ADVOCACIA-GERAL DA UNIÃO
CONSULTORIA-GERAL DA UNIÃO
CONSULTORIA JURÍDICA NO MINISTÉRIO DA CULTURA

 

 

PARECER nº 74/2025/CONJUR-MINC/CGU/AGU

PROCESSO nº 01400.003400/2025-93

INTERESSADA: Secretaria do Audiovisual. 

ASSUNTO: Demanda judicial relacionada a contrato de gestão.

 

EMENTA: DEMANDA JUDICIAL. DIREITO AUTORAL.
I - Consulta acerca a necessidade de recolhimento de direitos autorais ao ECAD - Escritório Central de Arrecadação e Distribuição de Direitos Autorais - sobre a execução pública de obras musicais e fonogramas fixadas em obras audiovisuais, quando da exibição de obra audiovisual por organização social sem fins lucrativos em atividades contempladas em contrato de gestão com a administração pública.
II - Inteligência do art. 86 da Lei nº 9.610/1998. Contornos jurídicos dos licenciamentos possíveis para obras musicais e fonogramas na produção e distribuição de obras audiovisuais.
III - Questão sub judice. Recomendação de não intervenção do Ministério da Cultura. Interesse da União não caracterizado de forma imediata. Possibilidade de repactuação do contrato de gestão conforme a decisão que venha a ser adotada.

 

 

Sra. Consultora Jurídica,

 

Trata-se de consulta formulada pela Secretaria do Audiovisual acerca do tratamento ser dado à solicitação de informações formulada pela Sociedade Amigos da Cinemateca (SAC), organização social responsável pela gestão dos acervos e da infraestrutura da Cinemateca Brasileira, que possam ser utilizadas como subsídios para sua defesa em ação judicial movida pelo ECAD (Escritório Central de Arrecadação e Distribuição de Direitos Autorais) contra a SAC.

Na referida ação, o autor pleiteia a condenação da ré em perdas e danos pelo não pagamento do direitos autorais relativos à execuções públicas dos fonogramas musicais fixados em obra audiovisuais exibidos em sessões públicas da instituição, muitas da quais certamente realizadas nas dependência da própria Cinemateca Brasileira, do Ministério da Cultura, no âmbito das ações da organização social contempladas no contrato de gestão firmado com o ministério. O pedido também inclui a suspensão das execuções/exibições de tais obras enquanto o respectivo pagamento não seja realizado ou a comprovação de licenciamento demonstrada.

Por meio da Nota Técnica nº 4/2025 (doc. SEI/MinC 2139320), a Secretaria do Audiovisual, órgão supervisor do Contrato de Gestão nº 1/2021/MinC-SAC, formula o seguintes questionamentos, com o intuito e orientar as ações a serem adotadas no âmbito do contrato de gestão pela partes contratantes:

1. A exibição de obras audiovisuais caracteriza, também, a execução pública de músicas e/ou fonogramas inseridos em tais obras, mesmo com a prerrogativa de que as músicas/fonogramas foram previamente licenciadas para inserção nas obras audiovisuais?
2.  A conclusão em relação ao quesito anterior muda no contexto da Cinemateca Brasileira, cuja missão institucional é a de estimular o estudo, defesa, preservação, divulgação e desenvolvimento da cultura cinematográfica, e cujas exibições não acarretam qualquer benefício econômico, já que gratuitas?
3. A cobrança pretendida pelo ECAD em face das exibições da Cinemateca Brasileira extrapola os preceitos legais e pode ser considerada ilegal?

É o breve relatório. Passo a opinar.

O art. 68 da Lei nº 9.610/1998, ao tratar da comunicação de obras teatrais e musicais (inclusive as fixadas em fonogramas) em representações ou execuções públicas, deixa claro que é necessária a autorização dos titulares de seus direitos para que tal conteúdo possa ser comunicado ao público. Tal disposição reforça, para as modalidades de comunicação pública, a regra geral do art. 29 da referida lei, que exige a autorização do titular da obra para que ela possa ser utilizada por terceiros.

No caso da execução pública de obras musicais ou audiovisuais (§ 2º do art. 68), assim como da representação pública de obras teatrais (§ 1º do art. 68),  o § 3º do art. 68 explicita um rol extenso e não-taxativo de locais de frequência coletiva em que se considera necessária tal autorização ou licenciamento.

No entanto, especificamente no que se refere a execução pública de obras musicais (inclusive fonogramas), a ausência de autorização prévia e expressa não torna automaticamente ilícita a utilização da obra, devido à incidência do art. 99 da lei, que outorga ao ECAD o monopólio legal da arrecadação e distribuição dos direitos autorais decorrentes desta modalidade de utilização.

Ou seja, a menos que haja autorização individual do detentor dos direitos liberando a execução pública (art. 68), o usuário de uma obra musical (inclusive fonogramas) precisa recolher ao ECAD os direitos autorais correspondentes, não podendo haver pagamento direto ao titular dos direitos. Outrossim, nenhum usuário é impedido de executar publicamente qualquer obra musical (inclusive fonogramas), desde que recolha os direitos devidos segundo as normas do ECAD, não sendo possível a oposição do titular individual dos direitos.

Tal situação é própria das obras musicais, não ocorrendo em relação a qualquer outra forma de obra autoral, tampouco obras audiovisuais e cinematográficas. Para as obras audiovisuais, embora a gestão coletiva seja possível, não existe obrigação legal de associação para que os direitos de exibição pública possam ser livremente exercidos por seus titulares, na forma do art. 29, VIII, "g", da Lei nº 9.610/1998. 

Ocorre que, conforme previsto no art. 86 da Lei nº 9.610/1998, "os direitos autorais de execução musical relativos a obras musicais, lítero-musicais e fonogramas incluídos em obras audiovisuais serão devidos aos seus titulares pelos responsáveis dos locais ou estabelecimentos a que alude o § 3º do art. 68 desta Lei, que as exibirem, ou pelas emissoras de televisão que as transmitirem".

Tal dispositivo da lei conduz ao entendimento de que a fixação de uma obra musical (inclusive fonogramas) em uma obra audiovisual não descaracteriza sua existência autônoma como obra musical, de tal modo que a exibição pública da obra audiovisual também se caracteriza como execução pública da obra musical, a qual não pode ser negociada individualmente pelos titulares dos direitos, sendo sua cobrança exclusividade do ECAD.

Em outras palavras, qualquer licenciamento de obra audiovisual, ainda que abrangente o suficiente para incluir os direitos de exibição pública audiovisual, não alcança os direitos de execução pública das obras musicais (inclusive fonogramas) que nela estejam fixadas. Todo e qualquer contrato de licenciamento de obra musical para obras audiovisuais restringe-se aos direitos de fixação de uma obra na outra, para fins de exibição e distribuição audiovisual, na forma dos incisos V, VI, VII e VIII, "g", do art. 29 da lei, mas jamais para os fins do art. 68 e 99 da lei.

Neste sentido, em resposta aos questionamentos formulados na Nota Técnica nº 4/2025 (doc. SEI/MinC 2139320), podemos adotar as seguintes premissas:

  1. As exibições de obras audiovisuais que contenham qualquer tipo de música são também consideradas como execução pública das obras musicais (inclusive fonogramas) nelas inseridas, podendo render ensejo ao recolhimento de direitos autorais ao ECAD, conforme seus regulamentos, se não houver licenciamento do titular individual da obra musical a título não-oneroso para este fim, tendo em vista que o licenciamento prévio da obra musical para inserção na obra audiovisual não pode abranger os direitos de execução pública.
  2. Circunstâncias relativas ao usuário - no caso, a SAC - podem repercutir no dever de recolher os direitos autorais ao ECAD conforme os regulamentos do próprio ECAD, não havendo disposição específica da Lei nº 9.610/1998 que estabeleça limitação aos direitos autorais de execução pública musical em função da finalidade não-lucrativa da instituição usuária ou do uso em si. Neste sentido, convém observar o rol de limitações estabelecido no art. 46 da Lei nº 9.610/1998 e no Tratado de Marraqueche de 2013 (promulgado no Brasil pelo Decreto nº 9.522/2018).
  3. A definição acerca da legalidade ou eventual abusividade das cobranças e medidas pleiteadas pelo ECAD em face das exibições da Cinemateca Brasileira na ação judicial em exame dependerá do efetivo julgamento a ser proferido pelo poder judiciário, não sendo recomendável pronunciamento desta Consultoria Jurídica neste momento em sede de processo judicial, tendo em vista as possíveis repercussões futuras no contrato de gestão firmado com a Sociedade Amigos da Cinemateca.

Diante de todo o exposto, e considerando que a questão encontra-se em litígio no poder judiciário, opina-se pelo não oferecimento de resposta conclusiva ao Ofício SAC-DIR nº 22/2025 encaminhado pela Sociedade Amigos da Cinemateca - SAC - à Secretaria do Audiovisual - SAV, tendo em vista tratar-se de questão que, não obstante arcabouço jurídico aplicável, está sujeita a julgamento que pode adotar entendimentos variados, conforme a percepção da autoridade judicante acerca do contexto factual da lide, que envolve os títulos do acervo colocados em exibição, as possíveis variações nos licenciamentos de obras musicais em cada um destes títulos, e o ônus probatório das partes em relação a estas circunstâncias.

Por fim, tal orientação também decorre do fato de a União não ser parte no processo, e de que o interesse da União na causa é apenas potencial, caso alguma decisão judicial venha a gerar algum impacto no contrato de gestão com a SAC, seja onerando o contrato, seja impedindo a sua execução.

 

À consideração superior.

 

Brasília, 4 de abril de 2025.

 

 

(assinado eletronicamente)

OSIRIS VARGAS PELLANDA

Advogado da União

Coordenador-Geral Jurídico de Políticas Culturais

 


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