ADVOCACIA-GERAL DA UNIÃO
CONSULTORIA-GERAL DA UNIÃO
CONSULTORIA JURÍDICA JUNTO AO MINISTÉRIO DA CULTURA
GABINETE
PARECER n. 00033/2025/CONJUR-MINC/CGU/AGU
NUP: 01400.002548/2025-19
INTERESSADOS: PROCURADORIA FEDERAL JUNTO À FUNDAÇÃO BIBLIOTECA NACIONAL - FBN
ASSUNTOS: ATOS ADMINISTRATIVOS
EMENTA: I. Direito internacional. Parceria com órgão estatal estrangeiro. Minuta de Memorando de Entendimento. Instrumento não vinculante e não oneroso. II. Possibilidade jurídica. III. Recomendações.
I. RELATÓRIO
Por meio do Ofício nº 83/2025/AEAI/GM/MinC (2119861), a Assessoria Especial de Assuntos Internacionais encaminha ao Gabinete da Ministra de Estado da Cultura, para posterior envio a esta Consultoria Jurídica, minuta de Memorando de Entendimento entre a Ministra da Cultura da República Portuguesa e a Ministra da Cultura da República Federativa do Brasil, que estabelece as bases da cooperação entre Fundação Biblioteca Nacional do Brasil e a Biblioteca Nacional de Portugal, com o seguinte objetivo (SEI 2119831):
O objetivo do presente Memorando de Entendimento é o intercâmbio entre a Fundação Biblioteca Nacional e a Biblioteca Nacional de Portugal, para benefício mútuo.
Para o que interessa à presente análise, além da minuta de Memorando de Entendimento (SEI 2119831), foi juntada aos autos a Nota Técnica da Fundação Biblioteca Nacional (SEI 2119818), que fornece a fundamentação técnica do ato e o histórico da demanda, bem como o Parecer nº 002/2025/TS/PFFBN/PGF/AGU (2119816) da Procuradoria Federal Especializada junto à FBN e a Nota Técnica nº 3/2025 da Assessoria Especial de Assuntos Internacionais (2119858).
Corroborando com o Parecer nº 002/2025/TS/PFFBN/PGF/AGU (2119816) da Procuradoria Federal Especializada junto à FBN, considerando que o Memorando de Entendimento foi proposto para ser subscrito pelos dirigentes máximos dos Ministérios da Cultura de cada país envolvido, a competência para o controle de juridicidade do ato é desta Consultoria Jurídica junto ao Ministério da Cultura (CONJUR/MINC).
É o relatório. Passa à análise.
II. ANÁLISE JURÍDICA
A presente análise se dá com fundamento no art. 131 da Constituição Federal e no art. 11 da Lei Complementar nº 73/1993, subtraindo-se do âmbito da competência institucional deste Órgão Jurídico, delimitada em lei, análises que importem em considerações de ordem técnica, financeira ou orçamentária.
Quanto aos aspectos técnicos e de conveniência e oportunidade do ajuste, cabe à área técnica justificar e motivar o ato, atribuições que fogem à seara de competências desta Consultoria, como dito acima.
Nesse sentido, foi juntada aos autos a NOTA TÉCNICA Nº 3/2025 (SEI 2119858), na qual a Assessoria Especial de Assuntos Internacionais fundamentou a prática do ato:
Conclui-se, do ponto de vista técnico desta Assessoria Especial para Assuntos Internacionais que este instrumento será de grande valia para desenvolver e aprofundar atividades cooperativas visando fortalecer a cooperação em áreas de interesse mútuo das respectivas instituições.
Como dito, o ato em análise é um Memorando de Entendimento que se pretende celebrar com o objetivo de "o intercâmbio entre a Fundação Biblioteca Nacional e a Biblioteca Nacional de Portugal, para benefício mútuo".
Dito isso, observo que é variada a denominação dada aos atos internacionais. Embora a denominação escolhida não influencie o caráter do instrumento, ditada pelo arbítrio das partes, pode-se estabelecer certa diferenciação na prática diplomática, decorrente do conteúdo do ato e não de sua forma. As denominações mais comuns são tratado, acordo, convenção, protocolo e memorando de entendimento.
Memorando de Entendimento, especificamente, é a designação comum para atos redigidos de forma simplificada, destinados a registrar princípios gerais que orientarão as relações entre as Partes nos planos político, econômico, cultural ou em outros. Conforme exposto no o Manual de Redação Oficial e Diplomática do Itamaraty:
Memorando de entendimento designa ato de forma bastante simplificada destinado a registrar princípios gerais que orientarão as relações entre as partes, em particular nos planos político, econômico, cultural, científico e educacional, bem como definir linhas de ação e áreas de cooperação. Em geral, a nomenclatura “memorando de entendimento” é usada para atos que prescindam de aprovação congressual e que possam entrar em vigor na data de sua assinatura.
Assim, os Memorandos de Entendimento são instrumentos ordinariamente utilizados para formalizar a intenção das Partes para a consecução de determinado objeto específico, sendo, em síntese, verdadeiros protocolos de intenções, sem força vinculante, vez que não criam obrigações ou direitos entre os celebrantes, tratando-se de articulação embrionária de avenças futuras e que ganham forma para dar maior solenidade às intenções manifestadas.
É da natureza do instrumento não definir qualquer obrigação entre as partes, quer no plano do direito internacional, quer no plano doméstico, o que lhe retira ao menos parcela de seu caráter operacional, limitando-se mais a estabelecer, assim, princípios gerais que nortearão futuras cooperações de interesse das instituições envolvidas, se for o caso.
Portanto, o Memorando de Entendimento não pode gerar, por si só, a obrigação de as partes pactuarem iniciativas de cooperação, já que não pode haver vinculação jurídica obrigacional neste tipo de instrumento. A base para estes futuros acordos deverá ser um Tratado assinado pelo Presidente da República ou outro agente plenipotenciário, incorporado ao ordenamento jurídico interno com decreto legislativo e posterior decreto presidencial de incorporação.
Nesse sentido é a definição encartada pelo Manual de Gestão da Cooperação Técnica Sul-Sul da Agência Brasileira de Cooperação:
Os Memorandos de Entendimento (MdE) e as Declarações Conjuntas são atos redigidos de forma genérica e simplificada, destinados a registrar a intenção das Partes (que podem ser Governos ou organizações internacionais) em estabelecer iniciativas de cooperação técnica Sul-Sul, definidas em amplas linhas de ação. O Memorando de Entendimento é um documento de função meramente política e não pode gerar obrigações de qualquer espécie e tampouco prever o empenho de recursos. Em vista disso, o MdE não faz referência a valores orçamentários e não inclui termos referentes a mecanismos ou arranjos de execução ou implementação das futuras iniciativas. Para o Governo brasileiro, o Memorando de Entendimento não oferece respaldo jurídico a iniciativas de cooperação. Este instrumento não requer ratificação pelo Congresso Nacional e, na medida em que não criem compromissos gravosos para a União, podem entrar em vigor na data da assinatura.(destacamos) Disponível em: http://www.abc.gov.br/Content/ABC/docs/Manual_SulSul_v4.pdf.
Nessa esteira, eventuais ajustes futuros que concretizem a intenção de cooperação inicial deverão se basear nos Tratados assinados com os partícipes e, a depender do caso, a aplicação do Decreto nº 5.151, de 22 de julho de 2004, sempre com a participação da ABC na formalização do instrumento. No caso analisado, resta dispensada a aplicação do referido Decreto.
Vale notar que o cláusula 4a da Minuta de Memorando em tela dispõe:
1. Todas as despesas efetuadas ao abrigo do presente Memorando dependem da disponibilidade orçamental anual ordinária dos serviços dos Signatários e têm de ser efetuadas ao abrigo da respetiva Lei Orgânica e nos termos do direito interno de ambos os seus Estados.
2. O presente Memorando constitui uma declaração de intenções e não é juridicamente vinculativo, nem está sujeito ao Direito Internacional. Qualquer ação conjunta entre as partes interessadas deve ser instrumento próprio a regular esta atuação, não sendo o presente Memorando de Entendimento suficiente para embasar atuações com reflexos e compromissos superiores ao disposto no pacto que ora pretende-se firmar, em especial pela natureza de mero protocolo de cooperação entre os partícipes sem repercussão financeira.
(...)
Portanto, o instrumento não envolve transferência de recursos e não estabelece obrigação legal entre as Partes. Assim, caso venha a ser necessário o financiamento de qualquer despesa de uma parte por outra, deve ser celebrado novo instrumento com essa finalidade específica, seguindo os ritos oficiais específicos.
De fato, o Memorando de Entendimento é um instrumento não-vinculante, que não implica compromisso de transferência de recursos do Estado brasileiro ou atividades gravosas ao patrimônio nacional, de modo que não precisa ser submetido ao Congresso Nacional.
Vale notar que apenas os atos internacionais que acarretem encargos ou compromissos gravosos ao patrimônio nacional devem ser aprovados pelo Congresso Nacional, nos termos do art. 49, inciso I, da Constituição Federal, bem como ser celebrados pelo Presidente da República ou agente plenipotenciário natos, sujeitos ao referendo do Congresso Nacional, como determina o art. 84, VIII da Constituição Federal:
Art. 49. É da competência exclusiva do Congresso Nacional:
I - resolver definitivamente sobre tratados, acordos ou atos internacionais que acarretem encargos ou compromissos gravosos ao patrimônio nacional;
(...)
Art. 84. Compete privativamente ao Presidente da República:
[...]
VIII - celebrar tratados, convenções e atos internacionais, sujeitos a referendo do Congresso Nacional;
Assim, o fato de o instrumento não trazer compromissos ou vinculação jurídica ao País no plano internacional faz com que também não precise ser obrigatoriamente subscrito pelo Presidente da República, pelo Ministro das Relações Exteriores e/ou outra autoridade plenipotenciária ou agente com carta de plenos poderes.
No que diz respeito à autoridade que assinará os instrumentos, observo que a competência do Ministério da Cultura para tratar do tema consta do art. 21 da Lei n. 14.600/2023, e do art. 1º do Decreto nº 11.336/2023:
“I - política nacional de cultura e política nacional das artes;
II - proteção do patrimônio histórico, artístico e cultural;
III - regulação dos direitos autorais;
IV - assistência ao Ministério do Desenvolvimento Agrário e Agricultura Familiar e ao Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) nas ações de regularização fundiária, para garantir a preservação da identidade cultural dos remanescentes das comunidades dos quilombos, observadas as competências do Ministério da Igualdade Racial;
V - proteção e promoção da diversidade cultural;
VI - desenvolvimento econômico da cultura e da política de economia criativa;
VII - desenvolvimento e implementação de políticas e de ações de acessibilidade cultural; e
VIII - formulação e implementação de políticas, de programas e de ações para o desenvolvimento do setor museal.”
Portanto, não havendo dúvida quanto à competência do Ministério da Cultura, representado por sua Titular, para a assinatura de Memorando de Entendimento como o que ora se pretende firmar, por se tratar de assunto concernente à matéria que foi atribuída pelo Presidente da República e pelo Congresso Nacional a esta Pasta.
No que diz respeito à minuta propriamente dita, sugiro apenas a alteração quanto à qualificação das Partes signatárias, retirando-se Ministra e substituindo por Ministério como parte, bem como proponho a correção de alguns erros de digitação, conforme exemplo a seguir:
MEMORANDO DE ENTENDIMENTO ENTRE O MINISTÉRIO DA CULTURA DA REPÚBLICA PORTUGUESA E O MINISTÉRIO DA CULTURA DA REPUBLICA FEDERATIVA DO BRASIL QUE ESTABELECE AS BASE DA COOPERAÇÃO ENTRE A FUNDAÇÃO BIBLIOTECA NACIONAL DO BRASIL E A BIBLIOTECA NACIONAL DE PORTUGAL
O Ministério da Cultura da República Portuguesa e o Ministério da Cultura da República Federativa do Brasil,,conscientes da importância do desenvolvimento cultural da Fundação Biblioteca Nacional e da Biblioteca Nacional de Portugal, e buscando aprofundar as experiências e a produção de conhecimento no campo da Biblioteconomia e da Ciência da Informação, além da disseminação da herança cultural comum expressa nos respectivos acervos, acordam no seguinte Memorando de Entendimento:
Cumpre esclarecer que o Tratado de Amizade, Cooperação e Consulta (Decreto n° 3.927/01) fora firmado entre os Estados Nacionais e, não efetivamente, entre as pessoas físicas indicadas na minuta, as quais atualmente assumem os cargos de Ministras da Cultura. Assim, se considera necessário que a assunção do acordo seja entre os Ministérios, ainda que representados pelas pessoas físicas competentes que assinarão o documento.
Ademais, quanto à validade do Memorando, a Cláusula 4a, item 4, não previu prorrogação do prazo de quatro anos, de modo que, caso necessário, não seria possível estender a vigência do documento. Logo, recomendo que a Assessoria Especial de Assuntos Internacionais verifique se, de fato, essa foi a intenção da Fundação Biblioteca Nacional e da Biblioteca Nacional de Portugal. Do contrário, deve haver alteração do referido ponto.
Diante do avaliado, com relação ao restante da minuta ora submetida à análise desta Consultoria (SEI 2119831), observo que esta contém os dispositivos necessários e suficientes para a finalidade a que se destina.
Ressalto, por fim, a necessidade de avaliação por parte da Assessoria Especial de Assuntos Internacionais - AEAI/MINC quanto à eventual necessidade de remessa ao Ministério das Relações Exteriores, considerando as competências deste, nos termos do art. 44 da Lei n. 14.600/2023.
III. CONCLUSÃO
Ante o exposto, ressalvados os aspectos técnicos e de conveniência e oportunidade na efetivação do ajuste, não sujeitos ao crivo desta Consultoria Jurídica, e ainda considerando-se a manifestação favorável do órgão técnico competente, cumpre opinar pela regularidade do procedimento, e pela aprovação da minuta submetida à apreciação desta Consultoria Jurídica, observados os parágrafos 23, 25 e 27.
Por fim, vale lembrar que, de acordo com o Enunciado nº 05 do Manual de boas Práticas Consultivas da AGU, não é necessário o retorno dos autos a esta Consultoria, salvo se subsistir dúvida de cunho jurídico.
Isto posto, submeto o presente processo à consideração superior, sugerindo que os autos sejam, na sequência, encaminhados à Assessoria Especial de Assuntos Internacionais, para as providências cabíveis.
Brasília, 12 de fevereiro de 2025.
LORENA DE FÁTIMA SOUSA ARAÚJO NARCIZO
Procuradora da Fazenda Nacional
Consultora Jurídica Adjunta
Consultoria Jurídica junto ao Ministério da Cultura
Atenção, a consulta ao processo eletrônico está disponível em https://supersapiens.agu.gov.br mediante o fornecimento do Número Único de Protocolo (NUP) 01400002548202519 e da chave de acesso 4bb76d0b