ADVOCACIA-GERAL DA UNIÃO
CONSULTORIA-GERAL DA UNIÃO
CONSULTORIA JURÍDICA JUNTO AO MINISTÉRIO DA CULTURA
COORDENAÇÃO-GERAL DE PARCERIAS E COOPERAÇÃO FEDERATIVA


 

PARECER n. 00038/2025/CONJUR-MINC/CGU/AGU

 

NUP: 01400.002998/2025-01

INTERESSADOS: ASSESSORIA ESPECIAL DE ASSUNTOS INTERNACIONAIS AEAI/GM/MINC

ASSUNTOS: PROTOCOLO DE COOPERAÇÃO

 

 

 

EMENTA: I. Direito Internacional. Parceria com ente público estrangeiro. Minuta de Protocolo de Cooperação. Instrumento de cunho político. II. Possibilidade jurídica. III. Recomendações

 

 

 

RELATÓRIO  

 

Por meio do Ofício nº 506/2025/GM/MinC (SEI 2129186) o Gabinete da Ministra solicita análise e manifestação sobre minuta de Protocolo de Cooperação que se pretende celebrar entre o Ministério da Cultura da República Portuguesa e o Ministério da Cultura da República Federativa do Brasil, para Intercâmbio Artístico, a ser implementado pela Funarte, pelo Brasil, e pela DGARTES, de Portugal.

 

Para o que interessa à presente análise, além da minuta de Protocolo de Cooperação (2128284), consta dos autos a Nota Técnica ​n​º 5/2025 (2128286), da Assessoria Especial de Assuntos Internacionais - AEAI/MINC, que fornece a fundamentação técnica do ato e o histórico da demanda.

 

A AEAI menciona que, em meio aos preparativos para a próxima Cimeira Luso-Brasileira, o tema foi debatido durante a Subcomissão sobre Educação, Cultura, Comunicação Social, Juventude e Desporto,  ocorrida  em 13 de dezembro de 2024,  pelos representantes da Fundação Nacional das Artes (Funarte), do Brasil, e da DGARTES, de Portugal, avançando nas tratativas para estabelecer um protocolo de cooperação entre as duas instituições para fomentar o intercâmbio artístico entre profissionais das artes dos dois países.

 

A intenção da partes é que a proposta final  seja referendada no escopo da Cimeira Brasil-Portugal, cuja 14ª edição será realizada em 19 de fevereiro próximo, em Brasília, sob a liderança do Presidente da República e do Primeiro-Ministro de Portugal, Luís Montenegro, e será antecedida por visita de Estado do Presidente de Portugal, Marcelo Rebelo de Sousa, ao Brasil, em 18 de fevereiro.

 

É o relatório.

 

 

ANÁLISE JURÍDICA

 

A presente análise se dá com fundamento no art. 131 da Constituição Federal e no art. 11 da Lei Complementar nº 73, de 1993, subtraindo-se do âmbito da competência institucional deste Órgão Jurídico, delimitada em lei, análises que importem em considerações de ordem técnica, financeira ou orçamentária.

 

Ressalto, ainda, que a presente manifestação apresenta natureza meramente opinativa e, por tal motivo, as orientações apresentadas não se tornam vinculantes para o gestor público, o qual pode, de forma justificada, adotar orientação contrária ou diversa daquela emanada desta Consultoria Jurídica.

 

 Quanto aos aspectos técnicos e de conveniência e oportunidade do ajuste, cabe ao órgão técnico justificar e motivar o ato, atribuições que fogem à seara de competências desta Consultoria, como dito acima. Nesse sentido, foi juntada aos autos a Nota Técnica ​nº 5/2025 (2128286), da AEAI/MINC, que fornece a fundamentação técnica do ato e o histórico da demanda.

 

Como o ajuste envolve a atuação da Funarte (cláusula segunda, 'b' e 'e'), observo que a autarquia foi instada a manifestar-se, por meio do Ofício nº 116/2025/AEAI/GM/MinC (SEI 2128287). Recomendo que a manifestação formal da Funarte seja oportunamente juntada aos autos.

 

O ato em análise é um "Protocolo de Cooperação" que se pretende celebrar entre os Ministérios da Cultura de Portugal e do Brasilreferente ao intercâmbio artístico e cultural entre as Partes.

 

Trata-se de instrumento com caráter não vinculante, ou seja, não prevê obrigações imediatas, e tem teor mais político que jurídico, conforme se verifica em sua cláusula quinta:

 
Cláusula Quinta
(Natureza Jurídica)
O presente Protocolo constitui uma declaração de intenções e não é juridicamente vinculativo, nem está submetido ao Direito Internacional.

 

A Nota Técnica AEAI n. 5/2025 faz referência aTratado de Amizade, Cooperação e Consulta, entre a República Federativa do Brasil e a República Portuguesa, celebrado em 22 de abril de 2000 (2128289), que define os princípios gerais que regem as relações entre os dois países. Este Tratado determina em seu artigo 33, sobre a Cooperação no domínio do ensino e da pesquisa, que "as Partes Contratantes favorecerão e estimularão a cooperação entre as respectivas Universidades, instituições de ensino superior, museus, bibliotecas, arquivos, cinematecas, instituições científicas e tecnológicas e demais entidades culturais."

 

Dito isso, observo que é variada a denominação dada aos atos internacionais. Embora a denominação escolhida não influencie o caráter do instrumento, ditada pelo arbítrio das partes, pode-se estabelecer certa diferenciação na prática diplomática, decorrente do conteúdo do ato e não de sua forma. As denominações mais comuns são tratado, acordo, convenção, protocolo e memorando de entendimento.

 

O Memorando de Entendimento, especificamente, é a designação mais comum para atos redigidos de forma simplificada, destinados a registrar princípios gerais que orientarão as relações entre as Partes nos planos político, econômico, cultural ou outros. Conforme exposto no Manual de Redação Oficial e Diplomática do Itamaraty:

 

Memorando de entendimento designa ato de forma bastante simplificada destinado a registrar princípios gerais que orientarão as relações entre as partes, em particular nos planos político, econômico, cultural, científico e educacional, bem como definir linhas de ação e áreas de cooperação. Em geral, a nomenclatura “memorando de entendimento” é usada para atos que prescindam de aprovação congressual e que possam entrar em vigor na data de sua assinatura.

 

Assim, os Memorandos de Entendimento - MdE são instrumentos ordinariamente utilizados para formalizar desejos das partes para consecução de determinado objeto específico, sendo, em síntese, verdadeiros protocolos de intenções, sem força vinculante, vez que não criam obrigações ou direitos entre os celebrantes, tratando-se de articulação embrionária de avenças futuras e que ganham forma para dar maior solenidade às intenções manifestadas.

 

É da natureza do instrumento não definir qualquer obrigação entre as partes, quer no plano do direito internacional, quer no plano doméstico, o que lhe retira ao menos parcela de seu caráter operacional, limitando-se mais a estabelecer, assim, princípios gerais que nortearão futuras cooperações de interesse das instituições envolvidas, se for o caso.

 

Portanto, o MdE não pode gerar, por si só, a obrigação de as partes pactuarem iniciativas de cooperação, já que não pode haver vinculação jurídica obrigacional neste tipo de instrumento. A base para estes futuros acordos deverá ser um Tratado assinado pelo Presidente da República ou outro agente plenipotenciário, incorporado ao ordenamento jurídico interno com decreto legislativo e posterior decreto presidencial de incorporação.

 

Nesse sentido também é a definição encartada pelo Manual de Gestão da Cooperação Técnica Sul-Sul da Agência Brasileira de Cooperação:

 

Os Memorandos de Entendimento (MdE) e as Declarações Conjuntas são atos redigidos de forma genérica e simplificada, destinados a registrar a intenção das Partes (que podem ser Governos ou organizações internacionais) em estabelecer iniciativas de cooperação técnica Sul-Sul, definidas em amplas linhas de ação. O Memorando de Entendimento é um documento de função meramente política e não pode gerar obrigações de qualquer espécie e tampouco prever o empenho de recursos. Em vista disso, o MdE não faz referência a valores orçamentários e não inclui termos referentes a mecanismos ou arranjos de execução ou implementação das futuras iniciativas. Para o Governo brasileiro, o Memorando de Entendimento não oferece respaldo jurídico a iniciativas de cooperação. Este instrumento não requer ratificação pelo Congresso Nacional e, na medida em que não criem compromissos gravosos para a União, podem entrar em vigor na data da assinatura.(destacamos) Disponível em: http://www.abc.gov.br/Content/ABC/docs/Manual_SulSul_v4.pdf. 

 

Nessa esteira, eventuais ajustes futuros que concretizem a intenção de cooperação, além da declaração de intenções inicial deverão se basear nos Tratados assinados com os partícipes e, a depender do caso, a aplicação do Decreto nº 5.151, de 22 de julho de 2004, com a participação da ABC na formalização do instrumento.

 

Por outro lado, na praxe administrativa do Poder Executivo Federal, o "Protocolo de Intenções" é definido em oposição a outros instrumentos que preveem o repasse de recursos ou o estabelecimento de obrigações imediatas. Nesse sentido a definição constante da Minuta Padrão de Protocolo de Intenções aprovada pela Advocacia-Geral da União - AGU [1]:

 

O presente modelo de Protocolo de Intenções é o instrumento formal utilizado por entes públicos para se estabelecer um vínculo cooperativo ou de parceria entre si, que tenham interesses e condições recíprocas ou equivalentes, de modo a realizar um propósito comum.
O Protocolo de Intenções se diferencia de convênios, contratos de repasse e termos de execução descentralizada pelo simples fato de não existir a possibilidade de transferência de recursos entre os partícipes.
O Protocolo de Intenções se diferencia de Acordos de Cooperação Técnica pelo fato de ser um ajuste genérico, sem obrigações imediatas. Dessa forma, trata-se de um documento sucinto, que não necessariamente exige um plano de trabalho ou um projeto específico para lhe dar causa, sendo visto como um mero consenso entre seus partícipes, a fim de, no futuro, estabelecerem instrumentos específicos acerca de projetos que pretendem firmar, se for o caso.

 

Todavia, o Protocolo em tela não é um instrumento de direito interno, que possa ser definido como Protocolo de Intenções, mas tem a natureza jurídica de um Memorando de Entendimento, termo consagrado pelo Ministério das Relações Exteriores para esse tipo de ato celebrado entre dois órgãos de Países distintos.

 

Em que pese a nomenclatura divergente, vale ressaltar que esta não afeta a natureza do ato, não havendo prejuízo em manter o título já negociado com a outra Parte.

 

Por outro lado, observo que o instrumento não prevê repasse de recursos. Com efeito, a sua Cláusula Quarta (Financiamento) estabelece que "todas as despesas efetuadas ao abrigo do presente Protocolo dependem da disponibilidade orçamental anual ordinária dos serviços dos Signatários e têm de ser efetuadas ao abrigo das respetivas Leis Orgânicas e nos termos do Direito Interno de ambos os seus Estados".

 

Assim, caso venha a ser necessário o financiamento de qualquer despesa, este deverá ser negociado e acordado caso a caso entre as Partes, por via dos canais diplomáticos, de acordo com as respectivas leis e regulamentos de cada País e respeitando os tratados internacionais dos quais ambos fazem parte. 

 

Vale notar que somente os atos internacionais que acarretem encargos ou compromissos gravosos ao patrimônio nacional devem ser aprovados pelo Congresso Nacional, nos termos do art. 49, inciso I, da Constituição Federal, bem como ser celebrados pelo Presidente da República ou agente plenipotenciário natos, sujeitos ao referendo do Congresso Nacional, como determina o art. 84, VIII da Constituição Federal. Vejamos:

 

Art. 49. É da competência exclusiva do Congresso Nacional:
I - resolver definitivamente sobre tratados, acordos ou atos internacionais que acarretem encargos ou compromissos gravosos ao patrimônio nacional;
(...)
Art. 84. Compete privativamente ao Presidente da República:
[...]
VIII - celebrar tratados, convenções e atos internacionais, sujeitos a referendo do Congresso Nacional;

 

No presente caso, além de não haver transferência de recursos financeiros nem tampouco encargos ou compromissos gravosos ao patrimônio nacional, também não se trata de tratado ou convenção vinculante. Portanto, o ato não necessita de aprovação do Presidente da República ou do Congresso Nacional, nos termos dos art. 49, inciso I, e art. 84, VIII, da Constituição Federal.

 

Não obstante, recomenda-se que se dê ciência de sua celebração ao Ministério das Relações Exteriores, considerando as competências deste, nos termos do art. 44 da Lei n. 14.600/2023:

 

Art. 44. Constituem áreas de competência do Ministério das Relações Exteriores:
I - assistência direta e imediata ao Presidente da República nas relações com Estados estrangeiros e com organizações internacionais;
II - política internacional;
III - relações diplomáticas e serviços consulares;
IV - coordenação da participação do governo brasileiro em negociações políticas, comerciais, econômicas, financeiras, técnicas e culturais com Estados estrangeiros e com organizações internacionais, em articulação com os demais órgãos competentes;
(...)
VI - programas de cooperação internacional;
(...)
IX - coordenação das atividades desenvolvidas pelas assessorias internacionais dos órgãos e das entidades da administração pública federal, inclusive a negociação de tratados, de convenções, de memorandos de entendimento e de demais atos internacionais;
(...)

 

Com relação à minuta submetida à análise desta Consultoria (2128284), por caracterizar-se como instrumento de cunho técnico-político, sem vinculação jurídica, incumbe ao órgão técnico competente verificar se as informações nela constantes são suficientes para atender aos objetivos pretendidos.

 

Todavia, sob o ponto de vista jurídico, observo que a minuta parece conter os dispositivos necessários e suficientes para a finalidade a que se destina. 

 

Vale notar, no entanto, que falta à minuta a cláusula terceira, motivo pelo qual recomenda-se a sua revisão geral.

 

Ademais, quanto à vigência do instrumento, a cláusula sétima não previu a possibilidade de prorrogação do prazo, de modo que, caso necessário, não seria possível estender a vigência do documento. Logo, recomendo que a Assessoria Especial de Assuntos Internacionais verifique se, de fato, essa é a intenção das Partes. Do contrário, deve haver alteração do referido ponto.

 

Por fim, no que diz respeito à competência para assinar o instrumento, observo que esta ajusta-se ao disposto no art. 21 da Lei n. 14.600/2023 e no Decreto n. 11.336/2023.

 

Assim, conclui-se que a Ministra de Estado da Cultura é competente para figurar no instrumento em tela, que diz respeito à cooperação não onerosa e não vinculante entre os Ministérios da Cultura dos dois Países.

 

   

CONCLUSÃO

 

Ante o exposto, ressalvados os aspectos técnicos e de conveniência e oportunidade na efetivação do ajuste, não sujeitos ao crivo desta Consultoria Jurídica, e ainda considerando-se a manifestação favorável do órgão técnico competente, cumpre opinar pela regularidade do procedimento, e pela aprovação da minuta submetida à apreciação desta Consultoria Jurídica, observado o exposto no presente Parecer.

 

Por fim, vale lembrar que, de acordo com o Enunciado nº 05 do Manual de boas Práticas Consultivas da AGU, não é necessário o retorno dos autos a esta Consultoria, salvo se subsistir dúvida de cunho jurídico.

 

Isto posto, submeto o presente processo à consideração superior, sugerindo que os autos sejam, na sequência, encaminhados à ASSESSORIA ESPECIAL DE ASSUNTOS INTERNACIONAIS, para as providências cabíveis.

 

 

 

DANIELA GUIMARÃES GOULART

Advogada da União

 

 

Notas:

[1] https://www.gov.br/agu/pt-br/composicao/cgu/cgu/modelos/conveniosecongeneres/minuta-de-protocolo-de-intencoes-atualizada-a-vista-do-decreto-n-11-531-de-2023.pdf

 

 


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