ADVOCACIA-GERAL DA UNIÃO
CONSULTORIA-GERAL DA UNIÃO
DEPARTAMENTO DE COORDENAÇÃO E ORIENTAÇÃO DE ÓRGÃOS JURÍDICOS
PARECER n. 00015/2019/DECOR/CGU/AGU
NUP: 80000.014898/2014-46
INTERESSADOS: MINISTÉRIO DAS CIDADES (PREFEITURA MUNICIPAL DE TIJUCAS/SC)
ASSUNTOS: APLICAÇÃO DO RITO LICITATÓRIO DA LEI Nº 13.303, DE 2016, QUANDO AS ESTATAIS FOREM INTERVENIENTES EXECUTORAS.
EMENTA: DIREITO ADMINISTRATIVO. TERMOS DE COMPROMISSO (PAC). CONTRATOS DE REPASSE. EMPRESA ESTATAL COMO “INTERVENIENTE EXECUTORA” OU “UNIDADE EXECUTORA”. ESCOLHA DO RITO LICITATÓRIO ADEQUADO. EXISTÊNCIA DE DISPOSIÇÕES NORMATIVAS APARENTEMENTE DIVERSAS SOBRE O TEMA. POSSIBILIDADE DE APLICAÇÃO DO RITO LICITATÓRIO DA LEI Nº 13.303/2016.
I – Há respaldo jurídico para que empresa pública ou sociedade de economia mista adote o rito licitatório de que cuida a Lei nº 13.303, de 2016, nas hipóteses em que atue como unidade executora nos termos de compromisso (Programa de Aceleração do Crescimento), e nos convênios ou contratos de repasse (transferências voluntárias), com a responsabilidade de licitar e executar o contrato em nome próprio, mesmo que o resultado da execução contratual seja um bem público a ser integrado ao patrimônio e outrem.
II – A normatização posta à análise, mesmo quando se reporta à contratação integrada, restringe as transferências de recursos ao momento posterior à autorização para início de obra, o que ocorrerá após a aprovação dos projetos básico e executivo.
III – Em tese, é possível alteração da regulamentação infralegal, admitindo a transferência de recursos após a aprovação do anteprojeto de engenharia, quando necessária a contratação de terceiros, pelo órgão convenente.
Exmo. Sr. Coordenador,
Retornam a este Departamento os autos relativos à análise sobre divergência de ordem jurídica instaurada entre a Consultoria Jurídica junto ao Ministério das Cidades (CONJUR/MCID) e a Consultoria Jurídica junto ao Ministério do Planejamento, Desenvolvimento e Gestão (CONJUR/MP).
Nada obstante a recente alteração da nomenclatura das referidas Pastas Ministeriais, manteremos as nominações contemporâneas à consulta formulada, para fins de relato e alusão aos documentos juntados.
A CONJUR/MCID, através do Parecer nº 180/2018/CONJUR-MCID/CGU/AGU, da lavra do Exmo. Advogado da União Dr. Gustavo Villar Trivelato, externou o entendimento de que o rito licitatório da Lei nº 13.303, de 2016, não seria aplicável aos termos de compromisso firmados entre a União com estados, municípios, ou Distrito Federal, em que empresa pública ou sociedade de economia mista participe como “interveniente executora”. Em apertada síntese, segundo o ilustre órgão consultivo, a figura do interveniente executor não assume obrigações em nome próprio, devendo, desta forma, observar o regramento jurídico aplicável ao ente federativo signatário do termo de compromisso.
Por seu turno, a CONJUR/MP possui entendimento distinto, fixado pelo Parecer nº 471/2018/HTM/CGJLC/CONJUR-MP/CGU/AGU, da lavra do Exmo. Advogado da União Dr. Hugo Teixeira Montezuma Sales, no sentido de que, em sede de contratos de repasse, companhia estadual de saneamento que participe como “interveniente executora” pode realizar licitação com esteio no procedimento disciplinado pela Lei nº 13.303, de 2016. Além disso, a CONJUR/MP entende que, caso demonstrado que a contratação integrada é a forma mais eficiente e adequada para execução do objeto, seria possível a utilização do anteprojeto, ao invés do projeto básico, para os fins da liberação da primeira parcela dos recursos pactuados de que cuida o art. 21 da Portaria Interministerial MP/MF/CGU nº 424, de 2016.
Tendo em vista a repercussão do entendimento externado pela Conjur-MCID e sua aparente divergência com o entendimento da Conjur-MP, a Secretaria Nacional de Saneamento Ambiental (SNSA), do Ministério das Cidades, emitiu a Nota Técnica nº 11/2018/DRPS/SNSA-MCIDADES, solicitando a revisão do Parecer outrora exarado pela Conjur-MCID ou então uma análise sobre a necessária uniformização de entendimentos.
Apesar do entendimento da CONJUR/MP, quando instada pelos órgãos que assessora a novamente se manifestar acerca da matéria objeto do Parecer nº 180/2018/CONJUR-MCID/CGU/AGU, a CONJUR-MCID manteve seu entendimento, através do Parecer nº 347/2018/CONJURMCID/CGU/AGU. Nesta manifestação, ponderou-se, não obstante e em princípio, que não haveria propriamente uma divergência entre os entendimentos da CONJUR/MCID e da CONJUR/MP, uma vez que a própria Portaria 424/2016, em seu art. 2º, III, deixa claro que o art. 28, o qual prevê a participação da "unidade executora" no convênio, não se aplicaria aos termos de compromisso firmados no âmbito do PAC, embora ressalve que o regulamento do Ministério das Cidades admite a participação de “interveniente executor” no âmbito das ações do Programa de Aceleração do Crescimento.
No âmbito deste Departamento, ao considerar-se a conexão dos assuntos e verificar-se a existência de potencial risco de controvérsia acerca da matéria no âmbito de toda a Administração Pública, dada a transversalidade da natureza dos recursos públicos envolvidos, foi lançada a Nota nº 00196/2018/DECOR/CGU/AGU, da lavra do Exmo. Advogado da União, Dr. Victor Ximenes Nogueira, aprovada pelo Despacho nº 730/2018.
A referida nota bem delimita o objeto de divergência que deve ser posto à análise. Vale sua leitura:
- Consigne-se, de plano, que este Departamento não apreciará os casos concretos que foram objeto do Parecer nº 180/2018/CONJUR-MCID/CGU/AGU (seq. 2), do Parecer nº 347/2018/CONJURMCID/CGU/AGU (seq. 7), e do Parecer nº 471/2018/HTM/CGJLC/CONJUR-MP/CGU/AGU (seq. 6) (...);
- Observa-se, ainda, que o feito não se encontra suficientemente instruído para manifestação uniformizadora deste Departamento, uma vez que, consoante consignado pela própria CONJUR/MCID no Parecer nº 347/2018/CONJUR-MCID/CGU/AGU (seq. 7, parágrafo 8), “ apesar de o caso analisado pela CONJUR/MPOG possuir certa semelhança com aquele objeto de manifestação por esta CONJUR, é preciso dizer que o PARECER n. 00180/2018/CONJUR-MCID/CGU/AGU não se baseia no mesmo dispositivo regulamentar que fundamentou a manifestação da CONJUR/MPOG. Veja-se que a própria Portaria 424/2016, em seu art. 2º, III, deixa claro que o art. 28, que prevê a participação, no convênio, da "unidade executora", não se aplica aos termos de compromisso firmados no âmbito do PAC”;
- (...) delimite-se o objeto deste feito nos seguintes quesitos: - há ou não respaldo jurídico para que empresa pública ou sociedade de economia mista adote o rito licitatório de que cuida a Lei nº 13.303, de 2016, nas hipóteses em que atue como unidade executora nos termos de compromisso (Programa de Aceleração do Crescimento), e nos convênios ou contratos de repasse (transferências voluntárias); e - caso a empresa pública ou sociedade de economia mista que atue como unidade executora possa aplicar a Lei nº 13.303, de 2016, ao processo licitatório, é ou não juridicamente possível que seja admitido o anteprojeto, ao invés do projeto básico, como requisito para liberação da primeira parcela dos recursos pactuados em sede de termos de compromisso (PAC), convênios e contratos de repasse (transferência voluntária). (grifo nosso)
Visando elucidar a divergência apresentada e uniformizar a jurisprudência administrativa, este Departamento, através da referida Nota nº 00196/2018/DECOR/CGU/AGU, solicitou a apresentação de subsídios pela PGFN, CONJUR/MP, CONJUR/CGU e CONJUR/MCID, também permitindo a colheita prévia de manifestações técnicas dos setores administrativos competentes junto aos respectivos órgãos assessorados:
- Além de outras razões e subsídios que porventura entenda pertinentes, solicita-se que a CONJUR/MCID também apresente subsídios complementares àqueles já prestados nestes autos por meio do Parecer nº 180/2018/CONJUR-MCID/CGU/AGU (seq. 2) e do Parecer nº 347/2018/CONJURMCID/CGU/AGU (seq. 7), especificamente quanto ao seu entendimento no sentido de que “a própria Nota Técnica nº 11/2018/DRPS/SNSA-MCIDADES reconhece que a contratação integrada, prevista no art. 42 da Lei 13.303/2016 exige apenas a elaboração do anteprojeto e não do projeto básico, e que a Portaria Interministerial 424/2016 prevê a necessidade de projeto básico para a liberação de recursos. Portanto, não há possibilidade de dispensar o projeto básico mediante a apresentação de um "anteprojeto".
- (...) sugere-se que a CONJUR/MCID aclare seu posicionamento acerca da impossibilidade de utilização do “anteprojeto” para os fins de liberação dos recursos a que se refere o art. 21 da Portaria Interministerial nº 424, de 2016, considerando que é expressamente admitida pela própria CONJUR/MCID a utilização da modalidade RDC, na qual será preferencialmente adotado o regime de contratação integrada, na forma da literalidade da Lei nº 12.462, de 2011.
- Quanto à CONJUR/MP, sugere-se que seja aclarado se há tramitação de ato normativo para tratar expressamente da contratação integrada em sede de transferências voluntárias, se tal ato também tratará da matéria no âmbito do PAC, dentre outros esclarecimentos que julgar adequados.
- Aclare-se, por fim, que, se entenderem adequado, CONJUR/MCID, CONJUR/MP, PGFN, e CONJUR/CGU poderão solicitar prévia manifestação técnica dos setores administrativos competentes no âmbito dos respectivos órgãos assessorados.
Por intermédio da Nota nº 00158/2018/CONJUR-MCID/CGU/AGU, a Consultoria Jurídica junto ao Ministério das Cidades – CONJUR/MCID atendeu à solicitação do DECOR, expedindo o entendimento de que mesmo nas contratações efetuadas na modalidade "RDC", as transferências de recursos somente poderão ocorrer após a autorização para início de obra (AIO), a qual somente é concedida após a aprovação dos projetos básico e executivo:
- Acerca das transferências obrigatórias no âmbito do PAC, o Ministério das Cidades edita "manuais" que normatizam tais repasses de recursos, disponíveis em "http://www.cidades.gov.br/regras-para-acesso-aos-recursos/pac/manuais-gerais-do-pac". No que diz respeito às contratações com base na Lei 12.462/2011, existe manual específico, disponível em "http://www.cidades.gov.br/images/stories/ArquivosCidades/PAC/Manuais-Gerais-PAC/RDCContratacao_Integrada.pdf" (documento em anexo a este parecer).
- O manual de orientações para contratações no âmbito do PAC, em modalidade RDC contratação integrada, fixa que a licitação será necessariamente precedida da análise, pela mandatária da União, do anteprojeto de engenharia. Todavia, a autorização para o início da obra por parte do Ministério das Cidades somente será possível após a aprovação dos projetos básico e executivo, os quais deverão ser cotejados com o anteprojeto.
A CONJUR-MCID também encaminhou o pleito para consideração da Secretaria Nacional de Saneamento Ambiental – SNSA, para que, querendo, apresentasse suas considerações a respeito da Nota nº 00158/2018/CONJUR-MCID/CGU/AGU, bem como da Nota nº 00196/2018/DECOR/CGU/AGU.
Ato contínuo, através do Despacho nº 681/2018, a SNSA se manifestou:
- Deste modo, ainda que as manifestações jurídicas se refiram a instrumentos distintos (termo de compromisso x contrato de repasse), cuja natureza de recursos (transferência obrigatória x transferência voluntária) possui regramento específico (Lei nº 11.578/2007 x Portaria Interministerial nº 424/2016), tem-se uma única fonte de recursos para ambos os casos, isto é, o Orçamento Geral da União - OGU, cabendo, em nosso entendimento, uniformização de procedimentos relacionados à aplicação da Lei nº 13.303/2016.
- Em relação ao anteprojeto, frisa-se que sua aceitação, no âmbito do PAC, se dá em conformidade com a Lei nº 12.462/2011, que instituiu o Regime Diferenciado de Contratações Públicas – RDC. Todavia, a Lei nº 12.462/2011 não é aplicável à grande maioria das transferências voluntárias, cujas contratações devem seguir o preconizado na Portaria Interministerial nº 424/2016, que orienta a utilização do rito previsto na Lei nº 8.666/1993, na Lei nº 10.520/2002, e demais normas federais, estaduais e municipais pertinentes ao assunto, quando da contratação de terceiros.
A CONJUR-MP, por seu turno, esclareceu através da Cota nº 03714/2018/CONJUR-MP/CGU/AGU:
- Em reunião realizada na presente data, com a participação de representantes desta CONJUR-MP, do DECOR/CGU e da SDI, ficou deliberado que seria aberta oportunidade nos autos para manifestação da Secretaria de Desenvolvimento da Infraestrutura - SDI. Além disso, oportuno haja a oitiva do Departamento de Transferências Voluntárias da Secretaria de Gestão sobre a questão, em especial no que concerne ao questionamento acerca da edição de ato normativo.
- Por tais razões, opina-se pelo encaminhamento de tarefa aos seguintes órgãos deste Ministério: a ) À Secretaria de Desenvolvimento da Infraestrutura - SDI para manifestação sobre a controvérsia em questão, podendo juntar quaisquer documentos e esclarecimentos que julgar oportunos; b) Ao Departamento de Transferências Voluntárias da Secretaria de Gestão - S E G E S deste Ministério para manifestação, em especial no que concerne ao questionamento acerca de eventual "tramitação de ato normativo para tratar expressamente da contratação integrada em sede de transferências voluntárias e se tal ato também tratará da matéria no âmbito do PAC".
Na mesma linha, a Secretaria de Gestão – SEGES, do Ministério do Planejamento Desenvolvimento e Gestão, atendendo à solicitação da Cota nº 03714/2018/CONJUR-MP/CGU/AGU, emitiu a Nota Técnica nº 29426/2018-MP, informando que ainda não está em trâmite alteração da Portaria Interministerial nº 424/2016 e, caso haja a efetiva necessidade de alteração da PI nº 424/2016 para dispor expressamente sobre a contratação integrada em sede de transferências voluntárias, essa alteração não alcançará as transferências no âmbito do PAC, uma vez que a PI nº 424/2016 regulamenta apenas os convênios, contratos de repasse e os termos de execução descentralizada.
Por fim, a Consultoria Jurídica do Ministério do Planejamento emitiu a Nota 2010/2019/HTM/CGJLC/CONJUR-PDG, da lavra do Exmo Advogado da União Hugo Sales, apresentando subsídios adicionais. Vale destacar alguns trechos da interessante argumentação desenvolvida pelo parecerista:
16. Entende-se que o panorama traçado pela Portaria Interministerial, em especial se contrastado com o que é disposto sobre a figura da Mandatária, traz a unidade executora claramente executando obrigações no interesse do convenente, mas em nome próprio. Em momento algum a portaria dispõe que a unidade executora age "em nome do convenente", ao contrário do que é previsto sobre a mandatária, que, efetivamente, age como representante da União mediante contrato de mandato.
17. O Contrato de Repasse ou Convênio que conte com a participação da Unidade Executora é tripartite: possui, por expressa previsão do art. 1º, §1º, XXXV, três partícipes: o Concedente (a própria União ou por representação por mandatária), o Convenente e a Unidade Executora. Saliente-se que para a portaria é indiferente a relação jurídica que há entre Convenente e Unidade Executora (prestação de serviços, cooperação [...]), muito menos o fundamento que permita que tal Unidade assuma esse tipo de ônus em benefício de terceiro (ainda que o terceiro seja o ente federativo a qual se encontre vinculada).
18. De qualquer sorte, as obrigações assumidas pela Unidade Executora são autônomas, não se tratando de obrigações assumidas pelo convenente executadas mediante representação. Tanto o é, que a Portaria dispõe responsabilidade solidária entre Unidade Executora e Convenente, enquanto que o art. 663 do Código Civil é claro ao estabelecer a responsabilidade exclusiva do mandante em relação aos atos do mandatário, desde que feitos nos estritos limites do mandato outorgado.
19. Desse modo, entende-se que a Unidade Executora, assumindo o papel de partícipe no instrumento de transferência voluntária, junto com o convenente, age em nome próprio. Isso significa que, quando se tratar de empresa pública ou sociedade de economia mista, não há discussão se a legislação a ela aplicável seria a incidente sobre ela própria ou sobre o ente que ela "representaria", já que não há representação alguma. A Unidade Executora age em nome próprio no interesse do convenente, enquanto empresa pública ou sociedade de economia mista, se esse for o caso.
(...)
22. A Lei de Diretrizes Orçamentárias, quando trata de transferências voluntárias, em momento algum especifica qual legislação deve ser seguida. Apenas estabelece que devem ser seguidas as "normas publicadas pela União relativas às aquisição de bens e à contratação de serviços e obras". Note-se que a disposição acima sequer especifica "leis aplicáveis à União", adotando a forma genérica "Normas publicadas pela União".
23. A Lei nº 13.303/16 se insere claramente nesse conceito, sendo uma norma que trata de licitações e contratos publicada pela União, ainda que não seja aplicável à própria União. Ademais, sendo o executor uma empresa pública ou sociedade de economia mista (em especial quando atua em nome próprio), não se observa qualquer razão a limitar a aplicação do referido diploma legislativo ao caso. Inexiste qualquer limitação na LDO sobre a legislação federal admissível de ser aplicável, muito menos na Portaria Interministerial nº 424/16, conforme demonstrado no Parecer já citado.
24. Sendo uma empresa pública, é possível que ela contrate usando a legislação federal para contratações por empresas públicas; da mesma forma que seria possível adotar a legislação do RDC quando o objeto contratual o permite, ou o pregão para serviços comuns, ou quaisquer outras leis, além da Lei nº 8.666/93, de origem federal que tratem de contratações públicas, desde que a hipótese de incidência da lei em questão (em razão da matéria, em razão da pessoa ou um misto de ambos) seja atendida.
25. O mesmo raciocínio se estende às transferências no âmbito do Programa de Aceleração do Crescimento - PAC na medida em que porventura estiverem presentes os mesmos fundamentos. Se a lei do PAC ou respectiva regulamentação válida exigir estritamente que se siga a lei nº 8.666/93, realmente seria razoável restringir-se apenas a tal diploma normativo. Mas se a previsão for de aplicabilidade das "normas federais aplicáveis" ou das "normas federais que tratem de licitações e contratos", o que, aparentemente, é o caso, não é possível escolher uma norma que se enquadra nessa descrição e eliminar todas as outras: todos os normativos federais sobre licitações e contratos seriam em tese aplicáveis, desde que a situação se amolde à hipótese de incidência de cada uma delas, como já visto anteriormente.
26. Há por fim um elemento de coerência lógica envolvido. O art. 91 da Lei nº 13.303/16 estabelece a necessidade de adaptação dos regulamentos internos para aplicação da nova legislação, adaptação essa a ocorrer durante 24 meses. Ao final dela, com a publicação dos novos regulamentos internos, seguindo-se o entendimento exarado no Parecer 01211/2016/CSB/GABIN/CONJUR-MP/CGU/AGU, a empresa se submete à Lei 13.303/16. Seria ilógico e oneroso às empresas estatais, exigir que haja um retrocesso nesse processo de adaptação ao estabelecer uma obrigação de utilização da Lei nº 8.666/93 em determinados casos, tendo a entidade de manejar distintos normativos e regulamentos na execução do seu mister, o que gera perdas em eficiência e economicidade.
27. No entender desta CONJUR-PDG, se a lei e respectiva regulamentação não especifica que apenas lei X ou Y é aplicável, não cabe ao intérprete assim fazê-lo. Tratando-se de empresa pública ou sociedade de economia mista, é, em tese aplicável, legislação federal para contratações por empresas estatais, naquilo que estiver contido na sua respectiva hipótese de incidência.
Estes são, em breve resumo, os subsídios e esclarecimentos apresentados em atendimento às solicitações do DECOR.
Preliminarmente, para o enfrentamento do tema em questão, impõe-se analisar se este se encontra dentro das atribuições deste Departamento.
A Constituição Federal (CRFB/88) dispõe que, "a Advocacia-Geral da União é a instituição que, diretamente ou através de órgão vinculado, representa a União, judicial e extrajudicialmente, cabendo-lhe, nos termos da lei complementar que dispuser sobre sua organização e funcionamento, as atividades de consultoria e assessoramento jurídico do Poder Executivo". Por sua vez, a Lei Complementar n.º 73/93 prescreve que é atribuição do Advogado-Geral da União fixar a interpretação da Constituição, das leis, dos tratados e demais atos normativos, a ser uniformemente seguida pelos órgãos e entidades da Administração Federal.
Assim, o Decreto 7.392/2010 estabelece que à Consultoria-Geral da União compete "assistir o Advogado-Geral da União no controle interno da legalidade dos atos da administração pública federal" e impõe ao DECOR a competência para "orientar e coordenar os trabalhos das Consultorias Jurídicas ou órgãos equivalentes, especialmente no que se refere à: a) uniformização da jurisprudência administrativa; b) correta aplicação das leis e observância dos pareceres, notas e demais orientações da Advocacia-Geral da União; e c) prevenção de litígios de natureza jurídica.”
O Ato Regimental n.º 05/2007 , por sua vez, dispõe que compete à Consultoria-Geral da União "assistir o Advogado-Geral da União no controle interno da legalidade dos atos da Administração Federal" e "assistir o Advogado-Geral da União na interpretação da Constituição, das leis, dos tratados e demais atos normativos a ser uniformemente seguida pelos órgãos e entidades da Administração Federal". Ao DECOR compete "atuar na orientação das Consultorias Jurídicas dos Ministérios ou órgãos equivalentes e dos Núcleos de Assessoramento Jurídico para a correta aplicação da Constituição, das leis e demais atos normativos" e "atuar na solução de controvérsias e na uniformização de teses jurídicas".
De todo o exposto, claro está que, no âmbito da Consultoria-Geral da União, ao DECOR compete a atuação no feito.
Destarte, passa-se a análise do objeto de análise jurídica.
No Parecer nº 00180/2018/CONJUR-MCID/CGU/AGU foi assentada a tese de "impossibilidade de utilização do rito previsto na Lei nº 13.330, de 2016, pelas empresas públicas e sociedade de economia mista que participam de termos de compromissos celebrados entre a União e demais entes federativos como interveniente executor”.
Para embasar essa conclusão, foi apresentada a seguinte sequência argumentativa:
a) No âmbito do termo de compromisso, o promitente/compromissário precisa observar as disposições da Lei nº 8.666/93 e da Lei nº 12.462/11, quando da execução indireta de projetos (subitem 2.6, alínea “f” do Manual de Instruções para Contratação e Execução dos Programas e Ações do Ministério das Cidades; e art. 62 da Portaria Interministerial nº 507/11);
b) O Manual de Instruções para Contratação e Execução dos Programas e Ações do Ministério das Cidades define o interveniente executor como "entidade participante do Termo de Compromisso responsável por implementar as ações previstas no Plano de Trabalho apresentado pelo respectivo proponente".
c) Assim sendo, a figura do interveniente executor não assume obrigações em nome próprio, haja vista que atua por delegação da entidade compromissária, devendo, desta forma, observar todo o regramento jurídico aplicável ao ente federativo signatário do termo de compromisso;
d) Logo, entende-se pela impossibilidade de utilização do rito previsto na Lei nº 13.303, de 2016, haja vista que as empresas públicas e sociedade de economia mista que participam de termos de compromissos celebrados entre a União e demais entes federativos como interveniente executor, não atuam em nome próprio, não sendo possível aplicar quando da contratação de terceiros regime específico à tais entidades.
Em contraponto ao entendimento da CONJUR-MCID acima exposto, tem-se o posicionamento da CONJUR/MP ao decidir que em sede de contratos de repasse, a estatal que atue como “unidade executora” poderá utilizar o procedimento disciplinado pela Lei nº 13.303/16. Inclusive, caso demonstrado que a contratação integrada é a forma mais eficiente e adequada para execução do objeto, seria possível a utilização do anteprojeto, ao invés do projeto básico, para os fins da liberação da primeira parcela dos recursos pactuados de que cuida o art. 21 da Portaria Interministerial MP/MF/CGU nº 424, de 2016.
Esse entendimento fundamentou-se na seguinte linha argumentativa:
a) A “unidade executora” executa o contrato em nome próprio, ainda que no interesse e sob a supervisão dos contratantes, tendo em vista que ela firma em nome próprio o contrato, recebe os recursos a serem utilizados na execução da obra em questão, bem como possui obrigações individualmente cominadas;
b) Assim sendo, ao executar uma obra, a unidade executora deverá se utilizar dos instrumentos para os quais tem acesso. A Empresa Pública ou a Sociedade de Economia Mista deverá seguir o seu regime licitatório e contratual próprio, qual seja, aquele previsto na Lei nº 13.303/16;
c) Apesar da Portaria Interministerial nº 424/16 não mencionar a modalidade de “contratação integrada”, ela permite a utilização de toda a legislação federal aplicável. Sendo a Lei nº 13.303/2016 uma legislação federal aplicável, o seu comando de extensão importa em anuência: é possível utilizar-se da contratação integrada na execução de contratos de repasse e outros instrumentos assemelhados, pela autorização da Lei nº 13.303/2016, observados os demais requisitos da Lei;
d) Como sabido, a contratação integrada é excepcional e deve ser utilizada de forma devidamente justificada. Dessa forma, será possível a utilização do anteprojeto da contratação integrada, desde que devidamente justificada, para os fins descritos no artigo 21 da Portaria Interministerial nº 424/2016 (existência de projeto básico), para cumprimento de condição suspensiva à liberação da primeira parcela de recursos do contrato de repasse.
Instada a revisar seu entendimento, haja vista alegada contradição entre o PARECER n. 00180/2018/CONJUR-MCID/CGU/AGU e o PARECER n. 00471/2018 /CONJUR-MP/CGU/AGU, a CONJUR/MCID manteve seu posicionamento inicial, apresentando os seguintes argumentos:
a) Apesar de o caso analisado pela CONJUR/MP possuir certa semelhança com aquele objeto de manifestação pela CONJUR/MCID, é preciso dizer que o PARECER nº 00180/2018/CONJUR-MCID/CGU/AGU não se baseia no mesmo dispositivo regulamentar que fundamentou a manifestação da CONJUR/MP. Veja-se que a própria Portaria 424/2016, em seu art. 2º, III, deixa claro que o art. 28, que prevê a participação, no convênio, da "unidade executora", não se aplica aos termos de compromisso firmados no âmbito do PAC;
b) Os investimentos com recursos do PAC resultam na constituição de bens públicos os quais, ainda que afetados ao serviço público de saneamento, não poderão compor, em nenhuma hipótese, o patrimônio da empresa que explora esse serviço;
c) Logo, o objeto do termo de compromisso, a ser concretizado pelo "interveniente executor", não é a aquisição de ativo para a empresa pública ou sociedade de economia mista, mas sim a execução da obrigação assumida pelo Município (e pela empresa, solidariamente), que é a realização de uma obra pública para que haja, ao final, a constituição de um bem público, o qual será afetado à exploração do serviço de saneamento. Esta obrigação do Ente Federado deve ser cumprida mediante observância da Lei 8.666/93 ou da Lei 12.462/11, quando for o caso.
Quanto à utilização da contratação integrada, apesar da CONJUR/MCID expressamente admitir a utilização da modalidade RDC (Lei nº 12.462/11), na qual será preferencialmente adotado esse regime de contratação, ela entende pela impossibilidade de utilização do “anteprojeto” para os fins de liberação dos recursos a que se refere o art. 21 da Portaria Interministerial nº 424, de 2016. Estes são os seus argumentos (NOTA Nº 00158/2018/CONJUR-MCID/CGU/AGU):
a) Acerca das transferências obrigatórias no âmbito do PAC, o Ministério das Cidades edita "manuais" que normatizam tais repasses de recursos. No que diz respeito às contratações com base na Lei 12.462/2011, existe manual específico;[1]
b) O manual de orientações para contratações no âmbito do PAC, em modalidade RDC contratação integrada, fixa que a licitação será necessariamente precedida da análise, pela mandatária da União, do anteprojeto de engenharia. Todavia, a autorização para o início da obra por parte do Ministério das Cidades somente será possível após a aprovação dos projetos básico e executivo, os quais deverão ser cotejados com o anteprojeto;
c) Portanto, mesmo nas contratações efetuadas na modalidade "RDC", as transferências de recursos somente poderão ocorrer após a autorização para início de obra (AIO), a qual somente é concedida após a aprovação dos projetos básico e executivo.
Em suma, como bem delineado na NOTA Nº 00196/2018/DECOR/CGU/AGU, há dois pontos que merecem a análise uniformizadora deste Departamento.
No primeiro ponto, a discussão gira em torno da possibilidade de aplicação do rito licitatório da Lei nº 13.303/16 aos termos de compromisso celebrados no âmbito do Programa de Aceleração do Crescimento – PAC, quando a “interveniente executora” for uma empresa estatal.
Constatou-se a existência de posicionamentos divergentes sobre o objeto desta análise. A CONJUR-MCID concluiu pela impossibilidade de utilização da Lei nº 13.303/2016 por empresas públicas ou sociedades de economia em caso de termo de compromisso, enquanto a CONJUR/MP concluiu pela possibilidade de utilização desse novo regime licitatório pelas estatais que atuam como “unidade executora” em contrato de repasse.
Num segundo ponto, admitindo-se que a estatal pode aplicar a Lei nº 13.303, de 2016, ao processo licitatório, quando atuar como unidade executora, cabe definir se é ou não juridicamente possível admitir-se o anteprojeto, ao invés do projeto básico, como requisito para liberação dos recursos pactuados em sede de termos de compromisso (PAC), convênios e contratos de repasse (transferência voluntária).
Dada a complexidade e a conexão dos assuntos e verificando-se a existência de controvérsia, necessária a uniformização, com o intento de construir um entendimento harmônico com nosso ordenamento.
As estatais são pessoas jurídicas de direito privado com vocação para exercício de atividades econômicas em sentido estrito, atuando em regime de concorrência com o mercado privado para exploração da atividade econômica ou prestando serviços públicos. Obviamente, para o exercício de tais atividades, são necessárias contratações, para a aquisição de insumos, para a terceirização de alguns serviços, para ampliação, manutenção ou reforma de sua estrutura ou mesmo para a realização de negócios ou parcerias necessárias ao eficiente desenvolvimento de suas atividades.
Essa contratações submetem-se a regime jurídico licitatório e, embora de 1993 a 2016 as estatais estivessem, em princípio, submetidas ao mesmo regime geral licitatório dos órgãos da administração direta e demais entidades da administração indireta, é importante compreender que esta coincidência não mais existe e que isto não foi propriamente uma novidade.
Importante registrar que o Decreto-Lei 200/67, em seu artigo 125, ao tratar sobre procedimentos licitatórios, definia que suas regras para licitações de compras, obras e serviços valiam para a Administração Direta e as autarquias, inexistindo regra que impusesse expressa submissão das estatais àquele regime.
Anos depois, o Decreto-Lei 2.300/86, que revogou as regras de licitação do Decreto-Lei 200/67 e se fixou como regramento geral sobre Licitações, definiu que suas disposições eram aplicáveis apenas no âmbito da Administração Federal centralizada e autárquica, reconhecendo a necessidade de um regramento específico para as estatais e admitindo que elas editassem regulamentos próprios, com procedimentos seletivos simplificados, observados os princípios básicos da licitação.
Com o advento da Lei no 8.666/1993, aprovada em um momento político tumultuado do país, a aplicação do regime licitatório geral foi ampliada para abarcar obrigatoriamente, também, as estatais. Como provou a experiência, a submissão integral às regras exageradamente burocráticas e cada vez mais desatualizadas, da Lei no 8.666/1993, impuseram dificuldades à obtenção da eficiência econômica exigida das estatais.
Em resposta a isso, foi aprovada a Lei federal no 13.303/2016, diploma que tem o intuito de não apenas definir um regime jurídico específico para as licitações e contratações das estatais, mas também a governança, exigindo que essas pessoas jurídicas de direito privado, que integram a Administração Pública, submetam-se a regras apropriadas ao exercício de suas atividades empresariais.
Ora, por decisão do legislador, desde o dia 01 de julho de 2018,[2] obrigatoriamente, o regime licitatório das estatais aplicável é o da Lei nº 13.303/2016, admitindo-se a aplicação do regime licitatório da legislação anterior, apenas, para os procedimentos licitatórios e contratos iniciados ou celebrados até a referida data.
Se o legislador definiu o regime licitatório aplicável às estatais, não parece admissível adotar-se rito distinto, baseado na legislação anterior, em virtude de disposições constantes em Portaria Ministerial.
Em primeiro, convém sopesar que a Portaria Interministerial nº 507/11 é anterior à vigência da Lei nº 13.303/2016, o que torna compreensível a inexistência de alusão à nova Lei das estatais. Também justificável a ausência desta alusão na Portaria Interministerial nº 424, de 30 de dezembro de 2016 (que sucedeu a Portaria Interministerial nº 507/11), pois, embora sua publicação tenha ocorrido no mesmo ano da Lei nº 13.303/2016, esta ainda não era de aplicação obrigatória para todas as estatais brasileiras, o que ocorreu apenas em julho de 2018, após o prazo de 24 meses, para adaptação, previsto pela regra de seu artigo 91[3], conforme entendimento sedimentado pela Consultoria Jurídica do Ministério do Planejamento, através do Parecer n. 1211/2016/CSB/GABIN/CONJUR-MP/CGU/AGU[4].
Tal ausência não deve ser compreendida como uma impossibilidade de adoção do novo regime legal de licitações das estatais, nas relações conveniais reguladas por aquele normativo. Não há antinomia ou obstáculo em relação a isto, cabendo ao intérprete compreender o ordenamento, em uma perspectiva funcional, para construir a solução adequada de aplicação do novo regime legal licitatório.
Segundo a perspectiva funcional,[5] o aplicador do Direito não deve atuar sob uma leitura meramente formalista ou estrutural, mas, pelo contrário, centrar sua preocupação no conteúdo das normas jurídicas, identificando sua função. Obviamente, a disposição da Portaria Interministerial nº 424, de 30 de dezembro de 2016, ao fazer referência à aplicação da Lei nº 8.666/93 e da Lei nº 10.520/02, teve o condão de determinar que as contratações decorrentes das respectivas relações conveniais deveriam se submeter ao crivo da licitação; certamente, a pretensão do normativo não foi estabelecer uma inflexível determinação de aplicação de específico regime jurídico licitatório.
A submissão das estatais ao regime licitatório não é determinada pela Portaria Interministerial nº 424/2016, mas decorre da própria Constituição e da Lei que regula seu regime licitatório. Produzida em momento no qual ainda era aplicável o regime da Lei nº 8.666/93 às estatais, podemos inferir que não há propriamente uma antinomia entre a regra infralegal e a aplicação do novo regime licitatório das estatais, pela diferença do âmbito de aplicabilidade.[6] Assim, há uma norma jurídica, representada pela Portaria Interministerial, cuja função é exigir a realização de licitação, inclusive quando uma estatal for interveniente executora, que faz alusão ao regime jurídico licitatório vigente à época. Com a aprovação do posterior e específico regime jurídico licitatório das estatais, materializado na Lei nº 13.303/2016, numa perspectiva funcional, a norma jurídica da referida Portaria se aperfeiçoará com a aplicação da nova Lei das Estatais, para as licitações em que essas pessoas jurídicas (estatais) atuem realizando licitações ou firmando contratações, no âmbito das relações conveniais reguladas pela já suscitada Portaria Interministerial.
Não fosse assim, por exemplo, uma repentina substituição da Lei nº 8.666/93 por outra Lei geral de licitações impediria a execução de licitações em todas as relações conveniais, até que fossem atualizadas as anteriores regulamentações de relações conveniais que fizessem alusão específica à Lei nº 8.666/93.
Outrossim, importante perceber que a aplicação do regime licitatório da Lei nº 13.303/2016 é obrigatória para as estatais, desde julho de 2018. Imaginar que a regra da Portaria Interministerial imporia a aplicação da Lei nº 8.666/93 em licitações realizadas hoje por empresas públicas e sociedades de economia mista, enquanto intervenientes executoras, significaria afastar a regra obrigatória da Lei federal, em razão do disciplinamento de uma Portaria Interministerial, forçando artificiosamente uma situação de antinomia (o que refutamos como inexistente, pelos motivos acima)!
E, mesmo que estivéssemos diante de uma situação de antinomia, o que pode ser compreendido apenas em uma perspectiva estrutural ou formalista, ao conceber-se que a alusão à Lei nº 8.666/93 obrigaria a aplicação apenas deste regime, inclusive às estatais, não haveria dúvida de que esta aparente (ou fictícia) incompatibilidade seria resolvida em favor da aplicação do regime jurídico da Lei federal nº 13.303/2016, tendo em vista a clássica solução para situações nas quais os ordenamentos modernos apresentam aparentes conflitos normativos, através de critérios como o hierárquico (lex superior derogat inferiori), especialidade (lex specialis derogat generalis) e cronológico (lex posterior derogat priori)[7].
Contudo, não há propriamente antinomia, sendo mais adequado admitir o diálogo complementar entre as fontes, notadamente a regra da Portaria Interministerial e o novo regime jurídico estatuído para as estatais, produzindo uma aplicação complementar, que conduz a uma solução flexível e aberta[8]. Esta postura, de perspectiva funcional, permite ao aplicador do Direito focar na investigação acerca do conteúdo das normas apenas aparentemente conflitantes, harmonizando-as quando não há efetiva antinomia.
Como bem assentado pelo Parecer n. 00471/2018 /CONJUR-MP/CGU/AGU, a estatal, enquanto unidade executora, realiza a licitação e executa o contrato em nome próprio, ainda que no interesse e sob a supervisão da unidade federativa convenente. Assim, a estatal deverá se utilizar dos instrumentos estabelecidos para ela pelo ordenamento, seguindo seu regime licitatório e contratual, previsto na Lei nº 13.303/16.
E, com a devida venia, embora plausível e interessante o raciocínio, não deve prevalecer o argumento, suscitado no PARECER n. 00347/2018/CONJUR-MCID/CGU/AGU, de que seria necessariamente aplicável o regime jurídico licitatório da Lei nº 8.666/93, nas licitações realizadas pelas estatais intervenientes executoras, por resultarem, as relações conveniais, em bens que comporão o patrimônio público do respectivo ente federado.
A submissão ao regime licitatório se dá em razão do órgão ou entidade licitante/contratante (perspectiva subjetiva-causal) e não em razão do resultado da licitação ou execução contratual (perspectiva objetiva-consequencial). Para demarcar a aplicação do regime jurídico licitatório importa identificar "quem" precisa ou irá licitar e contratar, e não "quem" receberá incremento patrimonial decorrente do resultado da licitação. Assim, por exemplo, se um órgão federal realiza uma licitação para fornecimento de bens a um estado, a um município, a uma estatal ou mesmo a um particular, não há incidência do eventual regime específico de seleção, por esses beneficiados terem o resultado da licitação (bens entregues) incorporado ao seu patrimônio.
Ilustremos: o Estado da Bahia possui Lei de licitações própria (Lei estadual n. 9.433/2005) que, embora repita as regras materialmente gerais previstas pela Lei nº 8.666/93, possui regras materialmente específicas diferentes; entre estas, prevê, mesmo para a modalidade concorrência, sequência procedimental semelhante ao pregão, na qual a fase de disputa de preços e análise das propostas precede a fase de habilitação dos licitantes. Ora, em uma relação convenial que resulte em bem ou empreendimento a ser incorporado ao patrimônio do Estado da Bahia, a estatal ou órgão federal incumbido da tarefa de realizar a licitação e executar o contrato deverá/poderá usar o regramento licitatório daquele estado? Certamente que não. Da mesma forma, ainda que o resultado de uma licitação federal para aquisição de determinados bens acabe se incorporando ao patrimônio de particulares, não restará afastado o regime jurídico de licitação, obrigatório para os órgãos e entes federais, mas não aos particulares beneficiados.
Na verdade, a compreensão sistemática da própria Portaria Interministerial nº 424/2016 fortalece este raciocínio, uma vez que, em seu artigo 45, ela admite que as entidades privadas beneficiadas adotem "cotação prévia de preços no mercado", e em seu artigo 49, permite que "terceiros" órgãos e entidades da administração pública observem "demais normas federais, estaduais e municipais" (além da Lei nº 8.666/93 e a Lei nº 10.520/2002) pertinentes ao assunto.
Isto porque, repise-se, a incidência do regime licitatório se dá em razão de uma perspectiva subjetiva-causal, baseada em quem realiza a licitação ou firma a contratação. Diante da existência de diferentes regimes licitatórios aplicáveis, a definição, no primeiro momento, se dará em função da titularidade para a realização do procedimento licitatório e execução contratual. Estando este órgão ou entidade submetido a mais de um regime licitatório, a definição se dará por outros critérios, entre os regimes aplicáveis. Assim, por exemplo, para um órgão federal, pode-se aplicar a Lei nº 8.666/93, a Lei nº 10.520/2002, a Lei nº 12.462/2011 ou mesmo a Lei nº 12.232/2010, de acordo com a pretensão contratual envolvida. Já para as estatais, a Lei n. 13.303, de 2016, definiu um regime específico para suas licitações, o qual não pode ser afastado por uma Portaria Interministerial.
Assim, mesmo que o empreendimento ou a execução contratual tenha seu resultado incorporado ao patrimônio do ente federativo, isto não afasta a incidência do regime licitatório definido pelo legislador, para as estatais, qual seja, a Lei nº 13.303/2016.
Por fim, não há, ainda, que defender-se a aplicação do regime da Lei nº 8.666/93, pelas estatais, em razão da regra do parágrafo terceiro do artigo 91 da Lei nº 13.303/2016, uma vez que esta norma teve como objetivo regular a manutenção da aplicação da legislação anterior, apenas, para as licitações iniciadas e contratos firmados, pelas próprias estatais, antes que passasse a ser obrigatória a aplicação do novo regime licitatório.
Nesta feita, em conclusão ao primeiro ponto, entendemos que há respaldo jurídico para que empresa pública ou sociedade de economia mista adote o rito licitatório de que cuida a Lei nº 13.303, de 2016, nas hipóteses em que atue como unidade executora nos termos de compromisso (Programa de Aceleração do Crescimento), e nos convênios ou contratos de repasse (transferências voluntárias), com a responsabilidade de licitar e executar o contrato em nome próprio, mesmo que o resultado da execução contratual seja um bem público a ser integrado ao patrimônio de outrem.
Compreendido que a estatal pode aplicar a Lei nº 13.303, de 2016, ao processo licitatório, a segunda questão a ser dirimida envolve a definição se é ou não juridicamente possível admitir-se o anteprojeto, ao invés do projeto básico, como requisito para liberação dos recursos pactuados em sede de termos de compromisso (PAC), convênios e contratos de repasse (transferência voluntária).
A Conjur/MCID entende inadmissível a utilização do “anteprojeto de engenharia” para os fins de liberação dos recursos a que se refere o art. 21 da Portaria Interministerial nº 424, de 2016.
Primeiramente, importante realizar alguns apontamentos basilares sobre o tema.
A Lei das Estatais, assim como ocorreu no RDC, além dos instrumentos clássicos de planejamento da licitação, indica também a possibilidade de confecção do “anteprojeto de engenharia”, o qual será usado, especificamente, quando adotar-se o regime de contratação integrada.
O que caracteriza o regime de contratação integrada, por sinal, é que nele o contratado, além da execução de obras e serviços de engenharia, a montagem, a realização de testes, a pré-operação e as demais operações necessárias e suficientes para a entrega final do objeto, assume também a obrigação precedente de elaboração e desenvolvimento dos projetos básico e executivo.
A delegação da elaboração do projeto básico para o contratado representa uma relevante mudança de modelo, uma vez que todos os regimes de execução da Lei nº 8.666/93 impunham a necessidade de prévia confecção do projeto básico, até para que fosse iniciada uma licitação de obra ou serviço de engenharia (Artigo 7º, §2º, inc. I da Lei nº 8.666/93).
Embora represente uma mudança paradigmática em nossa legislação, este formato não é bem uma novidade no âmbito das contratações públicas, no mundo. Marcelo Bruto explica, com propriedade, que a contratação integrada corresponde ao modelo contratual conhecido internacionalmente como design-build (DB), que integra em um único responsável o desenvolvimento dos projetos básico e executivo e a execução da obra. Este regime, usual em diversos países, diferencia-se dos regimes de execução da Lei nº 8.666/93, que exigem absoluta separação entre as responsabilidades pelo desenvolvimento do projeto básico e a execução da obra ou serviço de engenharia (modelo design-bid-build - DBB)[9].
Há vantagens e desvantagens no uso desta modelagem. Sua adoção deve ser precedida de pertinente planejamento, feito pelos setores técnicos, sendo ela recomendável para obra ou serviço de engenharia que envolva natureza predominantemente intelectual, inovação tecnológica ou puder ser executado com diferentes metodologias ou tecnologias de domínio restrito no mercado. Neste prumo, por exemplo, o TCU tem tornado excepcional a possibilidade de adoção da contratação integrada baseada na possibilidade de execução através de diferentes metodologias, exigindo estudos objetivos que a justifiquem técnica e economicamente, considerando “a expectativa de vantagens quanto a competitividade, prazo, preço e qualidade em relação a outros regimes de execução”, especialmente a empreitada por preço global, além de orientar que seja considerada “a prática internacional para o mesmo tipo de obra, sendo vedadas justificativas genéricas, aplicáveis a qualquer empreendimento”( TCU. Acórdão no 460/2017 – Plenário).
Importa salientar, de qualquer forma, que a característica da contratação integrada de transferir para o futuro contratado o encargo de elaboração e desenvolvimento do projeto básico não significa que a Administração abdique do escorreito planejamento. Há, na verdade, uma substituição do tradicional projeto básico, pelo denominado “anteprojeto de engenharia”, enquanto documento de planejamento que formalizará a pretensão contratual e baseará a futura licitação.
Segundo a Lei nº 13.303/2016, o anteprojeto de engenharia é a “peça técnica com todos os elementos de contornos necessários e fundamentais à elaboração do projeto básico”. Este instrumento, de acordo com o legislador, deve conter os seguintes elementos, pelo menos:
a) demonstração e justificativa do programa de necessidades, visão global dos investimentos e definições relacionadas ao nível de serviço desejado;
b) condições de solidez, segurança e durabilidade e prazo de entrega;
c) estética do projeto arquitetônico;
d) parâmetros de adequação ao interesse público, à economia na utilização, à facilidade na execução, aos impactos ambientais e à acessibilidade;
e) concepção da obra ou do serviço de engenharia;
f) projetos anteriores ou estudos preliminares que embasaram a concepção adotada;
g) levantamento topográfico e cadastral;
h) pareceres de sondagem;
i) memorial descritivo dos elementos da edificação, dos componentes construtivos e dos materiais de construção, de forma a estabelecer padrões mínimos para a contratação;
É perceptível que o anteprojeto de engenharia, embora detenha menos detalhes que o projeto básico, caracteriza-se também como um documento de planejamento, apto à caracterização da pretensão contratual. De acordo com a Orientação Técnica IBR 006/2016 do Instituto Brasileiro de Auditoria de Obras Públicas, anteprojeto de engenharia “é a representação técnica da opção aprovada em estudos anteriores, para subsidiar a elaboração do Projeto Básico, apresentado em desenhos, em número, escala e detalhes suficientes para a compreensão da obra planejada, contemplando especificações técnicas, memorial descritivo e orçamento estimativo, e deve ser elaborado como parte da sequência lógica das etapas que compõem o desenvolvimento de uma obra, precedido obrigatoriamente de estudos preliminares, programa de necessidades e estudo de viabilidade”.
Assim, é possível firmar que, embora o anteprojeto de engenharia possua um nível de detalhamento menor em relação ao projeto básico e projeto executivo, deve, essencialmente, “conter elementos que permitam caracterizar a obra ou serviço, mesmo sendo eles insuficientes à execução completa da obra” (TCU. Acórdão no 1665/2017, Plenário).
Em suma, pode-se firmar que o anteprojeto de engenharia, no regime contratação integrada, cumpre papel semelhante ao do projeto básico, nos demais regimes de execução. Embora aquele possua menor detalhamento que este (o projeto básico), não deixa de representar o documento de planejamento com elementos suficientes para caracterizar a obra ou serviço de engenharia, na utilização do regime de contratação integrada.
Feitas essas observações preliminares sobre o tema, convém retornar à indagação se é ou não juridicamente possível admitir-se o anteprojeto, ao invés do projeto básico, como requisito para liberação dos recursos pactuados em sede de termos de compromisso (PAC) e demais instrumentos conveniais.
Bem, a definição dos requisitos para liberação de recursos não é identificada em nossa legislação, mas em normativos infralegais, manuais e procedimentos que regulamentam essas relações de parceria.
Segundo o item 13.2.1.1. do Manual de Instruções para Aprovação e Execução dos Programas e Ações do Ministério das Cidades, a liberação da primeira parcela de recursos, em valor correspondente a 5% do valor de repasse do termo de compromisso, só poderá ser liberada após autorização do início da execução do objeto.
Nessa linha, a Conjur MCID corretamente destacou em sua manifestação que o manual de orientações para contratações no âmbito do PAC, em modalidade RDC contratação integrada, fixa que a licitação será necessariamente precedida da análise, pela mandatária da União, do anteprojeto de engenharia; contudo, “a autorização para o início da obra por parte do Ministério das Cidades somente se daria após a aprovação dos projetos básico e executivo, os quais deverão ser cotejados com o anteprojeto” (NOTA n. 00158/2018/CONJUR-MCID/CGU/AGU).
Assim, segundo o diligente órgão consultivo, entende-se que mesmo nas contratações efetuadas na modalidade "RDC", as transferências de recursos somente poderão ocorrer após a autorização para início de obra (AIO), concedida após a aprovação dos projetos básico e executivo.
A Portaria Interministerial nº 424/2016, por seu turno, aplicável às demais relações conveniais, define que:
Art. 21. Nos instrumentos, o projeto básico acompanhado de Anotação de Responsabilidade Técnica - ART, ou o termo de referência, deverão ser apresentados antes da celebração, sendo facultado ao concedente exigi-los depois, desde que antes da liberação da primeira parcela dos recursos.
(...)
§ 8º As despesas referentes ao custo para elaboração do projeto básico ou termo de referência, além das despesas necessárias ao licenciamento ambiental, poderão ser custeadas com recursos oriundos do instrumento pactuado, desde que o desembolso do concedente voltado a essas despesas não seja superior a 5% (cinco por cento) do valor total do instrumento. (Alterado pela PORTARIA INTERMINISTERIAL Nº 114, DE 7 DE MAIO DE 2018).
§ 9º Quando houver, no plano de trabalho, a previsão de transferência de recursos para a elaboração de projeto básico ou termo de referência, a liberação do montante correspondente ao custo do serviço se dará após a celebração do instrumento, conforme cronograma de liberação pactuado entre as partes. (Incluído pela PORTARIA INTERMINISTERIAL Nº 101, DE 20 DE ABRIL DE 2017).
§ 10 Nos casos em que o concedente desembolsar recursos para a elaboração do projeto básico ou termo de referência, a rejeição pelo concedente destas peças, enseja a imediata devolução dos recursos aos cofres da União, sob pena de instauração de tomada de contas especial.
Na verdade, dos subsídios apresentados aos autos, as normatizações e manuais têm se omitido em relação à possibilidade de admitir-se que os recursos transferidos sejam liberados para o custeio da elaboração do anteprojeto de engenharia, quando adotado o regime de execução contratação integrada. Numa perspectiva lógica, este proceder é cabível, por analogia ao custeio admitido para a elaboração do projeto básico, nos regimes de execução tradicionais. Numa perspectiva dogmática, deve ser providenciada remissão expressa na normatização ou no regramento específico da relação convenial, permitindo maior segurança ao gestor público.
Em tese, seria sim possível alteração da normatização, noutro sentido, até porque, para a confecção do anteprojeto de engenharia, em uma análise funcional, pode ser necessária a contratação de terceiros, pelo órgão convenente. Não há aqui que se exigir as restrições à estrita legalidade, aplicáveis à “administração agressiva”, pois na hipótese não haveria agressão à esfera jurídica de particulares, mas uma atuação "administrativa constitutiva", que goza de maior liberdade, necessária na busca do desenvolvimento e da justiça social, quando inexistente expressa proibição legal[10], bem como no aperfeiçoamento da atuação administrativa.
Nada obstante, a definição, repetimos, deve se dar na normatização infralegal e e no pacto convenial firmado.
Nesta feita, dos normativos e subsídios coletados, identifica-se que, ao menos por enquanto, a normatização não prevê a aprovação do anteprojeto como requisito para liberação dos recursos pactuados em sede de termos de compromisso (PAC) e demais instrumentos conveniais, embora esses regramentos possam ser atualizados para admitir esta possibilidade.
51. Diante de todo o exposto, apresentamos as seguintes conclusões, como proposta de uniformização para as questões suscitadas:
À consideração superior.
Brasília, 17 de março de 2019.
RONNY CHARLES LOPES DE TORRES
ADVOGADO DA UNIÃO
Atenção, a consulta ao processo eletrônico está disponível em http://sapiens.agu.gov.br mediante o fornecimento do Número Único de Protocolo (NUP) 80000014898201446 e da chave de acesso 060a2471
Notas