ADVOCACIA-GERAL DA UNIÃO
CONSULTORIA-GERAL DA UNIÃO
SUBCONSULTORIA-GERAL DA UNIÃO DE GESTÃO PÚBLICA
COORDENAÇÃO-GERAL JURÍDICA DE SERVIÇOS SEM MÃO DE OBRA EXCLUSIVA EM BRASÍLIA
PARECER REFERENCIAL n. 00003/2025/DISEMEX/SCGP/CGU/AGU
NUP: 00688.000547/2025-90
INTERESSADOS: ÓRGÃOS ASSESSORADOS PELA DISEMEX/SCGP/CGU/AGU
ASSUNTOS: LICITAÇÕES E CONTRATOS
EMENTA: MANIFESTAÇÃO JURÍDICA REFERENCIAL. DIREITO ADMINISTRATIVO. LICITAÇÕES E CONTRATOS. REALIZAÇÃO DE DESPESA SEM COBERTURA CONTRATUAL. RECONHECIMENTO DA OBRIGAÇÃO DE INDENIZAR (RECONHECIMENTO DE DÍVIDA). ART. 149 DA LEI Nº 14.133, DE 1º DE ABRIL DE 2021; ART. 884 DO CÓDIGO CIVIL (LEI Nº 10.406, DE 10 DE JANEIRO DE 2002); ART. 37 DA LEI Nº 4.320, DE 17 DE MARÇO DE 1964; ART. 22 DO DECRETO Nº 93.872, DE 23 DE DEZEMBRO DE 1986. ORIENTAÇÃO NORMATIVA AGU Nº 4, DE 01 DE ABRIL DE 2009.
PROCESSO DE ORIGEM: 00688.000547/2025-90.
ÓRGÃO DESTINATÁRIO: Órgãos assessorados pela Diretoria de Contratação de Serviços Sem Mão de Obra Exclusiva – SCGP/CGU.
PRAZO DE VALIDADE: 2 (dois) anos, a contar de sua aprovação, admitidas renovações. Art. 6º da Portaria Normativa CGU/AGU nº 05, de 31 de março de 2022.
1. RELATÓRIO.
1.1. Do objeto da Manifestação Jurídica Referencial.
1.2. PRELIMINAR - Do cabimento da Manifestação Jurídica Referencial. Orientação Normativa AGU nº 55, de 23 de maio de 2014, e Portaria Normativa CGU/AGU nº 05, de 2022.
1.3. Finalidade, abrangência e limites do parecer.
1.4. Regularidade da formação do processo.
2. ANÁLISE.
2.1. Limites da contratação e instâncias de governança.
2.2. Do procedimento administrativo de reconhecimento de dívida sem cobertura contratual e seu fundamento jurídico.
2.3. Requisitos
2.3.1. Justificativa para a prestação do serviço sem a observância dos procedimentos formais instituídos pela lei, bem como para a escolha do fornecedor e do quantitativo.
2.3.2. Comprovação de que o fato que gerou a assunção da obrigação é excepcional e extraordinário.
2.3.3. Comprovação da boa-fé das partes.
2.3.4. Comprovação da efetiva prestação do serviço.
2.3.5. Certificação de inexistência de pagamento pelo serviço executado sem cobertura contratual e do encontro de contas.
2.3.6. Comprovação de que o preço praticado é o de mercado.
2.3.7. Declaração de disponibilidade orçamentária e formalização da liquidação da despesa.
2.3.8. Prescindibilidade da comprovação de regularidade fiscal e trabalhista do prestador do serviço.
2.3.9. Formalização do termo de reconhecimento de dívida.
2.3.10. Apuração de responsabilidades.
2.4. Atestado de adequação do processo ao Parecer Referencial.
3. CONCLUSÃO - Dispensa de análise individualizada de processos, nas hipóteses e termos delimitados nesta manifestação, mediante certificação, de forma expressa e em cada processo, de que a situação concreta se amolda aos termos deste Parecer Referencial e de que foram atendidas as orientações nele exaradas.
1. RELATÓRIO
1.1. Do objeto da Manifestação Jurídica Referencial.
Trata-se de Manifestação Jurídica Referencial - MJR destinada a orientar os órgãos assessorados pela Diretoria de Contratação de Serviços Sem Mão de Obra Exclusiva - DISEMEX da Subconsultoria-Geral da União de Gestão Pública nos procedimentos de reconhecimento da obrigação de indenizar (reconhecimento de dívida) decorrente de realização de despesa sem cobertura contratual.
Registre-se que a presente manifestação objetiva atualizar o conteúdo do PARECER REFERENCIAL n. 00002/2023/COORD/E-CJU/SSEM/CGU/AGU (NUP: 00688.000255/2023-95), que, por sua vez, teve como parâmetro o Parecer Referencial n. 00003/2021/COORD/E-CJU/SSEM/CGU/AGU, atualizando-o de modo a adequar suas disposições ao regime jurídico da Lei nº 14.133, de 1º de abril de 2021.
1.2. PRELIMINAR - Do cabimento da Manifestação Jurídica Referencial. Orientação Normativa AGU nº 55, de 23 de maio de 2014, e Portaria Normativa CGU/AGU nº 05, de 31 de março de 2022.
A Manifestação Jurídica Referencial traz para o gestor os entendimentos jurídicos consolidados sobre o tema de que trata. A Orientação Normativa AGU nº 55, de 2014, e a Portaria Normativa CGU/AGU nº 05, de 2022, a preveem buscando maior racionalização, celeridade, eficiência e economicidade na atividade de consultoria jurídica:
Orientação Normativa AGU nº 55, de 2014.
I - Os processos que sejam objeto de manifestação jurídica referencial, isto é, aquela que analisa todas as questões jurídicas que envolvam matérias idênticas e recorrentes, estão dispensados de análise individualizada pelos órgãos consultivos, desde que a área técnica ateste, de forma expressa, que o caso concreto se amolda aos termos da citada manifestação.
II - Para a elaboração de manifestação jurídica referencial devem ser observados os seguintes requisitos: a) o volume de processos em matérias idênticas e recorrentes impactar, justificadamente, a atuação do órgão consultivo ou a celeridade dos serviços administrativos; e b) a atividade jurídica exercida se restringir à verificação do atendimento das exigências legais a partir da simples conferência de documentos.
Portaria Normativa CGU/AGU nº 05, de 2022.
CAPÍTULO II
DA MANIFESTAÇÃO JURÍDICA REFERENCIAL
Art. 3º A Manifestação Jurídica Referencial tem como premissa a promoção da celeridade em processos administrativos que possibilitem análise jurídica padronizada em casos repetitivos.
§ 1º Análise jurídica padronizada em casos repetitivos, para os fins da presente Portaria Normativa, corresponde a grupos de processos que tratam de matéria idêntica e que a manifestação do órgão jurídico seja restrita à verificação do atendimento das exigências legais a partir da simples conferência de documentos.
§ 2º A emissão de uma MJR depende do preenchimento dos seguintes requisitos:
I - comprovação de elevado volume de processos sobre a matéria; e
II - demonstração de que a análise individualizada dos processos impacta de forma negativa na celeridade das atividades desenvolvidas pelo órgão consultivo ou pelo órgão assessorado.
Conforme o § 2º do art. 3º da Portaria Normativa CGU/AGU nº 05, de 2022, a emissão de uma MJR depende da comprovação de que o volume de processos possa impactar, justificadamente, a atuação do órgão consultivo ou a celeridade dos serviços administrativos. Além disso, deve-se comprovar que a atividade jurídica que seria demandada se restringe à mera conferência de documentos ou à enunciação-padrão de adequação jurídica da instrução ou conclusão firmada pela área técnica.
Quanto ao primeiro requisito, atualmente a Diretoria de Contratação de Serviços Sem Mão de Obra Exclusiva é a maior unidade da Subconsultoria-Geral da União de Gestão Pública em volume de processos, lidando com uma gama relevante de diferentes tipos de contratações de serviços, num total de mais de 6.000 (seis mil) processos distribuídos anualmente. Historicamente, volume considerável dos procedimentos submetidos à DISEMEX caracteriza-se pelo baixo valor e complexidade jurídica, com matéria repetitiva.
A presente proposta de padronização diminuirá a necessidade de análise individualizada dos processos relativos a reconhecimento de dívida decorrente de despesa contraída sem cobertura contratual, prestigiando o princípio da eficiência e uniformizando a atuação do órgão jurídico neste tipo de matéria repetitiva, sem prejuízo da segurança jurídica necessária à prática do ato. Proporcionará ainda o redimensionamento da atuação consultiva para análise das demandas e consultas jurídicas mais complexas e relevantes.
Quanto ao segundo requisito, saliente-se que a dispensa de análise jurídica individualizada de processos que tenham por objeto o reconhecimento de dívida decorrente de despesa contraída sem cobertura contratual, justifica-se em razão deste tipo de processo ser, em geral, de baixa complexidade, instruído com atos e documentos de cunho meramente administrativo e revestidos de certa singeleza, cuja conferência é de atribuição dos agentes responsáveis pela instrução do processo. De fato, em casos como tais, a atividade jurídica acaba por se restringir à verificação do atendimento das exigências legais a partir da simples conferência de documentos.
Cumpre frisar que a presente manifestação tem, a rigor, apenas o escopo de atualizar Pareceres Referenciais anteriores, em vigor desde 2021, tratando-se de matéria jurídica historicamente caracterizada como recorrente e de baixa complexidade. Destaca-se que a necessidade e a alta demanda por tais contratações, verificada em 2021, seguramente persiste em 2025.
Não se está a dizer que esses processos jamais deverão ser encaminhados ao órgão jurídico consultivo. Questões de natureza jurídica que eventualmente sobressaiam de um processo e que suscitem dúvidas específicas no gestor público quanto a forma de proceder podem e devem ser pontualmente submetidas à análise da unidade consultiva sempre que o órgão assessorado entender necessário.
Pelo exposto, considerando que, a uma, todo o contorno jurídico que envolve o processo de reconhecimento de dívida já está contido no presente Parecer Referencial; a duas, a pluralidade de processos com matéria jurídica idêntica a impactar a atuação do órgão consultivo; e, por fim, a sua análise demandar mera atividade burocrática de conferência documental, resta configurado que a situação objeto de análise se amolda às diretrizes traçadas na Orientação Normativa AGU n° 55, de 2014, e na Portaria Normativa CGU/AGU nº 05, de 2022, dispensando-se a submissão individualizada e obrigatória de processos versando sobre esta matéria à análise pela unidade consultiva.
1.3. Finalidade, abrangência e limites do parecer.
O parecer jurídico tem por finalidade auxiliar o gestor no controle prévio da legalidade administrativa dos atos praticados, conforme art. 53, § 4º, da Lei nº 14.133, de 2021. O controle prévio de legalidade não abrange aspectos de natureza técnica, mercadológica ou de conveniência e oportunidade, conforme Enunciado BPC nº 07 do Manual de Boas Práticas Consultivas da Advocacia-Geral da União - AGU.
De fato, presume-se que as especificações técnicas contidas no processo, inclusive quanto ao detalhamento do objeto da contratação, suas características, requisitos e avaliação do preço estimado, tenham sido regularmente determinadas pelo setor competente do órgão, com base em parâmetros técnicos objetivos, para a melhor consecução do interesse público. As decisões discricionárias do gestor (questões de oportunidade e conveniência) devem ser motivadas nos autos.
Não é papel da AGU fiscalizar o gestor, nem os atos já praticados. Este parecer não é vinculante, mas em prol da segurança da própria autoridade, recomenda-se avaliar e acatar, sempre que possível, os entendimentos aqui expostos. As questões relacionadas à legalidade serão apontadas neste ato. O eventual prosseguimento do feito sem a observância destes apontamentos é da responsabilidade exclusiva do gestor.
1.4. Regularidade da formação do processo.
Os documentos juntados aos autos devem integrar um único processo administrativo, devidamente autuado em sequência cronológica, confeccionados preferencialmente de forma digital, revelando-se com fidedignidade a sequência dos atos administrativos realizados no processo, conforme dispõem o art. 12 da Lei nº 14.133, de 2021, e a Orientação Normativa AGU nº 2, de 01 de abril de 2009.
Nesse contexto, recomenda-se ao assessorado que se atente:
2. ANÁLISE.
2.1. Limites da contratação e instâncias de governança.
No âmbito do Poder Executivo Federal, o Decreto nº 10.193, de 27 de dezembro de 2019, estabeleceu limites e instâncias de governança para a contratação de bens e serviços, aplicáveis aos órgãos, entidades e fundos do Poder Executivo Federal integrantes do Orçamentos Fiscal e da Seguridade Social, donde se destaca a previsão contida em seu art. 3º:
Art. 3º A celebração de novos contratos administrativos e a prorrogação de contratos administrativos em vigor relativos a atividades de custeio serão autorizadas em ato do Ministro de Estado ou do titular de órgão diretamente subordinado ao Presidente da República.
§ 1º Para os contratos de qualquer valor, a competência de que trata o caput poderá ser delegada às seguintes autoridades, permitida a subdelegação na forma do § 2º:
I - titulares de cargos de natureza especial;
II - dirigentes máximos das unidades diretamente subordinadas aos Ministros de Estado; e
III - dirigentes máximos das entidades vinculadas.
§ 2º Para os contratos com valor inferior a R$ 10.000.000,00 (dez milhões de reais), a competência de que trata o caput poderá ser delegada ou subdelegada aos subsecretários de planejamento, orçamento e administração ou à autoridade equivalente, permitida a subdelegação nos termos do disposto no § 3º.
§ 3º Para os contratos com valor igual ou inferior a R$ 1.000.000,00 (um milhão de reais), a competência de que trata o caput poderá ser delegada ou subdelegada aos coordenadores ou aos chefes das unidades administrativas dos órgãos ou das entidades, vedada a subdelegação.
A Portaria ME nº 7.828, de 30 de agosto de 2022, veio estabelecer normas complementares para o cumprimento do referido Decreto nº 10.193, de 2019.
O órgão assessorado deve verificar se o serviço a que se refere o reconhecimento de dívida é considerado atividade de custeio e, em caso positivo, qual autoridade detém, no âmbito da sua estrutura organizacional, competência para autorizar o ato de reconhecimento de dívida, juntando aos autos a respectiva autorização expressa.
Recomenda-se, igualmente, que a área técnica do órgão assessorado verifique a eventual existência de outros atos normativos (Decretos, Portarias etc) no âmbito de sua estrutura organizacional que preveja “limites”, "contingenciamento orçamentário" ou "restrição ao empenho de verbas”, que porventura tenham efeitos aplicáveis ao caso concreto.
Ter-se-á como competente para autorizar e/ou firmar o termo de reconhecimento de dívida a autoridade a quem seria reconhecida a competência para celebrar o contrato administrativo correspondente.
2.2. Do procedimento administrativo de reconhecimento de dívida sem cobertura contratual e seu fundamento jurídico.
De início, registra-se que a contratação pública é um procedimento formal. Mesmo as hipóteses de contratação direta (dispensa ou inexigibilidade de licitação) exigem um procedimento prévio e determinado, destinado a assegurar a prevalência dos princípios jurídicos fundamentais, em que é imprescindível a observância de etapas e formalidades legais.
Por meio deste procedimento prévio, define-se um objeto a ser contratado, adota-se providências acerca da elaboração de projetos, se for o caso, apura-se a compatibilidade entre a contratação e as previsões orçamentárias, os dados concretos acerca das condições de mercado, da capacitação do ente escolhido etc. Com essas cautelas, a Administração visa buscar a melhor contratação possível para atender a necessidade pública.
Tem-se, pois, que a celebração de contrato administrativo que importe em despesa para a Administração Pública deve ser precedida de licitação ou procedimento formal de dispensa ou inexigibilidade.
Nessa toada, cabe ainda esclarecer a respeito da necessidade de manifestação jurídica prévia à contratação. Por imperativo legal, o prévio exame e aprovação de minutas de editais, contratos, acordos, convênios e outros ajustes, realizado por parecer jurídico, consiste em espécie de controle prévio da juridicidade da atividade administrativa.
A norma inscrita no art. 53 da Lei nº 14.133, de 2021, preceitua:
Art. 53. Ao final da fase preparatória, o processo licitatório seguirá para o órgão de assessoramento jurídico da Administração, que realizará controle prévio de legalidade mediante análise jurídica da contratação.
§ 1º Na elaboração do parecer jurídico, o órgão de assessoramento jurídico da Administração deverá:
I - apreciar o processo licitatório conforme critérios objetivos prévios de atribuição de prioridade;
II - redigir sua manifestação em linguagem simples e compreensível e de forma clara e objetiva, com apreciação de todos os elementos indispensáveis à contratação e com exposição dos pressupostos de fato e de direito levados em consideração na análise jurídica;
(...)
§ 4º Na forma deste artigo, o órgão de assessoramento jurídico da Administração também realizará controle prévio de legalidade de contratações diretas, acordos, termos de cooperação, convênios, ajustes, adesões a atas de registro de preços, outros instrumentos congêneres e de seus termos aditivos.
Também dispõe a Lei Complementar nº 73, de 10 de fevereiro de 1993 (Lei Orgânica da Advocacia-Geral da União):
Art. 11 - Às Consultorias Jurídicas, órgãos administrativamente subordinados aos Ministros de Estado, ao Secretário-Geral e aos demais titulares de Secretarias da Presidência da República e ao Chefe do Estado-Maior das Forças Armadas, compete, especialmente:
(...)
VI - examinar, prévia e conclusivamente, no âmbito do Ministério, Secretaria e Estado-Maior das Forças Armadas:
a) os textos de edital de licitação, como os dos respectivos contratos ou instrumentos congêneres, a serem publicados e celebrados;
b) os atos pelos quais se vá reconhecer a inexigibilidade, ou decidir a dispensa, de licitação.
(destacou-se)
Logo, o ordenamento jurídico determina a prévia análise jurídica da contratação da Administração Pública federal pela Advocacia-Geral da União, a quem compete o controle de legalidade preventivo.
No presente caso, objeto deste Parecer Referencial, observa-se que a despesa pública ocorreu sem o cumprimento dos ritos acima especificados e sem a devida cobertura contratual. Em verdade, embora, à luz da teoria geral dos contratos, possa ser arguido que exista, sim, um contrato de fato na hipótese (consentimento entre agentes capazes e objeto lícito e determinável), o que obstaculiza o reconhecimento da validade do ajuste é a inobservância da forma prescrita em lei, seja pela ausência de contrato escrito (art. 95, §2º, da Lei nº 14.133, de 2021), seja pela inexistência de procedimento licitatório, de dispensa ou inexigibilidade de licitação prévios.
Nessas situações, contudo, para que não haja o enriquecimento sem causa da Administração Pública, faz-se necessário o pagamento de indenização em favor daquele que efetivamente prestou o serviço. Esta é a finalidade do procedimento de reconhecimento de dívida:
3. O reconhecimento de dívida é o procedimento administrativo por meio do qual a Administração Pública, excepcionalmente, ressarce despesas, ao particular, que ocorreram sem a devida cobertura contratual, ou sem o necessário empenho. Esse procedimento decorre do princípio geral do direito que veda o enriquecimento sem causa. Desse modo, ainda que não tenha observado às formalidades legais para contratação, se a Administração se beneficia de serviços executados, ou bens adquiridos, encontra-se obrigada a ressarci-los.
(Despacho nº 00235/2021/DECOR/CGU/AGU, NUP nº 72031.014801/2020-58)
21. O reconhecimento de dívida, a seu turno, é procedimento administrativo unilateral destinado a avaliar a obrigação de pagar despesas de exercícios anteriores e dívidas de exercícios encerrados reconhecidas pela Administração (Lei nº4.320/64), bem como despesas sem cobertura contratual (Lei 8.666/1993, art. 59, p.u. e Orientação Normativa/AGU 4/2009), não se confundindo com a transação, procedimento bilateral que encerra concessões mútuas e não simples reconhecimento da obrigação de pagar despesa contraída pela Administração ou dívida por ela reconhecida.
(Parecer nº 00035/2018/GAB/PFUFLA/PGF/AGU)
Com efeito, o reconhecimento de dívida, no âmbito da Administração Pública, pode se referir a 2 (duas) situações distintas, a saber:
O reconhecimento de dívida fundamenta-se no brocardo "nemo potest lucupletari, jactura aliena", ou seja, a ninguém, nem mesmo a própria Administração Pública, é dado enriquecer-se a custa alheia sem que exista um suporte fático-jurídico que lhe seja subjacente.
Em importante lição sobre o tema do enriquecimento sem causa no âmbito da Administração Pública, Celso Antônio Bandeira de Mello[1] destaca:
Assim, ressalvados os casos em que o administrado atuou dolosamente, com má-fé, de maneira a iludir a Administração induzindo-a à suposição de que estava a compor ato juridicamente liso e concorrendo dessarte para que se produzisse ato viciado ou, daquel'outros em que - ainda pior - se concertou com agentes administrativos para, em atuação conjunta, fraudarem o Direito, não se pode admitir que a invalidação acarrete um enriquecimento do Poder Público e um empobrecimento do administrado.
4. Com efeito, precisamente para evitar situações nas quais um dado sujeito vem a obter um locupletamento à custa do patrimônio alheio, sem que exista um suporte jurídico prestante para respaldar tal efeito, é que, universalmente, se acolhe o princípio jurídico segundo o qual tem-se de proscrever o enriquecimento sem causa e, conseqüentemente, desabona-se interpretação que favoreça este resultado injusto, abominado pela consciência dos povos.
(...)
Relembre-se que o direito constitucional brasileiro expressamente incorpora a moralidade administrativa como princípios a que estão sujeitos a Administração Direta, Indireta ou Fundacional de quaisquer dos Poderes da União, Estados, Distrito Federal e Municípios (art. 37, "caput")
11. De todo modo, como se vê, por um ou outro fundamento, o certo é que não se pode admitir que a Administração se locuplete à custa alheia e, segundo nos parece, o enriquecimento sem causa – que é um princípio geral do Direito – supedaneia, em casos que tais, o direito do particular indenizar-se pela atividade que proveitosamente dispensou em prol da Administração, ainda que a relação jurídica se haja travado irregularmente ou mesmo ao arrepio de qualquer formalidade, desde que o Poder Público haja assentido nela, ainda que de forma implícita ou tácita, inclusive a ser depreendida do mero fato de havê-la boamente incorporado em seu proveito, salvo se a relação irrompe de atos de inquestionável má-fé, reconhecível no comportamento das partes ou mesmo simplesmente do empobrecido.
Como visto, a questão pode ser analisada ainda sob o prisma do princípio da moralidade que impõe a obrigação de pagamento mesmo ausente a regularidade formal da relação jurídica, conforme jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça:
(...) Com efeito, recebida a prestação executada pelo particular, não pode a Administração se locupletar indevidamente e, com fundamento na nulidade do contrato, requerer a devolução de valores pagos por obras já realizadas, o que configuraria violação ao próprio princípio da moralidade administrativa. Precedentes. (destacou-se)
(Recurso Especial nº 408.785/RN)
Além do mais, trata-se de aplicar à discussão o princípio jurídico que veda o enriquecimento sem causa, na forma positivada no Código Civil (Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002):
Art. 884. Aquele que, sem justa causa, se enriquecer à custa de outrem, será obrigado a restituir o indevidamente auferido, feita a atualização dos valores monetários.
Parágrafo único. Se o enriquecimento tiver por objeto coisa determinada, quem a recebeu é obrigado a restituí-la, e, se a coisa não mais subsistir, a restituição se fará pelo valor do bem na época em que foi exigido.
Certo é que não se pode admitir que a Administração se locuplete à custa do patrimônio alheio, e, segundo nos parece, o enriquecimento sem causa, que é um princípio geral do Direito, confere legitimação, em casos tais, ao direito de o particular indenizar-se pela atividade que proveitosamente dispensou em proveito da Administração.
Tal direito subsiste ainda que a relação jurídica tenha se travado irregularmente ou mesmo desprezando qualquer formalidade, mas com o assentimento, tácito ou explícito, do Poder Público, inclusive a ser depreendido do mero fato de haver pacificamente incorporado os benefícios do serviço prestado em seu proveito.
Nessa linha, tem-se o posicionamento do Superior Tribunal de Justiça que, ao admitir tal espécie de reconhecimento de dívida, afasta o locupletamento ilícito por parte da Administração:
(...) o entendimento do Tribunal de origem está em consonância com a jurisprudência desta Corte Superior de que comprovado que os serviços foram devidamente prestados pelo contratado, não pode a administração deixar de efetuar os pagamentos, sob pena de enriquecimento ilícito (...) (destacou-se)
(REsp 1.169.052, decisão monocrática, rel. Min. Napoleão Nunes Maia Filho, j. 23.11.2015, DJe de 14.12.2015.)
(...) É fato incontroverso nos autos que a empresa autora vinha cumprindo todas as suas obrigações contratuais. Nesses termos, não lhe pode ser imputado o prejuízo por qualquer vício do contrato, cabendo-lhe a remuneração pelos serviços já prestados até a data da anulação. Não se pode admitir que a Administração Pública se enriqueça às custas do administrado, que não deu causa à anulação da avença, recebendo serviços gratuitamente, sem o correlato pagamento previsto no contrato, até a data da anulação. Caso contrário, haverá ofensa inequívoca ao postulado que veda o enriquecimento sem causa e, em última análise, ao princípio da moralidade administrativa (...) (destacou-se)
(REsp 1.306.350/SP, 2ª T., rel. Min. Castro Meira, j. 17.09.2013, DJe DE 04.10.2013.)
(...) O ordenamento jurídico pátrio veda o enriquecimento sem causa em face de contrato administrativo declarado nulo porque inconcebível que a Administração incorpore ao seu patrimônio prestação recebida do particular sem observar a contrapartida, qual seja, o pagamento correspondente ao benefício. (destacou-se)
(REsp 753039/PR, 1ª T., relator Ministro Luiz Fux, j. em 21.06.2007, DJ 03.09.2007, p. 122.)
Semelhante entendimento foi encampado pelo Tribunal de Contas da União, no seguinte julgado:
(...) não há sentido em se proceder à anulação uma vez que os contratos já foram cumpridos a contento. Não se pode olvidar que a Administração é obrigada a realizar a contrapartida financeira em relação aos serviços devidamente prestados, sob pena de se incorrer em enriquecimento sem causa (...) (destacou-se)
(Acórdão nº 1.029/2006, Plenário, rel. Min. Benjamin Zymler).
Hely Lopes Meirelles[2], por sua vez, ao abordar o assunto, orienta que:
Todavia mesmo no caso de contrato nulo ou de inexistência de contrato pode tornar-se devido o pagamento dos trabalhos realizados para a Administração ou dos fornecimentos a ela feitos, não com fundamento em obrigação contratual, ausente na espécie, mas, sim, no dever moral de indenizar o benefício auferido pelo Estado, que não pode tirar proveito da atividade do particular sem o correspondente pagamento.
Importante destacar que ficariam ressalvadas deste dever de pagamento por serviços executados sem amparo contratual, apenas aquelas relações decorrentes de atos em que o prestador atuou dolosamente, com inquestionável má-fé, ou, nas palavras de Celso Antônio Bandeira de Melo (op. cit.), "de maneira a iludir a Administração induzindo-a à suposição de que estava a compor ato juridicamente liso", ou ainda diante de circunstâncias em que se "concertou com agentes administrativos para, em atuação conjunta, fraudarem o Direito".
Assim, se a Administração usufruiu de forma consentida de um serviço, ficará obrigada a indenizar o prestador. Paralelamente ao que impõem os princípios da boa-fé, da moralidade e da vedação ao enriquecimento sem causa da Administração, a Lei nº 14.133, de 2021, abordou a questão em seu art. 149:
Art. 149. A nulidade não exonerará a Administração do dever de indenizar o contratado pelo que houver executado até a data em que for declarada ou tornada eficaz, bem como por outros prejuízos regularmente comprovados, desde que não lhe seja imputável, e será promovida a responsabilização de quem lhe tenha dado causa.
Ao tratar do art. 59, parágrafo único, da Lei nº 8.666, de 21 de junho de 1993, que apresentava redação praticamente idêntica ao art. 149 da Lei nº 14.133, de 2021, ensina Marçal Justen Filho[3]:
9) A solução legislativa brasileira específica
Esses são os princípios gerais que disciplinam o relacionamento entre a Administração e o particular. Mas existe solução específica no Direito brasileiro para o caso de contratações defeituosas. O legislador brasileiro efetivou opção clara pelas soluções compatíveis com um Estado Democrático de Direito. Além de todas as determinações atinentes à responsabilização civil do Estado, consagrou-se a disciplina específica do parágrafo único do art. 59 para a contratação administrativa inválida. Daí se segue que a invalidação, por nulidade absoluta, de qualquer ajuste de vontades entre Administração e particular gerará efeitos retroativos mas isso não significará o puro e simples desfazimento de atos. Será imperioso produzir a compensação patrimonial para o particular, sendo-lhe garantido o direito de haver tudo aquilo que pelo ajuste lhe fora assegurado e, ainda mais, a indenização por todos os prejuízos que houver sofrido. (destacou-se)
Registre-se a Orientação Normativa da Advocacia Geral da União que versa sobre o assunto:
Orientação Normativa AGU nº 4, de 01 de abril de 2009.
A despesa sem cobertura contratual deverá ser objeto de reconhecimento da obrigação de indenizar nos termos do art. 59, parágrafo único da Lei nº 8666, de 1993, sem prejuízo da apuração da responsabilidade de quem lhe der causa.
Sobre o tópico em análise, convém agregar à presente manifestação a opinião do Tribunal de Contas da União:
3. Enfrentando agora o mérito destes Embargos, é de se reconhecer que assiste razão à apelante quanto à omissão, porquanto restou não esclarecida a questão referente ao pagamento de serviços eventualmente já efetuados. Embora o Acórdão embargado tenha determinado a anulação da licitação e do contrato decorrente, permanece a obrigação da Administração em indenizar a empresa contratada pelos serviços executados até a sustação do contrato, consoante o disposto no parágrafo único do art. 59 da Lei 8.666/93. (destacou-se)
(Acórdão nº 2.240/2006, Plenário, rel. Min. Valmir Campelo.)
2. Conforme já abordado nos parágrafos 18.3 e 18.8 da presente instrução, para honrar o pagamento dos serviços efetivamente prestados o INSS adotou procedimento de reconhecimento de dívida, previsto no parágrafo único do art. 59 da Lei nº 8.666/93, tendo sido também instaurado o devido processo administrativo para apuração de responsabilidade de quem lhe deu causa. (GRUPO I – CLASSE VII – PLENÁRIO - TC 001.834/2002-3, Ministro Valmir Campelo.).
O assunto foi abordado em consulta extraída da Revista Zênite[4], sob o título “Os efeitos dos serviços prestados sem amparo contratual”, cuja ementa segue abaixo:
EMENTA: Contratos – Sem amparo – Indenização - Enriquecimento sem causa.
LEGISLAÇÃO APLICÁVEL: Art. 59 da Lei n° 8.666/93.
1. Se os serviços foram prestados, e foi comprovada a boa-fé do particular, o pagamento deverá ser realizado a título de indenização, estando este procedimento em consonância ao ordenamento jurídico, pois a fundamentação para o pagamento, se for o caso, será o princípio da boa-fé e o princípio do não-enriquecimento sem causa da Administração, além de poder ser utilizado supletivamente o art. 59 da Lei n° 8.666/93.
Embora os precedentes e atos mencionados anteriormente façam menção ao art. 59, parágrafo único, da Lei nº 8.666, de 1993, o regime jurídico acerca da matéria na Lei nº 14.133, de 2021, manteve-se inalterado, diante da reprodução daquele dispositivo legal no art. 149 da nova Lei.
Pois bem. Como dito, a obrigação de indenizar o particular pela prestação de serviços extracontratuais deve ser formalizada mediante procedimento especial de reconhecimento de dívida. Sobre a sua natureza destacamos a doutrina de Pontes de Miranda[5]:
O ‘reconhecimento de dívida’, ‘de obrigação’, ou ‘de ação’, ou ‘de execução’, é negócio jurídico unilateral, pelo qual fica a pessoa a favor de quem se reconheceu a dívida dispensada de provar a relação jurídica básica. Trata-se de negócio jurídico abstrato. Não se pode reduzir a eficácia do reconhecimento de dívida à simples ‘relevatio ab onere probandi’. Aliás, no passado, a hostilidade ao reconhecimento como negócio jurídico era a regra, nos países que não entendiam a abstração dos negócios jurídicos.
Sanação. Os negócios jurídicos de reconhecimento têm eficácia sanatória como teria a declaração de vontade ratificativa (...) ‘Reconhecimento’ é a manifestação de conhecimento, pela qual se estabelece a existência (ou a não-existência) ou o conteúdo de determinada relação jurídica. O que se reconheceu tem-se como foi declarado pelo reconhecente. Isso, no tocante a ele. Não mais se pode discutir quanto ao que era duvidoso antes, nem cabe apurar-se se era assim, ou não, o mundo do direito, no que se referia à relação jurídica declarada. O manifestante da vontade quis que assim fosse, não constitutiva, mas declarativamente. Considera-se o negócio jurídico de reconhecimento como fonte de obrigações. Todavia, o que se põe em linha de causação é a declaração mesma, a vinculação ao que se declarou.
2.3. Requisitos
Ressalte-se que o reconhecimento de dívida deve ser encarado como uma situação anômala, extraordinária e excepcionalíssima. E, por se tratar de procedimento extraordinário e excepcional, o órgão consulente deve demonstrar nos autos, de forma expressa e inequívoca, que foram atendidos todos os requisitos trazidos pela lei e pela jurisprudência, os quais sintetizamos abaixo:
a) justificativa para a prestação do serviço sem a observância dos procedimentos formais instituídos pela lei, bem como para a escolha do fornecedor e do quantitativo;
b) comprovação de que o fato que gerou a assunção da obrigação é excepcional e extraordinário, ou seja, que o órgão não faz uso da prática de forma reiterada e que a não prestação do serviço em caráter de urgência causaria prejuízo para a boa gestão pública;
c) comprovação da boa-fé do prestador do serviço e do gestor público;
d) comprovação de que o serviço tenha sido efetivamente realizado;
e) certificação de inexistência de pagamento pelo serviço executado sem cobertura contratual e do encontro de contas;
f) comprovação de que o preço praticado é o de mercado, mediante pesquisa de preços;
g) declaração de disponibilidade orçamentária e formalização da liquidação da despesa;
h) prescindibilidade de comprovação de regularidade fiscal e trabalhista do prestador do serviço;
i) formalização do termo de reconhecimento da dívida, mediante apresentação de minuta, a ser subscrita pela autoridade competente; e
j) apuração de responsabilidade de quem deu causa à prestação de serviços sem a devida cobertura contratual.
Atendidos tais requisitos, sobre os quais nos debruçaremos doravante, convém frisar que o procedimento administrativo adequado para o pagamento de despesas efetivamente realizadas sem a necessária cobertura contratual, obedecendo-se o princípio da moralidade administrativa, que veda o enriquecimento sem causa, é o reconhecimento de dívida por ato da autoridade competente, empenho e posterior pagamento.
2.3.1. Justificativa para a prestação do serviço sem a observância dos procedimentos formais instituídos pela lei, bem como para a escolha do fornecedor e do quantitativo.
No procedimento de reconhecimento de dívida deverá o órgão assessorado declinar a razão pela qual a execução do serviço ocorreu sem a adoção dos procedimentos formais prévios à contratação. Aos autos, privilegiando o princípio da transparência, deverão ser trazidos todos os elementos fáticos que ensejaram a contratação extraordinária.
Outrossim, deverá ser disponibilizada a justificativa quanto à escolha do fornecedor com a clara indicação dos motivos para a seleção. A ação do gestor público está vinculada aos princípios jurídicos, dentre eles o da moralidade e o da impessoalidade. Mesmo frente a situação excepcional, tais preceitos não podem ser menosprezados.
Por fim, necessário que o órgão assessorado motive o quantitativo do serviço prestado pelo particular, que deverá corresponder fielmente a real demanda da Administração. Tal comprovação dar-se-á por meio de atesto da área técnica, fundamentado em elementos e informações concretas.
A justificativa contemplando os 3 (três) aspectos acima deverá ser a mais clara e compreensível possível, permitindo o controle pelos órgãos competentes e pelo cidadão.
2.3.2. Comprovação de que o fato que gerou a assunção da obrigação é excepcional e extraordinário.
O Tribunal de Contas da União tem orientado os órgãos e entidades federais a evitarem a realização de reconhecimento de dívida, primando pelo planejamento e correta formalização dos atos administrativos, conforme determinado na Decisão nº 1.521/2002 – Plenário:
Sendo assim, tendo em vista os indícios de prática reiterada de reconhecimento de dívidas como forma de suprir o devido planejamento, princípio administrativo esmiuçado no art. 7º da Lei nº 8.666/93, propomos determinar ao INSS que evite a prática de reconhecimento de dívida, mantendo devidamente formalizadas todas as suas relações contratuais. (destacou-se)
Portanto, considerando o caráter atípico do reconhecimento de dívida, recomenda-se que os autos sejam instruídos com declaração da autoridade competente, acompanhada dos documentos comprobatórios, conforme o caso, no sentido de que: (i) o fato que gerou a assunção da obrigação é excepcional e extraordinário; (ii) o órgão não faz uso da prática de forma reiterada; e (iii) a não prestação de serviço causaria prejuízo para a boa gestão pública.
2.3.3. Comprovação da boa-fé das partes.
Como já apontado, só será possível a indenização por meio de reconhecimento de dívida quando a relação jurídica estabelecida, embora desprovida de amparo contratual formal, for firmada baseada na boa-fé das partes, como bem destacou Clarissa Sampaio Silva[6]:
O mandamento da proteção à boa-fé dos administrados constitui inelutavelmente uma forma de equacionar a relação entre eles e a Administração. O princípio geral da boa-fé não apenas tem aplicação no Direito Administrativo, mas neste âmbito adquire especial relevância. (…) Da mesma forma, consoante o art. 59 da lei 8.666/93, a declaração de nulidade de contrato administrativo opera retroativamente, impedindo a produção dos efeitos que lhe seriam consectários, ressalvando-se entretanto a obrigação de a Administração indenizar o contratado pelo que tiver executado até então, e por outros prejuízos regularmente comprovados contando que não seja imputável. Com semelhante procedimento protege-se o contratado que, obrando de boa-fé, não pode ser apenado por declaração de nulidade de contrato administrativo.
Marçal Justen Filho[7], na mesma direção, apregoa:
Outro ângulo da questão relaciona-se com a situação subjetiva do particular que participou da contratação inválida com a Administração. Afigura-se irrebatível que a indenização a favor do particular, cujo patrimônio seja afetado por atuação indevida da Administração pública, depende de sua boa-fé.
(…)
Nesse sentido é que se afirma que a boa-fé do terceiro caracteriza-se quando não concorreu, por sua conduta, para a concretização do vício ou quando não teve conhecimento (nem tinha condições de conhecer) sua existência. O particular tem o dever de manifestar-se acerca da prática de irregularidade. Verificando o defeito, ainda que para ele não tenha concorrido, o particular deve manifestar-se. Se não o fizer, atuará culposamente. Não poderá invocar boa-fé para o fim de obter indenização ampla.
A Corte de Contas afasta, ou atenua, a depender do caso, a obrigação de pagamento de indenização ao particular que tenha agido de má-fé durante a execução do serviço:
Ademais, na hipótese de confirmar-se a inexequibilidade dos preços ofertados, não poderá a contratada pleitear indenização em face de eventual anulação do contrato, pois, segundo o bom direito, ninguém pode beneficiar-se da própria torpeza. Caso tenham sido ofertados preços impraticáveis com o fito de ganhar a licitação e, posteriormente, intentar a revisão contratual, fica comprovada a má-fé da licitante, o que lhe retira o direito a qualquer indenização, em conformidade com as disposições do parágrafo único do art. 59 da Lei nº 8.666/1993.
(Acórdão nº 148/2006).
A má-fé do particular é também encarada pelo Superior Tribunal de Justiça como fator impeditivo à indenização via procedimento de reconhecimento de dívida:
ADMINISTRATIVO E PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO DE INSTRUMENTO. AÇÃO DE COBRANÇA. CONTRATO ADMINISTRATIVO SEM PRÉVIA LICITAÇÃO. EFETIVA PRESTAÇÃO DO SERVIÇO CONSTATADA PELO TRIBUNAL A QUO. INDENIZAÇÃO CABÍVEL. SÚMULA 7/STJ. HONORÁRIOS REDUÇÃO. SÚMULA 7/STJ.
1. Segundo jurisprudência pacífica desta Corte, ainda que o contrato realizado com a Administração Pública seja nulo, por ausência de prévia licitação, o ente público não poderá deixar de efetuar o pagamento pelos serviços prestados ou pelos prejuízos decorrentes da administração, desde que comprovados, ressalvada a hipótese de má-fé ou de ter o contratado concorrido para a nulidade. (...) (destacou-se)
(AgRg no Ag 1056922/RS, 2ª T. relator Ministro Mauro Campbel Marques, j. em 10.02.2009, DJe 11.03.2009)
A presença da boa-fé é requisito essencial nas hipóteses de reconhecimento de dívida pois impede o infrator de se beneficiar de sua própria torpeza. Assim, a boa-fé das partes (do gestor público e do prestador de serviços) deve ser comprovada e justificada. Todos os elementos fáticos que tenham o condão de demonstrá-la devem ser disponibilizados nos autos.
2.3.4. Comprovação da efetiva prestação do serviço.
O órgão assessorado deverá disponibilizar nos autos todos os elementos que comprovem que os serviços foram efetiva e adequadamente prestados, tendo sido observados os padrões técnicos e de qualidade necessários ao atendimento da necessidade pública.
O atesto da efetiva execução e da qualidade dos serviços deverá ser feito por meio de despacho fundamentado da autoridade competente, baseada em declaração e documentação fornecida pela área técnica do órgão, como por exemplo, nota fiscais ou recibos pertinentes.
2.3.5. Certificação de inexistência de pagamento pelo serviço executado sem cobertura contratual e do encontro de contas.
Antes de proceder ao reconhecimento e pagamento da dívida, a autoridade competente deverá adotar diligências para verificar a existência de outro processo (administrativo ou judicial) que tenha como objeto o recebimento da mesma importância reivindicada nesse processo.
Destaca-se também a jurisprudência do Tribunal de Contas da União, no sentido de que, antes da celebração de termos de reconhecimento de dívidas, deve a Administração realizar o encontro de contas do contrato administrativo. Isso é, deve ser verificado se há valores devidos pelo contratado à Administração que possam ser compensados previamente ao reconhecimento de dívidas. Nesse sentido, foi decidido no Acórdão nº 251/2014-TCU:
9.2.1. instaure processo administrativo, em que deverão ser chamadas como partes as empresas Ster Engenharia Ltda., Camargo Campo S.A Engenharia e Comércio; e Métrica Construções Ltda., tendo por objetivo efetuar o encontro de contas entre os valores dos serviços parcialmente executados e ainda não pagos da 10ª medição e do reajustamento da 10ª medição dos contratos 16 e 17/2012-Secopa, e os valores necessários para refazer ou recuperar os serviços mal executados e os que apresentaram defeitos, assegurados o contraditório e a ampla defesa;
9.2.2. abstenha-se de realizar o pagamento dos valores retidos até o desfecho do processo de que trata o item anterior;
9.2.3. , avalie e acione a seguradora Cesce Brasil Seguros de Garantias e Créditos S.A em caso de insuficiência dos valores retidos, de forma a obter o montante necessário ao completo ressarcimento ao erário.
O que se objetiva é evitar pagamentos em duplicidade e o enriquecimento sem causa do prestador do serviço.
2.3.6. Comprovação de que o preço praticado é o de mercado.
O órgão assessorado terá de comprovar e atestar que o preço contratado correspondeu ao efetivamente praticado no mercado pelo prestador, afastando distorções que acarretem contratações em valores superfaturados.
O preço praticado com a Administração Pública deverá ter sido similar aos adotados pelo particular para o restante de sua atividade profissional. A comprovação deve se dar, preferencialmente, por pesquisa de preços, conforme art. 23 da Lei nº 14.133, de 2021, e Instrução Normativa SEGES/ME nº 65, de 7 de julho de 2021, possibilitando a verificação da razoabilidade do valor ajustado.
2.3.7. Declaração de disponibilidade orçamentária e formalização da liquidação da despesa.
O pagamento, há que se ressaltar, é condicionado à prévia comprovação da previsão de dotação orçamentária suficiente para cobertura da despesa, conforme previsto no art. 167, inciso II, da Constituição Federal e art. 16, § 1º, inciso I da Lei Complementar nº 101, de 4 de maio de 2000, e art. 73 do Decreto-lei nº 200, de 25 de fevereiro de 1967.
Portanto, previamente à celebração do termo de reconhecimento de dívida, necessário seja exarada pelo ordenador de despesas do órgão a respectiva declaração de disponibilidade orçamentária.
O pagamento, ademais, somente é devido após regular liquidação da despesa, nos termos dos arts. 62 e 63 da Lei nº 4.320, de 1964:
Art. 62. O pagamento da despesa só será efetuado quando ordenado após sua regular liquidação.
Art. 63. A liquidação da despesa consiste na verificação do direito adquirido pelo credor tendo por base os títulos e documentos comprobatórios do respectivo crédito.
§ 1° Essa verificação tem por fim apurar:
I - a origem e o objeto do que se deve pagar;
II - a importância exata a pagar;
III - a quem se deve pagar a importância, para extinguir a obrigação.
§ 2º A liquidação da despesa por fornecimentos feitos ou serviços prestados terá por base:
I - o contrato, ajuste ou acôrdo respectivo;
II - a nota de empenho;
III - os comprovantes da entrega de material ou da prestação efetiva do serviço.
Portanto, necessário realizar a liquidação da despesa, é dizer, necessário apurar se os serviços foram efetivamente executados e o montante devido.
Em adição, caso se trate de reconhecimento de dívida decorrente de compromissos reconhecidos após o encerramento do exercício, deve a Administração observar as regras previstas no art. 37 da Lei nº 4.320, de 1964, e no Decreto nº 93.872, de 1986.
A Lei nº 4.320, de 1964, previu a seguinte regra em seu art. 37:
Art. 37. As despesas de exercícios encerrados, para as quais o orçamento respectivo consignava crédito próprio, com saldo suficiente para atendê-las, que não se tenham processado na época própria, bem como os Restos a Pagar com prescrição interrompida e os compromissos reconhecidos após o encerramento do exercício correspondente poderão ser pagos à conta de dotação específica consignada no orçamento, discriminada por elementos, obedecida, sempre que possível, a ordem cronológica.
Aludido dispositivo legal restou regulamentado pelo art. 22 do Decreto nº 93.872, de 1986, que assim reza:
Art. 22. As despesas de exercícios encerrados, para as quais o orçamento respectivo consignava crédito próprio com saldo suficiente para atendê-las, que não se tenham processado na época própria, bem como os Restos a Pagar com prescrição interrompida, e os compromissos reconhecidos após o encerramento do exercício correspondente, poderão ser pagos à conta de dotação destinada a atender despesas de exercícios anteriores, respeitada a categoria econômica própria (Lei nº 4.320/64, artigo 37).
§ 1º O reconhecimento da obrigação de pagamento, de que trata este artigo, cabe à autoridade competente para empenhar a despesa.
§ 2º Para os efeitos deste artigo, considera-se:
a) despesas que não se tenham processado na época própria, aquelas cujo empenho tenha sido considerado insubsistente e anulado no encerramento do exercício correspondente, mas que, dentro do prazo estabelecido, o credor tenha cumprido sua obrigação;
b) restos a pagar com prescrição interrompida, a despesa cuja inscrição, como restos a pagar, tenha sido cancelada, mas ainda vigente o direito do credor;
c) compromissos reconhecidos após o encerramento do exercício, a obrigação de pagamento criada em virtude de lei, mas somente reconhecido o direito do reclamante após o encerramento do exercício correspondente. (destacou-se)
Verifica-se, portanto, que o legislador previu 3 (três) categorias de dívidas contraídas em exercícios anteriores que podem ser pagas pela Administração, quando devidamente reconhecidas pela autoridade competente.
Além do mais, cabe frisar que essa terceira categoria, qual seja: "compromissos reconhecidos após o encerramento do exercício correspondente poderão ser pagos à conta de dotação específica consignada no orçamento, discriminada por elementos, obedecida, sempre que possível, a ordem cronológica", previsto no art. 37 retrocitado, serve também como fundamento para o reconhecimento de dívida previsto no art. 149 da Lei nº 14.133, de 2021.
2.3.8. Prescindibilidade da comprovação de regularidade fiscal e trabalhista do prestador do serviço.
O art. 68, caput, da Lei nº 14.133, de 2021, dispõe que as habilitações fiscal, social e trabalhista serão averiguadas por meio da apresentação das seguintes comprovações válidas:
I - a inscrição no Cadastro de Pessoas Físicas (CPF) ou no Cadastro Nacional da Pessoa Jurídica (CNPJ);
II - a inscrição no cadastro de contribuintes estadual e/ou municipal, se houver, relativo ao domicílio ou sede do licitante, pertinente ao seu ramo de atividade e compatível com o objeto contratual;
III - a regularidade perante a Fazenda federal, estadual e/ou municipal do domicílio ou sede do licitante, ou outra equivalente, na forma da lei;
IV - a regularidade relativa à Seguridade Social e ao FGTS, que demonstre cumprimento dos encargos sociais instituídos por lei;
V - a regularidade perante a Justiça do Trabalho;
VI - o cumprimento do disposto no inciso XXXIII do art. 7º da Constituição Federal.
De acordo com a dicção legal, essa demonstração de regularidade deve ocorrer na fase de habilitação do licitante, que se dá, invariavelmente, em momento anterior ao início da execução dos serviços contratados.
Ocorre que, de acordo com o inciso XVI do art. 92 da Lei nº 14.133, de 2021, o contratado tem a obrigação de “manter, durante toda a execução do contrato, em compatibilidade com as obrigações por ele assumidas, todas as condições exigidas para a habilitação na licitação, ou para a qualificação, na contratação direta;”. Aplicando-se ao tema em análise, isto significa que o contratado precisa manter, durante a execução do contrato, a sua regularidade.
Disso decorre, via de regra, a necessidade de se juntar aos autos as comprovações elencadas no art. 68 da Lei nº 14.133, de 2021.
Além do mais, nos termos do disposto no art. 91, §4º da mencionada Lei, antes de formalizar ou prorrogar o prazo de vigência do contrato, deve a Administração adotar as seguintes providências:
Art. 91. Os contratos e seus aditamentos terão forma escrita e serão juntados ao processo que tiver dado origem à contratação, divulgados e mantidos à disposição do público em sítio eletrônico oficial.
(...)
§ 4º Antes de formalizar ou prorrogar o prazo de vigência do contrato, a Administração deverá verificar a regularidade fiscal do contratado, consultar o Cadastro Nacional de Empresas Inidôneas e Suspensas (Ceis) e o Cadastro Nacional de Empresas Punidas (Cnep), emitir as certidões negativas de inidoneidade, de impedimento e de débitos trabalhistas e juntá-las ao respectivo processo.
Em complemento, deve a Administração realizar as seguintes consultas ao:
Antes da realização do termo de reconhecimento de dívida e do pagamento, o órgão assessorado deverá verificar se a empresa está com a habilitação regular.
Não obstante, salvo situações excepcionais de desvios de conduta por parte da contratada, a jurisprudência vem expressamente excluindo a possibilidade de que a comprovação da regularidade fiscal e trabalhista seja imposta como condição para a realização do pagamento por serviços já prestados em favor do Poder Público.
As razões invocadas assentam-se justamente nos já mencionados princípios norteadores da atividade administrativa, notadamente a moralidade e a vedação ao locupletamento sem causa, além da impossibilidade de se impor sanção política (cobrança fiscal indireta).
Senão vejamos:
AGRAVO INTERNO. ADMINISTRATIVO. MANDADO DE SEGURANÇA. ASSOCIAÇÃO BENEFICENTE. CONTRATAÇÃO COM A MUNICIPALIDADE. SERVIÇOS JÁ REALIZADOS. EXIGÊNCIA DE CERTIDÃO DE REGULARIDADE FISCAL. RETENÇÃO DO PAGAMENTO. IMPOSSIBILIDADE. PRECEDENTES.
I - Na origem, a Associação Beneficente Cearense de Reabilitação – ABCR impetrou mandado de segurança contra ato do Secretario de Saúde do Município de Fortaleza, pretendendo receber o repasse financeiro relativo a serviços por ela prestados, decorrente de contrato entabulado entre as partes, sem a necessidade de apresentação de certidão negativa expedida pela Fazenda Pública Nacional.
II - O Tribunal a quo manteve a decisão concessiva da ordem.
III - Ao recurso especial interposto pela municipalidade foi negado provimento, com base na Súmula 568/STJ, em razão da jurisprudência da Corte encontrar-se pacificada no mesmo sentido da decisão recorrida: apesar de ser exigível a Certidão de Regularidade Fiscal para a contratação com o Poder Público, não é possível a retenção do pagamento de serviços já prestados, em razão de eventual descumprimento da referida exigência. Precedentes: REsp n. 1.173.735/RN, Rel. Ministro Luis Felipe Salomão, Quarta Turma, DJe 9/5/2014, RMS n. 53.467/SE, Rel. Min. Herman Benjamin, Segunda Turma, DJe 27/06/2017, dentre outros.
IV - Os argumentos trazidos pelo agravante não são suficientes para alterar o entendimento prestigiado pela decisão atacada.
V - Agravo interno improvido. (destacou-se)
(AgInt no Recurso Especial nº 1.742.457 - CE; Relator: MINISTRO FRANCISCO FALCÃO; 2ª Turma; 07/06/2019 - STJ)
(...) verifico que o acórdão recorrido adotou entendimento pacificado nesta Corte no sentido de que, apesar da exigência de regularidade fiscal para a contratação com a Administração Pública, não é possível a retenção de pagamento de serviços já executados em razão do não cumprimento da referida exigência, sob pena de enriquecimento ilícito (...) (destacou-se)
(REsp 1.707.944/SC, decisão monocrática, rel. Min. Regina Helena Costa, j. 16.11.2017, DJe de 23.11.2017 - STJ)
CONTRATO ADMINISTRATIVO. AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL. AÇÃO MONITÓRIA. DECISÃO AGRAVADA QUE NEGOU PROVIMENTO AO APELO, DADA A EXISTÊNCIA DE ENTENDIMENTO JURISPRUDENCIAL CONSOLIDADO PELA IMPOSSIBILIDADE DE RETENÇÃO PELA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA DO PAGAMENTO PELOS SERVIÇOS EFETIVAMENTE PRESTADOS, APENAS POR CAUSA DA NÃO COMPROVAÇÃO DE REGULARIDADE FISCAL. HIPÓTESE QUE O RECURSO INTERNO VEICULA A INAPLICABILIDADE DA SÚMULA 83/STJ, FUNDADO EM JULGADOS ANTIGOS E JÁ SUPERADOS. AGRAVO REGIMENTAL DE COMPANHIA MUNICIPAL DE HABITAÇÃO OBRAS E SERVIÇOS DE CONTAGEM-CONTERRA (EM LIQUIDAÇÃO) A QUE SE NEGA PROVIMENTO.
1. Este STJ possui entendimento consolidado de que não pode a Administração reter pagamento de contrato administrativo por serviços efetivamente prestados forte na ausência de regularidade fiscal. Precedentes: AgInt no AREsp. 503.038/RJ, Rel. Min. GURGEL DE FARIA, DJe 31.5.2017 e AgRg no REsp. 1.313.659/RR, Rel. Min. MAURO CAMPBELL MARQUES, DJe 6.11.2012, dentre muitos outros.
2. Devem prevalecer os postulados da vedação ao enriquecimento sem causa e da impossibilidade de cobrança fiscal indireta.
3. Agravo Regimental de COMPANHIA MUNICIPAL DE HABITAÇÃO OBRAS E SERVIÇOS DE CONTAGEM-CONTERRA (EM LIQUIDAÇÃO) a que se nega provimento. (destacou-se)
(STJ; AgRg no Recurso Especial n° 1169052 - MG; Relator: Ministro Napoleão Nunes Maia Filho; Primeira Turma - STJ)
Nesse mesmo sentido, vide: STJ, AgInt no AREsp 1.161.478/MG, Rel. Ministro Sérgio Kukina, Primeira Turma, DJe de 06/12/2018; AgInt no AREsp 503.038/RJ, Rel. Ministro Gurgel de Faria, Primeira Turma, DJe de 31/05/2017; AgRg no AREsp 277.049/DF, Rel. Ministro Benedito Gonçalves, Primeira Turma, DJe de 19/03/2013; AgRg no REsp 1.313.659/PR, Rel. Ministro Mauro Campbell Marques, Segunda Turma, DJe de 06/11/2012.
Convém repisar que o que se discute aqui é tão somente a realização de um pagamento por serviço já prestado, o qual, frise-se, está destituído de suporte contratual formal. Caso houvesse contrato regular, a exigência de comprovação de regularidade fiscal e trabalhista poderia eventualmente ensejar sua rescisão em razão de descumprimento de uma de suas cláusulas ou mesmo implicar na imputação de penalidade ao contratado que não adotasse providências de saneamento.
No presente caso, a hipótese é mesmo de ausência de qualquer utilidade para a exigência de certidões de regularidade. Ora, o que se enfrenta aqui é tão somente o pagamento por serviço prestado sem amparo contratual, o qual, como se viu, não pode ser objeto de retenção. Não se trata de procedimento para contratação futura com o Poder Público. Do mesmo modo, não se trata de dar continuidade a contrato existente e, por conseguinte, não há que se falar em exigência de certidões de regularidade para fins de adoção de medidas para eventual rescisão contratual e/ou aplicação de penalidade contratual.
Entendemos, portanto, pela prescindibilidade da exigência de certidões de regularidade fiscal e trabalhista para que o pagamento de despesa sem cobertura contratual, referente a serviço efetiva e devidamente prestado, seja realizado.
2.3.9. Formalização do termo de reconhecimento de dívida.
O termo de reconhecimento de dívida é a modalidade de instrumento a ser utilizada para pagamento de parcelas faltantes/devidas para fins de quitação de débitos decorrentes de prestação de serviços efetivamente executados e não pagos no exercício competente. Constitui-se, portanto, em uma declaração que formaliza o reconhecimento de um débito (decorrentes de serviços efetivamente prestados) e a responsabilidade por seu pagamento.
Constitui-se, assim, em uma declaração excepcional que formaliza o reconhecimento de um débito e a responsabilidade por seu pagamento. Desta forma, em casos como tais, deve ser elaborado o termo de reconhecimento de dívida que contenha a indicação: do nome do favorecido e do órgão devedor, valor do débito em atraso e o período a que se refere, justificativa sobre os motivos do reconhecimento (motivação), fundamento legal, indicação da dotação orçamentária em rubrica específica e autorização da autoridade competente.
Após o pagamento, o credor deverá firmar recibo ou declaração de plena quitação, com eficácia administrativa e judicial, comprometendo-se a não efetuar qualquer cobrança em face do ente público quanto as obrigações ali dadas por satisfeitas.
Destaca-se a necessidade de que o termo de reconhecimento de dívida seja divulgado no Portal Nacional de Contratações Públicas, por força do art. 94 da Lei nº 14.133, de 2021, que impõe a referida divulgação como condição para a eficácia de contratos e seus aditamentos.
2.3.10. Apuração de responsabilidades.
Como já foi registrado anteriormente, é imperioso que todas as contratações feitas pela Administração Pública observem os ritos impostos pela lei. O devido procedimento licitatório, e mesmo suas exceções legalmente reguladas (dispensas e inexigibilidade), servem para que ao final seja escolhida a proposta mais vantajosa para a Administração.
Nesse mesmo sentido, é oportuno ressaltar que o art. 60 da Lei nº 4.320, de 1964, veda a realização de despesa sem o prévio empenho:
Art. 60. É vedada a realização de despesa sem prévio empenho.
§ 1º Em casos especiais previstos na legislação específica será dispensada a emissão da nota de empenho.
§ 2º Será feito por estimativa o empenho da despesa cujo montante não se possa determinar.
§ 3º É permitido o empenho global de despesas contratuais e outras, sujeitas a parcelamento. (destacou-se)
Ademais, via de regra, a lei impõe o dever de planejamento das contratações por parte das entidades públicas. Por óbvio, haverá situações extraordinárias em que não restará espaço para o adequado planejamento, obrigando a Administração a contratar sem os ritos e instrumentos formais. Mas, como dito, tais circunstâncias são excepcionalíssimas.
Esclarece Helly Lopes Meirelles[8]:
(...) a legalidade, como princípio de administração significa que o administrador público está, em toda sua atividade funcional, sujeito aos mandamentos da lei, e as exigências do bem comum, e deles não se pode afastar ou desviar, sob pena de praticar ato inválido e expor-se a responsabilidade disciplinar, civil e criminal, conforme o caso.
A jurisprudência do Tribunal de Contas da União reforça a necessidade da aludida apuração:
Aplica-se multa por grave infração à norma legal quando evidenciada situação corriqueira de execução de despesas sem cobertura contratual e sem licitação. Nessa situação, constata-se que o gestor age, no mínimo, com culpa in eligendo na escolha de seus subordinados.
(Acórdão nº 1181/2012 – Plenário)
A realização de despesas sem cobertura contratual é irregularidade grave, que justifica a aplicação de multa aos responsáveis, bem como julgamento pela irregularidade de suas contas.
(Acórdão nº 2515/2009 – Plenário)
Não basta ao Administrador Público alcançar os objetivos fixados para sua gestão; é necessário que os alcance pautado pelas normas disciplinadoras que regem o Serviço Público. Em se tratando de Administração Governamental, é inválida a máxima de que "os fins justificam os meios". Ao contrário, o princípio da legalidade restringe o poder discricionário e exige o cumprimento de formalidades, que passam a ser atributos dos atos administrativos.
(trecho de Voto de Relator ref. ao Acórdão nº 386/1995 - Segunda Câmara, acolhido no Relatório ref. à Decisão 561/1998 - Plenário)
O descontrole administrativo notório e prolongado, que permitiu a contratação de serviços sem licitação e sem instrumento formal, indica, no mínimo, culpa in eligendo do gestor na escolha de seus subordinados, e negligência na gestão de recursos públicos, sujeitando o responsável à multa prevista no art. 58, inciso II, da Lei 8.443/1992.
(Acórdão nº 1406/2012, Plenário, rel. Min. Marcos Bemquerer)
1.7. Dar ciência à [omissis] de que locação verbal é considerada falha de natureza formal (Acórdão 3472/2014-TCU-Plenário) que pode ensejar a aplicação de sanções aos gestores responsáveis, segundo Acórdão 1227/2012-TCU-Plenário, 891/2010-TCU-Plenário e 2.515/2009-TCU-Plenário, e que o fato de a ECT reconhecer dívidas sem cobertura contratual, não obsta a apuração de responsabilidade de quem deu causa à referida despesa, conforme estabelecem os Acórdão 2279/2009-TCU-Plenário e 375/1999-TCU-2ª Câmara.
(Acórdão nº 7192/2016 - Primeira Câmara)
Logo, orienta-se não só a regular liquidação da despesa, nos termos dos art. 62 e seguintes da Lei nº 4.320, de 1964, mas também a instauração do devido processo administrativo para apuração das eventuais responsabilidades de quem deu causa à despesa sem cobertura contratual, nos termos do art. 149 da Lei nº 14.133, de 2021, e da Orientação Normativa AGU nº 4, de 2009.
Não custa registrar que a ausência de apuração de responsabilidades não impede o pagamento da indenização em favor do prestador, pois, como anotado acima, representaria enriquecimento ilícito da Administração Pública. Porém, acarretará responsabilização administrativa por omissão do dever legal de comunicar a irregularidade à autoridade competente pela apuração, conforme expressa previsão no art. 116 da Lei nº 8.112, de 11 de dezembro de 1990, aplicáveis aos servidores públicos federais.
2.4. Atestado de adequação do processo ao Parecer Referencial.
Deverá o órgão assessorado informar, sempre que solicitado, a relação dos processos, com respectivo NUP, em que a presente Manifestação Jurídica Referencial tenha sido adotada. Recomenda-se, ademais, seja juntada nos autos a presente declaração:
ATESTADO DE ADEQUAÇÃO DO PROCESSO AO PARECER REFERENCIAL
Processo: __________________________
Objeto: Reconhecimento da obrigação de indenizar (reconhecimento de dívida) decorrente de realização de despesa sem cobertura contratual.
Valor estimado (Valor de referência): R$__________________________
Atesto que o presente processo, referindo-se ao objeto acima descrito, adequa-se à Manifestação Jurídica Referencial correspondente ao PARECER REFERENCIAL n. 00003/2025/DISEMEX/SCGP/CGU/AGU, cujas recomendações restaram plenamente atendidas no caso concreto, e a instrução dos autos está regular, de acordo com o que está consignado na lista de verificação juntada aos autos.
Fica, assim, dispensada a remessa dos autos para exame individualizado a cargo da DISEMEX/SCGP/CGU/AGU, conforme autorizado pela Orientação Normativa AGU nº 55, de 23 de maio de 2014, e pela Portaria Normativa CGU/AGU nº 05, de 31 de março de 2022.
________________, _____ de _____________________ de_____.
_______________________________________________________
Identificação (nome e matrícula) e assinatura
3. CONCLUSÃO
Diante do exposto, é juridicamente possível dar prosseguimento ao feito, reconhecendo-se e liquidando-se a despesa realizada sem cobertura contratual, sem necessidade de submissão individualizada dos autos à DISEMEX/SCGP/CGU/AGU, desde que:
Reiteramos que eventuais dúvidas jurídicas específicas que surgirem a partir da aplicação da presente Manifestação Jurídica Referencial poderão ser submetidas aos órgãos de execução da Consultoria-Geral da União.
Em atenção ao art. 4º, inciso III, alínea "a", da Portaria Normativa CGU/AGU nº 05, de 2022, confere-se o prazo de validade de 02 (dois) anos para a presente Manifestação Jurídica Referencial, a contar de sua aprovação, admitidas renovações.
Uma vez aprovada a presente manifestação, recomenda-se, nos termos do art. 4º, inciso III, alíneas "b" e "c", da Portaria Normativa CGU/AGU nº 05, de 2022, o seu encaminhamento aos órgãos assessorados e ao Departamento de Gestão Administrativa da Consultoria-Geral da União e, para os fins do art. 20, inciso VI da Portaria Normativa AGU nº 152, de 31 de outubro de 2024, o encaminhamento à Diretoria de Contratação de Serviços Sem Mão de Obra Exclusiva (DISEMEX/SCGP/CGU/AGU), para avaliação e comunicações pertinentes, notadamente conferindo-se ciência deste parecer às Consultorias Jurídicas da União nos Estados.
À consideração superior.
Brasília, 31 de março de 2025.
DANIELLE DE AZEVEDO VIEIRA
ADVOGADA DA UNIÃO
Atenção, a consulta ao processo eletrônico está disponível em https://supersapiens.agu.gov.br mediante o fornecimento do Número Único de Protocolo (NUP) 00688000547202590 e da chave de acesso 33f1cf34
Notas