se demonstrar com a presente informação referencial:

 AS REGRAS PARA CLASSIFICAÇÃO E PRÉ-SELEÇÃO

 

Nos termos da Lei nº 10.260, de 2001:

 
Art. 1º É instituído, nos termos desta Lei, o Fundo de Financiamento Estudantil (Fies), de natureza contábil, vinculado ao Ministério da Educação, destinado à concessão de financiamento a estudantes de cursos superiores, na modalidade presencial ou a distância, não gratuitos e com avaliação positiva nos processos conduzidos pelo Ministério, de acordo com regulamentação própria.

 

Por seu turno, o § 8º do art. 1º e o inciso I do § 1º do art. 3º da Lei nº 10.260, de 2001, é cristalino ao determinar que os critérios de elegibilidade e as regras de seleção dos estudantes serão regulamentadas pelo Ministério da Educação, nos termos do que for aprovado pelo CG-Fies: 

 

Art. 1º ...................................................................................
§ 8º  O Ministério da Educação, nos termos do que for aprovado pelo CG-Fies, editará regulamento para estabelecer os critérios de elegibilidade de cada modalidade do Fies.    (Incluído pela Lei nº 13.530, de 2017)
(...)
Art. 3º ...................................................................................
§ 1º  O Ministério da Educação, nos termos do que for aprovado pelo CG-Fies, editará regulamento sobre:    (Redação dada pela Lei nº 13.530, de 2017)
I - as regras de seleção de estudantes a serem financiados, devendo ser considerados a renda familiar per capita, proporcional ao valor do encargo educacional do curso pretendido, e outros requisitos, bem como as regras de oferta de vagas;    (Redação dada pela Lei nº 14.375, de 2022)
II - os casos de transferência de curso ou instituição, de renovação, de suspensão temporária e de dilação e encerramento do período de utilização do financiamento;    (Redação dada pela Lei nº 13.530, de 2017)
III - as exigências de desempenho acadêmico para a manutenção do financiamento, observado o disposto nos §§ 2º, 3º e 4º do art. 1º desta Lei;    (Redação dada pela Lei nº 13.530, de 2017)
(...) (Grifamos)

 

O texto da norma indica expressamente que caberá ao Ministério da Educação regulamentar as regras de seleção dos estudantes a serem financiados. Observe-se que a legislação refere-se às regras de seleção, e não de inscrição ("as regras de seleção de estudantes a serem financiados").

 

Salienta-se, por conseguinte, que possuir média mínima no Enem e renda renda familiar mensal bruta per capita de até três salários mínimos constituem tão somente critérios para inscrição aos processos seletivos. Ora, diante da existência de um número superior de interessados em relação ao número de vagas, o que configura um universo de concorrência, foram definidas regras de classificação e seleção dos candidatos, respeitando os princípios da legalidade, isonomia, impessoalidade, transparência, moralidade e eficiência, assim como ocorre em qualquer processo seletivo vestibular ou mesmo em concursos públicos. 

 

Por ser o Fies um fundo de natureza contábil e, portanto, dependente de limites financeiros e orçamentários do Ministério da Educação, no qual há um número de vagas anuais definidas no Plano Trienal deliberado pelo Comitê Gestor do Fies, a sequência de classificação no processo seletivo do programa, além de objetivar a destinação de recursos financeiros e orçamentários a estudantes com maior dificuldade financeira em arcar com os custos de sua graduação, haja vista o seu caráter social, também observa o disposto no inciso V do caput do art. 208 da Constituição Federal, destinando o financiamento àqueles que demonstram atingir, segundo a sua capacidade, o acesso à educação superior por meio do programa de financiamento estudantil.

 

Nesse contexto, coube à Portaria Normativa MEC nº 209, de 7 de março de 2018, dispor sobre os processos seletivos do Fies a partir do primeiro semestre de 2018:

 

Art. 29. A pré-seleção de estudantes aptos a realizarem os demais procedimentos para contratação de financiamento com recursos do Fies ocorrerá, exclusivamente, por meio de processo seletivo conduzido pela SESu/MEC.
§ 1º  As regras e os procedimentos referentes aos processos seletivos do Fies serão tornados públicos por meio de ato específico do Secretário de Educação Superior, nos termos dos incisos V e VI do art. 5º desta Portaria.
§ 2º  As regras e os procedimentos a serem tornados públicos por meio de ato específico do Secretário de Educação Superior, nos termos do § 1º deste artigo, e observado ainda o disposto nesta Portaria, compreenderão:
I - oferta de vagas pelas mantenedoras de Instituições de Educação Superior – IES;
II - seleção das vagas a serem ofertadas no processo seletivo;
III - inscrição dos candidatos;
IV - classificação e pré-seleção dos candidatos, observado o disposto no § 6º do art. 1º da Lei nº 10.260, de 2001;
V - complementação da inscrição pelos candidatos pré-selecionados;
VI - redistribuição das vagas entre os grupos de preferência; e
VII - eventual realização de processo seletivo para ocupação de vagas remanescentes.
(...)
 

No que tange à exigência de que o candidato tenha participado do Exame Nacional do Ensino Médio – Enem a partir da edição de 2010 e classificação média aritmética das notas nas provas igual ou superior a 450 (quatrocentos e cinquenta) pontos e nota na redação superior a zero nos processos seletivos do Fies a partir do primeiro semestre de 2018, menciona que o fundamento está previsto no art. 37 da Portaria MEC nº 209, de 2018, o qual definiu:

 

Art. 37.  As inscrições para participação nos processos seletivos do Fies serão efetuadas, exclusivamente, pela internet, em endereço eletrônico, e em período a ser especificado a cada processo seletivo, devendo o estudante, cumulativamente, atender as condições de obtenção de média aritmética das notas nas cinco provas do Enem, além de nota na redação e de renda familiar mensal bruta per capita a serem definidas em ato específico do Secretário de Educação Superior a cada processo seletivo.
(...)
§ 5º A obtenção de média mínima de notas no Enem e de observância ao limite de renda nos termos do caput constituem apenas critérios para a inscrição aos processos seletivos do Fies, estando a realização dos demais procedimentos tendentes à contratação do financiamento do programa obrigatoriamente condicionados à classificação e eventual pré-seleção do estudante, nos termos dos arts. 38 e 39 desta Portaria e dos demais atos que regulamentam o Fies.
 

Com toda razão, expõe a SESu:

 

37. Por tais razões, o Ministério da Educação deve definir critérios lógicos e objetivos para distribuição das vagas do Fies observado o universo de concorrência em que os estudantes se inscreverão. Outra interpretação, nos termos alegados pelos autores ou agravantes, resulta no afastamento das regras legais postas pela Lei nº 10.260, de 2001, inclusive levando ao entendimento de que basta que o estudante se matricule em curso de alta demanda e requeira o financiamento público para obtê-lo, ao arrepio dos princípios basilares da constituição, como o da legalidade, da isonomia, da impessoalidade, da publicidade, da razoabilidade, da moralidade e da eficiência.
38. Qualquer outro entendimento, tal como o buscado por certos candidatos de que deve ser utilizada apenas a média mínima de notas e o atendimento à renda, enseja prejuízos a todos os candidatos que tenham se inscrito regularmente no processo seletivo do Fies e que venham a obter melhor classificação do que os reclamantes, em razão dos próprios méritos de cada candidato, sendo que todos se encontram no mesmo perfil de hipossuficiência, quiçá ainda pior.
39. Observa-se, por fim, que as regras para participação nos processos seletivos do Fies encontram-se fundamentadas no princípio da publicidade, de forma a conferir ampla informação a todos os candidatos interessados a concorrer a uma oportunidade de financiamento público, inclusive o portal do FiesSeleção na rede mundial de computadores <https://acessounico.mec.gov.br/fies/duvidas#sobre-o-fies> dispõe de informações e de canais de atendimento para casos de dúvidas.

 

Com efeito, o número de vagas a serem ofertadas nos processos seletivos do Fies, nomeadamente após o segundo semestre de 2015, e especialmente após as mudanças introduzidas pelo art. 5º-C da Lei nº 10.260, de 2001, para as contratações do financiamento do Fies a partir do primeiro semestre de 2018, não são ilimitadas, em razão à disponibilidade orçamentária referente ao programa, o que tornava necessária a adoção de uma nova metodologia e regras de ocupação das oportunidades de financiamento dos estudantes de graduação que ora se prestam os devidos esclarecimentos.

 

Portanto, nos termos do supracitado § 1º do art. 3º da Lei nº 10.260, de 2001, o Ministério da Educação, de acordo com o quanto for aprovado pelo CG-Fies, possui competência legal para editar regulamento sobre as regras de seleção de estudantes a serem financiados, devendo ser considerados a renda familiar per capita e outros requisitos, e as regras de oferta de vagas, o que ocorreu por meio da edição da retromencionada Portaria MEC nº 209, de 2018.

 

Deve-se ressaltar, ainda, que posteriormente foi publicada a Portaria MEC nº 535, de 12 de junho de 2020, que alterou a Portaria MEC nº 209, de 2018, a qual passou a viger acrescida dos seguintes dispositivos:

 

Art. 84-A. A transferência de IES é aquela que ocorre entre instituições de ensino, podendo ou não haver alteração do curso financiado pelo Fies.
§ 1º O estudante que realizar a transferência de IES permanecerá com o Fies, desde que haja anuência das instituições envolvidas, devendo a instituição de ensino superior de destino estar com adesão ao Fies vigente e regular, no momento da solicitação da transferência.
§ 2º A transferência de IES deve ser realizada por meio de sistema informatizado do agente operador, com a solicitação do estudante e a validação das CPSAs das instituições de ensino superior de origem e de destino, respectivamente.
§ 3º O estudante pode transferir de IES uma única vez a cada semestre, mas não pode transferir de curso e de IES em um mesmo semestre.
Art. 84-B. A transferência de curso é aquela que ocorre dentro de uma mesma IES, apenas com o objetivo de alterar o curso financiado pelo Fies.
§ 1º A transferência de curso deve ser realizada por meio de sistema informatizado do agente operador, com a solicitação do estudante e a validação da CPSA da IES.
§ 2º O estudante pode transferir de curso uma única vez na mesma IES, desde que esteja dentro do período de dezoito meses do início da contratação do financiamento até a data em que queira transferir de curso.
Art. 84-C. A transferência de que trata os arts. 84-A e 84-B desta Portaria:
I - somente será permitida nos casos em que a média aritmética das notas obtidas pelo estudante no Enem, utilizadas para sua admissão no Fies, for igual ou superior à média aritmética do último estudante pré-selecionado para o curso de destino no processo seletivo mais recente do programa em que houver estudante pré-selecionado para o financiamento estudantil; e
II - somente poderá ser efetuada para curso de destino em que já houver estudantes pré-selecionados nos processos seletivos do Fies por meio da nota do Enem.
(...)
 

Assim, compete esclarecer ainda que a alteração introduzida na Portaria MEC nº 209, de 2018, pela Portaria MEC nº 535, de 2020, e que acresceu os artigos 84-A a 84-C, apenas visaram à regulamentação das regras tornadas públicas pela Resolução CG-Fies nº 35, de 2019, nos termos do art. 3º, inciso III, alínea "a", e seu § 1º, inciso II, da Lei nº 10.260, de 2001.

 

Não há que se falar em excesso do poder regulamentar, pois o regramento visa à manutenção da higidez dos processos seletivos do Fies, evitando a burla e preterição de candidatos com melhor desempenho no processo seletivo e não contemplados para o curso pretendido pela parte autora.

 

Há também, no universo de autores que recorrem ao poder judiciário, um grande volume de candidatos já graduados que buscam a segunda/terceira graduação com recursos do Fies. Sobre esse ponto, convém trazer o que as disposições contidas no § 6º do art. 1º Lei nº 10.260, de 2001:

 

§ 6o  O financiamento com recursos do Fies será destinado prioritariamente a estudantes que não tenham concluído o ensino superior e não tenham sido beneficiados pelo financiamento estudantil, vedada a concessão de novo financiamento a estudante em período de utilização de financiamento pelo Fies ou que não tenha quitado financiamento anterior pelo Fies ou pelo Programa de Crédito Educativo, de que trata a Lei nº 8.436, de 25 de junho de 1992.     (Redação dada pela Lei nº 13.530, de 2017)
(...)

 

Nota-se que o legislador pretendeu priorizar o aluno de primeira graduação, destinando os recursos do financiamento estudantil prioritariamente a estudantes que não tenham concluído o ensino superior e não tenham sido beneficiados pelo financiamento estudantil (§ 6º do art. 1º da Lei nº 10.260, de 2001). A norma foi regulamentada pela Portaria MEC nº 209, de 2018:

 

Art. 38. Encerrado o período de inscrição, os estudantes serão classificados em ordem decrescente de acordo com as notas obtidas no Enem, na opção de vaga para a qual se inscreveram, na sequência a ser especificada em Portaria Normativa a cada processo seletivo, nos termos do art. 1º, § 6º, da Lei nº 10.260, de 2001.
§ 1º A nota de que trata o caput considerará a média aritmética das notas obtidas nas provas do Enem em cuja edição o candidato tenha obtido a maior média.
§ 2º No caso de notas idênticas, calculadas segundo o disposto no § 1º deste artigo, o desempate entre os candidatos será determinado de acordo com a ordem de critérios a ser especificada na Portaria Normativa do MEC.
Art. 39. O estudante será pré-selecionado na ordem de sua classificação, nos termos do art. 38 desta Portaria, observado o limite de vagas disponíveis no curso e turno para o qual se inscreveu, conforme os procedimentos e prazos previstos no Edital SESu.
Parágrafo único. A pré-seleção do estudante assegura apenas a expectativa de direito à vaga para a qual se inscreveu no processo seletivo do Fies e do P-Fies, estando a contratação do financiamento condicionada à conclusão da inscrição no FiesSeleção no caso da modalidade Fies, à pré-aprovação de algum agente financeiro operador de crédito na modalidade P-Fies e, em ambas modalidades, ao cumprimento das demais regras e procedimentos constantes desta Portaria e da Portaria Normativa que regulamenta cada processo seletivo.

 

Colha-se os fundamentos lançados pela SESu sobre esse ponto específico:

 

(...)
43. No entanto, é sempre necessário esclarecer que diferentemente do candidato que nunca obteve diploma de educação superior, o candidato já graduado dispõe de subsídios intelectuais suficientes e as condições mínimas necessárias para se inserir no mercado de trabalho de modo a auferir recursos próprios para custear uma nova formação.
44. Além disso, impera destacar que a inscrição para obtenção ao financiamento do Fies é permitida apenas para os candidatos cuja renda bruta familiar mensal per capita seja de até 3 salários mínimos e, portanto, todos os candidatos que se inscrevam aos processos seletivos do Fies encontram-se em situação de hipossuficiência como a da autora, com o agravo de que ao se afastar a determinação legal constante do § 6º do art. 1º da Lei nº 10.260, de 2001, beneficia-se aquele que por ser graduado já possui meios intelectuais para obter uma posição profissional que aqueles que não possuem graduação ainda não alcançaram. 
45. Ao equiparar o candidato já graduado com aqueles que nunca obtiveram esse nível educacional, como pretende a agravante, inclusive à revelia do disposto no referido § 6º do art. 1º da Lei nº 10.260, de 2001, o Ministério da Educação estaria afrontando tanto o princípio da legalidade e da razoabilidade, assim como o princípio da isonomia, ao tratar situações diferentes como se iguais fossem.
46. Assim, ao regulamentar as regras de inscrição, classificação e pré-seleção nos processos seletivos do Fies, o Ministério da Educação o fez em estrita observância ao disposto na Lei nº 10.260, de 2001, consubstanciado, principalmente, como se vê pela explanação e esclarecimentos ora apresentados, pelos princípios da legalidade e da isonomia, pelo que se entende que não há inconstitucionalidade nos referidos atos normativos.

 

Ainda, considerando que algumas petições iniciais e decisões judiciais utilizam o disposto no art. 15-D da Lei nº 10.260, de 2001, confundindo o financiamento público, por meio do Fies, daquele financiamento privado, realizado por meio do P-Fies, faz-se necessário esclarecer as duas modalidades de financiamento estudantil tratadas na referida Lei: (i) o Fundo de Financiamento Estudantil (Fies) encontra-se instituído pelo art. 1º; já (ii) o Programa de Financiamento Estudantil (P-Fies), foi instituído pelo art. 15-D.

 

Enquanto o Fies constitui programa de financiamento estudantil público, cujas receitas estão definidas no art. 2º da Lei nº 10.260, de 2001, e a sua concessão, a partir do primeiro semestre de 2018, deve observar o disposto no art. 5º-C dessa mesma Lei, o P-Fies é um programa de financiamento de natureza privado, mesmo quando o agente financeiro operador do crédito (AFOC) utiliza as fontes de recursos definidas no art. 15-J, e cujas condições de concessão são definidas entre o agente financeiro operador do crédito, a instituição de ensino superior e o estudante, obedecidos os critérios estabelecidos pelo Conselho Monetário Nacional (art. 15-G). Ou seja, na modalidade de financiamento ao estudante de ensino superior de que trata o art. 15-D da Lei nº 10.260, de 2001, chamado P-Fies (financiamento de natureza privada), o processo de contratação ocorre diretamente entre AFOC, instituição e estudante, sem intervenção do MEC.

 

DA ARGUIÇÃO DE DESCUMPRIMENTO DE PRECEITO FUNDAMENTAL – ADPF Nº 341/DF. AFIRMAÇÃO DA COMPETÊNCIA DO MEC PARA REGULAMENTAR A MATÉRIA

 

Entende-se oportuno esclarecer, desde já, que no ano de 2024 foram proferidas importantes decisões em favor das regras do Fies, tornadas públicas pelo Ministério da Educação, inclusive sobre a constitucionalidade dessas regras, além de observarem os princípios norteadores das políticas públicas e os princípios orçamentários.

 

A competência do Ministério da Educação para regulamentar as regras do Fies foi objeto de análise do Supremo Tribunal Federal no âmbito da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental – ADPF nº 341/DF, de relatoria do Ministro Luís Roberto Barroso, cujo voto foi proferido no seguinte sentido:

 

(...)
4. Já no que respeita ao segundo grupo de estudantes, correspondente àqueles que ainda não têm contrato com o FIES e que pleiteiam seu ingresso no sistema, entendo ausente a plausibilidade do direito invocado. Não há que se falar em direito adquirido à obtenção de financiamento, com base em regime jurídico anterior sobre os requisitos a serem preenchidos para acesso ao FIES. A jurisprudência do Supremo Tribunal Federal é pacífica no sentido de não reconhecer o direito adquirido a regime jurídico. Tampouco há ato jurídico perfeito se os contratos de financiamento ainda não foram celebrados.
5. Não bastasse isso, trata-se, no caso, de regulação discricionária, constante de atos normativos de natureza secundária, editados pela Administração Pública à luz de suas disponibilidades orçamentárias e financeiras, mutáveis por natureza. É válido notar, ainda, que as condições para a obtenção do financiamento foram alteradas antes do início do prazo para requerimento da contratação junto ao FIES para o primeiro semestre de 2015.
(...)
8. Além disso, é inegável que a exigência de média superior a 450 pontos e de nota superior à zero na redação do ENEM é absolutamente razoável como critério de seleção dos estudantes que perceberão financiamento público para custeio de seu acesso ao ensino superior. Afinal, os recursos públicos – limitados e escassos – devem se prestar a financiar aqueles que têm melhores condições de aproveitamento. Trata-se, portanto, de exigência que atende aos imperativos de moralidade, impessoalidade e eficiência a que se submete a Administração Pública (art. 37, CF). Por essas razões, não vislumbro violação ao princípio da segurança jurídica neste segundo caso.
(...) 
 

É cristalinamente perceptível que o item 8 é manifesto ao determinar a exigência de média superior a 450 pontos e de nota superior a zero na redação do Enem,  devendo ser ressaltado que, em momento algum, o E. Ministro determina que se deve atender a quem obteve tal média, visto que a determinação deve ser lida de acordo com o texto que se segue: Afinal, os recursos públicos – limitados e escassos – devem se prestar a financiar aqueles que têm melhores condições de aproveitamento”.

 

 Portanto, a exigência de lista de classificação é imperiosa para que haja o efetivo atendimento à ordem de classificação, considerado o limite de vagas ofertadas. Trata-se de regra lógica, visto que não se pode ocupar vagas em número maior do que aquelas que foram ofertadas.

 

Impõe-se destacar, inclusive, que a inscrição aos processos seletivos do Fies é permitida apenas para os candidatos cuja renda familiar brutal mensal per capita seja de até 3 (três) salários-mínimos, ou seja, são todos candidatos hipossuficientes. Portanto, ao se conceder contrato de financiamento do Fies em desacordo com as normas do programa, um candidato que participa/participou regulamente, foi classificado e pré-selecionado em razão de seus méritos pessoais, igualmente hipossuficiente, será prejudicado/preterido em virtude da necessidade de cumprimento de decisão judicial.

 

Não restam dúvidas, destarte, quanto à plena conformação da regulamentação da matéria pelo Ministério da Educação nos exatos termos do quanto já decidido pelo STF no voto citado acima. Entendimento em sentido oposto esvazia e retira a própria competência da Corte Suprema como guardião máximo do texto constitucional.

 

JURISPRUDÊNCIA FAVORÁVEL AO MEC NO ÂMBITO DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA - STJ 

 

Imperioso destacar que, no âmbito do Superior Tribunal de Justiça – STJ, há jurisprudência consolidada favorável ao Ministério da Educação. De início, cita-se a Suspensão de Liminar e Sentença - SLS 3198/DF (2022/0350129-0), sendo que a decisão final ficou assim ementada:

 

AGRAVO INTERNO. SUSPENSÃO DE LIMINAR E SENTENÇA. PROGRAMA DE FINANCIAMENTO ESTUDANTIL - FIES. INCLUSÃO DE BENEFICIÁRIOS INDEPENDENTEMENTE DO ATENDIMENTO ÀS EXIGÊNCIAS DE ATO NORMATIVO DO MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO - MEC. VÁRIAS DECISÕES NO MESMO SENTIDO. EFEITO MULTIPLICADOR. RISCO DE GRAVE LESÃO À ORDEM ECONÔMICA. COMPROMETIMENTO DO FIES EM FACE DAS PREVISÕES CONSTANTES DA LEI ORÇAMENTÁRIA. AGRAVO IMPROVIDO.
1. Identifica-se a presença de risco de grave lesão à economia pública diante da profusão de medidas de caráter provisório deferidas pelo TRF1, com efeito multiplicador danoso, no sentido de assegurar a inclusão de estudantes no FIES independentemente do cumprimento das exigências normativas impostas pelo MEC.
2. Não sendo constitucionalmente possível a realização de despesas pelo ente público que excedam os respectivos créditos previstos na lei própria, a manutenção de decisões judiciais de natureza provisória na contramão das balizas legais que regulam o sistema público de financiamento estudantil traz fortes impactos negativos à economia pública, especialmente quando se atenta para a necessidade de manutenção do programa, sua sustentabilidade e viabilidade.
3. Agravo interno improvido.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, acordam os Ministros da CORTE ESPECIAL do Superior Tribunal de Justiça, em sessão virtual de 15/08/2024 a 21/08/2024, por unanimidade, negar provimento ao recurso, nos termos do voto da Sra. Ministra Relatora.
Os Srs. Ministros Francisco Falcão, Nancy Andrighi, João Otávio de Noronha, Herman Benjamin, Luis Felipe Salomão, Mauro Campbell Marques, Benedito Gonçalves, Raul Araújo, Maria Isabel Gallotti, Antonio Carlos Ferreira, Ricardo Villas Bôas Cueva e Sebastião Reis Júnior votaram com a Sra. Ministra Relatora. Não participou do julgamento o Sr. Ministro Humberto Martins.
Presidiu o julgamento o Sr. Ministro Og Fernandes.
Brasília, 21 de agosto de 2024. (Grifamos)

 

No voto exarado pela E. Ministra do STJ, Maria Thereza de Assis Moura, foi enfatizada a obrigatoriedade de observância às regras do Fies, inclusive em razão da limitação financeira e orçamentária do programa:

 

(...)
Na espécie, demonstrou-se a real probabilidade de haver sério comprometimento da viabilidade econômico-financeira do FIES diante do crescente número de medidas de natureza liminar que reconheceram direito a estudantes que, de acordo com as normas vigentes, não o teriam. Esse fato basta para se antever potencial escassez de recursos para atender àqueles que, efetivamente, cumpriram as imposições normativas.
É preciso ter em conta que a destinação de recursos públicos exige plena conformidade e respeito aos princípios orçamentários e às dotações definidas em lei específica, na medida em que, de acordo com o disposto pelo art. 167, II, da CF/88, é vedada "a realização de despesas ou a assunção de obrigações diretas que excedam os créditos orçamentários ou adicionais".
Dessa forma, a inclusão, no FIES, de beneficiários que não cumprem as diretrizes e pressupostos estabelecidos nas normas regulamentares, potencialmente, pode trazer desequilíbrio na execução das dotações orçamentárias reservadas ao programa.
Segundo demonstrado nos autos, foram deferidas várias liminares que, ao superarem as exigências estabelecidas pelo MEC, determinaram a inclusão de estudantes no curso de medicina, implicando aumento inesperado e não previsto de gastos — caso da agravante, que, conforme consta da decisão que havia deferido a liminar em seu favor, busca "o direito ao financiamento estudantil, com recursos do Fundo de Financiamento Estudantil – FIES, independentemente das restrições impostas pelo Ministério da Educação, no ponto em que inibem a participação de estudantes no aludido Programa, segundo a nota por eles obtida no Exame Nacional de Cursos - ENEM" .
Nesse sentido, a União já havia destacado, com amparo em manifestação da Secretaria de Educação Superior do Ministério da Educação, que "o impacto financeiro, com a inserção de novos beneficiários no FIES, acarreta restrição das verbas orçamentárias disponíveis para os demais participantes da política pública, seja para novos financiamentos, seja para aditamentos (semestrais) aos contratos já firmados" (fl. 968).
Ora, se há de haver respeito às dotações orçamentárias, não sendo constitucionalmente possível a realização de despesas que excedam os respectivos créditos previstos na lei própria, tudo indica que a manutenção dos efeitos das decisões provisórias em comento poderá trazer fortes impactos negativos à economia pública, assim compreendida a necessidade de manutenção do programa de financiamento estudantil, sua sustentabilidade e viabilidade.
De mais a mais, em que pese a educação ser direito social a todos reconhecido, quando se fala em ensino superior, certo é que a Constituição Federal, diferentemente do que se dá com o ensino básico, não a elevou à categoria de direito público subjetivo do cidadão.
(...)

 

Relevante informar que o referido processo já transitou em julgado.

 

Além da recente decisão judicial supracitada, é importante destacar que o STJ já vem decidindo há algum tempo quanto à pertinência das regras do Fies, tornadas públicas pelo Ministério da Educação. A esse respeito, o E. Ministro Mauro Campbell Marques no MS nº 20.074/DF, consigna que “o estabelecimento de condições para a concessão do financiamento do FIES insere-se no âmbito da conveniência e oportunidade da Administração, e, portanto, não podem ser modificados ou afastados pelo Judiciário, sendo reservado a este Poder apenas o exame da legalidade do ato administrativo, sendo-lhe defesa qualquer incursão no mérito administrativo”.

 

MANDADO DE SEGURANÇA. ADMINISTRATIVO. FIES. CONCESSÃO DE FINANCIAMENTO CONDICIONADA À EXISTÊNCIA DE LIMITE DE RECURSO DISPONÍVEL DA MANTENEDORA ART. 2º, §3º, DA PORTARIA NORMATIVA Nº 10, DE 30 DE ABRIL DE 2010.
1. O art. 2º, §3º, da Portaria Normativa nº 10, de 30 de abril de 2010, estabelece que "a concessão de financiamento de que trata esta Portaria é condicionada à existência de limite de recurso disponível da mantenedora no momento da inscrição do estudante, no caso de adesão com limite prevista no art. 26 da Portaria Normativa MEC nº 1, de 2010, bem como à disponibilidade orçamentária e financeira do FIES".
2. A referida Portaria, que dispõe sobre procedimentos para inscrição e contratação de financiamento estudantil a ser concedido pelo Fundo de Financiamento ao Estudante do Ensino Superior (FIES), que trata de um programa social de fomento à educação, estabeleceu que a concessão do referido financiamento estaria condicionada à existência de limite de recurso disponível da mantenedora no momento da inscrição do estudante, que, no presente caso, conforme demonstrado no documento de fls. 58, estaria esgotado.
3. Não há qualquer ilegalidade na exigência, para a concessão de financiamento estudantil, da existência de limite de recurso disponível da mantenedora no momento da inscrição do estudante, uma vez que foi observada estritamente a literalidade da Portaria regulamentadora da contratação de financiamento estudantil - Portaria Normativa nº 10, de 30 de abril de 2010.
4. O estabelecimento de condições para a concessão do financiamento do FIES insere-se no âmbito da conveniência e oportunidade da Administração, e, portanto, não podem ser modificados ou afastados pelo Judiciário, sendo reservado a este Poder apenas o exame da legalidade do ato administrativo, sendo-lhe defesa qualquer incursão no mérito administrativo.
5. Segurança denegada.
(MS n. 20.074/DF, relator Ministro Mauro Campbell Marques, Primeira Seção, julgado em 26/6/2013, DJe de 1/7/2013.) (Grifamos)

 

O E. Ministro Herman Benjamin ressaltou quanto à necessidade de se observar os limites orçamentários e financeiros do Fies: "A concessão de financiamento estudantil em instituição de ensino superior não constitui direito absoluto - porquanto sujeito a limitações de ordem financeira e orçamentária -, razão pela qual não existe direito líquido e certo a afastar o ato apontado como coator". 

 

MANDADO DE SEGURANÇA. ADMINISTRATIVO. FIES. CONCESSÃO DE FINANCIAMENTO. VEDAÇÃO À CONCESSÃO DE NOVO FINANCIAMENTO A ESTUDANTE BENEFICIADO ANTERIORMENTE PELO PROGRAMA. PORTARIA NORMATIVA Nº 10, DE 30 DE ABRIL DE 2010. AUSÊNCIA DE ILEGALIDADE.
1. Insurge-se o impetrante contra a imposição de restrições à obtenção do financiamento estudantil de que trata a Lei 10.260/2001 - FIES, segundo os ditames da Portaria Normativa 10, de 30 de abril de 2010, editada pelo Ministro de Estado da Educação. Defende a ilegalidade da previsão que veda a inscrição no FIES a estudante que já tenha obtido esse mesmo financiamento anteriormente (art. 9°, II, da Portaria Normativa 10/2010). 
2. O FIES é fundo de natureza contábil destinado à concessão de financiamento a estudantes regularmente matriculados em cursos superiores não gratuitos e com avaliação positiva nos processos conduzidos pelo Ministério da Educação (art. 1° da Lei 10.260/2001), razão pela qual se encontra naturalmente sujeito a limitações de ordem financeira. 
3. Os limites estabelecidos pela Portaria Normativa 10/2010 regulamentam a disponibilidade orçamentária e financeira do FIES, motivo pelo qual não destoam da sistemática da Lei 10.260/2001, que contempla, exemplificativamente, as seguintes restrições: a) proibição de novo financiamento a aluno inadimplente (art. 1°, § 5°); b) vedação a financiamento por prazo não superior ao do curso (art. 5°, I); c) obrigação de oferecimento de garantias pelo estudante ou pela entidade mantenedora da instituição de ensino (art. 5°, III); d) imposição de responsabilidade solidária pelo risco do financiamento às instituições de ensino (art. 5°, VI). 
4. A Primeira Seção do STJ já enfrentou essa discussão, tendo assentado que "O estabelecimento de condições para a concessão do financiamento do FIES insere-se no âmbito da conveniência e oportunidade da Administração, e, portanto, não podem ser modificados ou afastados pelo Judiciário, sendo reservado a este Poder apenas o exame da legalidade do ato administrativo, sendo-lhe defesa qualquer incursão no mérito administrativo" (MS 20.074/DF, Rel. Ministro Mauro Campbell Marques, Primeira Seção, DJe 1°/7/2013). 
5. A restrição à obtenção de novo financiamento por aquele que já tenha sido beneficiado pelo FIES anteriormente é decorrência natural dos próprios limites orçamentários dos recursos destinados a essa política pública, além de configurar previsão razoável e alinhada aos ditames da justiça distributiva. 
6. Como não existe verba suficiente para a concessão ilimitada de financiamento estudantil, seria injusto alguém ser beneficiado pelo programa, por mais de uma vez, enquanto outros não pudessem eventualmente ter oportunidade alguma no ensino superior privado. 
7. A concessão de financiamento estudantil em instituição de ensino superior não constitui direito absoluto - porquanto sujeito a limitações de ordem financeira e orçamentária -, razão pela qual não existe direito líquido e certo a afastar o ato apontado como coator. 
8. Segurança denegada. (MS 201301473835, Relator Ministro Herman Benjamin, Primeira Seção, DJe de 23/09/2014) (Grifamos)
 

Dessa forma, verifica-se que, no âmbito do STJ, as decisões da Corte são claramente favoráveis à União, indo ao encontro das ações adotadas pelo Ministério da Educação. 

 

JURISPRUDÊNCIA FAVORÁVEL AO MEC NO ÂMBITO DO TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 1ª REGIÃO - TRF1

 

Relevante destacar que a questão foi igualmente tratada no âmbito do TRF1, no Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas Nº​ 72, processo nº 032743-75.2023.4.01.0000, suscitado pela Exma. Desembargadora Federal Daniele Maranhão, com fundamento no artigo 977, I, do CPC, tendo sido proferido o seguinte Acórdão, publicado em 26 de novembro de 2024:

 

CONSTITUCIONAL E PROCESSUAL CIVIL. INCIDENTE DE RESOLUÇÃO DE DEMANDAS REPETITIVAS Nº 72. FUNDO DE FINANCIAMENTO AO ESTUDANTE DO ENSINO SUPERIOR (FIES). CONCESSÃO E TRANSFERÊNCIA PARA INSITUIÇÃO DE ENSINO SUPERIOR DISTINTA. LEGITIMIDADE DO FNDE. DEFINIÇÃO COM BASE EM CRITÉRIO FÁTICO-TEMPORAL. APLICAÇÃO DA CLÁUSULA REBUS SIC STANTIBUS. PONTUAÇÃO DO EXAME NACIONAL DO ENSINO MÉDIO. PORTARIAS MEC 38/2021 E 535/2020. LEGITIMIDADE DOS REQUISITOS EM CAUSA. INEXISTÊNCIA DE AFRONTA ÀS NORMAS LEGAIS DE REGÊNCIA. PRINCÍPIO DA ISONOMIA. NECESSIDADE DE PRESERVAÇÃO DO SISTEMA. TESES FIXADAS.
1. Incidente de resolução de demandas repetitivas suscitado com supedâneo no artigo 977, I, do CPC.
2. Demonstrado o atendimento aos pressupostos para admissão do IRDR: efetiva repetição de processos que contenham controvérsia sobre a mesma questão unicamente de direito e risco de ofensa à isonomia e à segurança jurídica (artigo 976, CPC).
3. Questões de direito processual e material a serem deliberadas: (1) definir se o Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação – Fnde é para legítima para figurar no polo passivo das demandas que versem sobre a obtenção e transferência do FIES; (2) definir se a norma infralegal inserida pela Portaria MEC nº 38/2021 pode impor restrição para obtenção do Fundo de Financiamento Estudantil – FIES, consistente na classificação através de nota obtida no ENEM; (3) deliberar sobre o cabimento da utilização da nota do ENEM como requisito para transferência de financiamento estudantil de um curso para outro no âmbito do FIES, estabelecida pela Portaria do MEC nº 535/2020.
4. A definição da legitimidade do FNDE para figurar nas ações voltadas à concessão e transferência de financiamento pelo FIES reclama o exame do contexto normativo-temporal de cada situação concreta analisada, mediante a observância das disposições presentes na Portaria MEC 209/2018. Assim, o FNDE é parte legítima para responder às ações relativas ao FIES, na condição de agente operador, em relação aos contratos celebrados até o segundo semestre de 2017.
5. Em relação aos contratos firmados a partir do primeiro semestre de 2018, a participação do FNDE como agente operador, conforme os termos da Portaria MEC 209/2018, é limitada a determinadas atividades, todas elas anteriores ao envio da inscrição ao agente financeiro. Diante disso, para o período em comento, o FNDE possui legitimidade para integrar as lides que tenham como objeto a validade das disposições presentes na Portaria MEC nº 38/2021 quanto às restrições exigidas para a obtenção do financiamento pelo FIES com base na nota obtida no ENEM, não possuindo legitimidade, contudo, quanto aos processos nos quais se discuta o cabimento da utilização da nota do ENEM como requisito para transferência de financiamento estudantil de um curso para outro no âmbito do FIES, exigência estabelecida pela Portaria do MEC nº 535/2020, isso porque essa última controvérsia se relaciona a procedimentos posteriores ao envio da inscrição ao agente financeiro.
6. Com sua primeira previsão normativa insculpida na Medida Provisória nº 1.827/1999, o FIES nasceu com a justificativa de ampliação das condições de acesso à educação de nível superior, “como importante mecanismo de ascensão social, bem assim de incremento da competitividade da economia brasileira”, conforme explicitado na Exposição de Motivos interministerial nº 82/1999, com base na qual o ato normativo em causa foi apresentado ao Congresso Nacional.
7. Reconhecimento de que o FIES não se constitui em mecanismo indissociável do dever constitucional programático cometido ao Estado para a garantia de acesso universal à educação, à consideração de que, segundo o art. 208, V, da Constituição Federal, o acesso ao ensino superior também pressupõe a observância da “capacidade de cada um”.
8. A observância da média aritmética das notas obtidas pelo candidato nas provas do Enem constitui-se em critério objetivo e impessoal para a seleção dos estudantes com vistas à concessão do financiamento, coadunando-se ainda com a necessidade de compatibilização da implementação do programa com as limitações orçamentárias previstas no art. 3º, § 6º, da Lei nº 10.260/2001, sua norma matriz.
9. Compreensão que se acentua na hipótese de transferência para cursos distintos, visto que a ausência da observância da nota obtida pelo último candidato selecionado para o curso de destino a um só tempo afrontaria o princípio da isonomia, na medida em que havendo um número limitado de vagas ofertadas pelas instituições de ensino, a ausência de restrições poderia reduzir o quantitativo ordinariamente disponibilizado para os casos de concessão originária do financiamento, prejudicando candidatos com melhor aproveitamento acadêmico, e por também comprometer o planejamento orçamentário do sistema, na medida em que, como regra, os valores da mensalidade dos cursos de destino – nomeadamente o curso de medicina – são superiores aos do curso de origem.
10. Fixação das seguintes teses para o Incidente de Demandas Repetitivas nº 72: 1) Observada a redação atualmente em vigor da Lei nº 13.530/2017 e da Portaria MEC 209/2018, o FNDE é parte legítima para responder às ações relativas ao FIES, na condição de agente operador, em relação aos contratos celebrados até o segundo semestre de 2017; em relação aos contratos do Fies celebrados a partir do primeiro semestre de 2018, o FNDE é parte legítima, como agente operador, nas ações nas quais se discutam os procedimentos realizados por meio do SisFies no âmbito da CPSA, até o encaminhamento da inscrição ao agente financeiro; 2) As restrições constantes das Portarias MEC 38/2021 e 535/2020 para fins de seleção de estudantes para a obtenção de financiamento estudantil pelo Fies, bem assim para a transferência de cursos mediante a realização de aditamento contratual, não extrapolam nem confrontam o regramento constitucional relativo ao direito à educação, tampouco a norma instituidora do Fies.
ACÓRDÃO
Decide a Terceira Seção do Tribunal Regional Federal da 1ª Região, por unanimidade, julgar o incidente de resolução de demandas repetitivas, nos termos do voto da relatora.
(...) (Grifamos)

 

Destarte, trata-se de jurisprudência absolutamente pacífica no âmbito do Tribunal Regional Federal da 1ª Região - TRF1.

 

JURISPRUDÊNCIA FAVORÁVEL AO MEC NO ÂMBITO DO TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 5ª REGIÃO - TRF5

 

Destaca-se o posicionamento adotado também pelo TRF5:

 

ADMINISTRATIVO. CONSTITUCIONAL. AGRAVO DE INSTRUMENTO. FIES. PRELIMINAR DE ILEGITIMIDADE PASSIVA DA UNIÃO E DO FNDE AFASTADA. NEGATIVA DE INSCRIÇÃO NO PROGRAMA. IMPOSSIBILIDADE. AUSÊNCIA DE JUSTO MOTIVO. . PROCESSO SELETIVO FIES. GRADUAÇÃO ANTERIOR POSSIBILIDADE. AGRAVO PARCIALMENTE PROVIDO.

1. Agravo de instrumento, com pedido de tutela recursal, interposto em face da decisão da lavra do MM. Juiz da 3ª Vara Federal da Seção Judiciária da Paraíba que, nos autos da ação ordinária de origem, indeferiu o pedido de tutela provisória de urgência, que objetivava combater o ato que impõe restrição à utilização do financiamento estudantil/FIES aos estudantes que já possuam outra graduação, por suposta ilegalidade.

2. No que tange à preliminar de ilegitimidade passiva suscitada pela parte agravada, deve ser afastada. Cada um dos entes envolvidos (UF, CEF, BB e FNDE) desempenha diferentes atribuições dentro de suas próprias competências, sendo necessária, portanto, a participação de cada um deles. O FNDE possui legitimidade passiva, sendo responsável pelo funcionamento do sistema. A CEF possui a atribuição de agente financeiro e a União atua, através do Ministério da Saúde, na qualidade de gestor do FIESMED.

3. O FIES é programa de financiamento estudantil instituído pela Lei nº 10.260/2001, que tem o escopo facilitar o acesso ao crédito para financiamento de cursos de ensino superior oferecidos por instituições privadas aderentes ao programa.

4. A Lei nº 10.260/2001 estabelece, em seu art. 3º, §1º, I, que cabe ao Ministério da Educação editar regulamento sobre as regras de seleção de estudantes a serem financiados, devendo ser considerados a renda familiar per capita e outros requisitos, e as regras de oferta de vagas. A Lei 10.260/2001, que instituiu o FIES, previu que o Ministério da Educação editasse atos normativos regulamentares para estabelecer critérios de seleção para a contratação com financiamento pelo FIES.

5. As normas regulamentadoras buscam garantir o financiamento a um número maior de participantes. A criação de critérios seletivos para a celebração de financiamentos é de suma importância, considerando a inexistência de vagas e recursos suficientes para todos os interessados.

6. A desvantagem daqueles que já se utilizaram do programa uma vez ou já são graduados é um critério objetivo de seleção razoável.

7. Uma vez que a parte agravante não comprova ter os requisitos necessários para o seu ingresso ao sistema FIES, afigura-se legítima a recusa de sua inscrição no programa.

8. O STF já estabeleceu que não cabe ao Poder Judiciário se imiscuir no âmbito da discricionariedade da Administração Pública, de modo a afastar os critérios legitimamente definidos, notadamente quando tais critérios não atentam contra o direito à educação.

9. Agravo de instrumento parcialmente provimento, apenas para afastar a preliminar de ilegitimidade passiva da UF e do FNDE.(PROCESSO: 08103520220234050000, AGRAVO DE INSTRUMENTO, DESEMBARGADOR FEDERAL ELIO WANDERLEY DE SIQUEIRA FILHO, 1ª TURMA, JULGAMENTO: 14/12/2023)

 

ADMINISTRATIVO. CONSTITUCIONAL. AGRAVO DE INSTRUMENTO. FIES. NEGATIVA DE INSCRIÇÃO NO PROGRAMA. IMPOSSIBILIDADE. AUSÊNCIA DE JUSTO MOTIVO. FINANCIAMENTO ANTERIOR. PROCESSO SELETIVO FIES. POSSIBILIDADE. AGRAVO NÃO PROVIDO.

1. Agravo de instrumento, com pedido de tutela recursal, interposto em face da decisão da lavra do MM. Juiz da 9ª Vara Federal da Seção Judiciária de Pernambuco que, nos autos da ação ordinária de origem, indeferiu o pedido de tutela provisória de urgência, a qual objetivava combater o ato que impõe restrição à utilização do financiamento estudantil/FIES aos estudantes que já possuam outra graduação, por suposta ilegalidade.

2. O FIES é programa de financiamento estudantil instituído pela Lei nº 10.260/2001, que tem o escopo facilitar o acesso ao crédito para financiamento de cursos de ensino superior oferecidos por instituições privadas aderentes ao programa.

3. A Lei nº 10.260/2001 estabelece, em seu art. 3º, § 1º, I, que cabe ao Ministério da Educação editar regulamento sobre as regras de seleção de estudantes a serem financiados, devendo ser considerados a renda familiar per capita e outros requisitos, e as regras de oferta de vagas. A Lei nº 10.260/2001, que instituiu o FIES, previu que o Ministério da Educação editasse atos normativos regulamentares para estabelecer critérios de seleção para a contratação com financiamento pelo FIES.

4. As normas regulamentadoras buscam garantir o financiamento a um número maior de participantes. A criação de critérios seletivos para a celebração de financiamentos é de suma importância, considerando a inexistência de vagas e recursos suficientes para todos os interessados.

5. A desvantagem daqueles que já se utilizaram do programa, uma vez, já sendo, portanto, graduados, e pretendem utilizar novamente, é um critério objetivo de seleção razoável.

6. Considerando que a parte agravante não comprova ter os requisitos necessários para o seu ingresso ao sistema FIES, afigura-se legítima a recusa de sua inscrição no programa.

7. O STF já estabeleceu que não cabe ao Poder Judiciário se imiscuir no âmbito da discricionariedade da Administração Pública, de modo a afastar os critérios legitimamente definidos, notadamente quando tais critérios não atentam contra o direito à educação.

8. Agravo de instrumento não provido. (PROCESSO: 08137739720234050000, AGRAVO DE INSTRUMENTO, DESEMBARGADOR FEDERAL ELIO WANDERLEY DE SIQUEIRA FILHO, 1ª TURMA, JULGAMENTO: 01/02/2024)

 

ACÓRDÃO Nº 3001/2016-TCU-PLENÁRIO, DE 23 DE NOVEMBRO DE 2016, DO TRIBUNAL DE CONTAS DA UNIÃO - TCU​

 

Resgata a SESu que alterações introduzidas na Lei nº 10.260, de 2001, pela Lei nº 13.530, de 7 de dezembro de 2017, têm fundamento no Acórdão nº 3001/2016-TCU-Plenário, de 23 de novembro de 2016, do Tribunal de Contas da União – TCU, que, ao avaliar a sustentabilidade do Fundo, bem como a eficácia e as vulnerabilidades de seus processos de trabalho, expediu diversas recomendações e determinações, das quais destacamos a 9.4.4.2, abaixo transcrita:

 
(...)
9.4.4. ao Ministério da Educação, ao Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação e ao Ministério do Planejamento, Desenvolvimento e Gestão que:
9.4.4.1. elaborem, em conjunto e apresentem ao Tribunal de Contas da União, no prazo de noventa dias. Plano de Trabalho, com prazos e responsáveis, que contemple, no mínimo, ações sobre:
9.4.4.1.1. a estratégia a ser adotada para que o Fies possa efetivamente contribuir para a política educacional, representada pelo cumprimento das metas fixadas no Plano Nacional de Educação 2014-2024, abrangendo aspectos da execução, acompanhamento e avaliação do programa, além de alterações em sua concepção, caso necessário;
9.4.4.1.2. os aspectos relativos ao monitoramento, à avaliação e à mitigação dos impactos fiscais gerados pela expansão do Fies no período de 2010 a 2015; e
9.4.4.1.3. o monitoramento, a avaliação e as estratégias de atuação quanto aos índices de inadimplência do Fies.
9.4.4.2. realizem os estudos e adotem as medidas previstas na Lei Complementar 101/2000 - Lei de Responsabilidade Fiscal previamente à criação ou expansão de despesas com concessão dos financiamentos do Fies, notadamente no art. 16 daquela lei, considerando que tais dispêndios devem ser considerados como expansão ou aperfeiçoamento da ação governamental;
9.4.4.3. realizem estudos e adotem as medidas previstas na Lei Complementar 101/2000 - Lei de Responsabilidade Fiscal, previamente à criação ou expansão de despesas com a administração dos financiamentos do Fies, destinadas à remuneração dos agentes financeiros, notadamente no art. 17 da lei, considerando que tais dispêndios devem ser considerados como despesas obrigatórias de caráter continuado;
9.4.4.4. elaborem em conjunto e apresentem ao Tribunal de Contas da União, no prazo de noventa dias. Plano de Trabalho, com prazos e responsáveis, que abarque, no mínimo, ações e medidas relativas:
9.4.4.4.1. aos contratos de financiamento já assinados, com indicação das fontes de financiamento a serem utilizadas, considerando o vultoso volume de recursos necessários para sua manutenção;
9.4.4.4.2. à estratégia a ser adotada com relação ao número de financiamentos a serem concedidos nos próximos anos, com indicação da estimativa plurianual do número de vagas e também das fontes de custeio a serem utilizadas para a despesa gerada;
9.4.4.4.3. à sustentabilidade do Fies, de forma a estabelecer tendência de redução da dependência do programa quanto a recursos do Tesouro Nacional, com medidas que possibilitem minimizar a desvalorização real dos ativos do Fundo e aumentar a expectativa de retorno dos financiamentos concedidos;
(...) (grifamos)

 

Coube ao Comitê Gestor do Fies – CG-Fies, órgão de governança composto por membros do Ministério da Educação, da Economia e da Casa Civil, ser o responsável pela formulação da política de oferta de financiamento (art. 3º, inciso III, alínea "a", da Lei nº 10.260, de 2001), cabendo deliberar sobre o planejamento do financiamento estudantil por meio de plano trienal, que conterá, dentre outros, as diretrizes gerais do Fies para o triênio de referência, discriminando a quantidade anual de vagas a serem ofertadas e as prioridades de atendimento do financiamento (art. 7º, inciso VI, alínea "a", do Decreto de 19 de setembro de 2017).

 

Ao Ministério da Educação compete, ao estabelecer a oferta de vagas no âmbito do Fies, observar a disponibilidade financeira e orçamentária e a compatibilidade com as metas de resultados fiscais estabelecidas na lei de diretrizes orçamentárias. Vejamos o disposto no § 6º do art. 3º da Lei nº 10.260, de 2001.

 

Art. 3º ...........................
§ 6º  O Ministério da Educação, ao estabelecer a oferta de vagas no âmbito do Fies, observará a disponibilidade financeira e orçamentária e a compatibilidade com as metas de resultados fiscais estabelecidas na lei de diretrizes orçamentárias.     (Incluído pela pela Lei nº 13.530, de 2017)

 

Sendo assim, resta demonstrado que não há espaço para concessão de novos financiamentos se não houver o correspondente aporte no Fundo Garantidor, sob pena de se criar dificuldades à própria sustentabilidade do Fies e do Fundo Garantidor referido.

 

Nesses termos, a partir do primeiro semestre de 2018, em razão das alterações legais pelas quais passou a Lei nº 10.260, de 2001, alterada pela Lei nº 13.530, de 2017, com introdução inclusive do art. 3º, § 1º, I, e observado ainda o disposto no inciso V do art. 208 da Constituição Federal, as regras acerca do Fies passaram a ser regidas pelo disposto na Portaria MEC nº 209, de 7 de março de 2018, a qual determina que o acesso aos cursos de educação superior, por meio do financiamento público do Fies, dar-se-á única e exclusivamente por meio de processo seletivo do programa, e para tanto, além de observar os critérios para inscrição ao processo seletivo, o estudante ainda deverá ser classificado e pré-selecionado dentro do número de vagas ofertadas pela instituição por meio do Fies para que possa realizar os demais procedimentos tendentes à contratação do financiamento.

 

Oportuno salientar que, embora estejam sendo apresentados os fundamentos que demonstram a legalidade em relação às regras de seleção de estudantes a serem financiados pelo Novo Fies, ou seja, após as alterações introduzidas pela Lei nº 13.530/2017, a realização de processos seletivos, com regras de classificação de acordo com as notas obtidas no Enem, não é novidade no programa. Com efeito, desde o segundo semestre de 2015, os estudantes interessados em obter o financiamento por meio do Fies devem participar de processo seletivo conduzido pelo Ministério da Educação, no qual são utilizadas as notas obtidas no Enem para efetuar a classificação dos candidatos.

 

DO FUNDAMENTO CONSTITUCIONAL

 

É imperioso destacar que as regras de classificação e pré-seleção para concorrer a uma vaga na educação superior por meio do Fies encontra fundamento no inciso V, do art. 208, da Constituição Federal.

 

Embora o art. 205 da Constituição Federal determine que a educação é direito de todos e dever do Estado, o art. 208 define as garantias de acesso a cada nível educacional. No caso do Fies, por se tratar de programa de acesso e permanência no ensino superior, considera-se que as regras de classificação e pré-seleção de candidatos encontram fundamento no disposto no inciso V do referido art. 208, que determina que o acesso aos níveis mais elevados do ensino, da pesquisa e da criação artística, dar-se-á segundo a capacidade de cada um:

 

Art. 205. A educação, direito de todos e dever do Estado e da família, será promovida e incentivada com a colaboração da sociedade, visando ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho.
(...)
Art. 208. O dever do Estado com a educação será efetivado mediante a garantia de:
I - educação básica obrigatória e gratuita dos 4 (quatro) aos 17 (dezessete) anos de idade, assegurada inclusive sua oferta gratuita para todos os que a ela não tiveram acesso na idade própria;         (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 59, de 2009)         (Vide Emenda Constitucional nº 59, de 2009)
II - progressiva universalização do ensino médio gratuito;         (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 14, de 1996)
III - atendimento educacional especializado aos portadores de deficiência, preferencialmente na rede regular de ensino;
IV - educação infantil, em creche e pré-escola, às crianças até 5 (cinco) anos de idade;         (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 53, de 2006)
V - acesso aos níveis mais elevados do ensino, da pesquisa e da criação artística, segundo a capacidade de cada um;
VI - oferta de ensino noturno regular, adequado às condições do educando;
VII - atendimento ao educando, em todas as etapas da educação básica, por meio de programas suplementares de material didáticoescolar, transporte, alimentação e assistência à saúde.         (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 59, de 2009)
§ 1º O acesso ao ensino obrigatório e gratuito é direito público subjetivo.
§ 2º O não-oferecimento do ensino obrigatório pelo Poder Público, ou sua oferta irregular, importa responsabilidade da autoridade competente.
§ 3º Compete ao Poder Público recensear os educandos no ensino fundamental, fazer-lhes a chamada e zelar, junto aos pais ou responsáveis, pela freqüência à escola.

 

Ademais, o direito constitucional à educação é norma de natureza programática, não dispensando o cumprimento das regras previstas em lei ou em atos normativos editados em conformidade com o poder normativo atribuído pela Lei nº 10.260, de 2001.

 

Por ser o Fies um fundo de natureza contábil e, portanto, dependente de limites financeiros e orçamentários do Ministério da Educação, no qual há um número de vagas anuais definidas no Plano Trienal deliberado pelo Comitê Gestor do Fies, a sequência de classificação no processo seletivo do programa, além de objetivar a destinação de recursos financeiros e orçamentários a estudantes com maior dificuldade financeira em arcar com os custos de sua graduação, haja vista o seu caráter social, também observa o disposto no inciso V do caput do art. 208 da Constituição Federal, destinando o financiamento àqueles que demonstram atingir, segundo a sua capacidade, o acesso à educação superior por meio do programa de financiamento estudantil.

 

DOS IMPACTOS RELACIONADOS AO AFASTAMENTO DAS REGRAS DE CLASSIFICAÇÃO E PRÉ-SELEÇÃO PELO PODER JUDICIÁRIO

 

Com o aumento do número de pedidos de obtenção do financiamento do Fies por meio do Poder Judiciário, mediante afastamento das regras de classificação e pré-seleção adotadas nos processos seletivos para obtenção do financiamento estudantil público, é urgente apontar os graves danos que podem ser ocasionados ao Fies, com reflexos na sustentabilidade do Fundo e manutenção do programa a longo prazo, haja vista o impacto orçamentário, e os prejuízos a terceiros de boa-fé, sejam os estudantes ou as próprias instituições de ensino superior.

 

 Impactos Orçamentários e Financeiros no Fies

 

O atual regramento estipulado na Lei nº 10.260, de 2001, com as alterações introduzidas pela Lei nº 13.530, de 2017, visa a garantir a sustentabilidade do Fundo, de forma que seja possível a manutenção do Programa a longo prazo, promovendo a inclusão social e democratização do ensino superior no Brasil, observando os princípios da isonomia, impessoalidade, moralidade, legalidade  e eficiência.

 

A oferta de vagas no âmbito do  Fies está vinculada à observância da disponibilidade financeira e orçamentária e à compatibilidade com as metas de resultados fiscais estabelecidas na lei de diretrizes orçamentárias (§ 6º do art. 3º da Lei nº 10.260, de 2001). Além disso, o Comitê Gestor do Fies (CG-Fies) é o responsável pela formulação da política de oferta de financiamento (art. 3º, inciso III, alínea a, da Lei nº 10.260, de 2001), cabendo deliberar sobre o planejamento do financiamento estudantil por meio de plano trienal, que conterá, dentre outros, as diretrizes gerais do Fies para o triênio de referência, discriminando a quantidade anual de vagas a serem ofertadas e as prioridades de atendimento do financiamento (art. 7º, inciso VI, alínea a, do Decreto de 19 de setembro de 2017).

 

O § 6º do art. 3º da Lei nº 10.260, de 2001, não deixa qualquer dúvida quanto à necessidade de estrita observância à lei de diretrizes orçamentária:

 

Art. 3º ..........................
.....................................
§ 6º  O Ministério da Educação, ao estabelecer a oferta de vagas no âmbito do Fies, observará a disponibilidade financeira e orçamentária e a compatibilidade com as metas de resultados fiscais estabelecidas na lei de diretrizes orçamentárias.
..................................... (Grifamos)

 

Isso posto, frisa-se que a concessão de financiamentos com recursos do Fies deve guardar estreita observância quanto aos limites globais orçamentários e financeiros destinados ao Fundo, o que obriga o Ministério da Educação a observar o número de vagas anuais definidas no Plano Trienal do Comitê Gestor do Fies (CG-Fies).

 

Destaca-se que os limites orçamentários e financeiros destinados ao Fies não se encontram vinculados apenas aos novos financiamentos a serem celebrados a cada ano, mas igualmente referem-se ao aditamento de todos os contratos do Fies em utilização. Apenas para ressaltar, desde a sua criação, o Fies já beneficiou aproximadamente 3,3 milhões de estudantes, sendo que mais de 2,8 milhões ainda possuem contrato ativo e com saldo devedor junto aos agentes financeiros Banco do Brasil S. A. e Caixa Econômica Federal. O valor total da carteira de financiamentos do Fies, que corresponde ao saldo devedor dos contratos administrados pelos agentes financeiros do Fundo, ultrapassa os 115 bilhões de reais.

 

Salienta-se que, das centenas de processos judiciais recebidos, foram observadas diversas situações, das quais ao analisar o caso específico do estudante verificou-se, inclusive, que a decisão judicial não considerou outros critérios legalmente definidos, sendo até inexequível. A seguir, constam algumas das situações observadas:

 

(i) autor(a)/impetrante/agravante não se inscreveu no processo seletivo do Fies para o qual pretende que lhe seja conferido o financiamento estudantil;

(ii) autor(a)/impetrante/agravante não iniciou o curso de Medicina para o qual pleiteia obter o financiamento do Fies, mas requer que lhe seja conferida decisão favorável em referência à situação futura e incerta;

(iii) autor(a)/impetrante/agravante presta informações divergentes quanto à composição de seus grupo familiar e renda familiar bruta per capita;

(iv) autor(a)/impetrante/agravante que informa estar matriculado no curso para o qual pleiteia o financiamento, no entanto não faz comprovação do mesmo nos autos;

(v) autor(a)/impetrante/agravante que possui financiamento em utilização e pleiteia novo financiamento para curso de Medicina, ao arrepio do disposto no § 6º do art. 1º da Lei nº 10.260, de 2001, que veda a concessão de financiamento a estudante com financiamento em utilização;

(vi) autor(a)/impetrante/agravante que não quitou financiamento anteriormente utilizado e pleiteia novo financiamento para curso de Medicina, ao arrepio do disposto no § 6º do art. 1º da Lei nº 10.260, de 2001, que veda a concessão de financiamento a estudante que não quitou financiamento anteriormente utilizado;

(vii) autor(a)/impetrante/agravante já graduado e já financiado pelo Fies que requer financiamento em inobservância à parte inicial do disposto no § 6º do art. 1º da Lei nº 10.260, de 2001, que determina que o Fies seja destinado prioritariamente a estudantes que não tenham concluído o ensino superior e não tenham sido beneficiados pelo financiamento estudantil;

(viii) autor(a)/impetrante/agravante que pleiteia vaga em cursos de Medicina de instituições que não emitiram Termo de Participação aos processos seletivos do Fies ou para o processo seletivo do Fies para o qual pleiteia o financiamento, em franca inobservância ao art. 207 da CF, uma vez que a opção pela participação ou não da instituição a cada processo seletivo do Fies, e no caso de emissão de Termo de Participação, de oferta ou não de vagas, bem como o número de vagas a serem ofertadas a cada processo seletivo do Programa são atos volitivos da instituição de ensino superior, por meio de sua mantenedora, consubstanciado na sua autonomia universitária, bem como no planejamento para a oferta de vagas, ato exclusivo das instituições;

(ix) autor(a)/impetrante/agravante que pleiteia vaga em cursos de Medicina de instituições que ocuparam todas as vagas ofertadas por candidatos com classificação melhor do que as suas, o que gera a necessidade de anulação de pré-seleção já realizada, para se conceder à vaga ao(à) autor(a)/agravante, em claro prejuízo a terceiros de boa-fé;

(x) autor(a)/impetrante/agravante que nunca realizou as provas do Enem, ou que não possui média de notas para se inscrever aos processos seletivos do Fies, em afronta à decisão proferida pelo STF na Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) nº 341/DF.

 

Ressalta-se que não é apenas a legislação do Fies que está a ser ferida por tais decisões, mas também a Lei nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996, que dispõe sobre as diretrizes e bases da educação brasileira (LDB), visto que em algumas decisões o comando não só determina a formalização do contrato do Fies, em inobservância à legislação do programa, mas também à transferência para cursos não afins, em total ilegalidade quanto ao disposto no art. 49 da LDB:

 

Art. 49. As instituições de educação superior aceitarão a transferência de alunos regulares, para cursos afins, na hipótese de existência de vagas, e mediante processo seletivo.
Parágrafo único. As transferências ex officio dar-se-ão na forma da lei.       (Regulamento) (Grifamos)
 

Considerando que, para cada pedido deferido pelo judiciário, independentemente de o autor/impetrante/agravante estar ou não matriculado na IES, uma nova vaga de financiamento do Fies deve obrigatoriamente ser criada, o impacto orçamentário de tais decisões judiciais é incalculável e põe em risco a manutenção do Fundo.

 

É relevante frisar que, em quase sua totalidade, os pleitos na via judicial têm como objeto a concessão de Fies em curso de Medicina, que é um dos cursos mais concorridos do Brasil e, no Fies, essa situação não é diferente.

 

Tendo em vista que as decisões afastam justamente os critérios estabelecidos pelo Ministério da Educação no tocante à classificação e seleção dos candidatos a partir das notas obtidas no Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) e outros, de maneira que passa a ser suficiente para garantir a vaga do Fies o atendimento tão somente dos requisitos de inscrição, ou seja, de renda e a obtenção de nota mínima no Enem (450 pontos e nota superior a zero na redação), os impactos e prejuízos ao programa são gigantescos.

 

A título de estimativa, a Secretaria de Educação Superior (SESU) simuloupotencial impacto das decisões judiciais, considerando o cenário concreto de candidatos em lista de espera somente no ano de 2024, ou seja, todos candidatos em situação de baixa renda e com nota mínima no Enem e interessados no financiamento, tendo em vista o limite máximo de financiamento pelo Fies para os cursos de Medicina, em observância ao art. 4º-B da Lei nº 10.260, de 2001, e à Resolução CG-Fies nº 54, de 12 de junho de 2023, que está em R$ 60.000,00 (sessenta mil) a semestralidade:

 

Processo seletivo do Fies no 1º semestre de 2024:

Candidatos em lista de espera em cursos de Medicina: 52.406

Memória de cálculo impacto orçamentário: 

Semestre: 52.406 candidatos X R$ R$ 60.000,00 = R$ 3.144.360-000,00

Ano: R$ 3.144.360.000,00 X 2 = R$ 6.288.720.000,00

Curso (12 semestres ou 6 anos): R$ 6.288.720.000,00 X 6 = R$ 37.732.320.000,00

 

Processo seletivo do Fies no 2º semestre de 2024:

Candidatos em lista de espera em cursos de Medicina: 25.272

Memória de cálculo impacto orçamentário: 

Semestre: 25.272 candidatos X R$ R$ 60.000,00 = R$ 1516.320.000,00

Ano: R$ 1.516.320.000,00 X 2 = R$ 3.032.640.000,00

Curso (12 semestres ou 6 anos): R$ 3.032.640.000,00 X 6 = R$ 18.195.840.000,00

 

Observa-se que o cenário ora demonstrado tem em conta apenas os cursos de Medicina, sendo que ao se levar em consideração todos os demais cursos, torna-se impraticável a oferta de financiamento público.

 

Nesses termos, em sendo proferidas novas decisões ou mantidos os deferimentos dos pedidos que buscam a superação das regras de classificação e seleção do Fies, devidamente consignadas nos editais da SESu, nas regras constantes da Portaria MEC nº 209, de 7 de março de 2018, nas Resoluções do CG-Fies, e no disposto na Lei nº 10.260, de 12 de julho de 2001, resultando no acesso ao financiamento público tão somente a partir da observância quanto à obtenção de média mínima de notas no Enem e que o candidato comprove atender o requisito de renda familiar mensal per capitaos impactos orçamentários no Fies podem superar os R$ 55.928.160.000,00Isso considerados somente os candidatos em lista de espera nos processos seletivos do Fies no ano de 2024. Esse número deverá ser muito superior se levarmos em consideração outros estudantes que também tenham baixa renda e nota mínima no Enem, mas que não tenham participado dos processos seletivos do Fies. Desse modo, são incontestáveis os impactos orçamentários ao Fundo.

 

Dos Prejuízos aos Terceiros de Boa-fé

 

Como já esclarecido, as decisões proferidas em ações ordinárias/mandados de segurança/agravos de instrumento e aquelas que continuam a ser recebidas no Ministério da Educação, que visam a afastar as regras de classificação e pré-seleção do Fies, resultam em grave lesão também a todos os terceiros de boa-fé que observam  as regras para participação nos processos seletivos para obtenção do financiamento estudantil público.

 

Ademais, é de se destacar que pode ser necessário anular a pré-seleção já realizada para determinado estudante caso a instituição se recuse a aceitar estudantes com financiamento do Fies além do número indicado em seus Termos de Participação (amparado não somente no princípio da autonomia universitária, mas também no princípio da livre iniciativa) para conferir a vaga a estudante que ingressou no Poder Judiciário para obtenção do Fies ao arrepio da legislação pátria e das decisões dos Tribunais Superiores.

 

Dos Prejuízos aos Estudantes

 

Como já esclarecido, as decisões judiciais beneficiam proponentes que não obtiveram média de nota no Enem suficiente para serem contemplado com o financiamento do Fies. Tome-se como exemplo o caso de proponente que tenha obtido média no Enem igual a 632,32, foi classificado na 1.500º posição e teve assegurado, por decisão judicial, o direito de contratar o Fies, muito embora a nota de corte tenha sido 744,24. Neste exemplo, caso haja 65 vagas ofertadas no grupo de preferência, o beneficiado pela decisão judicial ultrapassará, sem qualquer motivo legítimo, 1435 pessoas que tiveram nota superior à sua. Essa situação revela uma grave violação à isonomia, com clara transgressão ao regime jurídico aplicado a todos os demais estudantes que se inscreveram no Fies.

 

Importante repisar que, desde o segundo semestre de 2015, as regras do Fies tornadas públicas, por meio de Portarias do MEC e Editais da SESu, determinam que a classificação se dará na ordem decrescente das notas no Enem obtidas pelos candidatos no curso/turno/local de oferta/instituição de opção, e que a pré-seleção ocorrerá na ordem de classificação, observado o número de vagas ofertadas por cada curso/turno/local de oferta/instituição. São regras claras, existentes em vestibulares e, inclusive, em concursos públicos, assegurando isonomia entre os candidatos inscritos.

 

Dos Prejuízos às Instituições de Ensino Superior

 

Há de se registrar que, além da limitação de vagas de financiamento, definida no Plano Trienal do CG-Fies, há o limite imposto pelas instituições de ensino superior, que possuem autonomia para definir quais de seus cursos participarão do processo seletivo do Fies e com qual quantitativo, observado o número de vagas fixado no ato autorizativo expedido pela Secretaria de Regulação e Supervisão da Educação Superior (SERES/MEC). Além disso, consubstanciadas no princípio da livre iniciativa, a oferta de vagas pelas instituições resulta de considerações internas, de planejamento administrativo e financeiro etc., que acabam por ser postos de lado por tais decisões.

 

Dessa forma, verifica-se que a obrigação do Ministério em cumprir as determinações judiciais poderá implicar inclusive em desrespeito à autonomia conferida às universidades pelo art. 207 da Constituição Federal quanto ao número de vagas que desejam ofertar por meio do Fies.

 

Impera ressaltar que não é o MEC que determina o número de vagas a serem ofertadas pelas instituições de ensino superior. São as próprias instituições que informam o número de vagas que desejam ofertar a partir de seus planejamentos financeiros, sendo que no caso do curso de Medicina, o MEC, ao selecionar as vagas a serem ofertadas, conforme dispõem os atos normativos do Fies, seleciona todas as vagas informadas pela instituição para esse curso.

 

Assim, a opção pela participação ou não da instituição a cada processo seletivo do Fies, e no caso de emissão de Termo de Participação, de oferta ou não de vagas, bem como o número de vagas a serem ofertadas a cada processo seletivo do Programa são atos volitivos da instituição de ensino superior, por meio de sua mantenedora, consubstanciado na sua autonomia universitária, bem como no planejamento para a oferta de vagas, ato exclusivo das instituições. 

 

Portanto, ao MEC, não compete criar vagas em número superior ao determinado pelas instituições em seus Termos de Participação, sendo que tal procedimento importaria em total descumprimento ao princípio constitucional da autonomia universitária e da livre iniciativa.

 

Urge destacar que as instituições de ensino participantes do Fies não recebem os valores das mensalidades ou das semestralidades referentes aos estudantes com financiamento estudantil em espécie ou na integralidade. Com efeito, sob o valor dos encargos educacionais, são descontados, por exemplo, a remuneração dos agentes financeiros (art. 2º, § 6º, da Lei nº 10.260, de 2001) e os aportes ao Fundo Garantidor do Fies (art. 4º, § 11, da Lei nº 10.260, de 2001). Ademais, os pagamentos às instituições de ensino pelos encargos educacionais relativos às operações de financiamento realizadas com recursos do Fundo são efetuados com títulos da dívida pública, representados por certificados de emissão do Tesouro Nacional, podendo ser utilizados para pagamento de contribuições sociais ou outros tributos administrados pela Secretaria da Receita Federal do Brasil, sendo que a recompra dos certificados ocorre no mínimo a cada trimestre.

 

Soma-se ainda outros prejuízos do ponto de vista pedagógico e regulatório, com reflexos negativos diretamente na qualidade dos cursos, inclusive em seus conceitos no SINAES, nos termos da Lei nº 10.861, de 14 de abril de 2004. 

 

A razão da limitação do número de vagas nos cursos de Medicina é óbvia. Por ser um curso eminentemente prático, a ampliação de vagas sem a devida análise acerca das condições de infraestrutura institucional e a estrutura de equipamentos públicos e programas de saúde no município de oferta do curso, além da existência de condições e de equipamentos de saúde para comportar o quantitativo de alunos que necessitam de campo de estágio, impacta diretamente na qualidade dos cursos e, consequentemente, na formação dos futuros médicos. 

 

As decisões judiciais que estão a ser proferidas poderão resultar em turmas de Medicina com classes de estudantes em número superior ao apropriado e na falta de campo de estágio adequado, gerando prejuízos a todos os estudantes, sejam aqueles com os encargos educacionais financiados pelo Fies ou aqueles que arcam com recursos próprios os seus cursos.

 

conclusão e encaminhamentos

 

De todos os esclarecimentos prestados, fica claro que as decisões judiciais ora combatidas, bem como aquelas que poderão ser recebidas pelo Ministério da Educação, impactarão negativamente o teto de gasto público e o resultado primário do Fies, podendo haver, inclusive, a necessidade de se consumir o orçamento dos próximos anos, com expressiva diminuição da oferta de financiamento do Fies a novos estudantes em todos os cursos, em prejuízo a um grande número de interessados e ao próprio país, bem como às diversas outras políticas públicas geridas pelo Ministério da Educação que concorrem com o Fies na busca de recursos públicos.

 

Soma-se, ainda, outros prejuízos do ponto de vista pedagógico e regulatório, com reflexos negativos diretamente na qualidade dos cursos, em inobservância ao disposto no art. 46 da LDB, que regula o disposto no art. 209 da Constituição Federal, além das normas referentes ao exercício das funções de regulação, supervisão e avaliação das instituições de educação superior e dos cursos superiores de graduação e de pós-graduação no sistema federal de ensino, dispostos no Decreto nº 9.235, de 15 de dezembro de 2017. Novamente, observa-se que as decisões ora tratadas atingem a esfera da discricionariedade da Administração Pública, sem que as tenham invalidado ou tornadas inconstitucionais, inclusive em desobediência à separação de Poderes.

 

Ressalta-se também que, a partir da decisão proferida no Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas n. 72, processo nº 032743-75.2023.4.01.0000 no âmbito do TRF1, há sérios riscos que haja a migração dos pedidos que eram feitos no referido Tribunal Regional para as jurisdições de outros Tribunais Regionais, com as consequências daí advindas.

 

Diante do exposto, sugere-se o acolhimento da presente manifestação jurídica como Informação Jurídica Referencial, nos termos da Portaria Normativa CGU/AGU nº 05, de 2022, que deverá ser adotada como parâmetro nos processos com pedidos de subsídios, de fato e de direito, solicitados pelas Procuradorias Regionais da União para defesa da União em ações judiciais em que se requer a contratação do financiamento estudantil com recursos do Fundo de Financiamento Estudantil, com pretensão de que sejam afastadas as regras de classificação e pré-seleção definidas pelo Ministério da Educação amparadas no art. 3º, § 1º, I, da Lei nº 10.260, de 12 de julho de 2001, pelo prazo de 02 (dois) anos a partir de sua aprovação.

 

Caso seja recebido pedido de subsídios em matéria idêntica à versada nestes autos, a  presente manifestação deverá ser encaminhada, por Ofício, ao órgão do contencioso oficiante, acompanhada da Nota Técnica nº 9/2025/CGPES/DIPPES/SESU/SESu, da Secretaria de Educação Superior, com orientações gerais sobre sua utilização. 

 

Ressalta-se, entretanto, que este órgão consultivo poderá se pronunciar, de ofício ou por provocação específica, visando à retificação, complementação, aperfeiçoamento ou ampliação de posicionamento lançado na presente Informação Jurídica Referencial, ou para adaptá-la à inovação normativa, mutação jurisprudencial ou entendimento de órgão de direção superior da AGU.

 

Registra-se que a presente Informação Jurídica Referencial terá prazo de validade de 2 (dois) anos a contar da data de sua aprovação, nos termos do art. 11 da Portaria Normativa CGU/AGU nº 05/2022.

 

Em atenção ao art. 9º, III, "a", da Portaria Normativa CGU/AGU nº 05, de 2022, seja dada ciência, com registro de que se trata de IJR, à:

 
a) Procuradoria-Geral da União;
b) às Procuradorias Regionais da União; e
c) ao Departamento de Informações Jurídico-Estratégicas da Consultoria-Geral da União.
 

Recomenda-se, ainda, o envio dos autos ao Chefe de Divisão de Gestão e de Apoio Administrativo, para alimentação da página da Consultoria Jurídica, providenciando a inserção na página do Ministério da Educação e para ciência aos advogados públicos em exercício na CONJUR/MEC.

 

Ainda, à Secretaria de Educação Superior, para ciência. 

 

 

À aprovação superior. 

 

 

Brasília, 27 de janeiro de 2025.

 

IVAN MARREIROS DA COSTA FILHO

ADVOGADO DA UNIÃO

 


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