ADVOCACIA-GERAL DA UNIÃO
CONSULTORIA-GERAL DA UNIÃO
DEPARTAMENTO DE COORDENAÇÃO E ORIENTAÇÃO DE ÓRGÃOS JURÍDICOS


 

PARECER n. 00008/2025/DECOR/CGU/AGU

 

NUP: 00688.001563/2024-19

INTERESSADOS: MINISTÉRIO DO MEIO AMBIENTE E MUDANÇA DO CLIMA - MMA

ASSUNTOS: CESSÃO DE SERVIDOR

 

EMENTA: DIREITO ADMINISTRATIVO. CESSÃO DE SERVIDOR PÚBLICO. CONVÊNIO. LEGISLAÇÃO ESTADUAL.
1. O termo "convênio" adotado por algumas legislações de outros entes federativos como requisito para formalizar a cessão de seus servidores públicos, é uma parceria, ou seja, um convênio "lato sensu".
2. A esta espécie de parceria (convênio "lato sensu") não se aplica o Decreto nº 11.531, de 2023 e a Portaria Conjunta MGI/MF/CGU nº 33, de 2023, por serem estes aplicáveis aos convênios em sentido estrito.
3. O fato da legislação federal não adotar regramento semelhante para cessão de seus servidores públicos para outros entes federativos e, portanto, não haver uma legislação federal regulamentando esse tipo de parceria com estes entes não impede a sua celebração pela Administração Pública Federal em respeito ao pacto federativo.
4. Possibilidade jurídica da Administração Pública Federal celebrar parceria ("convênio" ou instrumento congênere) com outros entes federativos, com vistas a formalizar cessão de servidor público de outro ente federativo para Administração Pública Federal, quando a celebração desse tipo de parceria constitui exigência prevista em legislação local (estadual, distrital ou municipal), em respeito ao pacto federativo.
Código 11
 

 

I - RELATÓRIO  

 

 

Trata-se de divergência jurídica entre a Subconsultoria-Geral da União de Gestão Pública (SCGP) e a Consultoria Jurídica junto ao Ministério do Meio Ambiente e Mudança do Clima (CONJUR-MMA) acerca da possibilidade de a União firmar convênio com o objetivo de receber cessão de servidora estadual.

 

O questionamento surgiu a partir de solicitação pela CONJUR-MMA para análise e manifestação sobre minuta de convênio, cujo objeto é a cessão de servidora lotada na Secretaria de Segurança Pública do Governo do Estado do Rio Grande do Sul, para exercer a Função Comissionada Executiva de Assessor Técnico Especializado, na Diretoria de Fomento Florestal do Serviço Florestal Brasileiro, órgão pertencente à estrutura do MMA.

 

A SCGP, exarou o PARECER n. 00216/2024/CGPEP/SCGP/CGU/AGU (Seq. 01), concluindo pela impossibilidade jurídica da celebração de Convênio entre o Estado do Rio Grande do Sul e o Serviço Florestal Brasileiro - SFB, destacando que a cessão não encontra amparo jurídico na legislação federal:

 

10.       Observa-se, neste processo, que não há um programa a amparar o convênio proposto, não há um plano de trabalho definido com o objetivo de alcançar o interesse público nas atividades objeto da parceria (nem há previsão de atividades a serem realizadas). Ao revés, há apenas a menção da obrigatoriedade da sua celebração prevista na Lei Estadual nº 14.877/2016 e no Decreto Estadual nº 53.312/2016, conjugados com o Decreto Estadual nº 57.196/2023 do Rio Grande do Sul, para a cessão de servidores da área da segurança pública, civis ou militares, o que não obriga a União a fazê-lo, notadamente em desacordo com suas próprias normas.
 

Por sua vez, a CONJUR-MMA não acompanhou o PARECER n. 00216/2024/CGPEP/SCGP/CGU/AGU, firmando o entendimento pela ausência de óbice jurídico à prévia celebração de convênio entre a União e o Estado do Rio Grande do Sul, ressaltando que “basta que a referida avença convenial adote a forma de acordo de cooperação técnica, o qual, segundo o art. 2º, inciso XIII, Decreto nº 11.531/2023, é o instrumento apropriado para as parcerias conveniais que não prevejam repasse de recursos”, conforme DESPACHO N. 01415/2024/CONJUR-MMA/CGU/AGU (Seq. 04).

 

O PARECER n. 00259/2024/CGPEP/SCGP/CGU/AGU (seq. 6) sugeriu o encaminhamento dos autos a este Departamento, tendo em vista a divergência jurídica instaurada.

 

Os autos forma instruídos com o PARECER n. 00888/2024/CONJUR-MGI/CGU/AGU (Seq. 20), da Consultoria Jurídica junto ao Ministério da Gestão e Inovação em Serviços Públicos (CONJUR-MGI), que exarou opinando pela possibilidade jurídica de celebração de "convênio" ou instrumento congênere para formalizar a cessão de servidor público de outra entidade federativa quando o acordo constituir exigência prevista na legislação local.

 

Por meio da COTA n. 00176/2024/DECOR/CGU/AGU (Seq. 24), foram solicitados esclarecimentos da área técnica do MGI que se manifestaram da seguinte forma:

Em que pese o entendimento adotado pelas áreas técnicas, a CONJUR-MGI, por meio da NOTA n. 00829/2024/CONJUR-MGI/CGU/AGU (Seq. 44), ratificou o entendimento pela possibilidade jurídica de celebração de "convênio" ou instrumento congênere, quando exigido pela legislação local (estadual, distrital ou municipal). consignando que:

 
6.         Nem a Lei nº 8.112, de 1990, nem o Decreto nº 10.835, de 2021, vedam a celebração de acordos da espécie, para atender à legislação pertinente ao cargo de origem do servidor. [...]
10.       Ocorre que nenhum desses dispositivos é incompatível com a celebração de convênio, acordo ou instrumento congênere. Vale dizer: pode-se perfeitamente harmonizar a legislação federal (que preceitua que a cessão deve ser objeto de portaria, publicada no Diário Oficial da União) e a legislação local, que também exige a formalização de acordo. 
​11.        Não há qualquer incoerência jurídica ou ilegalidade na compatibilização dessas normas. Por outro lado, parece absolutamente irrazoável concluir pela impossibilidade da cessão de servidor público estadual, distrital ou municipal, apenas porque a legislação pertinente estabelece a necessidade de formalização do ato por acordo, convênio ou outro instrumento. (g. n.)

 

É o que importa relatar.

 

II - FUNDAMENTAÇÃO

 

O cerne da questão cinge-se a analisar a possibilidade jurídica de celebrar convênio cujo objeto é a cessão de servidor público de outro ente federativo para a União quando esta exigência decorrer de legal deste ente federativo.

 

A autonomia dos entes federativos prevista no art. 18 da Constituição Federal confere a cada um deles, União, Estados, Municípios e Distrito Federal, a capacidade de se auto-organizar, legislar sobre assuntos de interesse local e criar suas próprias normas dentro de sua esfera de competência.

 

No que tange à cessão de servidores, essa autonomia se traduz no direito dos entes subnacionais de estabelecerem suas próprias regras para regulamentar a movimentação de seus servidores para outros órgãos ou entidades, inclusive para outros entes federativos. A Constituição Federal ao tratar da Administração Pública embora imponha normas gerais a todos os servidores públicos, não traz regulamentação específica sobre a cessão de servidores,  ficando a cargo de cada ente federativo dispor em legislação própria sobre o tema. 

 

Portanto, lei federal, leis estaduais ou municipais que regulam a cessão de seus servidores, enquanto respeitarem os limites da Constituição e os princípios administrativos, têm plena validade.

 

 

Não se olvida que, no âmbito federal, o art. 93 da Lei n.º 8.112, de 1990 estabelece as hipóteses de cessão dos servidores públicos federais, inclusive para outros federativos, exigindo apenas que o ato de cessão se materialize por meio de Portaria publicada no Diário Oficial da União. Todavia, o fato da legislação federal não ter optado pela celebração de convênio para cessão de seus servidores não impede que outro ente federativo, no legitimo exercício de sua autonomia, defina regramento distinto. 

 

Assim, em princípio, não se vislumbra qualquer ilegalidade na opção do Estado do Rio Grande do Sul de ceder seus servidores públicos por meio da formalização de convênio conforme previsão expressa na Lei Estadual nº 14.877, de 09 de junho de 2016, do Estado do Rio Grande do Sul, que disciplina a “cedência de servidores da área da segurança pública, civis ou militares”, in verbis:

Art. 1º A cedência dos servidores da área da segurança pública, civis ou militares, somente poderá ser concedida para:
II - órgãos da Administração Direta do Poder Executivo Federal, mediante convênio próprio

 

Firme nestes argumentos, entendo que impor ao citado ente federativo que adote as regras da União para cessão de seus servidores macula o pacto federativo.

 

A compreensão de convênio m sentido amplo foi muito bem delimitada na NOTA n. 00008/2024/CNCIC/CGU/AGU (Seq. 327 do NUP 00404.000621/2022-64)[1], da Câmara Nacional de Convênios e Instrumentos Congêneres, razão pela qual pede-se vênia para transcrever o seu teor:

 

6. Diferentemente do contrato, em que a relação jurídica se estabelece em interesses contrapostos, a característica marcante em instrumentos de parceria (objeto temático deste colegiado) é o fato de que todos os envolvidos estão juntos para alcançar determinado objetivo comum, não existindo entre os partícipes interesses contrapostos. 
7. Em um contrato de compra e venda aquele que vende, pretende receber o dinheiro acordado, e aquele que compra deseja o bem alienado, de modo que os objetos almejados por cada um são diversos, razão pela qual os sujeitos da obrigação são denominados de partes.
8. Por outro lado, a posição jurídica dos participantes de uma parceria é idêntica para todos, pois têm interesses comuns e coincidentes, há cooperação entre eles.
9. Essas parcerias são comumente chamadas de "convênios", em seu sentido amplo.
10. Nesse cenário, para Fernanda Marinela, “O convênio representa um acordo firmado por entidades políticas, de qualquer espécie, ou entre essas entidades e os particulares para realização de objetivos de caráter comum, buscando sempre interesses recíprocos, convergentes. Difere do contrato administrativo, tendo em vista que, neste, os interesses perseguidos são divergentes”. (Direito Administrativo, 4ª edição, revista, ampliada, reformada e atualizada até 01-01-2010. Niterói: Editora Impetus. Ano 2010. P. 444.)
11. Segundo Marçal Justen Filho, “Convênio é um acordo de vontades, em que pelo menos uma das partes integra a Administração Pública, por meio do qual são conjugados esforços e (ou) recursos, visando disciplinar a atuação harmônica e sem intuito lucrativo das partes, para o desempenho de competências administrativas”. (Comentários à Lei de Licitações e Contratos Administrativos. 12ª edição. São Paulo: Editora Dialética. Ano 2008. P. 871.)
12. Observa-se assim que a doutrina costuma se referir à convênios em seu sentido semântico de parceria, o que, em um caso concreto, pode levar a determinada confusão conceitual, pois também existe um instrumento de parceria específico que é denominado "convênio".
13. Assim, costuma-se diferenciar o convênio "lato senso", que é sinônimo de parceria, do convênio "stricto senso" que é uma das formas de parceria específica, que, como se verá adiante, materializa o repasse de recursos oriundo de uma transferência voluntária.
14. Diversos são os instrumentos jurídicos de parceria (convênios). Alguns são celebrados quando, na relação estabelecida, não há repasse de recursos entre os partícipes. Outros são utilizados quando há repasse de recursos entre os partícipes, na busca da consecução do interesse público.
 
15. A Câmara Nacional de Convênios e Instrumentos Congêneres traz em seu site diversas minutas de instrumentos conveniais. Todas elas são convênios (em seu sentido amplo), mas, tecnicamente, em seu sentido restrito, um instrumento de parceria leva o nome de "convênio".
(...)
19. Observa-se que o convênio (em sentido estrito) é bastante específico, sendo o "instrumento que, na ausência de legislação específica, dispõe sobre a transferência de recursos financeiros provenientes do Orçamento Fiscal e da Seguridade Social da União para a execução de programas, projetos e atividades de interesse recíproco e em regime de mútua colaboração".
20. O Decreto nº 11.531, de 16 de maio de 2023 é regulamentado pela Portaria Conjunta MGI/MF/CGU nº 33, de 2023 que dispõe que este tipo de parceria é celebrado com entes específicos, quais sejam, "entre órgãos e entidades da administração pública federal, de um lado, e órgãos e entidades dos estados, Distrito Federal e municípios, bem como consórcios públicos, serviços sociais autônomos e entidades privadas sem fins lucrativos de que trata o art. 199, § 1º, da Constituição, de outro, para a execução de programas, projetos e atividades de interesse recíproco e em regime de mútua colaboração" (art. 1º, paragrafo único).
21. Desta forma, é importante diferenciar quando a legislação faz referência à convênios (em sentido amplo) e quando ela faz referência aos convênios em sentido restrito, onde, apenas nesse caso, seria aplicado o Decreto nº 11.531, de 2023 e a Portaria Conjunta MGI/MF/CGU nº 33, de 2023.
22. Várias legislações fazem referência à "convênios", e algumas delas faz referência ao seu sentido amplo, isto é, quer expressar que a relação jurídica ali desenvolvida é uma relação de parceria, diferente de uma relação contratual sinalagmática.
 

Logo, a meu ver, quando a lei do ente federativo exige a celebração de um convênio para formalizar a cessão de seus servidores públicos para outros entes federativos, não está se valendo do convênio em sentido estrito a exigir a incidência do Decreto nº 11.531, de 16 de maio de 2023 e da Portaria Conjunta MGI/MF/CGU nº 33, de 2023. "Desta forma, verifica-se que o convênio que a legislação estadual dispõe é uma parceria estadual, não uma parceria regulamentada pela União." (vide §20 da NOTA n. 00009/2024/CNCIC/CGU/AGU).

 

Ademais, não há, na legislação federal vigente, proibição legal absoluta para que a cessão de servidores públicos de outros entes federativos integre o escopo de um convênio (parceria).  Nesse sentido, é a conclusão da CONJUR/MGI: 

 

NOTA n. 00829/2024/CONJUR-MGI/CGU/AGU (Seq. 44)
10. Ocorre que nenhum desses dispositivos é incompatível com a celebração de convênio, acordo ou instrumento congênere. Vale dizer: pode-se perfeitamente harmonizar a legislação federal (que preceitua que a cessão deve ser objeto de portaria, publicada no Diário Oficial da União) e a legislação local, que também exige a formalização de acordo. 
​11. Não há qualquer incoerência jurídica ou ilegalidade na compatibilização dessas normas. Por outro lado, parece absolutamente irrazoável concluir pela impossibilidade da cessão de servidor público estadual, distrital ou municipal, apenas porque a legislação pertinente estabelece a necessidade de formalização do ato por acordo, convênio ou outro instrumento. 
12. Ante o exposto, esta Consultoria Jurídica ratifica o entendimento pela possibilidade jurídica de celebração de "convênio" ou instrumento congênere, com vistas a formalizar cessão de servidor público de outra entidade federativa, quando a celebração desse tipo de acordo constitui exigência prevista em legislação local (estadual, distrital ou municipal).  

 

Neste cenário, conclui-se que:

 

a) o termo "convênio" adotado por algumas legislações de outros entes federativos como requisito para formalizar a cessão de seus servidores públicos, é uma parceria, ou seja, um convênio "lato sensu";

 

b) à esta espécie de parceria (convênio "lato sensu") não se aplica o Decreto nº 11.531, de 2023 e a Portaria Conjunta MGI/MF/CGU nº 33, de 2023, por serem estes aplicáveis aos convênios em sentido estrito; 

 

c) o fato da legislação federal não adotar regramento semelhante para cessão de seus servidores públicos para outros entes federativos e, portanto, não haver uma legislação federal regulamentando esse tipo de parceria com estes entes não impede a sua celebração pela Administração Pública Federal em respeito ao pacto federativo.

 

 

III – CONCLUSÃO

 

 

 

Ante ao exposto, opina-se no sentido de ser possível a Administração Pública Federal celebrar parceria ("convênio" ou instrumento congênere) com outros entes federativos, com vistas a formalizar cessão de servidor público de outro ente federativo para Administração Pública Federal, quando a celebração desse tipo de parceria constitui exigência prevista em legislação local (estadual, distrital ou municipal), em respeito ao pacto federativo.

 

À consideração superior.

 

Brasília, 24 de abril de 2025.

 

PRISCILA CUNHA DO NASCIMENTO

Advogada da União

Diretora do Departamento de Coordenação e Orientação de Órgão Jurídico (DECOR)

 


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Notas

  1. ^ O entendimento foi ratificado na ratificada na NOTA n. 00009/2024/CNCIC/CGU/AGU (seq. 39 deste autos).



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