ADVOCACIA-GERAL DA UNIÃO
CONSULTORIA-GERAL DA UNIÃO
DEPARTAMENTO DE COORDENAÇÃO E ORIENTAÇÃO DE ÓRGÃOS JURÍDICOS


 

 

PARECER n. 00051/2019/DECOR/CGU/AGU

 

 

NUP: 00443.000157/2019-44

INTERESSADOS: CONSULTORIA JURÍDICA DA UNIÃO EM SÃO PAULO - CJU/SP

ASSUNTOS: Análise da Resolução nº 1.116, de 26/04/2019, do Conselho Federal de Engenharia e Agronomia – CONFEA, que estabelece que as obras e os serviços no âmbito da Engenharia e da Agronomia são classificados como serviços técnicos especializados.

 

 

EMENTA: DIREITO ADMINISTRATIVO. RESOLUÇÃO Nº 1.116/2019 DO CONFEA. OBRAS E SERVIÇOS NO ÂMBITO DA ENGENHARIA E DA AGRONOMIA. SERVIÇOS TÉCNICOS ESPECIALIZADOS. ANÁLISE JURÍDICA.
I – É possível  a licitação de serviços de engenharia através da modalidade pregão, quando tais serviços são caracterizáveis como  serviços comuns, nos termos da Lei nº 10.520/2002.
II - A Resolução nº 1.116, de 26/04/2019, do Conselho Federal de Engenharia e Agronomia – CONFEA não deve nem pode produzir efeitos restritivos em relação à compreensão do agente público competente acerca do enquadramento de um determinado serviço de engenharia como serviço comum.
III - Diante do dilema decisório acerca da caracterização de um determinado serviço de engenharia como comum, o agente público federal deve agir de forma técnica, lastreado nos elementos apresentados pela Lei nº 10.520/2002 e na pertinente regulamentação dos competentes órgãos do Poder Executivo Federal.

 

 

Exmo. Sr. Coordenador-Geral,

 

 

Do relatório

 

Trata-se de solicitação, encaminhada através do DESPACHO nº 00155/2019/CJU-SP/CGU/AGU, para que esta Consultoria-Geral da União se manifeste a respeito da juridicidade da Resolução nº 1.116, de 26/04/2019, do Conselho Federal de Engenharia e Agronomia – CONFEA, publicada no DOU de 03/05/2019, que estabelece que as obras e os serviços no âmbito da Engenharia e da Agronomia são classificados como serviços técnicos especializados.

 

A Consultoria Jurídica da União no Estado de São Paulo (CJU-SP), por provocação interna, elaborou o Parecer nº 00377/2019/CJU-SP/CGU/AGU, aprovado pelo Despacho nº 00155/2019/CJU-SP/CGU/AGU, apontando vícios de validade na Resolução nº 1.116/2019 do CONFEA.

 

Tendo em vista o Parecer da CJU-SP, o presente processo foi encaminhado a este Departamento (Despacho nº 00155/2019/CJU-SP/CGU/AGU):

 

[...]
4. Cuidando-se de matéria que afeta a todas as unidades de assessoramento jurídico, e sua miríade de órgãos assessorados, entendo ser o caso de a matéria ser submetida ao DECOR/CGU/AGU, para que, forte nas alíneas "a" e "b", do inciso I, do artigo 14, do Decreto nº 7.392/2011, possa orientar de forma coordenada a posição jurídica a ser adotada. (Grifo nosso)

 

Por fim, o processo foi distribuído ao presente parecerista, para análise urgente, diante da relevância do tema, o qual, nos limites do prazo disponível, será analisado adiante.

 

É o breve relatório.

 

 

da análise jurídica

 

O pregão se caracteriza como uma modalidade licitatória que dispõe de elementos diferenciados em relação às modalidades previstas na Lei nº 8.666/93. Há uma evidente acentuação na busca pelo menor preço, a qual influencia a lógica de utilização desta nova modalidade. O procedimento previsto para o pregão se diferencia em sua estrutura, permitindo uma tramitação mais simplificada e célere, bem como a inversão da ordem tradicionalmente estabelecida no estatuto licitatório para as fases de habilitação e de julgamento das propostas, além da possibilidade de redução de tais propostas, através de lances.

 

Além disso, o pregão admite sua realização no formato eletrônico, o que reduz custos transacionais para a participação na licitação e amplia sobremaneira a competitividade. Importante ponderar: se, por um lado, o formato eletrônico, por esta redução de custos e facilitação à participação na licitação resulta em uma potencial ampliação da competitividade e consequente redução do preço, por outro lado, traz consigo o desafio de facilitar a participação de empresas que não possuem responsabilidade ou “know how” para firmar contratações com o Poder Público, desconhecendo os custos transacionais e riscos deste tipo de contratação, o que pode implicar precificação pouco responsável e futuras frustrações contratuais.

 

O desafio acima suscitado certamente se acentua em contratações que exigem maior cuidado ou planejamento na precificação e análise dos custos envolvidos. Talvez por perceber isto, o legislador de 2002 definiu que o escopo do pregão seria a seleção de objetos caracterizáveis como “bens e serviços comuns”, assim os definindo:

 

Art. 1º  Para aquisição de bens e serviços comuns, poderá ser adotada a licitação na modalidade de pregão, que será regida por esta Lei.
Parágrafo único.  Consideram-se bens e serviços comuns, para os fins e efeitos deste artigo, aqueles cujos padrões de desempenho e qualidade possam ser objetivamente definidos pelo edital, por meio de especificações usuais no mercado.

 

Pois bem, o cerne da discussão posta à apreciação, envolve o sedimentado enquadramento de alguns serviços de engenharia como "serviços comuns", para fins de licitação através do pregão e a tentativa do Conselho Federal de Engenharia e Agronomia – CONFEA, através da Resolução nº 1.116, de 26/04/2019, de afastar a possibilidade deste enquadramento e a consequente adoção da referida modalidade para serviços de engenharia.

 

Cumpre lembrar que os "serviços comuns" devem conter especificações passíveis de aferição objetiva e de inequívoca compreensão pela leitura da descrição editalícia, de forma que não se apresentem maiores dificuldades técnicas para seleção. Nos termos dispostos pelo Decreto nº 5.450/2005, em seu artigo 2º, os bens e os serviços comuns seriam “aqueles cujos padrões de desempenho e qualidade possam ser objetivamente definidos pelo edital, por meio de especificações usuais do mercado”.

 

Na verdade, o conceito de bem e serviço comum é aberto. Embora facilmente verificável que algumas hipóteses de contratação podem ser enquadradas perfeitamente nessa concepção, outras tantas de forma alguma se caracterizariam como tal. Há, ainda, uma faixa de incerteza, de objetos que podem ou não ser enquadrados, de acordo com nuances específicas, o que exige uma compreensão lastreada no caso concreto e nas condições do mercado contemporâneo, motivo pelo qual um determinado bem ou serviço incomum hoje pode, em um futuro próximo, caracterizar-se como algo usualmente verificável no mercado.

 

Não é imprescindível que o bem comum esteja “pronto” no mercado, pois é possível também que o pregão seja utilizado para bens confeccionados por encomenda ou para serviços. O importante é que o produto ou serviço possa ser objetivamente caracterizado em sua espécie, desempenho e qualidade, através de especificações usuais do mercado. Assim pontua Marçal Justen Filho:

 

Para concluir, numa tentativa de definição, poderia dizer-se que bem ou serviço comum é aquele que se apresenta sob identidade e características padronizadas e que se encontra disponível, a qualquer tempo, num mercado próprio (JUSTEN FILHO, Marçal. Pregão: Comentários à legislação do pregão comum e eletrônico. 4ª Edição. São Paulo: Dialética. 2005. P. 30).

 

Em sentido semelhante, Joel de Menezes Niehbur:

 

Bem e serviço comum são aqueles que possam ser definidos no edital por meio de especificações objetivas, que se prestam a estabelecer o padrão de qualidade desejado pela Administração Pública, de acordo com as características usuais no mercado, sem que variações de ordem técnica eventualmente existentes entre os bens e serviços ofertados por diversos fornecedores que atendam a tais especificações objetivas sejam importantes ou decisivas para a determinação de qual proposta melhor satisfaz o interesse público e desde que a estrutura procedimental da modalidade pregão, menos formalista e mais célere, não afete a análise da qualidade do objeto licitado ou importe prejuízos ao interesse público (NIEBUHR, Joel de Menezes. Licitação Pública e Contrato Administrativo. 3 ed. Revisada e ampliada.Belo Horizonte: Fórum, 2013. p. 204.)

 

Curiosamente, no início da utilização do pregão havia uma evidente interpretação restritiva ao conceito de bens e serviços comuns, contudo, os bons resultados desta modalidade induziram uma ampliação da compreensão dada ao conceito, em algumas situações até o esgarçamento.

 

Conforme definido outrora pelo STF, em Acórdão relatado pelo Ministro Cezar Peluso (STF. MS 27596. Publ. 03/10/2008), devemos perceber que o Pregão, enquanto procedimento simplificado que é, foi criado para imprimir celeridade no processo de aquisição e ampliar a competição entre os interessados nas licitações, gerando estímulo à redução de preços. Nele, são mitigados os requisitos de participação, fato justificável em virtude de sua aptidão para contratações mais simples, identificadas, pelo legislador, como “bens e serviços comuns”. Nesse raciocínio, contratações complexas ou “sujeitas a intensa atividade intelectual” afastam-se do conceito, prescrito pela Lei nº 10.520/02, de definição editalícia objetiva, por meio de especificações usuais no mercado.

 

Pois bem, diante deste dilema de escolha, não é algo inédito que entidades, defendendo legítimos interesses corporativos e técnicos, questionem a adoção da modalidade Pregão para a seleção de serviços prestados por profissionais a ela relacionados.

 

Agindo desta forma, no dia 26/04/2019, o Conselho Federal de Engenharia e Agronomia (CONFEA) aprovou a Resolução nº 1.116, buscando definir, entre outras coisas, que as obras e serviços de engenharia seriam, necessariamente, "serviços técnicos especializados" (http://www.in.gov.br/web/dou/-/resolu%C3%87%C3%83o-n%C2%BA-1.116-de-26-de-abril-de-2019-86523311.).

 

Vale a transcrição de trecho da referida Resolução:

 

RESOLUÇÃO Nº 1.116, DE 26 DE ABRIL DE 2019
Estabelece que as obras e os serviços no âmbito da Engenharia e da Agronomia são classificados como serviços técnicos especializados.
O CONSELHO FEDERAL DE ENGENHARIA E AGRONOMIA - CONFEA, no uso das atribuições que lhe confere a alínea "f", do art. 27 da Lei nº 5.194, de 24 de dezembro de 1966, e
Considerando que a Lei n° 5.194, de 1966, regulamenta o exercício profissional da Engenharia e da Agronomia;
Considerado que o art. 1° da Lei n° 5194, de 1966, define que as profissões de Engenharia e de Agronomia são caracterizadas pelas realizações de interesse social e humano que importem no aproveitamento e utilização de recursos naturais, na execução de meios de locomoção e comunicações, de edificações, serviços e equipamentos urbanos, rurais e regionais, de instalações e meios de acesso a costas, cursos, e massas de água e extensões terrestres, bem como no desenvolvimento industrial e agropecuário;
Considerando que, conforme previsto na Lei n° 5.194, de 1966, os profissionais diplomados nas áreas abrangidas pelo Sistema Confea/Crea somente poderão exercer suas profissões após o registro nos Conselhos Regionais de Engenharia e Agronomia;
Considerando que a obrigatoriedade de registro profissional, estabelecida pela Lei nº 5.194, de 1966, decorre da comprovação de qualificação e da consequente habilitação para a prática e aplicação de soluções técnicas especializadas para a realização de obras e serviços de engenharia, o que exclui deste campo de atividades a atuação de pessoas leigas no assunto;
Considerando que o art. 7° da Lei nº 5.194, de 1966, define as atividades e atribuições dos profissionais do Sistema Confea/Crea, incluindo neste rol as competências para planejamento ou projeto, em geral, de regiões, zonas, cidades, obras, estruturas, transportes, para exploração de recursos naturais e desenvolvimento da produção industrial e agropecuária, para elaboração de estudos, projetos, análises, avaliações, vistorias, perícias, pareceres e divulgação técnica, atividades de ensino, pesquisa, experimentação e ensaios, fiscalização, direção e execução de obras e serviços técnicos, bem como produção técnica especializada, industrial ou agropecuária;
Considerando que a Lei nº 6.496, de 7 de dezembro de 1977, institui a Anotação de Responsabilidade Técnica na execução de obras e na prestação de serviços de Engenharia e Agronomia;
Considerando que as obras e os serviços de Engenharia e de Agronomia envolvem riscos à sociedade, ao seu patrimônio e ao meio ambiente, em face da própria natureza das atividades desenvolvidas;
Considerando que obras e serviços de Engenharia e de Agronomia podem admitir diferentes metodologias ou tecnologias em sua consecução;
Considerando que ajustes no planejamento e na execução da obra ou do serviço são frequentemente necessários para a entrega de um produto final que atenda ao interesse público e privado;
Considerando que os padrões de desempenho e qualidade dos serviços e obras de Engenharia e de Agronomia, por serem objeto de soluções específicas e tecnicamente complexas, não podem ser definidos a partir de especificações usuais de mercado, carecendo de capacidade técnica intrínseca apenas aos profissionais legalmente habilitados e com as devidas atribuições;
Considerando, portanto, que a execução de obras e serviços da Engenharia e da Agronomia possuem características próprias e envolvem circunstâncias específicas, variáveis segundo as peculiaridades do local em que serão executados;
Considerando que compete ao Confea examinar e decidir em última instância os assuntos relativos ao exercício das profissões de Engenharia e de Agronomia e conceder atribuições profissionais na área da Engenharia e Agronomia, resolve:
Art. 1º Estabelecer que as obras e os serviços de Engenharia e de Agronomia, que exigem habilitação legal para sua elaboração ou execução, com a emissão da Anotação de Responsabilidade Técnica - ART, são serviços técnicos especializados.
§ 1° Os serviços são assim caracterizados por envolverem o desenvolvimento de soluções específicas de natureza intelectual, científica e técnica, por abarcarem risco à sociedade, ao seu patrimônio e ao meio ambiente, e por sua complexidade, exigindo, portanto, profissionais legalmente habilitados e com as devidas atribuições.
§ 2° As obras são assim caracterizadas em função da complexidade e da multiprofissionalidade dos conhecimentos técnicos exigidos para o desenvolvimento do empreendimento, sua qualidade e segurança, por envolver risco à sociedade, ao seu patrimônio e ao meio ambiente, e por demandar uma interação de concepção físico-financeira que determinará a otimização de custos e prazos, exigindo, portanto, profissionais legalmente habilitados e com as devidas atribuições.
Art. 2° Esta resolução entra em vigor na data de sua publicação. (Grifos nossos)
 

 

A publicação da Resolução nº 1.116/2019 busca obstar a adoção do Pregão nas contratações públicas de serviços enquadrados como de "engenharia". Este propósito fica evidenciado quando, nos "considerandos", a Resolução fixa que: "os padrões de desempenho e qualidade dos serviços e obras de Engenharia e de Agronomia, por serem objeto de soluções específicas e tecnicamente complexas, não podem ser definidos a partir de especificações usuais de mercado, carecendo de capacidade técnica intrínseca apenas aos profissionais legalmente habilitados e com as devidas atribuições"

 

A referência à impossibilidade de definição “a partir de especificações usuais de mercado” busca gerar incompatibilidade entre esses serviços e o próprio conceito legal para serviços comuns, acima já transcrito.

 

Primeiramente, com relação aos serviços de engenharia, vale esclarecer que a Lei nº 10.520/2002 não exclui expressamente a utilização do pregão para a contratação de obra e serviço de engenharia. O Decreto nº 3.555/2000 (art. 5º) e o Decreto nº 5.450/2005 (art. 6º) é que vedaram tais contratações (através de pregão), sendo que este último vedou a utilização apenas para as “obras”, não os serviços de engenharia. Noutro prumo, embora, em nível federal, o Decreto nº 5.450/2005 admita claramente a contratação de serviços de engenharia por meio de pregão, o regulamento não tem condição de afastar a exigência de que sejam esses serviços enquadráveis como comuns.

 

Assim, para que seja possível a aplicação da modalidade pregão para licitação de um objeto identificado como serviço de engenharia seja possível, basta que este serviço de engenharia seja caracterizável como "serviço comum".

 

Não parece verdadeira a premissa construída pelo CONFEA, segundo a qual uma atividade submetida, por lei, à responsabilidade técnica de uma determinada profissão ou categoria profissional, ou caracterizada como serviço técnico especializado, não possa ser jamais adjetivada como “comum”, para fins de adoção da modalidade pregão.

 

Necessário destacar: há um rotineiro equívoco na afirmação de que "comum é aquilo que não guarda complexidade, aquilo que não é complexo". Para quem assim raciocina, o que é complexo não pode ser considerado comum. Contudo, o conceito antagônico a "complexo" é "simples", não "comum". Este antagoniza com o conceito de "raro", "incomum", de forma que é possível que algo "complexo" seja considerado "comum", da mesma forma que algo "simples", possa ser "raro" ou "incomum".

 

Seguem também nesse prumo as lições de Jessé Torres Pereira Junior:

 
... em aproximação inicial do tema, pareceu que “comum” também sugeria simplicidade. Percebe-se, a seguir, que não. O objeto pode portar complexidade técnica e ainda assim ser “comum”, no sentido de que essa técnica é perfeitamente conhecida, dominada e oferecida pelo mercado (PEREIRA JUNIOR, Jessé Torres. Comentários à Lei das Licitações e Contratações da Administração Pública. Rio de Janeiro: Renovar, 2003. 6. ed. p. 1006.).

 

No mesmo diapasão, Hamilton Bonatto ressalta tal equívoco, asseverando que "comum é o que não é raro", é o que está à disposição e, no caso dos serviços comuns postos à licitação, podem ser identificados com certa facilidade no mercado. Seguindo esta linha de raciocínio, ele, com razão, vaticina que serviços comuns são aqueles que podem ser definidos de forma objetiva por meio de especificações do mercado, independentemente de sua complexidade. Esta compreensão permite a caracterização de serviços de engenharia como tais. Vale a transcrição de trecho da obra deste autor:

 

Portanto, ao se tratar de serviços comuns, está a se falar de serviços que podem ser definidos de forma objetiva por meio de especificações que o mercado utiliza usualmente, independentemente de sua complexidade.
A questão que resta resolver é se é possível caracterizar alguns serviços de engenharia como “comuns”, isto é, possuidores de padrões de desempenho e qualidade definíveis no edital, por meio de especificações usuais no mercado. (...)
(...)
Para que os serviços de engenharia sejam caracterizados como comuns é requisito essencial que seus padrões de desempenho e qualidade possam ser objetivamente definidos pelo edital, por meio de especificações usuais no mercado,porém, como “comum” é, como vimos acima, o que “não é raro”, faz-se necessário também que o mercado oferte de forma corriqueira, habitual, o serviço com esses padrões, de forma que suas utilizações sejam normalmente reconhecidas e aceitas como cotidianas pelos profissionais da área de engenharia (BONATTO, Hamilton. Governança e gestão de obras públicas: do planejamento à pós-ocupação. Belo Horizonte: Forum, 2018. pág138).

 

O Professor Victor Amorim, em interessante artigo no qual ele enfrenta a questão de forma qualificada, confirma essa linha de entendimento:

 

Pela dicção da Lei nº 10.520/2002, não há uma antinomia intrínseca entre bens e serviços “comuns” e “complexos”. A perspectiva de adjetivação do objeto da contratação deve ser pautada sob a ótica do mercado relevante. Afinal, ainda que ostente características complexas de execução e que demande o acompanhamento de um responsável técnico detentor de qualificação profissional específica, tal serviço será considerado como “comum” se houver, por parte do mercado relevante, pleno domínio das técnicas de sua realização, permitindo uma proposição objetiva e padronizada de execução do objeto. É esse o entendimento que se extrai da expressão “especificações usuais de mercado” utilizada no parágrafo único do art. 2º da Lei nº 10.520/2002. (AMORIM, Victor. A Resolução nº 1.116/2019 do CONFEA: fim dos serviços comuns de engenharia? Disponível em: https://ronnycharles.com.br/a-resolucao-no-1-116-2019-do-confea-fim-dos-servicos-comuns-de-engenharia/ Acesso em 11/06/2019, às 18:12)

 

Esta é a linha de entendimento defendida pelo Tribunal de Contas da União, segundo o qual a noção de comum não está vinculada à estrutura simples de um bem ou de um serviço. Do mesmo modo, a estrutura complexa também não é razão bastante, por si só, para retirar a qualificação de bem ou serviço comum (TCU. Acórdão 1.046/2014-Plenário).

 

Para sedimentar o assunto, o Tribunal de Contas da União expediu a Súmula nº 257/2010, definindo sua posição sobre a possibilidade de adoção do Pregão para licitar serviços de engenharia :

 
Súmula nº 257 - “O uso do pregão nas contratações de serviços comuns de engenharia encontra amparo na Lei nº 10.520/2002”.

 

No âmbito da Advocacia Geral da União, este também é o entendimento consolidado por este Departamento da Consultoria Geral da União, notadamente através do Parecer nº 075/2010/DECOR/CGU/AGU:

 

PREGÃO. VEDAÇÃO À CONTRATAÇÃO DE OBRAS DE ENGENHARIA. POSSIBILIDADE DE CONTRATAÇÃO DE SERVIÇOS COMUNS DE ENGENHARIA. I - Consulta acerca da interpretação do art.6º do Decreto nº, 5.450/05. II – Decisões do Tribunal de Contas da União reconhecendo a inconstitucionalidade da mencionada norma. III – Distinção entre obras e serviços de engenharia e respectivo tratamento legislativo; IV – Vedação legal à realização da modalidade licitatória pregão para obras de engenharia. Art. 1º lei nº. 10.520/02 c/c art. 6º, I e II da Lei nº. 8.666/93. Adequação da vedação prevista no art. 6º do Decreto nº. 5.450/05. V – Possibilidade de contratação de serviços de engenharia por pregão, desde que se tratem de serviços comuns. VI - Fixação da interpretação a ser seguida pelas Consultorias Jurídicas ou órgãos equivalentes e Núcleos de Assessoramento Jurídico. Sugestão de encaminhamento de recomendação ao Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão, ao Departamento de Assuntos Extrajudiciais – DEAEX da Consultoria-Geral da União e à Casa Civil da Presidência da República (Parecer n. 075/2010/DECOR/CGU/AGU).

 

Obviamente, nem todo serviço de engenharia pode ser enquadrado como comum. Outrossim, parece equivocada a afirmativa diametralmente oposta de que nenhum serviço de engenharia possa ser assim enquadrado. A prática demonstra evidente que  existem serviços de engenharia que podem ser caracterizados como “comuns”, pois possuem padrões de desempenho e qualidade que podem ser objetivamente definidos pelo edital, por meio de especificações usuais no mercado, sendo reconhecidos como cotidianos pelos profissionais da área de engenharia. Ademais, mesmo adotando-se o Pregão, sempre bom lembrar, os requisitos de habilitação técnica pertinentes serão devidamente exigidos no momento oportuno do procedimento licitatório.

 

Outrossim, embora sejam legítimos os interesses corporativos do CONFEA e suas preocupações, não lhes compete diferenciar o que vem a ser serviços comuns e serviços incomuns, para admitir ou restringir a adoção de uma modalidade licitatória. Muito menos, possui o CONFEA competência para interferir no Poder Normativo do Executivo Federal, disciplinando o conceito de serviço comum ou, ao arrepio do Decreto Federal, restringir sua aplicação de forma generalizada. Admitir a restrição proposta pelo CONFEA significaria admitir uma usurpação das competências constitucionalmente estabelecidas ao Chefe do Poder Executivo Federal.

 

A competência para esta aferição do caráter "comum" de um serviço de engenharia pertence ao Executivo Federal, no sentido normativo abstrato, e ao órgão da licitante da Administração, no sentido executivo e concreto, através do agente público incumbido desta tarefa, o que deve ser feito de acordo com a análise do caso, pois o enquadramento  do serviço de engenharia como “comum” não deve ser feito a priori, mas sim de acordo com a avaliação do objeto licitado e a atual configuração do mercado pertinente.

 

Assim, a Resolução nº 1.116, de 26/04/2019, do Conselho Federal de Engenharia e Agronomia – CONFEA não deve nem pode produzir efeitos restritivos em relação à compreensão do agente público competente acerca do enquadramento de um determinado serviço de engenharia como serviço comum, para fins de definição da modalidade de licitação adequada. Diante do dilema de decisão acerca da caracterização de um determinado serviço de engenharia como comum, o agente público deve agir de forma técnica, lastreado nos elementos apresentados pela Lei nº 10.520/2002 e a pertinente regulamentação dos competentes órgãos do Poder Executivo Federal.

 

 

da conclusão

 

Diante do acima exposto, parece necessária a sedimentação das seguintes conclusões:

 

a) É possível  a licitação de serviços de engenharia através da modalidade pregão, quando tais serviços são caracterizáveis como serviços comuns, nos termos da Lei nº 10.520/2002.

 

b) A Resolução nº 1.116, de 26/04/2019, do Conselho Federal de Engenharia e Agronomia – CONFEA não deve nem pode produzir efeitos restritivos em relação à compreensão do agente público competente acerca do enquadramento de um determinado serviço de engenharia como serviço comum.

 

c) Diante do dilema decisório acerca da caracterização de um determinado serviço de engenharia como comum, o agente público federal deve agir de forma técnica, lastreado nos elementos apresentados pela Lei nº 10.520/2002 e na pertinente regulamentação dos competentes órgãos do Poder Executivo Federal.

 

À consideração superior.

 

Brasília, 11 de junho de 2019.

 

 

RONNY CHARLES LOPES DE TORRES

ADVOGADO DA UNIÃO

 

 


Atenção, a consulta ao processo eletrônico está disponível em http://sapiens.agu.gov.br mediante o fornecimento do Número Único de Protocolo (NUP) 00443000157201944 e da chave de acesso 167588fd

 




Documento assinado eletronicamente por RONNY CHARLES LOPES DE TORRES, de acordo com os normativos legais aplicáveis. A conferência da autenticidade do documento está disponível com o código 274158234 no endereço eletrônico http://sapiens.agu.gov.br. Informações adicionais: Signatário (a): RONNY CHARLES LOPES DE TORRES. Data e Hora: 13-06-2019 15:15. Número de Série: 7456787449035031575. Emissor: AC CAIXA PF v2.