ADVOCACIA-GERAL DA UNIÃO
CONSULTORIA-GERAL DA UNIÃO
CONSULTORIA JURÍDICA JUNTO AO MINISTÉRIO DA CULTURA
PARECER nº 83/2025/CONJUR-MINC/CGU/AGU
PROCESO nº 01400.016314/2024-60
INTERESSADA: Subsecretaria de Planejamento, Orçamento e Administração
ASSUNTO: Cessão de direitos autorais. Imposto sobre serviços. Responsável tributário.
EMENTA: DIREITO TRIBUTÁRIO. DIREITOS AUTORAIS.
I - Incidência de Imposto sobre Serviços de Qualquer Natureza (ISSQN) sobre valores recebidos a título de direitos autorais pelo licenciamento de obras audiovisuais. Ausência de dever de retenção pelo tomador do serviço.
II - Não incidência de contribuição previdenciária. Valores recebidos a título de retribuição pela cessão de direitos autorais não integram o salário-contribuição dos contribuintes individuais ou facultativos do Regime Geral de Previdência Social.
Sra. Consultora Jurídica,
Cuidam o autos em epígrafe do Edital de Concurso MinC nº 1/2024, intitulado Concurso de Licenciamento de Obras Audiovisuais para Plataforma Pública de Difusão de Conteúdos Audiovisuais Brasileiros sob Demanda, que consistiu na seleção de 405 obras audiovisuais finalizadas, para licenciamento em caráter não-exclusivo para exibição em plataforma pública de streaming de vídeos pelo prazo e 48 meses.
O processo, que já se encontra em fase de pagamento dos selecionados, foi encaminhado a esta Consultoria Jurídica pela Subsecretaria de Planejamento, Orçamento e Administração por meio do Ofício nº 1662/2025/SPOA/SE/MinC (doc. SEI/MinC 2167583), para sanar as dúvidas suscitadas pela Coordenação-Geral de Execução Orçamentária e Financeira na Nota Técnica nº 1/2025 (doc. SEI/MinC 2167061), e formulada no seguintes termos:
5.1. Ante o exposto (...) sugerimos o encaminhamento dos autos à Consultoria Jurídica para manifestação quanto ao seguinte questionamento: o contrato de licenciamento do direito de exibição de obra, firmado com os selecionados do Edital de Concurso MinC nº 1, de 21 de agosto de 2024, enquadra-se na isenção do Imposto sobre Serviços de Qualquer Natureza (ISSQN) e da Contribuição Previdenciária?
5.2. Caso a isenção seja aplicável, esta Coordenação Geral permanecerá responsável apenas pela retenção do Imposto de Renda da pessoa física e dos tributos federais estabelecidos na IN nº 1.234/2012 para as empresas que não se enquadrem nas demais hipóteses de isenção ou retenção simplificada?
É o breve relato do necessário. Passo à análise.
I. Da incidência do ISSQN sobre cessão não definitiva de direito autoral.
O Imposto Sobre Serviços de Qualquer Natureza (ISSQN) é tributo de competência municipal, também exercida pelo Distrito Federal, na forma do art. 156, inciso III, da Constituição Federal e da Lei Complementar nº 116/2023, que estabelece regras gerais sobre o tributo a serem observadas pelas legislações municipais e distrital.
Para ser tributado, o serviço não pode estar na hipótese de incidência do ICMS (Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços de competência estadual), e precisa estar listado no Anexo da Lei Complementar nº 116/2003.
O objeto da consulta diz respeito ao licenciamento de obras audiovisuais por prazo determinado e sem exclusividade para uso da União em plataforma pública de transmissão e vídeos na internet, o que consiste em cessão parcial e não definitiva de direitos de autor, na forma o art. 49 da Lei nº 9.610/1998, tratando-se ainda de cessão onerosa, conforme o art. 50 da mesma lei e o contrato que será firmado com o titulares das obras com respaldo no edital do concurso.
Em se tratando de cessão não definitiva de direitos autorais de obra audiovisual, o negócio jurídico em questão enquadra-se no item 1.09 do Anexo da Lei Complementar nº 116/2003, que assim dispõe:
1.09 - Disponibilização, sem cessão definitiva, de conteúdos de áudio, vídeo, imagem e texto por meio da internet, respeitada a imunidade de livros, jornais e periódicos (exceto a distribuição de conteúdos pelas prestadoras de Serviço de Acesso Condicionado, de que trata a Lei nº 12.485, de 12 de setembro de 2011, sujeita ao ICMS)
Considerando que as obras selecionadas no certame não serão distribuídas por prestadoras do serviço de telecomunicação denominado "Serviço de Acesso Condicionado", mas disponibilizadas pelos titulares das obras para veiculação pública pela União, verifica-se tratar, portanto, de serviço sujeito ao recolhimento de ISSQN.
Trata-se de imposto com alíquota mínima de 2% e não sujeita a isenções, exceto para determinados serviços entre os quais não se encontra o item 1.09 do Anexo da lei (cf. art. 8º-A da Lei complementar nº 116/2003). O mesmo item 1.09 encontra-se também relacionado no Anexo Único da Lei Complementar Distrital nº 937/2017, que reproduz a regra limitadora de isenções em seu art. 3º e fixa a alíquota mínima para o serviço em questão.
É relevante considerar que o responsável tributário pelo recolhimento do ISS pode ser o tomador de serviços em determinados caso conforme a legislação aplicável. Porém, a regra é o recolhimento pelo prestador do serviço, conforme estabelecido no art. 5º da Lei Complementar nº 116/2003. Segundo o art. 6º da referida lei, os município e o Distrito Federal podem estabelecer regras de substituição do responsável tributário, o que ocorre em determinados casos para o tomador de serviços conforme o local onde o serviço se considera prestado.
No entanto, não há na legislação federal ou do Distrito Federal qualquer disposição relativa à responsabilidade tributária do tomador de serviços com relação aos serviço de que trata o item 1.09 dos Anexos da Lei Complementar Federal nº 116/2002 ou da Lei Complementar Distrital nº 937/2017, o que certamente se deve em razão da própria dificuldade (intrínseca à natureza do serviço) em determinar o local onde o serviço de disponibilização de direitos autorais se considera prestado. Logo, infere-se que não há qualquer dever de retenção do ISSQN nesses casos, devendo o tributo ser recolhido pelos prestadores do serviço, o que poderá ser realizado após a emissão de nota fiscal, para aqueles contribuintes que tenham esta obrigação legal acessória, ou simplesmente após a realização do serviço e emissão e recibo, conforme as normas locais de cada prestador do serviço.
II. Não-incidência de contribuição previdenciária sobre cessão de direito autoral
Com relação à Contribuição Previdenciária, trata-se de tributo federal regido pela Lei nº 8.212/1991, a qual estabelece seus contribuintes no art. 12. Em geral, são contribuintes as pessoas com vínculo de emprego (art. 12, incisos I e II), hipótese que não se amolda ao caso em exame, no qual há a prestação de um serviço eventual por meio de contrato administrativo, sem qualquer caracterização de vínculo empregatício.
Há também, contudo, contribuintes sem vínculo empregatício que podem recolher a contribuição previdenciária de forma obrigatória, na condição de contribuinte individual (art. 12, inciso V), trabalhador avulso (art. 12, inciso VI) ou segurado especial (art. 12, inciso VII). Destes, o prestador de serviço que licencia seus conteúdos protegidos por direitos autorais pode ser eventualmente enquadrado como contribuinte individual, nas categorias das alíneas f, g ou h o inciso V do art. 12 da lei:
f) o titular de firma individual urbana ou rural, o diretor não empregado e o membro de conselho de administração de sociedade anônima, o sócio solidário, o sócio de indústria, o sócio gerente e o sócio cotista que recebam remuneração decorrente de seu trabalho em empresa urbana ou rural, e o associado eleito para cargo de direção em cooperativa, associação ou entidade de qualquer natureza ou finalidade, bem como o síndico ou administrador eleito para exercer atividade de direção condominial, desde que recebam remuneração;
g) quem presta serviço de natureza urbana ou rural, em caráter eventual, a uma ou mais empresas, sem relação de emprego;
h) a pessoa física que exerce, por conta própria, atividade econômica de natureza urbana, com fins lucrativos ou não;
Em todas estas hipóteses, porém, pressupõe-se (i) que o contribuinte esteja constituído como firma individual, com CNPJ ativo na modalidades de empresa individual admitidas em lei; ou (ii) que o serviço em questão seja exercido como atividade econômica do prestador do serviço, isto é, em caráter não eventual, ainda que haja eventualidade em relação ao tomador do serviço. Não havendo a caracterização destas situações, ou não sendo possível ao tomador do serviço identificá-las, a contribuição previdenciária torna-se facultativa, pois o prestador do serviço apenas poderá ser segurado na forma o art. 14 da lei, mediante contribuição na forma o art. 21.
Como bem apontado pela Coordenação-Geral de Execução Orçamentária e Financeira na Nota Técnica nº 1/2025, o próprio art. 28, § 9º, da Lei nº 8.212/1991, exclui da base de cálculo da contribuição previdenciária dos contribuintes individuais e facultativos "os valores recebidos em decorrência da cessão de direitos autorais". Não integrando a base de cálculo, naturalmente afastam-se da hipótese de incidência do tributo. Tal opção legislativa se deve à própria natureza dos valores recebidos a título de direitos autorais. Devido à singularidade da obras protegidas e às particularidades e eventualidades dos contratos de cessão de direitos, dificilmente se aplicariam aos direitos autorais as métricas legais aplicáveis às verbas de natureza trabalhista e às remunerações percebidas ordinariamente por empresários individuais prestadores de serviços em geral, que lhes permitiriam uma qualificação como contribuintes individuais.
Assim sendo, não havendo incidência de contribuição previdenciária sobre valores recebidos a título de direitos autorais, igualmente inexiste qualquer obrigatoriedade de retenção de tal tributo pela União quando do pagamento realizado em decorrência dos contratos firmados com o selecionados no concurso em exame.
III - Conclusão.
Diante do exposto, em atenção aos questionamentos formulados pela Subsecretaria de Planejamento, Orçamento e Administração por meio do Ofício nº 1662/2025/SPOA/SE/MinC, pode-se afirmar o seguinte:
Com estes entendimentos, propõe-se o retorno dos autos à SPOA, para ciência e prosseguimento do feito, sendo recomendável apenas certificar-se de que a plataforma de exibição dos conteúdos a serem licenciados já se encontra disponível para a disponibilização da obras, antes da assinatura dos contratos, tendo em vista que o edital prevê o prazo determinado de 48 meses de vigência do licenciamento a partir da contratação.
À consideração superior.
Brasília, 10 de abril de 2025.
(assinado eletronicamente)
OSIRIS VARGAS PELLANDA
Advogado da União
Coordenador-Geral Jurídico de Políticas Culturais
Processo disponível em https://supersapiens.agu.gov.br por meio da chave de acesso 026ee3bb