ADVOCACIA-GERAL DA UNIÃO
CONSULTORIA-GERAL DA UNIÃO
DEPARTAMENTO DE COORDENAÇÃO E ORIENTAÇÃO DE ÓRGÃOS JURÍDICOS
PARECER n. 00014/2019/DECOR/CGU/AGU
NUP: 25351.915423/2018-12
INTERESSADOS: AGÊNCIA NACIONAL DE VIGILÂNCIA SANITÁRIA - ANVISA E OUTROS
ASSUNTOS: ATOS ADMINISTRATIVOS
EMENTA: MINUTA DE RESOLUÇÃO DA CMED. ANÁLISE JURÍDICA. CONTROVÉRSIA ACERCA DO SEU ART. 4º. DELEGAÇÃO DE COMPETÊNCIA PRIVATIVA. POSSIBILIDADE.
I – Apesar da existência de distinção entre competência privativa e competência exclusiva não ser um consenso na doutrina, esse é o entendimento mais amplamente utilizado nas análises do instituto da delegação.
II - A competência administrativa exclusiva é caracterizada por ser indelegável, enquanto, de forma diversa, a competência administrativa privativa, em princípio, pode ser objeto de delegação.
III – Conforme o teor do art. 2º, IV, c/c art. 4º, II, do Decreto nº 4.766/2003, a competência analisada é exercida privativamente pelo Conselho de Ministros. Logo, dado o seu caráter privativo, desde que não incidente algum motivo de vedação, como tratar-se de competência para decisão de recurso administrativo ou edição de atos normativos, ela poderá ser delegada para o Comitê Técnico-Executivo, como pretende o art. 4º da Minuta de Resolução da CMED.
Exmo. Sr. Coordenador-Geral,
Trata-se de solicitação, encaminhada através do Despacho nº 01731/2018/GABAGU/AGU, para que esta Consultoria-Geral da União se manifeste a respeito de controvérsia jurídica acerca de minuta de Resolução da CMED que “Disciplina o monitoramento e a liberação dos critérios de estabelecimento ou ajuste de preços de medicamentos isentos de prescrição médica, medicamentos fitoterápicos, produtos tradicionais fitoterápicos e anestésicos locais injetáveis de uso odontológico".
Verifica-se que a CONJUR-MS/CONJUR-MDIC/CONJUR-MJ e a SAJ/CC-PR adotaram posicionamento jurídico favorável à edição da proposta de Resolução da CMED. Por outro lado, a CPN/PGFN entendeu haver impedimento jurídico à delegação constante no art. 4º da minuta, encontrando-se instaurada controvérsia entre órgãos consultivos. Vejamos.
A CONJUR-MS emitiu o PARECER nº 01238/2018/CONJUR-MS/CGU/AGU (seq. 5), aprovado pelo DESPACHO nº 04477/2018/CONJUR-MS/CGU/AGU (seq. 9), concluindo pela inexistência de óbice jurídico à edição da resolução em comento. Ao final, sugeriu, apenas, a realização de pequenos ajustes formais na minuta de resolução, especialmente no seu art. 4º:
16. De acordo com a minuta sub examine, os medicamentos que comporão cada um dos grupos supracitados serão definidos pelo Comitê Técnico-Executivo. A teor do art. 2º, IV, c/c art. 4º, II, do Decreto nº 4.766, de 2003, verifica-se que tal competência é privativa do Conselho de Ministros. Uma vez que a minuta em análise será editada pelo próprio Conselho de Ministros, tem-se que, na prática, estar-se-ia realizando delegação ao Comitê Técnico-Executivo para a realização desse ato.
17. Cabe destacar que não se encontrou a incidência de impedimento legal para essa delegação a partir do cotejo da minuta com a legislação que rege o tema. [...]
19. Contudo, de modo a contemplar a melhor técnica legislativa, recomenda-se que tal delegação conste expressamente no texto da Resolução, de modo a conferir maior segurança jurídica à atuação do Comitê Técnico-Executivo.
20. Ainda, considerando que a delegação passa as atribuições do órgão delegante para o delegado, juridicamente não seria correta a previsão de recurso da decisão do Comitê Técnico-Executivo para o Conselho de Ministros. Por essa razão, é importante que a própria resolução preveja a possibilidade de pedido de reconsideração, com a avocação da decisão final, neste caso, para o Conselho de Ministros.
Por sua vez, a Subchefia para Assuntos Jurídicos - SAJ/CC-PR exarou a Nota SAJ nº 302/2018/SASOC/SAJ/CC-PR (seq. 17), concluindo que a proposta "é pertinente e está de acordo com a Constituição, razão pela qual se opina pela sua viabilidade jurídica":
22. Em suma, verifica-se que a proposta, além de consolidar diversos normativos já utilizados na regulamentação de preços de medicamentos isentos de prescrição, disciplina o processo de liberação de medicamentos que, por características técnicas e econômicas, não justificam sua subordinação à regulação atualmente existente. De fato, a proposta avança nesse modelo de regulação, uma vez que promove maior dinamicidade e flexibilidade, que melhor se adapta à atual situação do mercado de Medicamentos Isentos de Prescrição (MIP) no Brasil, além de proporcionar maior celeridade e economia dos fluxos e rotinas no âmbito da CMED.
Em sequência, a Consultoria Jurídica junto ao Ministério da Justiça - CONJUR-MJ emitiu o PARECER nº 01267/2018/CONJUR-MJ/CGU/AGU (replicado no seq. 18), aprovado pelo DESPACHO nº 06267/2018/CONJUR-MJ/CGU/AGU (seq. 4 do NUP: 08012.002480/2018-53), opinando "pela possibilidade de publicação da Resolução em comento, com as sugestões oferecidas por esta CONJUR-MJ (...)”.
A proposta de ato normativo também foi objeto de análise por parte da Consultoria Jurídica junto ao Ministério da Indústria, Comércio Exterior e Serviços - CONJUR-MDIC, que emitiu o PARECER nº 00804/2018/CONJUR-MDIC/CGU/AGU, aprovado pelo DESPACHO nº 01394/2018/CONJUR-MDIC/CGU/AGU, no qual ratificou os argumentos da CONJUR/MS, opinando assim "pela juridicidade da nova minuta de resolução do Conselho de Ministros da CMED (SEI doc. 0473466) e pelo regular seguimento da proposição":
7. Sob tais premissas, tem-se que a nova versão da minuta de resolução mantém, basicamente, a mesma lógica e estrutura da versão previamente examinada pela CONJUR, com mudanças mais de forma do que de conteúdo substancial. As principais mudanças constam no art. 4º da resolução, que constitui justamente o foco de dúvida suscitado no Parecer nº 700/2018/CONJUR-MDIC/CGU/AGU. [...]
[...]
15. De toda sorte, reconhece-se que, embora sujeito a contra-argumentos, o entendimento defendido pela CONJUR-MS é juridicamente sustentável, dentro da ideia de que os diferentes métodos de interpretação do Direito não raras vezes conduzem a resultados distintos ou a mais de uma tese sustentável. [...]
16. Ademais, também reconheço que a nova redação trazida pelo art. 4º da resolução contém ao menos dois aspectos meritórios. A um, estabelece que a definição da composição dos grupos de medicamentos pelo Comitê Técnico-Executivo deve levar em conta os critérios baixados pelo Conselho de Ministros da CMED, de maneira que o aludido Comitê não terá autonomia absoluta para decidir pela inclusão ou exclusão de produtos do regime, mas sim ficará submetida às diretrizes do Conselho. A dois, estabelece que, havendo recurso hierárquico, a decisão em última instância pertencerá ao Conselho de Ministros.
Em direção oposta, a Coordenação-Geral de Pessoal e Normas da Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional - CPN/PGFN exarou o PARECER SEI Nº 377/2018/CPN/PGACA/PGFN-MF, assentando a tese de que "em relação ao art. 4º da minuta de Resolução CMED encaminhada, trata-se de matéria não passível de delegação nos termos do inciso III do art. 13 da Lei nº 9.784, de 1999", e aduzindo ser preferível a alteração do Decreto nº 4.766, de 2003:
[...] Desse modo, em face do art. 4º, inciso II, do Decreto nº 4.766, de 26 de junho de 2003, que atribui privativamente ao Conselho de Ministros a competência para decidir pela exclusão de grupos, classes, subclasses de medicamentos e produtos farmacêuticos da incidência de critérios de estabelecimento ou ajuste de preços, nos termos da legislação aplicável, bem como decidir pela eventual reinclusão de grupos, classes, subclasses de medicamentos e produtos farmacêuticos à incidência de critérios de determinação ou reajuste de preços, entende-se que o art. 4º da minuta versa acerca de matéria não passível de delegação, sendo preferível, para garantir a segurança do futuro ato normativo, que haja previamente a alteração do Decreto nº 4.766, de 2003.
7. Por fim, a CONJUR-MS, através da NOTA Nº 02150/2018/CONJUR-MS/CGU/AGU, sugeriu o encaminhamento dos autos à Consultoria-Geral da União – CGU/AGU, com vistas à solução da controvérsia.
É o breve relatório do processo.
A controvérsia jurídica, objeto desta análise, surgiu como resultado de interpretações diversas sobre o conteúdo do art. 4º, da minuta de Resolução proposta pela CMED, que "Disciplina o monitoramento e a liberação dos critérios de estabelecimento ou ajuste de preços de medicamentos isentos de prescrição médica, medicamentos fitoterápicos, produtos tradicionais fitoterápicos e anestésicos locais injetáveis de uso odontológico".
A CONJUR-MS/CONJUR-MDIC/CONJUR-MJ e a SAJ/CC-PR adotaram posicionamento jurídico favorável à edição da proposta de Resolução da CMED. Por outro lado, a CPN/PGFN entendeu haver impedimento jurídico à delegação constante no art. 4º da minuta, encontrando-se instaurada controvérsia entre os órgãos consultivos.
Das decisões supramencionadas, duas merecem análise mais apurada, por definirem o conteúdo da presente controvérsia: o PARECER nº 01238/2018/CONJUR-MS/CGU/AGU e o PARECER SEI Nº 377/2018/CPN/PGACA/PGFN-MF.
Preliminarmente, para o enfrentamento do tema em questão, impõe-se analisar se este se encontra dentro das atribuições deste Departamento.
A Constituição Federal (CRFB/88) dispõe que, "a Advocacia-Geral da União é a instituição que, diretamente ou através de órgão vinculado, representa a União, judicial e extrajudicialmente, cabendo-lhe, nos termos da lei complementar que dispuser sobre sua organização e funcionamento, as atividades de consultoria e assessoramento jurídico do Poder Executivo". Por sua vez, a Lei Complementar n.º 73/93 prescreve que é atribuição do Advogado-Geral da União fixar a interpretação da Constituição, das leis, dos tratados e demais atos normativos, a ser uniformemente seguida pelos órgãos e entidades da Administração Federal.
O Decreto 7.392/2010 estabelece que à Consultoria-Geral da União compete "assistir o Advogado-Geral da União no controle interno da legalidade dos atos da administração pública federal" e impõe ao DECOR a competência para "orientar e coordenar os trabalhos das Consultorias Jurídicas ou órgãos equivalentes, especialmente no que se refere à: a) uniformização da jurisprudência administrativa; b) correta aplicação das leis e observância dos pareceres, notas e demais orientações da Advocacia-Geral da União; e c) prevenção de litígios de natureza jurídica.”
O Ato Regimental n.º 05/2007 , por sua vez, dispõe que compete à Consultoria-Geral da União "assistir o Advogado-Geral da União no controle interno da legalidade dos atos da Administração Federa" e "assistir o Advogado-Geral da União na interpretação da Constituição, das leis, dos tratados e demais atos normativos a ser uniformemente seguida pelos órgãos e entidades da Administração Federal". Por seu turno, ao DECOR compete "atuar na orientação das Consultorias Jurídicas dos Ministérios ou órgãos equivalentes e dos Núcleos de Assessoramento Jurídico para a correta aplicação da Constituição, das leis e demais atos normativos" e "atuar na solução de controvérsias e na uniformização de teses jurídicas".
Assim, diante das competências deste Departamento, a presente análise se restringirá à divergência jurídica posta, acerca da possibilidade de delegação ou não, sem que se adentre à avaliação da minuta como um todo.
Passa-se a análise do objeto dos autos.
A Câmara de Regulação do Mercado de Medicamentos - CMED foi instituída pela Medida Provisória nº 123, de 26 de junho de 2003, posteriormente convertida na Lei nº 10.742, de 6 de outubro de 2003. De acordo com o Decreto nº 4.766, de 26 de junho de 2003, que regulamenta a indigitada Lei, a CMED é um órgão do Conselho de Governo, composto pelos Ministérios da Saúde, da Justiça, da Fazenda e da Indústria, Comércio Exterior e Serviços e pela Casa Civil da Presidência da República, cujos respectivos Ministros compõem o Conselho de Ministros, órgão de deliberação superior e final, além de possuir em sua estrutura um Comitê Técnico-Executivo e uma Secretaria-Executiva, exercida pela Anvisa.
De acordo com o art. 6º, IV, da Lei nº 10.742/2003, é de competência da CMED, dentre outros atos necessários:
IV – decidir pela exclusão de grupos, classes, subclasses de medicamentos e produtos farmacêuticos da incidência de critérios de estabelecimento ou ajuste de preços, bem como decidir pela eventual reinclusão de grupos, classes, subclasses de medicamentos e produtos farmacêuticos à incidência de critérios de determinação ou ajuste de preços, nos termos desta Lei;
A teor do art. 2º, IV, c/c art. 4º, II, do Decreto nº 4.766/2003, a competência supracitada é exercida privativamente pelo Conselho de Ministros da CMED:
Art. 2º Compete à CMED, dentre outros atos necessários à consecução dos objetivos da regulação econômica do mercado de medicamentos:
IV – decidir pela exclusão de grupos, classes, subclasses de medicamentos e produtos farmacêuticos da incidência de critérios de estabelecimento ou ajuste de preços, nos termos da legislação aplicável, bem como decidir pela eventual reinclusão de grupos, classes, subclasses de medicamentos e produtos farmacêuticos à incidência de critérios de determinação ou reajuste de preços;
(...)
Art. 4º Compete privativamente ao Conselho de Ministros:
II - decidir pela inclusão ou exclusão de produtos no regime de que trata o inciso IV do art.2º;
A minuta da Resolução em questão tem por objetivo a “Disciplina o monitoramento e a liberação dos critérios de estabelecimento ou ajuste de preços de medicamentos isentos de prescrição médica, medicamentos fitoterápicos, produtos tradicionais fitoterápicos e anestésicos locais injetáveis de uso odontológico”, consolidando diversos normativos já utilizados na regulamentação de preços de medicamentos isentos de prescrição, bem como promovendo uma regulação mais dinâmica e flexível.
Para tanto, a minuta estabelece que os medicamentos a que se refere serão classificados, segundo sua natureza, em três grupos. Ocorre que, de acordo com a proposta, os medicamentos que comporão cada um dos grupos supracitados serão definidos pelo Comitê Técnico-Executivo. Como vimos, a teor do art. 2º, IV, c/c art. 4º, II, do Decreto nº 4.766/2003, tal competência é privativa do Conselho de Ministros.
Tendo em vista que a minuta em análise será editada pelo próprio Conselho de Ministros, tem-se que, na prática, estar-se-ia realizando delegação ao Comitê Técnico-Executivo para a realização desse ato. Surge então a dúvida: seria possível tal delegação?
No Parecer nº 01238/2018/CONJUR-MS/CGU/AGU foi assentada a tese de que "não há obstáculos jurídicos à continuidade da tramitação e sua edição”, apesar de existir a “necessidade de adequação desses textos a algumas formalidades legais essenciais à sua edição”, recomendando-se que “a delegação conste expressamente no texto da Resolução, de modo a conferir maior segurança jurídica à atuação do Comitê Técnico-Executivo ”.
Para a CONJUR/MS não existe impedimento legal para a delegação ao Comitê Técnico-Executivo, tendo em vista que ao que parece, “não haveria a existência de edição de atos de caráter normativo (trata-se de ato de efeito concreto, desprovidos de generalidade e abstração), decisão de recursos administrativos e matérias de competência exclusiva do órgão ou autoridade”, tratando-se de competência privativa, e, não, exclusiva. Acrescentou ainda:
17. Corroborando com esse entendimento, cabe asseverar a lição de José Afonso da Sila (Curso de Direito Constitucional Positivo, Ed. Malheiros, 16a Edição, pg. 480), para quem: "...A diferença que se faz entre competência exclusiva e competência privativa é que aquela é indelegável e esta é delegável. Então, quando se quer atribuir competência própria a uma entidade ou a um órgão com possibilidade de delegação de tudo ou de parte, declara-se que compete privativamente a ele a matéria indicada".
18. Ademais, ao ato de delegação é inerente o elemento da discricionariedade. Nesse sentido é o próprio texto do art. 12, caput, da Lei nº 9.784/1999, ao dispor que um órgão administrativo e seu titular poderão delegar parte da sua competência "quando for conveniente
Apesar de não encontrar impedimento para tal delegação, entendendo não haver obstáculos jurídicos à continuidade da tramitação e da edição da minuta, a CONJUR/MS fez as seguintes recomendações:
19. Contudo, de modo a contemplar a melhor técnica legislativa, recomenda-se que tal delegação conste expressamente no texto da Resolução, de modo a conferir maior segurança jurídica à atuação do Comitê Técnico-Executivo.
20. Ainda, considerando que a delegação passa as atribuições do órgão delegante para o delegado, juridicamente não seria correta a previsão de recurso da decisão do Comitê Técnico-Executivo para o Conselho de Ministros. Por essa razão, é importante que a própria resolução preveja a possibilidade de pedido de reconsideração, com a avocação da decisão final, neste caso, para o Conselho de Ministros.
Segue abaixo o comparativo entre a redação anterior, que fora objeto de análise, e a nova proposta de redação do art. 4º da resolução, indicada pela CONJUR/MS:
REDAÇÃO ANTERIOR |
NOVA REDAÇÃO |
Art. 4º O Comitê Técnico-Executivo determinará, por meio de Comunicado específico, a composição dos grupos definidos no art. 3º desta resolução, bem como a migração de medicamentos entre eles, com base em critérios próprios e fundamentados. |
Art. 4º Fica delegada ao Comitê Técnico-Executivo da CMED a definição, por meio de Comunicado específico, da composição dos grupos de que tratam os incisos do caput do art. 3º desta Resolução e a migração de medicamentos entre eles, com base em critérios definidos pela CMED. § 1º Da decisão que definir a composição de que trata o caput cabe pedido de reconsideração no prazo de quinze dias, contado da divulgação do Comunicado específico. § 2º Caso o Comitê Técnico-Executivo da CMED não reconsidere sua decisão, o processo será encaminhado para o Conselho de Ministros, que decidirá em instância final |
Em contraponto ao entendimento da CONJUR-MS, acima exposto, ao analisar o art. 4º da minuta de resolução da CMED, a PGFN-MF entendeu que “trata-se de matéria não passível de delegação nos termos do inciso III do art. 13 da Lei nº 9.784, de 1999”.
Segundo o PARECER SEI Nº 377/2018/CPN/PGACA/PGFN-MF, o inciso III do art. 13 da Lei nº 9.784, de 1999, ao vedar a delegação de competência administrativa refere-se, expressamente, às “matérias de competência exclusiva do órgão ou autoridade”. Nada obstante, haveria certa imprecisão na definição entre o que seriam competências privativas e o que seriam competências exclusivas.
Neste sentido, segundo a referida manifestação, Thiago Marrara[1], entende que a expressão “competência exclusiva” é problemática, porque a norma pode atribuir a um órgão ou autoridade a exclusividade de determinada competência utilizando-se de diversas nomenclaturas.
O Parecer da PGFN observa que a distinção entre competência exclusiva e privativa para fins de estabelecer qual delas é delegável decorreria, aparentemente, de leitura da constituição federal, em especial dos seus arts. 21, 22, 49 e 84, embora pudesse ser detectada certa atecnia no próprio texto constitucional, em relação a tal diferenciação. Seguindo esse prumo, cita Irene Nohara e Thiago Marrara[2], segundo os quais:
Entretanto, nem mesmo no Direito Constitucional essa classificação é aplicada em sua inteireza, pois, por exemplo, não se admite a delegação de competências privativas do Senado Federal, que estão dispostas no art. 52 da CF. Também o art. 68, § 1º,da CF proíbe delegação do Presidente ao Congresso Nacional de atos de competência exclusiva do Congresso, bem como os de competência privativa da Câmara dos Deputados ou de Senado Federal.
Ainda em relação ao texto constitucional, Gilmar Mendes, Inocêncio Coelho e Paulo Branco, também admitem que a utilização desses conceitos, sem distinção:
Uma parte da doutrina distingue competência privativa de competência exclusiva – a diferença entre ambas residindo no fato de esta última não poder ser delegada. Assim, as competências delimitadas no art. 21 seriam exclusivas da União, enquanto as previstas no art. 22 lhe seriam privativas. Preferimos, com Fernanda Dias Menezes de Almeida, que cita e segue Manoel Gonçalves Ferreira Filho, José Cretella Júnior e Celso Bastos, considerar que ambos os termos expressam a mesma ideia, podendo ser usados indistintamente[3].
Assim, segundo o PARECER SEI Nº 377/2018/CPN/PGACA/PGFN-MF, no âmbito do direito administrativo, a distinção entre competência exclusiva e privativa derivada da constituição deve ser vista com cautela.
Em face disso, tendo o art. 4º, inciso II, do Decreto nº 4.766/2003 atribuído privativamente ao Conselho de Ministros a competência para decidir pela exclusão de grupos, classes, subclasses de medicamentos e produtos farmacêuticos da incidência de critérios de estabelecimento ou ajuste de preços, nos termos da legislação aplicável, bem como decidir pela eventual reinclusão de grupos, classes, subclasses de medicamentos e produtos farmacêuticos à incidência de critérios de determinação ou reajuste de preços, entende-se que o art. 4º da minuta versaria acerca de matéria não passível de delegação.
Feitas tais considerações, conclui-se que a análise do objeto da controvérsia recairá sobre o entendimento acerca dos conceitos de competência privativa e competência exclusiva. Caso considere-se que tais expressões encerram conteúdos distintos, sendo a competência privativa passível de delegação e a competência exclusiva indelegável, será certo concluir pela viabilidade do art. 4º da minuta de Resolução da CMED. Noutro prumo, na hipótese de considerar-se, como defendido pela PGFN-MF, que ambos os conceitos, no caso específico, expressam a mesma ideia, não sendo seguro ao intérprete conceber a delegação da competência, será oportuno concluir pela inadequação do art. 4º da minuta de Resolução da CMED.
Como sabido, a competência administrativa engloba um conjunto de poderes conferidos às pessoas jurídicas, órgãos e agentes públicos, para o exercício de atividades administrativas. Nas palavras de Florestano Neto, ela é "o plexo de atribuições abstratas, instituído pela Constituição federal ou pela lei, a entes administrativos ou órgãos públicos com o objetivo de administrar a coisa pública e atingir o bem comum"[4].
Apesar da impossibilidade de renúncia a tal competência, haja vista a indisponibilidade do interesse público, ela poderá ser delegada (ou avocada), de acordo com o interesse público envolvido e, precipuamente, na busca pelo melhor desenvolvimento da atividade administrativa. Tem-se que a delegação tem por objetivo aperfeiçoar o exercício de atividades administrativas. Nela, um órgão administrativo e seu titular poderão transferir parte de sua competência a outro órgão ou titular. Ressalte-se que a delegação não implica a perda definitiva, pelo delegante, dos correspondentes poderes, sendo a ele facultado, quando conveniente e legal, exercê-los por avocação (atração, por órgão ou agente superior, de competência atribuída a um órgão ou agente subordinado) ou revogar a delegação.
Por meio da transferência do exercício de competências, o agente público transfere a outrem a competência para ação, sem que isso implique renúncia. “Ao transferir o exercício da competência, o poder-dever de ação estatal fica resguardado, existindo apenas um deslocamento momentâneo da capacidade para outro agente público, o qual praticará o ato em lugar do agente originariamente competente”[5].
A Lei federal nº 9784/99 disciplinou a delegação de competência. Vale a leitura de seus artigos 11 a 17, para análise da questão em debate:
Art. 11. A competência é irrenunciável e se exerce pelos órgãos administrativos a que foi atribuída como própria, salvo os casos de delegação e avocação legalmente admitidos.
Art. 12. Um órgão administrativo e seu titular poderão, se não houver impedimento legal, delegar parte da sua competência a outros órgãos ou titulares, ainda que estes não lhe sejam hierarquicamente subordinados, quando for conveniente, em razão de circunstâncias de índole técnica, social, econômica, jurídica ou territorial.
Parágrafo único. O disposto no caput deste artigo aplica-se à delegação de competência dos órgãos colegiados aos respectivos presidentes.
Art. 13. Não podem ser objeto de delegação:
I - a edição de atos de caráter normativo;
II - a decisão de recursos administrativos;
III - as matérias de competência exclusiva do órgão ou autoridade.
Art. 14. O ato de delegação e sua revogação deverão ser publicados no meio oficial.
§ 1o O ato de delegação especificará as matérias e poderes transferidos, os limites da atuação do delegado, a duração e os objetivos da delegação e o recurso cabível, podendo conter ressalva de exercício da atribuição delegada.
§ 2o O ato de delegação é revogável a qualquer tempo pela autoridade delegante.
§ 3o As decisões adotadas por delegação devem mencionar explicitamente esta qualidade e considerar-se-ão editadas pelo delegado.
Art. 15. Será permitida, em caráter excepcional e por motivos relevantes devidamente justificados, a avocação temporária de competência atribuída a órgão hierarquicamente inferior.
Art. 16. Os órgãos e entidades administrativas divulgarão publicamente os locais das respectivas sedes e, quando conveniente, a unidade fundacional competente em matéria de interesse especial.
Art. 17. Inexistindo competência legal específica, o processo administrativo deverá ser iniciado perante a autoridade de menor grau hierárquico para decidir.
Da leitura do texto da Lei é possível depreender que a regra é a possibilidade de delegação, sendo esta possibilidade restringida quando tratar-se de: a) a edição de atos de caráter normativo; b) a decisão de recurso administrativos; e c) as matérias de competência exclusiva do órgão ou autoridade.
É nesta última hipótese de vedação à delegação que repousa a celeuma posta. Isto porque, realmente, há certa divergência ou imprecisão na diferenciação entre o que seria uma competência exclusiva e o que seria uma competência privativa. Se entendermos que as duas representam a mesma coisa, a vedação à delegação de competências atingiria também os atos privativos. Noutro diapasão, entendendo que as duas não necessariamente se confundem, ter-se-á como conclusão que a vedação à delegação de atos exclusivos não afeta necessariamente os atos privativos.
Em nossa opinião, tratam-se de conceitos distintos, não sendo cabível, de forma absoluta, a imposição da vedação à delegação de atos exclusivos, para os atos de natureza privativa.
Na hipótese da exclusividade, a impossibilidade de delegação repousa na própria restrição estabelecida pela Lei ou ato infralegal que definiu a competência. Nada obstante, convém repisar que esta impossibilidade é excepcional, sendo regra geral a possibilidade de delegação da competência. Conforme lições de Hector Jorge Escola, a delegação se apresentaria como uma prerrogativa implícita, do detentor da competência, quando não houvesse impedimento para tal transferência. Segundo o autor "La delegación, de tal modo, no implica una alteración de la estructura administrativa existente, sino tan sólo de su dinámica, e importa el desprendimiento de un deber funcional, siendo - además - independiente de la existencia de una relación jerárquica entre el organo delegante y el delegado"[6].
Esta é a percepção que o operador do direito extrai, ao analisar as regras sobre organização administrativa federal, ainda hoje vigentes, constantes no Decreto-Lei nº 200, de 25 de fevereiro de 1967. Ele, em seu artigo 6º, estabelece a delegação de competências como um dos princípios fundamentais das atividades da Administração Federal, definindo, ainda, sua utilização como "instrumento de descentralização administrativa, com o objetivo de assegurar maior rapidez e objetividade às decisões, situando-as na proximidade dos fatos, pessoas ou problemas a atender" (art. 11).
Bem analisou a CONJUR/MDIC, no PARECER nº 00804/2018/CONJUR-MDIC/CGU/AGU:
A competência exclusiva, como se sabe, não pode ser objeto de delegação (art. 13, III, Lei nº 9.784/1999), pois, se assim não fosse, a delegação implicaria infringência à normativo hierarquicamente superior que reservou a matéria à competência de determinado órgão ou autoridade. Daí que se diz que a regra é a possibilidade de delegação; a exceção é a impossibilidade, que só ocorre quando se trate de competência outorgada com exclusividade a determinado órgão ou nas demais situações vedadas por lei.
Conforme o teor do art. 2º, IV, c/c art. 4º, II, do Decreto nº 4.766/2003, a competência analisada é exercida privativamente pelo Conselho de Ministros da CMED. Vale salientar que a norma expressamente indica o caráter privativo (não exclusivo) da competência:
Art. 2º Compete à CMED, dentre outros atos necessários à consecução dos objetivos da regulação econômica do mercado de medicamentos:
IV – decidir pela exclusão de grupos, classes, subclasses de medicamentos e produtos farmacêuticos da incidência de critérios de estabelecimento ou ajuste de preços, nos termos da legislação aplicável, bem como decidir pela eventual reinclusão de grupos, classes, subclasses de medicamentos e produtos farmacêuticos à incidência de critérios de determinação ou reajuste de preços;
Art. 4º Compete privativamente ao Conselho de Ministros:
II - decidir pela inclusão ou exclusão de produtos no regime de que trata o inciso IV do art.2º; (grifo nosso)
Analisando a partir de uma perspectiva constitucional, apesar da existência de distinção entre competência privativa e competência exclusiva não ser um consenso na doutrina, esse é o entendimento mais amplamente utilizado nas análises do instituto da delegação, e é a ele que nos filiamos.
O próprio constituinte, ao definir as competências legislativas privativas da União, em seu artigo 22, admite sua "delegação", ao definir que "Lei complementar poderá autorizar os Estados a legislar sobre questões específicas das matérias relacionadas neste artigo". Esta delegabilidade, inclusive, é a grande diferença entre as competências exclusivas outorgadas à União pelo constituinte, no artigo 21. Este é, o raciocínio defendido por Manoel Jorge e Silva Neto, segundo o qual, "de forma diversa do que acontece com o art. 21, ao fixar competências de natureza indelegável à União, o art. 22, definindo competências privativas, traz, de contraparte, a seguinte característica: a marca da delegabilidade".[7]
Fernanda Almeida, fazendo alusão à doutrina de Diogo de Figueiredo, ressalta que a competência privativa enunciada para a União não poderia ser entendida como exclusiva, pois de outra forma não caberiam os incisos IX,XX, XXIII e XXVI, que não só permitem como exigem legislação complementar estadual para sua aplicação.[8] Seguindo esse raciocínio, José Afonso da Silva[9] explica que a grande diferença entre competência exclusiva e competência privativa é que aquela é indelegável e esta é delegável. Destarte, quando se deseja atribuir competência própria a uma entidade ou órgão com possibilidade de delegação de tudo ou de parte, declara-se que a ela compete privativamente o manejo da matéria indicada.
O Supremo Tribunal Federal, em sede de Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI 4.634), cujo relator foi o Ministro Dias Toffoli, admitiu que competência privativa da União, definida pelo Constituinte, permite que, mediante lei complementar, sejam autorizados os Estados a legislar sobre questões específicas relacionadas à matéria.
Assim sendo, o princípio da predominância do interesse direciona a divisão das competências. A competência exclusiva é atribuída a uma entidade com a exclusão das demais. Por outro lado, a competência privativa é atribuída expressamente a uma entidade com possibilidade de delegação e de competência suplementar.[10] Esse também é o entendimento de Guilherme Peña de Moraes, segundo o qual, considerando a natureza distinta das terminologias “privativa” e “exclusiva”, a competência exclusiva seria indelegável, enquanto a competência privativa seria delegável, uma vez satisfeitas todas as condições ao deslocamento da competência do delegante para o delegatário”[11].
Em suma, a competência exclusiva, como entendido pela doutrina citada, é aquela atribuída a um determinado ente da federação, caracterizada por ser indelegável e por não admitir competência suplementar. Já a competência privativa pode ser objeto de delegação, para o melhor exercício da competência envolvida.[12]
Destarte, embora o tema envolva questão controversa, compreendemos, em acordo com o entendimento exarado pela CONJUR/MS, que é possível a delegação da competência definida como privativa, para a prática de atos de efeitos concretos (tendo em vista a vedação existente, relativa à delegação da competência para edição de atos de caráter normativo).
Nesta feita, conclui-se pela possibilidade de delegação da competência privativa do Conselho de Ministros (art. 2º, IV, c/c art. 4º, II, do Decreto nº 4.766/2003) ao Comitê Técnico-Executivo, como materializado pelo art. 4º da Minuta da Resolução da CMED (versão da CONJUR/MS).
No que tange ao teor em si da minuta ou suas outras disposições, tal análise foge ao âmbito de competência deste órgão consultivo.
À consideração superior.
Brasília, 20 de fevereiro de 2019.
RONNY CHARLES LOPES DE TORRES
ADVOGADO DA UNIÃO
Atenção, a consulta ao processo eletrônico está disponível em http://sapiens.agu.gov.br mediante o fornecimento do Número Único de Protocolo (NUP) 25351915423201812 e da chave de acesso f4bc418f
Notas