ADVOCACIA-GERAL DA UNIÃO
CONSULTORIA-GERAL DA UNIÃO
COMISSÃO PERMANENTE DE LICITAÇÕES E CONTRATOS ADMINSTRATIVOS - CPLCA
PARECER n. 00002/2018/CPLCA/CGU/AGU
NUP: 00593.000174/2018-87
INTERESSADOS: CONSULTORIA JURÍDICA DA UNIÃO NO ESTADO DE GOIÁS - CJU/GO
ASSUNTOS: LICITAÇÕES, CONTRATOS E PATRIMÔNIO
EMENTA: ADMINISTRATIVO. AÇÃO AFIRMATIVA. RESERVA DE VAGAS PARA PRESOS E EGRESSOS. ANÁLISE CONJUNTA DA LEGISLAÇÃO PENAL E ADMINISTRATIVA. NECESSIDADE DE COMPLEMENTAÇÃO NORMATIVA E PARCERIAS COM ENTES GOVERNAMENTAIS E DA SOCIEDADE CIVIL. IMPOSSIBILIDADE DE ARREDONDAMENTO DOS PERCENTUAIS. DA RESERVA DE VAGAS APENAS PARA SERVIÇOS COM DEDICAÇÃO EXCLUSIVA DE MÃO DE OBRA.
I. A ação afirmativa tem como objetivo combater as desigualdades sociais resultantes de processos de discriminação negativa, dirigida a setores vulneráveis e desprivilegiados da sociedade.
II. Com o objetivo de regulamentar o § 5° do art. 40 da Lei 8.666, de 1993, o Poder Executivo Federal editou o Decreto nº 9.450, de 2018, que determinou que, na contratação de serviços, inclusive de engenharia, com valor anual acima de R$ 330.000,00, os órgãos e entidades da administração pública federal direta, autárquica e fundacional deverão exigir da contratada o emprego de mão de obra formada por pessoas presas ou egressos do sistema prisional, conforme consta de seu art. 5°.
III. A reserva de vagas ficou disciplinada na forma do art. 6º do Decreto 9.450, de 2018, da seguinte maneira: 3% das vagas quando o contrato demandar 200 funcionários ou menos (inc. I); 4% das vagas, no caso de 200 a 500 funcionários (inc. II); 5% das vagas, no caso de 501 a 1.000 funcionários (inc. III); e 6% quando o contrato exigir a contratação de mais de 1.000 funcionários (inc. IV).
IV. A Lei de Execução Penal - LEP, Lei 7.210, de 1984, prevê o trabalho do condenado como dever social e condição de dignidade humana, tendo finalidade educativa e produtiva (art. 28), não significando trabalho forçado ou escravidão.
V. O Decreto n° 9.450, de 2018, determinou a reserva de vagas para pessoas presas e egressas para todo tipo de contrato de terceirização de serviços com a Administração Pública Federal, sem estender tal previsão para contratos de obras, não havendo delimitação a respeito de como serão recrutadas essas pessoas por parte da empresa contratada, em especial como será feita a escolha entre as pessoas presas e as egressas, nem quais critérios serão utilizados pela Administração para elaborar os termos do edital e as cláusulas contratuais, não podendo o Administrador agir de forma aleatória e sem critérios.
VI. Para permitir a concretização da Política Nacional de Trabalho no âmbito do Sistema Prisional pela reserva de vagas nas contratações públicas federais, é necessária ampla complementação por convênios e acordos de cooperação, além da edição de instrução normativa por parte da Secretaria de Gestão do Ministério do Planejamento Desenvolvimento e Gestão.
VII. Não há condições normativas, por ora, particularmente pela falta de parâmetros objetivos, para a efetivação da Política Nacional de Trabalho no âmbito do Sistema Prisional - Pnat pela reserva de vagas nas contratações públicas federais, motivo pelo qual os gestores poderão invocar o disposto no § 4º do art. 5º do Decreto 9.450, de 2018, para justificar a inviabilidade da contratação de pessoa presa ou egressa do sistema prisional
VIII. A reserva de vagas para cotistas deve se ater aos limites do art. 6o do Decreto n. 9.450, de 2018, afastada a possibilidade de, mediante arredondamento, majorarem-se as percentagens mínima e máxima previstas.
IX. A Portaria Interministerial MSP-MDH nº 3, de 11 de setembro de 2018, não observou a divisão de atribuições entre os minitérios, violando o § 1º do art. 1º do Decreto 1094, de 23 de março de 1994.
X. Somente para as contratações com dedicação exclusiva de mão de obra é que será possível a reserva de vagas para o Pnat.
Cuida-se de Análise da Comissão Permanente de Licitações e Contratos Administrativos a respeito da aplicabilidade da reserva de vagas para pessoas presas e egressas do sistema prisional nos contratos do INSS.
No dia 25 de junho de 2018, foi publicado o Decreto nº 9.450, que instituiu a Política Nacional de Trabalho no âmbito do Sistema Prisional, trazendo sérias inovações no cenário jurídico das licitações e contratos administrativos no âmbito da União e suas autarquias.
Dentre as principais alterações promovidas pelo Decreto 9.450, de 2018, consta a previsão de que haverá reserva de vagas para pessoas presas e egressas do sistema prisional nos contratos de prestação de serviços para a Administração Pública Federal, tendo por intuito a ressocialização e reeducação dos condenados.
O Departamento de Coordenação e Orientação de Órgãos Jurídicos - DECOR encaminhou a consulta para a esta Comissão Permanente de Licitações e Contratos Administrativos da Consultoria-Geral da União/CPLCA, conforme a COTA n. 00056/2018/DECOR/CGU/AGU (seq. ), que trouxe à colação as manifestações trazidas pela Comissão de Modelos de Editais e Contratos Administrativos da Consultoria-Geral da União/CPMLC, que relatou “dificuldades práticas” para implementar a Pnat nos modelos de editais e contratos e, diante das dúvidas jurídicas levantadas na Nota nº 1/2018/CPMLC/CGU/AGU e no Despacho nº 6/2018/HTM/CPMLC/CGU/AGU (seq. 32 e 33 do NUP 00688.000822/2017-65).
Além dessas considerações, foram acrescidas considerações da douta CJU-GO, que foram bem resumidas da seguinte forma:
a. não obrigatoriedade de admissão de egressos e presos nas hipóteses em que os contratos contem com menos de 34 (trinta e quatro) trabalhadores, uma vez que nestes casos (de 1 ate 33 trabalhadores) eventual exigência de uma vaga para pessoa egressa ou presa resultaria em aplicação de percentual maior que o limite de três por cento previsto no inciso I do art. 6º, do Decreto nº 9.450, de 2018;
b. necessidade de orientação quanto aos critérios a serem utilizados para aplicação do art. 7º da Portaria Interministerial nº 3, de 2018, no que se refere aos contratos de prestação de serviços sem dedicação exclusiva de mão de obra, uma vez que nesta hipótese é determinado pelo ato normativo referenciado que os percentuais do art. 6º do Decreto nº 9.450, de 2018, devem ser aplicados “conforme a quantidade de funcionários alocados na prestação dos serviços contratados com os órgãos e entidades da administração pública federal direta, autárquica e fundacional” a partir de apresentação pela contratada de “relação de profissionais envolvidos na prestação dos serviços”, assim, questiona a CJU/GO o procedimento a ser adotado em casos de contratação de serviços de telefonia, internet, e gerenciamento de frota, dentre outros em que “praticamente toda a empresa está envolvida na prestação dos serviços contratados pela administração”;
c. aplicabilidade da Pnat aos contratos de obras, entendendo a CJU/GO que nestes casos também deve ser observado o Decreto nº 9.450, de 2018, em função do que está disposto no § 6º do art. 6º do regulamento, o que representa entendimento divergente daquele apresentado na Nota nº 1/2018/CPMLC/CGU/AGU da Comissão Permanente de Modelos de Licitações e Contratos Administrativos, segundo a qual, em sua literalidade: “o Decreto n° 9.450, de 2018, determinou a reserva de vagas para pessoas presas e egressas para todo tipo de contrato de terceirização de serviços com a Administração Pública Federal, sem estender tal previsão para contratos de obras”.
Consta dos autos a Cota nº 31/2018/CJU-AL/CGU/AGU (seq. 4), da Consultoria Jurídica da União no Estado de Alagoas questionando a obrigatoriedade da aplicação do Decreto nº 9.450, de 2018, aos contratos cujo objeto seja a prestação de serviços de vigilância armada.
Considerando que o tema é polêmico e de aplicação complexa, necessária se faz a manifestação da CPLCA a respeito da matéria.
Esse é o quadro.
Por força da Lei 13.500, de 26 de outubro de 2017, foi introduzido o § 5° no art. 40 da Lei 8666, de 1993, prevendo a possibilidade de a Administração exigir, nos editais de licitação para a contratação de serviços, que as empresas contratadas pelo Poder Público tenham um mínimo de trabalhadores que sejam oriundos ou egressos do sistema prisional, na forma do decreto regulamentador, conforme dispositivo assim lançado:
Art. 40. O edital conterá no preâmbulo o número de ordem em série anual, o nome da repartição interessada e de seu setor, a modalidade, o regime de execução e o tipo da licitação, a menção de que será regida por esta Lei, o local, dia e hora para recebimento da documentação e proposta, bem como para início da abertura dos envelopes, e indicará, obrigatoriamente, o seguinte:
(...)
§ 5º A Administração Pública poderá, nos editais de licitação para a contratação de serviços, exigir da contratada que um percentual mínimo de sua mão de obra seja oriundo ou egresso do sistema prisional, com a finalidade de ressocialização do reeducando, na forma estabelecida em regulamento. (Incluído pela Lei nº 13.500, de 2017)
Percebe-se que o legislador instituiu uma modalidade de ação afirmativa em relação à população carcerária e de egressos do sistema prisional.
Conceitualmente, a ação afirmativa refere-se a um conjunto de políticas públicas adotadas com vistas a contribuir para a ascensão de grupos socialmente minoritários, sejam eles grupos étnico-culturais, sexuais ou portadores de necessidades especiais. Em síntese, a ação afirmativa tem como objetivo combater as desigualdades sociais resultantes de processos de discriminação negativa, dirigida a setores vulneráveis e desprivilegiados da sociedade.
Conforme explica George Marmelstein, ao discorrer a respeito do conceito dinâmico e multifuncional da igualdade, “em razão do dever de promoção, o Estado tem a obrigação de adotar medidas compensatórias para permitir que grupos socialmente desfavorecidos possam concorrer em igualdade de condições com os demais cidadãos. É esse o sentido de discriminação positiva. Desse dever decorre a necessidade de desenvolvimento de políticas de ação afirmativa, destinadas a possibilitar a participação e ascensão social das pessoas em desvantagem socioeconômico-cultural, através de benefícios ou facilidades capazes de permitir uma competição em condições mais igualitárias em relação aos demais integrantes da sociedade” (MARMELSTEIN, George. Curso de Direitos Fundamentais. São Paulo: Atlas, 2008, p. 410).
Com o objetivo de regulamentar o § 5° no art. 40 da Lei 8666, de 1993, o Poder Executivo Federal editou o Decreto nº 9.450, de 2018, que determinou que, na contratação de serviços, inclusive de engenharia, com valor anual acima de R$ 330.000,00, os órgãos e entidades da administração pública federal direta, autárquica e fundacional deverão exigir da contratada o emprego de mão de obra formada por pessoas presas ou egressos do sistema prisional, conforme consta de seu art. 5°, nos seguintes termos:
Art. 5º Na contratação de serviços, inclusive os de engenharia, com valor anual acima de R$ 330.000,00 (trezentos e trinta mil reais), os órgãos e entidades da administração pública federal direta, autárquica e fundacional deverão exigir da contratada o emprego de mão de obra formada por pessoas presas ou egressos do sistema prisional, nos termos disposto no § 5º do art. 40 da Lei nº 8.666, de 21 de junho de 1993.
Não se nega que a alteração da Lei n° 8666, de 1993, adotou uma medida de inclusão que permite a setores da população com dificuldades a possibilidade de colocação profissional de uma forma diferenciada.
Contudo, não se pode negar que as medidas compensatórias decorrentes de ações afirmativas devem ser vistas como excepcionais, e sempre dentro dos limites da lei.
Tanto a Lei nº 8.666, de 1993, como o Decreto n° 9.450, de 2018, restringiram a possibilidade desse tipo de exigência para as licitações em que se objetiva a contratação de serviços.
Conforme Ronny Charles, é inaplicável uma interpretação ampliativa que admita a mesma exigência para licitações envolvendo pretensões contratuais de natureza diversa, como aquisições e obras (TORRES, Ronny Charles Lopes. Leis de Licitações Públicas Comentadas. Salvador: JusPodivm, 2018, p. 565).
Anote-se que a menção a obra no caso de subcontratação de obra feita no § 6º do art. 6º do Decreto nº 9.450, de 2018, esta descontextualizada, uma vez que pelo próprio regulamento há determinação para reserva de vagas em contratação de serviços, conforme consta do caput do mesmo art. 5°.
Isso significa que a exigência de reserva de vagas na forma do Decreto n° 9.450, de 2018, será feita para contratação de serviços, o que não impede que haja o emprego de mão de obriga oriunda do sistema prisional, tal como autoriza o art. 36 da Lei de Execução Penal, que prevê um limite de até 10% do total de empregados na obra (art. 36, §1°).
A reserva de vagas ficou disciplinada na forma do art. 6º do Decreto 9.450, de 2018, da seguinte maneira: 3% das vagas quando o contrato demandar 200 funcionários ou menos (inc. I); 4% das vagas, no caso de 200 a 500 funcionários (inc. II); 5% das vagas, no caso de 501 a 1.000 funcionários (inc. III); e 6% quando o contrato exigir a contratação de mais de 1.000 funcionários (inc. IV).
Cumpre destacar que a Política Nacional de Trabalho no âmbito do Sistema Prisional - Pnat é voltada não só aos que foram condenados e estão cumprindo ou já cumpriram algum tipo de sanção penal, mas também para todos os presos provisórios, conforme consta do § 1º do art. 1º do Decreto 9.450, de 2018, que merece ser colacionado:
Art. 1º Fica instituída a Política Nacional de Trabalho no âmbito do Sistema Prisional – Pnat – para permitir a inserção das pessoas privadas de liberdade e egressas do sistema prisional no mundo do trabalho e na geração de renda.
§ 1º A Pnat destina-se aos presos provisórios, às pessoas privadas de liberdade em cumprimento de pena no regime fechado, semiaberto e aberto e às pessoas egressas do sistema prisional.
É preciso destacar que o Decreto 9.450, de 2018, previu no seu art. 5º, § 1°, I, como requisito de habilitação jurídica a declaração por parte da licitante de que, caso vencedora, contratará pessoas presas ou egressas do sistema prisional, e de declaração do órgão de execução penal de que dispõe de pessoas presas aptas à execução do trabalho externo:
I - no edital, como requisito de habilitação jurídica, consistente na apresentação de declaração do licitante de que, caso seja vencedor, contratará pessoas presas ou egressos nos termos deste Decreto, acompanhada de declaração emitida pelo órgão responsável pela execução penal de que dispõe de pessoas presas aptas à execução de trabalho externo; e
Apesar da previsão no Decreto, não é possível exigir requisitos de habilitação que não estejam previstos expressamente na Lei (Acórdão 670/2013-Plenário -TCU) e, especificamente em relação aos requisitos de habilitação jurídica, estes são previstos de maneira taxativa no art. 28 da Lei 8666, de 1993.
Como bem explica Marçal Justen Filho, a prova da habilitação jurídica corresponde à comprovação de existência, da capacidade de fato e da regular disponibilidade das faculdades jurídicas pelos licitantes, sendo regras não de Direito Administrativo, mas de Direito Civil e Comercial (JUSTEN FILHO, Marçal. Comentários à Lei de Licitações e Contratos Administrativos. São Paulo: RT, 2014, p. 548).
Não obstante essa constatação, que poderia levar à ilegalidade da reserva de vagas na forma da Pnat, o inciso II do § 1° do art. 5º do Decreto 9.450, de 2018, estabelece que haverá previsão expressa tanto no edital como na minuta de contrato quanto à obrigação da vencedora do certame contratar pessoas presas ou egressas, tornando dispensável a declaração do inciso I do § 1º do art. 5° do Decreto 9.450, de 2018, uma vez que o instrumento convocatório vincula tanto a Administração como o particular, não havendo necessidade de uma declaração apartada disciplinando as futuras obrigações das partes, conforme o inc. XI do art. 55 da Lei 8666, de 1993.
Nota-se que, para operacionalização da determinação de reserva de vagas nos moldes do Decreto 9.450, de 2018, é preciso fazer uma leitura em conjunto com as normas que regem não só as contratações públicas, mas também as que disciplinam a execução penal no sistema jurídico pátrio.
Com efeito, a Lei de Execução Penal - LEP, Lei 7.210, de 1984, prevê o trabalho do condenado como dever social e condição de dignidade humana, tendo finalidade educativa e produtiva (art. 28 - LEP).
É preciso deixar claro que a obrigação do trabalho ao condenado previsto no art. 39, V, da LEP, não significa trabalho forçado ou escravidão, vedados no art. 5º, inciso XLVIII, alínea c, da Constituição Federal.
A propósito, preceitua expressamente o art. 6º da Convenção Americana de Direitos Humanos - Pacto San José da Costa Rica, que o trabalho obrigatório do preso não significa escravidão ou servidão deste por parte do Estado, confira:
ARTIGO 6
Proibição da Escravidão e da Servidão
3. Não constituem trabalhos forçados ou obrigatórios para os efeitos deste artigo:
a) trabalhos ou serviços normalmente exigidos de pessoa reclusa em cumprimento de sentença ou resolução formal expedida pela autoridade judiciária competente. Tais trabalhos ou serviços devem ser executados sob a vigilância e controle das autoridades públicas, e os indivíduos que a executarem não devem ser postos à disposição de particulares, companhias ou pessoas jurídicas de caráter privado;
Segundo Cezar Bitencourt, o trabalho prisional é a melhor forma de ocupar o tempo ocioso do condenado e diminuir os efeitos criminógenos da prisão e, a despeito de ser obrigatório, hoje é um direito-dever do apenado e será sempre remunerado (art. 29 da LEP). A jornada normal de trabalho não pode ser inferior a 6 (seis) e nem superior a 8 (oito) horas diárias, com repouso aos domingos e feriados (art. 33 da LEP). Não poderá ter remuneração inferior a três quartos do salário e estão assegurados ao detento as garantias e todos os benefícios da previdência social, inclusive a aposentadoria, apesar de não ser regulado pela Consolidação das Leis do Trabalho (art. 28, § 2°, da LEP) (BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de Direito Penal. Parte Geral: Volume 1. São Paulo: Saraiva, 2004, p. 495).
Dessa forma, dentre as obrigações dos condenados, a principal é a de trabalhar, que funciona primordialmente como fator de recuperação, disciplina e aprendizado para a futura vida em liberdade. Se o preso recusar a atividade que lhe foi destinada, cometerá falta grave, na forma do inc. VI, do art. 50, da LEP (NUCCI, Guilherme de Souza. Manual de Processo Penal e Execução Penal. São Paulo: Saraiva, 2011, p. 1011).
A validade do trabalho obrigatório do preso já foi reconhecida pela jurisprudência há algum tempo, não havendo questionamentos a respeito da legitimidade da obrigação do preso de trabalhar (STJ - HC 157.648⁄SP, Rel. Ministra LAURITA VAZ, QUINTA TURMA, julgado em 26/08/2010, DJe 27/09/2010).
O trabalho externo, por sua vez, é normal no regime aberto, eventual no regime semiaberto e excepcional no regime fechado (SANTOS, Juarez Cirino. Direito Penal: Parte Geral. Curitiba: ICPC, Lumen Juris, 2006, p. 522).
É preciso anotar, assim, a diferença de tratamento do trabalho externo entre os regimes de cumprimento de pena, conforme disposto no Código Penal.
No regime fechado, o condenado cumpre a pena em estabelecimento de segurança máxima ou média. Destina-se aos condenados a penas superiores a 8 (oito anos) de reclusão (art. 33, § 2º, a, Código Penal), sendo o modo mais rigoroso de execução da pena privativa de liberdade, e se caracteriza pelo trabalho comum interno (regra) ou em serviços ou obras públicas externas (exceção) durante o dia, e pelo isolamento durante o repouso noturno (art. 34, §§ 1º, 2º e 3º, Código Penal) (SANTOS, Juarez Cirino. Op. cit., p. 516).
No regime semiaberto, a execução da pena possui um rigor intermediário, entre os regimes fechado e aberto. É cumprido em colônia agrícola, industrial ou similar e destina-se, imediatamente, aos condenados primários a penas privativas de liberdade superiores a 4 (quatro) e inferiores a 8 (oito) anos, e mediatamente aos condenados submetidos ao regime fechado (art. 33, § 2º, b, Código Penal), pela progressividade dos regimes de execução. O regime semiaberto caracteriza-se pelo trabalho comum interno ou externo durante o dia e pelo recolhimento noturno, permitindo a frequência a cursos supletivos profissionalizantes, de instrução de segundo grau ou superior (art. 35, §§ 1º e 2º, Código Penal) (SANTOS, Juarez Cirino. Op. cit., p. 517).
O regime aberto é o modo menos rigoroso de execução da pena privativa de liberdade. Deve ser cumprido em casa de albergado e destina-se, imediatamente, aos condenados primários a penas iguais ou inferiores a 4 (quatro) anos, e mediatamente, aos condenados submetidos a outros regimes (art. 33, § 2º, Código Penal), segundo o critério da progressividade. O regime aberto tem por fundamento a autodisciplina e o senso de responsabilidade do condenado (art. 36, Código Penal), e se caracteriza pela liberdade sem restrições para o trabalho externo, frequência a cursos e outras atividades autorizadas durante o dia e pela liberdade restringida durante a noite e dias de folga, mediante recolhimento em casa de albergado ou na própria residência do condenado (art. 36, § 1º, Código Penal) (SANTOS, Juarez Cirino. Op. cit., p. 518).
A concessão de autorização para que o preso se ausente do estabelecimento prisional para fins de executar trabalho externo submete-se a requisitos legais de ordem objetiva e subjetiva.
Os requisitos subjetivos são a aptidão, a disciplina e a responsabilidade do preso, já o requisito objetivo é a exigência de cumprimento de pelo menos 1/6 (um sexto) da pena aplicada na condenação transitada em julgado, conforme estipula o art. 37 da Lei de Execuções Penais, cujo teor é o seguinte:
Art. 37. A prestação de trabalho externo, a ser autorizada pela direção do estabelecimento, dependerá de aptidão, disciplina e responsabilidade, além do cumprimento mínimo de 1/6 (um sexto) da pena.
A autorização para trabalho externo pode ser revogada em caso de prática de fato definido como crime, de punição por falta grave ou comportamentos contrários aos requisitos exigidos (art. 37 e parágrafo único, da LEP), e também é exigível, com relação aos presos que cumpram pena em regime prisional semiaberto ou em regime fechado, nos casos elencados no artigo art. 36 da LEP:
Art. 36. O trabalho externo será admissível para os presos em regime fechado somente em serviço ou obras públicas realizadas por órgãos da Administração Direta ou Indireta, ou entidades privadas, desde que tomadas as cautelas contra a fuga e em favor da disciplina.
§ 1º O limite máximo do número de presos será de 10% (dez por cento) do total de empregados na obra.
§ 2º Caberá ao órgão da administração, à entidade ou à empresa empreiteira a remuneração desse trabalho.
§ 3º A prestação de trabalho à entidade privada depende do consentimento expresso do preso.
Quando o reeducando encontra-se em regime aberto, porém, já não se exige autorização para o trabalho externo, pois é depositada pelo juízo e pela sociedade, nele, uma maior confiança, cabendo a ele comprovar o exercício de trabalho lícito em prazo estipulado pelo juízo das execuções penais.
Cumpre destacar a figura do egresso, que, para fins da Lei de Execuções Penais, não é aquele que um dia foi preso por qualquer motivo, mas sim o condenado libertado definitivamente, pelo prazo de um ano após sua saída do estabelecimento, e o liberado condicional, mas somente durante o seu período de prova, conforme reza o art. 26 da LEP.
O preso provisório, por fim, não é obrigado a trabalhar, mas, caso queira, somente será possível executar suas tarefas no interior do estabelecimento prisional, não sendo admissível o trabalho externo, conforme dispõe o parágrafo único do art. 31 da LEP:
Art. 31. (...)
Parágrafo único. Para o preso provisório, o trabalho não é obrigatório e só poderá ser executado no interior do estabelecimento.
Pois bem, percebe-se que o Decreto n° 9.450, de 2018, determinou a reserva de vagas para pessoas presas e egressas para todo tipo de contrato de terceirização de serviços com a Administração Pública Federal, sem estender tal previsão para contratos de obras, não havendo delimitação a respeito de como serão recrutadas essas pessoas por parte da empresa contratada, em especial como será feita a escolha entre as pessoas presas e as egressas, nem quais critérios serão utilizados pela Administração para elaborar os termos do edital e as cláusulas contratuais, não podendo o Administrador agir de forma aleatória e sem critérios.
A aplicação apressada e literal do Decreto pode gerar uma enorme dificuldade operacional, na medida em que não é possível simplesmente transferir para as empresas licitantes toda a responsabilidade por providenciar a contratação de pessoas presas e egressas, uma vez que a implementação da Pnat demanda a integração de diversos órgãos públicos e da própria comunidade na admissão dos antigos infratores ao convívio social.
Fica evidente que é preciso complementar a Pnat com outros instrumentos para permitir a efetivação do programa, com a necessária integração entre os entes governamentais e a sociedade civil.
Conforme explica Guilherme Nucci, havendo integração da comunidade, através de organismos representativos, no acompanhamento da execução das penas, torna-se maior a probabilidade de recuperação do condenado, até por que, quando findar a pena, possivelmente já terá apoio garantido para a sua reinserção social, mormente no mercado de trabalho (art. 4°, LEP). Para tanto, são previstos como órgãos da execução penal o Patronato (art. 78 e 79, LEP), e o Conselho da Comunidade (art. 80 e 81, LEP) (NUCCI, Guilherme de Souza. Op. cit., p. 1007).
Essa integração com a comunidade e a necessidade de coordenação intragovernamental para executar o Pnat foi prevista no próprio Decreto 9.450, de 2018, ao estabelecer a necessidade de articulação entre diversos órgãos governamentais e da sociedade civil para a implementação do programa, à luz do disposto nos §§ 2° a 4° do seu art. 1°:
Art. 1o (…)
§1° (…)
§ 2º A Pnat será implementada pela União em regime de cooperação com Estados, Distrito Federal e Municípios.
§ 3º Para a execução da Pnat, poderão ser firmados convênios ou instrumentos de cooperação técnica da União com o Poder Judiciário, Ministério Público, organismos internacionais, federações sindicais, sindicatos, organizações da sociedade civil e outras entidades e empresas privadas.
§ 4º Será promovida a articulação e a integração da Pnat com políticas, programas e projetos similares e congêneres da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios.
Assim, apesar do Decreto 9.450, de 2018, prever que as parcerias entre os órgãos governamentais e entidades privadas para implementação é uma possibilidade, a melhor leitura é que a formalização dos convênios e acordos de cooperação não é só possível, mas essencial e fundamental para a correta operacionalização da Política Nacional de Trabalho no âmbito do Sistema Prisional, em especial a reserva de vagas nos contratos de terceirização de serviços pela Administração Pública Federal.
Tenha-se em mente que a administração penitenciária é, em regra, exercida por órgãos estaduais, sendo poucos os presídios federais no país, o que demanda uma interação entre as esferas federativas.
Sem esses instrumentos complementares, a Pnat será praticamente inviabilizada no âmbito das contratações públicas federais, uma vez que o universo de pessoas beneficiadas pela reserva de vagas é muito vasto e heterogêneo, com regimes jurídicos de cumprimento de pena distintos, mas que não foram discriminados pelo Decreto 9.450, de 2018, conforme determina o § 1o do art. 1° do referido normativo, acima transcrito.
A toda evidência, somente com a especificação em documentos complementares é que será factível a reserva de vagas nos contratos de terceirização de serviços para a Administração Pública Federal.
Além disso, é uma exigência do Decreto 9.450, de 2018, a articulação e integração entre a Pnat e programas congêneres de reinserção de presos, e que deve ser instrumentalizada para permitir a operacionalização da reserva de vagas nos contratos de prestação de serviços para a Administração.
Um exemplo de programa amplamente divulgado para reinserção dos presos e egressos é o Projeto Começar de Novo, instituído pelo Conselho Nacional de Justiça por meio da Resolução n° 96, de 27 de outubro de 2009, que é composto por diversas ações educativas, de capacitação profissional e de reinserção no mercado de trabalho.
A implementação do Projeto Começar de Novo contou com ampla participação de entidades tanto públicas como privadas, que celebraram parcerias entre si e os órgãos do Poder Judiciário, conforme bem delineado no art. 2° da Resolução CNJ n° 96, de 2009, da seguinte forma:
Art. 2º O Projeto Começar de Novo compõe-se de um conjunto de ações educativas, de capacitação profissional e de reinserção no mercado de trabalho, a ser norteado pelo Plano do Projeto anexo a esta Resolução.
§ 1º O Projeto será implementado com a participação da Rede de Reinserção Social, constituída por todos os órgãos do Poder Judiciário e pelas entidades públicas e privadas, inclusive Patronatos, Conselhos da Comunidade, universidades e instituições de ensino fundamental, médio e técnico-profissionalizantes;
§ 2º Os Tribunais de Justiça deverão celebrar parcerias com as instituições referidas no parágrafo anterior para implantação do Projeto no âmbito da sua jurisdição, com encaminhamento de cópia do instrumento ao Conselho Nacional de Justiça.
§ 3º Os demais tribunais que detenham competência criminal, deverão promover ações de reinserção compatíveis com as penas que executa.
§ 4º Todos os demais tribunais, ainda que não detenham competência criminal, poderão também promover ações de reinserção, sobretudo no tocante à contratação de presos, egressos e cumpridores de medidas e penas alternativas com base na Recomendação nº 21, do Conselho Nacional de Justiça.
Também não houve previsão no Decreto 9.450, de 2018, a respeito dos serviços que não poderão ser prestados por empregados com antecedentes criminais, considerando as peculiaridades da atividade a ser exercida.
Podemos já adiantar que, para o serviço de segurança patrimonial, há expressa vedação legal ao emprego de vigilantes com antecedentes criminais, tal como consta nos arts. 12 e 16, VI da Lei 7.102, de 20 de junho de 1983, que assim dispõem:
Art. 12 - Os diretores e demais empregados das empresas especializadas não poderão ter antecedentes criminais registrados.
(...)
Art. 16 - Para o exercício da profissão, o vigilante preencherá os seguintes requisitos:
(...)
VI - não ter antecedentes criminais registrados; e
A definição de quais as atividades são as mais indicadas para cada tipo de preso ou egresso, levando em consideração inclusive o tipo de crime ao qual foi condenado e a sua personalidade, demandam complementação por convênios e acordos de cooperação, não tendo o Administrador condições de fixar as regras do edital aleatoriamente, sob pena de cometer injustiças e arbitrariedades, mesmo com a melhor das intenções.
Some-se a isso a necessidade de que haja a edição de normativo complementar por parte do Ministério do Planejamento Desenvolvimento e Gestão para a aplicação geral a todos os órgãos integrantes do Sistema de Serviços Gerais –SISG, conforme determina o § 1º do art. 1º do Decreto 1094, de 23 de março de 1994.
Com efeito, o art. 13, VII, anexo I, do Decreto 9.035, de 20 de abril de 2017, atribui à Secretaria de Gestão do Ministério do Planejamento Desenvolvimento e Gestão a qualidade de órgão central do SISG, conferindo-lhe poder normativo para estabelecer diretrizes e orientações aos órgãos e unidades da Administração Federal direta, autárquica e fundacional.
Isso é necessário para definir como será elaborada a planilha de custos da contratação, em especial no que concerne às peculiaridades da remuneração dos presos que não são regidos pela Consolidação das Leis do Trabalho, na forma do art. 29 da LEP.
É preciso destacar que o gestor público integrante do SISG deve, em primeiro lugar, observar as normas expedidas pelo órgão central do sistema, que tem por objetivo coordenar as atividades administrativas dos diversos órgãos e entidades com determinações vinculantes, buscando a harmonia e padronização das rotinas de aquisições.
Essa complementação, inclusive, é uma exigência da Lei de Introdução às Normas de Direito Brasileiro, que prevê a necessidade das autoridades administrativas aumentarem a segurança jurídica na aplicação das normas, editando os atos normativos necessários para evitar instabilidade na concretização dos comandos normativos, conforme determina o art. 30 incluído pela Lei n° 13.655, de 2018:
Art. 30. As autoridades públicas devem atuar para aumentar a segurança jurídica na aplicação das normas, inclusive por meio de regulamentos, súmulas administrativas e respostas a consultas. (Incluído pela Lei nº 13.655, de 2018)
Parágrafo único. Os instrumentos previstos no caput deste artigo terão caráter vinculante em relação ao órgão ou entidade a que se destinam, até ulterior revisão. (Incluído pela Lei nº 13.655, de 2018)
Cumpre registrar que os Ministérios da Segurança Pública e dos Direitos Humanos editaram a Portaria Interministerial n° 3, de 11 de setembro de 2018, publicada em 14 de setembro de 2018, que estabelece orientações sobre o procedimento para efetivar a Pnat (art. 1o), insistindo na ideia de que a previsão de emprego de pessoas presas e egressas é um requisito de habilitação jurídica (art. 2o), bem assim que, para assinar o contrato, a licitante vencedora deve comprovar a contratação de presos e egressos (art. 3o).
Chama a atenção na Portaria Interministerial MDS-MDH n° 3, de 2018, que o Departamento Penitenciário Nacional articulará com os órgãos responsáveis da administração penitenciária dos Estados e DF a inclusão, nos sistemas de intermediação de mão de obra, de pessoas presas e egressas (art. 4o, caput), incluindo pessoas presas no regime fechado (art. 4o, parágrafo único).
Destaca-se também que foi atribuída à Comissão Técnica de Classificação instituída nos termos dos arts. 5º a 7º da Lei nº 7.210, de 11 de julho de 1984, a função de orientar a classificação das pessoas presas aptas a serem beneficiadas pela Pnat (art. 5o), sem esclarecer que esses órgãos são geralmente estaduais, e não estão submetidos às autoridades federais.
A portaria interministerial em questão não definiu como será feita a seleção entre as pessoas que estão cumprindo pena nos diferentes regimes e os egressos, sem indicar se a reserva de vagas prevista no Decreto 9.450, de 2018, estaria sendo atendida se houvesse a contratação apenas de uma das categorias, como, por exemplo, somente egressos, sem contratar nenhuma das demais categorias de apenados.
Com todas as vênias, a portaria interministerial reforça um cenário de insegurança jurídica, carecendo de legitimidade, na medida em que compete à Secretaria de Gestão do Ministério do Planejamento, Desenvolvimento e Gestão a expedição desta regulamentação infralegal em matéria de procedimentos de instrução de processos licitatórios, uma vez que as competências atribuídas aos Ministérios da Segurança Pública e dos Direitos Humanos pelo Decreto nº 9.450, de 2018 são todas de natureza executiva, não havendo qualquer menção à regulamentação da matéria por parte destes ministérios (BARRAL, Daniel. Ainda sobre a cota de Presos. Quando aprenderemos?. Portal L&C, site: http://www.licitacaoecontrato.com.br/lecComenta_detalhe.html, consulta em 31/10/2018).
Além disso, no afã de garantir a efetiva implementação da Pnat, a Portaria interministerial MDS-MDH nº 3, de 2018, estabeleceu que, em caso de desobediência dos artigos 5º e 6º do Decreto nº 9.450, de 2018, o agente público será responsabilizado nos termos da Lei nº 8.112, de 1990, sendo obrigação da autoridade que dela tiver ciência promover sua apuração imediata.
Sobre tais previsões, recorremos à lição de Daniel Barral, que merece ser colacionada:
A ilegalidade destas disposições é flagrante e foram encartadas na Portaria com o claro intuito de constranger e amedrontar os já combalidos servidores públicos responsáveis pelas compras públicas federais.
Se de um lado, sabemos todos, a ninguém é dado a possibilidade de deliberadamente descumprir a lei, por outro também já há razoável consenso a respeito da insuficiência da ideia condensada nas palavras de Seabra Fagundes de que “administrar é aplica a lei de ofício”.
Ora, o império do Direito é maior que o texto legal, o que faz do princípio da legalidade apenas um elo, o primeiro de uma corrente de juridicidade que ainda incorpora os demais elencados na Constituição Federal, implícita e explicitamente.
Assim, por mais importantes que sejam os objetivos da promoção do desenvolvimento nacional sustentável, sua aplicação deve estar compatibilizada com as demais finalidades elencadas no art. 3º da Lei nº 8.666, de 1993, em especial a da realização do melhor negócio para o Estado.
Logo, é ilegal, ex ante, inquinar de antijurídico, uma eventual atuação desconforme, sem que sejam avaliados os fundamentos conducentes à eventual tomada de decisão que afaste a PNAT de alguma contratação pública.
Ademais, vejam que curioso, recentemente a Lei de Introdução ao Direito Brasileiro foi alterada pela Lei nº 13.655, de 25 de abril de 2018, com o declarado intuito de conferir segurança jurídica na interpretação e aplicação do Direito Publico.
Dentre as disposições aplicáveis ao presente caso, destacamos as constantes no art. 20, que veda a decisão administrativa arrimada exclusivamente em valores jurídicos abstratos, devendo ser avaliadas as consequências práticas da decisão, o art. 22 que determina que, na interpretação de normas sobre gestão pública, serão considerados os obstáculos e as dificuldades reais do gestor e as exigências das políticas públicas a seu cargo, dispondo ainda que qualquer decisão sobre regularidade de conduta ou validade de ato, contrato, ajuste, processo ou norma administrativa, deve considerar as circunstâncias práticas que houverem imposto, limitado ou condicionado a ação do agente, além, é claro, da Pièce de résistance constante no art. 28 que dispõe que o agente público responderá pessoalmente por suas decisões ou opiniões técnicas apenas em caso de dolo ou erro grosseiro. (BARRAL, Daniel. Ainda sobre a cota de Presos. Quando aprenderemos?. Portal L&C, site :http://www.licitacaoecontrato.com.br/lecComenta_detalhe.html, consulta em 31/10/2018)
Fica clara, dessa forma, a ilegalidade da Portaria Interministerial n. 3, de 2018.
Diante desse quadro, algumas indagações são imperiosas para a implementação da Pnat:
a) como será feita a escolha entre as pessoas presas e as egressas?
b) quais serão os critérios utilizados pela Administração para elaborar os termos do edital?
c) os estabelecimentos estaduais estão vinculados ao Decreto n° 9.450, de 2018?
d) como será elaborada a planilha de custos da contratação, considerando que os presos não são regidos pela CLT (art. 29, LEP)?
e) quais atividades são as mais indicadas para cada tipo de preso ou egresso, levando em consideração o tipo de crime ao qual foi condenado e a sua personalidade?
Em complemento, cumpre transcrever o DESPACHO n. 00006/2018/HTM/CPMLC/CGU/AGU, do Sr. Coordenador da Comissão Permanente de Modelos de Licitações e Contratos - CPMLC (NUP: 00688.000822/2017-65), que reconheceu a impossibilidade de implementar o Pnat no atual quadro normativo:
Esta Comissão está a esbarrar em dificuldades práticas para implementação das disposições do Decreto nº 9.450/18 nos seus modelos de editais de serviços. Além dos pontos trazidos na nota supracitada, em especial no seu item 13, acrescento os seguintes:
• a) Como admitir a apresentação das declarações previstas no art. 5º, §1º, I como requisito de habilitação se tal condição não foi estabelecida no rol taxativo da lei, em desconformidade com a jurisprudência do TCU? (ex: Acórdão 1246/2016-Plenário | Relator: MARCOS BEMQUERER);
• b) Considerando que é possível a contratação de egressos, que não estão mais em estabelecimentos prisionais (vide art. 26, Lei nº 7.210/84), bem como tendo em vista o ponto da alínea acima e a previsão de que "A administração pública poderá deixar de aplicar o disposto neste artigo quando, justificadamente, a contratação de pessoa presa ou egressa do sistema prisional se mostrar inviável." (art. 5º, §4º do decreto supracitado), qual a consequência jurídica da não apresentação da "declaração emitida pelo órgão responsável pela execução penal de que dispõe de pessoas presas aptas à execução de trabalho externo" de que dispõe o art. 5º, §1º, I do Decreto nº 9.450/18? A empresa será desclassificada (ou inabilitada)? A Administração deverá abrir diligências para averiguar se é viável a contratação de presos? A empresa deve permanecer no certame dada a possibilidade de contratação de egressos?
• c) O art. 5º, §2º, I exige a prévia autorização do juízo de execução para que haja a prestação de serviços pelo preso, enquanto que o art. 6º §1º exige a comprovação da contratação nos percentuais previstos na lei quando da celebração do contrato. Isso significa que não será juridicamente possível a assinatura do contrato até que haja a autorização do juízo da execução? Ou pode a contratada se escusar de cumprir os percentuais de trabalho por presos ou egressos enquanto aguarda a autorização? Como conciliar ambas essas previsões?
Tais questões impedem qualquer implementação das disposições do aludido decreto nos modelos de edital e anexos, inviabilizando, nesse ponto, o trabalho desta Comissão.
Cumpre registrar que tal despacho foi aprovado pelo Exmo. Sr. Diretor do DECOR no DESPACHO n. 00595/2018/DECOR/CGU/AGU, tendo submetido a questão à douta Comissão Permanente de Licitações e Contratos Administrativos - CPLCA.
Nenhuma dessas indagações é respondida pelo conjunto normativo atualmente vigente.
Diante desse quadro, ainda não há condições normativas para a efetivação da Política Nacional de Trabalho no âmbito do Sistema Prisional pela reserva de vagas nas contratações públicas federais, motivo pelo qual, por ora, os gestores poderão invocar o disposto no § 4o do art. 5o do Decreto 9.450, de 2018, para justificar a inviabilidade da contratação de pessoa presa ou egressa do sistema prisional.
Percebe-se que as inovações legislativas introduzidas pelo Decreto 9.450, de 2018, trouxeram enormes desafios para a Administração Pública Federal ao determinar a reserva de vagas para pessoas presas e egressas do sistema prisional nas contratações públicas de serviços terceirizados, havendo necessidade de encontrar uma interpretação que gere a harmonia entre a legislação de Direito Administrativo com a de Direito Penal e Processual Penal.
Para permitir a concretização da Política Nacional de Trabalho no âmbito do Sistema Prisional pela reserva de vagas nas contratações públicas federais, é necessária ampla complementação por convênios e acordos de cooperação, além da edição de instrução normativa por parte da Secretaria de Gestão do Ministério do Planejamento Desenvolvimento e Gestão.
Tais instrumentos complementares darão ao Administrador condições de fixar as regras do edital da futura licitação de maneira segura e justa, sem correr o risco de cometer injustiças e arbitrariedades.
Além das dificuldades práticas apontadas, é necessário destacar que toda política de ação afirmativa, como já ressaltado, deve ser interpretada de forma restritiva.
Como bem destacado pela CJU/GO, em contratos que demandem a contratação de menos de 34 trabalhadores, o percentual fixado (3%) resulta em número inferior a uma vaga. O arredondamento do número e a previsão em edital de contratação de um preso ou egresso implicaria na exigência de percentual superior ao estabelecido pela norma. Note-se que o contrato pode demandar três, quatro, dez ou 33 trabalhadores. Em todos os casos, exigir uma vaga destinada à contratação de preso ou egresso supera os 3% do inciso I, o que poderia resultar em exigência desproporcional (seq. 1, NOTA JURÍDICA n. 022/2018/CJU-GO/CGU/AGU).
Perfeito o raciocínio da CJU/GO, na medida em que o art. 6º, I, do Decreto 9.450, de 2018, reservou o quantitativo de 3% das vagas no caso de haver menos de duzentas vagas, mas não deixou claro o limite mínimo desse quantitativo.
Com efeito, não é admissível que haja o aumento da cota reservada para pessoas pressas e egressas pelo arredondamento do número fracionado, pois tal expediente gera uma distorção no regime de tal como entendeu o E. Supremo Tribunal Federal, em relação às regras que disciplinam a reserva de vagas para ingresso nas carreiras do serviço público, que é perfeitamente aplicável ao caso, conforme precedente assim ementado:
CONCURSO PÚBLICO - CANDIDATOS - TRATAMENTO IGUALITÁRIO. A regra é a participação dos candidatos, no concurso público, em igualdade de condições. CONCURSO PÚBLICO - RESERVA DE VAGAS - PORTADOR DE DEFICIÊNCIA - DISCIPLINA E VIABILIDADE. Por encerrar exceção, a reserva de vagas para portadores de deficiência faz-se nos limites da lei e na medida da viabilidade consideradas as existentes, afastada a possibilidade de, mediante arredondamento, majorarem-se as percentagens mínima e máxima previstas (STF – MS nº 26.310-DF – Tribunal Pleno – rel. Min. Marco Aurélio – DJU 31.10.2007)
Consta do voto do eminente Relator, Ministro MARCO AURÉLIO, o seguinte trecho, verbis:
(...) A regra é a feitura de concurso público, concorrendo os candidatos em igualdade de situação – Inciso II do artigo 37 da Carta da República. O inciso VIII do mesmo artigo preceitua que ‘a lei reservará percentual de cargos e empregos públicos para as pessoas portadoras de deficiência e definirá os critérios de sua admissão’. A Lei n.º 7.853/89 versou a percentagem mínima de cinco por cento e a Lei n.º 8.112/90 veio a estabelecer o máximo de vinte por cento de vagas reservadas aos candidatos portadores de deficiência física. Ora, considerando o total de vagas no caso – duas – não se tem, aplicada a percentagem mínima de cinco a máxima de vinte por cento, como definir vaga reservada a teor do aludido inciso VIII. Entender-se que um décimo de vaga ou mesmo quatro décimos, resultantes da aplicação de cinco ou vinte por cento, respectivamente, sobre duas vagas, dão ensejo à reserva de uma delas implica verdadeira igualização, olvidando-se que a regra é a não distinção entre os candidatos, sendo exceção a participação restrita, consideradas vagas reservadas. Essa conclusão levaria os candidatos em geral a concorrerem a uma das vagas e os deficientes, à outra, majorando-se os percentuais mínimo, de cinco por cento, e máximo, de vinte por cento, para cinqüenta por cento. O enfoque não é harmônico com o princípio da razoabilidade (...)”.
De acordo com os precedentes do STF, a reserva de vagas para cotistas deve-se ater aos limites da lei de regência, "afastada a possibilidade de, mediante arredondamento, majorarem-se as percentagens mínima e máxima previstas" (RE 440988 AgR, Relator Min. Dias Toffoli, Primeira Turma, julgado em 28/02/2012, Acórdão Eletrônico, DJe-065, Divulg. 29.3.2012, Public. 30.3.2012; STF, MS 26310, Relator Min. Marco Aurélio, Tribunal Pleno, julgado em 20/9/2007, DJe-134, Divulg. 30/10/2007, Public. 31/10/2007, DJ 31/10/2007).
Tal entendimento é perfeitamente aplicável à reserva de vagas do Pnat, não podendo haver, em qualquer hipótese, arredondamento que implique em majoração dos percentuais previstos no art. 6° do Decreto n° 9450, de 2018.
Forte nessas premissas, não haverá reserva de vagas do Pnat quando a contratação envolver número de vagas igual ou inferior a 33 (trinta e três), nem haverá arredondamento para mais que importe em ampliar as vagas para os cotistas presos ou egressos.
Conforme se depreende do art. 6o do Decreto 9450, de 2018, a reserva de vagas se dará na proporção do número de trabalhadores que forem utilizados para a realização do serviço contratado, indicando que a Pnat é voltada para os serviços com dedicação exclusiva de mão de obra.
A Instrução Normativa SEGES n° 05, de 26 de maio de 2017, no seu art. 17 bem caracterizou os serviços com regime de dedicação exclusiva de mão de obra prestados para a Administração Pública Federal, cabendo trazer o referido dispositivo à colação:
Art. 17. Os serviços com regime de dedicação exclusiva de mão de obra são aqueles em que o modelo de execução contratual exija, dentre outros requisitos, que:
I - os empregados da contratada fiquem à disposição nas dependências da contratante para a prestação dos serviços;
II - a contratada não compartilhe os recursos humanos e materiais disponíveis de uma contratação para execução simultânea de outros contratos; e
III - a contratada possibilite a fiscalização pela contratante quanto à distribuição, controle e supervisão dos recursos humanos alocados aos seus contratos.
Parágrafo único. Os serviços de que trata o caput poderão ser prestados fora das dependências do órgão ou entidade, desde que não seja nas dependências da contratada e presentes os requisitos dos incisos II e III.
Nos serviços sem dedicação exclusiva de mão de obra, por sua vez, não haverá a presença física do empregado da empresa contratada nas dependências da Administração, nem mesmo a disponibilidade deste empregado para a Administração.
Essa definição é fundamental para permitir a adequada reserva de vagas para o Pnat, uma vez que não se mostra adequada para as contratações sem dedicação exclusiva de mão de obra, já que, como não haverá qualquer trabalhador destacado para a execução do serviço objeto do contrato, a operação matemática para aplicar o art. 6° do Decreto 9450, de 2018, terá resultado igual a zero.
Essa impossibilidade prática foi bem apontado pelo professor Ronny Charles, ao destacar que os percentuais definidos no artigo 6º do Decreto definem proporções a serem aplicadas em relação aos funcionários utilizados na execução do contrato. Em uma contratação de serviço continuado sem dedicação exclusiva de mão de obra, esta proporção fica prejudicada, justamente pela indefinição ou desvinculação de um número determinado de profissionais, específica e exclusivamente àquela contratação (TORRES, Ronny Charles Lopes de. Contratos administrativos e cotas para mão de obra oriunda ou egressa do sistema prisional, site: https://jus.com.br/artigos/70187/contratos-administrativos-e-cotas-para-mao-de-obra-oriunda-ou-egressa-do-sistema-prisional/2, consulta em 13/11/2018).
Não obstante, cumpre registrar que no art. 7o da Portaria Interministerial MPS-MDH nº 3, de 11 de setembro de 2018, consta a previsão de que também para os serviços sem dedicação exclusiva de mão de obra, dispositivo este que, pela sua importância, merece ser colacionado:
Art. 7º. Na contratação dos serviços que não exijam aplicação do regime de dedicação exclusiva de mão de obra, nos termos do que trata o art. 17 da Instrução Normativa SEGES/MPOG nº 05, de 26 de maio de 2017, a contratada deverá aplicar os percentuais dispostos no art. 6º do Decreto nº 9450, de 2018 conforme a quantidade de funcionários alocados na prestação dos serviços contratados com os órgãos e entidades da administração pública federal direta, autárquica e fundacional.
Parágrafo único. Para cumprimento do disposto no caput, as empresas contratadas deverão apresentar relação de profissionais envolvidos na prestação dos serviços.
Percebe-se que o art. 17 da IN SEGES n° 05, de 2017, acima transcrito, trata dos serviços com dedicação exclusiva de mão de obra, e a sua utilização pela portaria interministerial n. 3 serve apenas para buscar um conceito por exclusão, mas que não ajuda na implementação do dispositivo, e vai contra a própria sistemática do Decreto n. 9450, de 2018, que trabalha com reserva de vagas para a execução do serviço.
O parágrafo único do art. 7º da portaria interministerial n. 3, de 2018, acaba gerando uma obrigação impossível, pois tenta de alguma forma obter dados que permitam a reserva de vagas, impondo que a empresa contratada apresenta a relação de profissionais que irão prestar o serviço, mas nos serviços sem dedicação exclusiva de mão de obra não há designação específicas de pessoas para execução do serviço, não havendo como a empresa contratada apresentar qualquer relação de empregados alocados para a prestação do serviço.
A impossibilidade material de realizar determinada ação, o não estar em condições de cumpri-la, o não possuir os meios indispensáveis para sua realização, ou ainda, o não ter força coercitiva necessária para efetuá-la significa não ter o dever de realizá-la. Essa é a consagração do brocardo ad impossibilia nemo tenetur, segundo o qual ninguém pode ser obrigado a fazer o impossível.
Dessa forma, não há aplicação da reserva de vagas com base no Decreto 9.450, de 2018, nos contratos sem dedicação exclusiva de mão de obra.
Face ao exposto, concluímos que:
a) para permitir a concretização da Política Nacional de Trabalho no âmbito do Sistema Prisional, em especial a reserva de vagas nos contratos de terceirização de serviços pela Administração Pública Federal, é necessária ampla complementação por convênios e acordos de cooperação, além da edição de instrução normativa por parte da Secretaria de Gestão do Ministério do Planejamento Desenvolvimento e Gestão;
b) não há condições normativas, por ora, particularmente pela falta de parâmetros objetivos, para a efetivação da Política Nacional de Trabalho no âmbito do Sistema Prisional - Pnat pela reserva de vagas nas contratações públicas federais, motivo pelo qual os gestores poderão invocar o disposto no § 4º do art. 5º do Decreto 9.450, de 2018, para justificar a inviabilidade da contratação de pessoa presa ou egressa do sistema prisional;
c) não haverá reserva de vagas do Pnat quando a contratação envolver número de vagas igual ou inferior a 33 (trinta e três), nem haverá arredondamento para mais que importe em ampliar as vagas para os cotistas presos ou egressos
d) somente nas contratações públicas de serviços com dedicação exclusiva de mão de obra será exigida a reserva de vagas de pessoas presas e egressas, na forma do Decreto 9.450, de 2018;
e) é ilegal a previsão de novo requisito de habilitação jurídica por ato infralegal constante do art. 5º, § 1°, I do Decreto 9.450, de 2018;
f) algumas atividades e repartições, por suas peculiaridades, podem afastar a exigência de contratação de pessoas presas ou egressas do sistema prisional para os serviços terceirizados demandados;
g) a Portaria Interministerial MSP-MDH nº 3, de 11 de setembro de 2018, não observou a divisão de atribuições entre os minitérios, violando o § 1º do art. 1º do Decreto 1094, de 23 de março de 1994.
À consideração superior.
Rio de Janeiro, 29 de novembro de 2018.
(assinado eletronicamente)
DIEGO DA FONSECA HERMES ORNELLAS DE GUSMÃO
PROCURADOR FEDERAL
RELATOR
Atenção, a consulta ao processo eletrônico está disponível em http://sapiens.agu.gov.br mediante o fornecimento do Número Único de Protocolo (NUP) 00593000174201887 e da chave de acesso 7b4bc5b9