ADVOCACIA-GERAL DA UNIÃO
CONSULTORIA-GERAL DA UNIÃO
CCAF - CONCILIADORES
PARECER n. 00064/2019/CCAF/CONC./CGU/AGU
NUP: 00745.002061/2018-35
INTERESSADOS: BNDES BANCO NACIONAL DO DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO E SOCIAL
ASSUNTOS: ORÇAMENTO
EMENTA: Competência da CCAF/CGU para dirimir conflitos através da autocomposição. Competência consultiva da CGU para dirimir controvérsia jurídica por intermédio de parecer jurídico. Necessidade de diferenciar conflito de controvérsia jurídica. Delimitação das competências dentre da CGU/AGU.
Em atenção ao DESPACHO n. 00561/2019/DECOR/CGU/AGU - seq 30 - aprovado pelo DESPACHO n. 00919/2019/GAB/CGU/AGU do Sr. Consultor-Geral da União, o processo em tela retornou ao nosso acervo para que adotemos as providências porventura cabíveis no âmbito de nossas atribuições. Desta forma, com o objetivo de detalhar quais as medidas que a CCAF está adotando e legitimá-las à luz das normas em vigor, oportuno mencionar o procedimento conciliatório em curso na NUP e destacar a competência e a vocação da CCAF para pacificar conflitos envolvendo entes públicos.
A CCAF - Câmara de Conciliação e Arbitragem da Administração Federal (CCAF) foi instituída pelo Ato Regimental nº 5, de 27 de setembro de 2007, posteriormente alterado pelo Ato Regimental n° 2, de 9 de abril de 2009. Sua estrutura está definida pelo Decreto nº 7.392, de 13 de dezembro de 2010, que teve a sua redação alterada pelo Decreto nº 7.526, de 15 de julho de 2011. Em 2015 foi promulgada a Lei 13.140/2015 que dedicou o CAPÍTULO II a AUTOCOMPOSIÇÃO DE CONFLITOS EM QUE FOR PARTE PESSOA JURÍDICA DE DIREITO PÚBLICO.
Em 2007, com o Ato Regimental AGU nº 5, a União protagonizou uma política audaciosa de resolução consensual de conflitos interinstitucionais. Foi criada e estruturada a CCAF, um órgão interino à Consultoria-Geral da União, cuja competência autocompositiva se restringia à resolução consensual de conflitos entre entes governamentais da Administração Pública Federal. Nessa época, essas técnicas de resolução consensual, mesmo nas relações conflituosas privadas, ainda eram incipientes se comparadas à cultura dos métodos adversariais ortodoxos (jurisdição estatal).
Assim, por força do pioneirismo nessa iniciativa, sem precedentes nacionais, os normativos internos que estruturaram a CCAF não faziam diferença entre arbitragem, arbitramento, conflito e controvérsia jurídica. Destacam-se vários dispositivos nesses normativos que demonstram a atecnia na utilização desses termos, verbi gratia:
► Ato Regimental nº 5 de 27 de setembro de 2007:
[...]
Art. 3º Compete à Consultoria-Geral da União:
VI - participar do deslinde de controvérsia jurídica entre órgãos e entidades da Administração Federal, objetivando sua solução em sede administrativa;
[...]
Parágrafo único. Para o deslinde de controvérsia jurídica de que trata o inciso VI deste artigo é indispensável que a solicitação esteja devidamente fundamentada e instruída com as manifestações divergentes emitidas pelos órgãos jurídicos respectivos.
[...]
Art. 10. Integram o DECOR:
I - a Coordenação-Geral de Orientação, à qual incumbe:
[...]
b) atuar na solução de controvérsias e na uniformização de teses jurídicas;
[...]
Art. 17. Compete à Câmara de Conciliação e Arbitragem da Administração Federal - CCAF:
I - identificar as controvérsias jurídicas entre órgãos e entidades da Administração Federal, bem como entre esses e os Estados ou Distrito Federal, e promover a conciliação entre eles;
[...]
III - sugerir ao Consultor-Geral da União, se for o caso, a arbitragem das controvérsias não solucionadas por conciliação; e
► Decreto nº 7.392 de 13 de dezembro de 2010
Art. 14. Ao Departamento de Coordenação e Orientação de Órgãos Jurídicos compete:
I - orientar e coordenar os trabalhos das Consultorias Jurídicas ou órgãos equivalentes, especialmente no que se refere à:
a) uniformização da jurisprudência administrativa;
b) correta aplicação das leis e observância dos pareceres, notas e demais orientações da Advocacia-Geral da União; e
c) prevenção de litígios de natureza jurídica.
[...]
Art. 18. A Câmara de Conciliação e Arbitragem da Administração Federal compete:
I - avaliar a admissibilidade dos pedidos de resolução de conflitos, por meio de conciliação, no âmbito da Advocacia-Geral da União;
II - requisitar aos órgãos e entidades da Administração Pública Federal informações para subsidiar sua atuação;
III - dirimir, por meio de conciliação, as controvérsias entre órgãos e entidades da Administração Pública Federal, bem como entre esses e a Administração Pública dos Estados, do Distrito Federal, e dos Municípios;
IV - buscar a solução de conflitos judicializados, nos casos remetidos pelos Ministros dos Tribunais Superiores e demais membros do Judiciário, ou por proposta dos órgãos de direção superior que atuam no contencioso judicial;
V - promover, quando couber, a celebração de Termo de Ajustamento de Conduta nos casos submetidos a procedimento conciliatório;
VI - propor, quando couber, ao Consultor-Geral da União o arbitramento das controvérsias não solucionadas por conciliação; e
VII - orientar e supervisionar as atividades conciliatórias no âmbito das Consultorias Jurídicas nos Estados.
►Portaria 1.281 de 27 de setembro de 2007:
Art. 1º O deslinde, em sede administrativa, de controvérsias de natureza jurídica entre órgãos e entidades da Administração Federal, por meio de conciliação ou arbitramento, no âmbito da Advocacia-Geral da União, far-se-á nos termos desta Portaria.
Art. 2º Estabelecida controvérsia de natureza jurídica entre órgãos e entidades da Administração Federal, poderá ser solicitado seu deslinde por meio de conciliação a ser realizada:
I - pela Câmara de Conciliação e Arbitragem da Administração Federal - CCAF;
II - pelos Núcleos de Assessoramento Jurídico quando determinado pelo Consultor-Geral da União;
III - por outros órgãos da Advocacia-Geral da União quando determinado pelo Advogado-Geral da União.
Parágrafo único. Na hipótese dos incisos II e III do caput, as atividades conciliatórias serão supervisionadas pela CCAF.
[...]
Art. 11. A Consultoria-Geral da União, quando cabível, elaborará parecer para dirimir a controvérsia, submetendo-o ao Advogado-Geral da União nos termos dos arts. 40 e 41 da Lei Complementar nº 73, de 10 de fevereiro de 1993.
Assim, para fins de esclarecimento, o que se torna indispensável para que não tenhamos uma superposição de competências dentro da própria Consultoria-Geral da União, faremos uma breve diferenciação dos termos utilizados nos nossos normativos: conflito e controvérsia jurídica; arbitramento e arbitragem.
A) Controvérsia jurídica: considerando os próprios termos que os normativos utilizam, podemos concluir que ela se revela quando há um choque entre interpretações legais, ou entre a forma de execução de uma decisão judicial, ou entre teses doutrinárias divergentes acerca de um mesmo instituto. Na própria lei 13.140/15 art. 36, § 1º extraímos que os conflitos podem envolver controvérsias jurídicas, mas com elas não se confundem nem se esgotam. Da mesma forma, podemos concluir que os conflitos podem ser pacificados ou resolvidos pela autocomposição, já as controvérsias jurídicas são dirimidas para alcançar a finalidade de harmonização de entendimento jurídico. Desde a LC 73/93 é competência da AGU, por desdobramento de competência constitucional exercer com exclusividade a assessoria jurídica do Poder Executivo. Aqui, quando falamos de controvérsia jurídica, não tratamos de conflito entre pessoas físicas, entes públicos, privados ou órgãos, mas sim de uma controvérsia que é técnico-jurídica, que pode até estar inserida em um conflito - que é de ordem sociológica - mas não necessariamente. Ela pode configurar apenas uma oposição de entendimentos técnico-jurídicos, a ser dirimida por quem tem legitimidade, que nesse caso, tratando-se de Administração Pública Federal, é a AGU.
B) Conflito: O conflito possui caráter polissêmico e transdisciplinar, portanto, o conflito é resultado de interações sociais, situando-se na antagonia de comportamentos e sentimentos. Ele funciona como mola propulsora de aperfeiçoamento e progresso (SIMMEL, Georg. Sociologia. Organização de Evaristo de Moraes Filho. São Paulo: Atlas, 1983). Assim, podemos afirmar que o conflito envolvendo entes públicos normalmente contém uma controvérsia jurídica, o que se dá geralmente por força do regime-jurídico a que estão submetidos, todavia, pela estrutura complexa e transdisciplinar do conflito, ele não se encerra nessa controvérsia, ele a exorbita e se posiciona muito mais nos comportamentos antagônicos dos atores sociais, o que é permeável à pacificação pelo consenso obtido por intermédio das técnicas de autocomposição.
C) Arbitramento: é um processo administrativo que objetiva uma decisão do Advogado-Geral da União fixando o entendimento final acerca de determinada controvérsia jurídica no âmbito da Administração Pública Federal. Esse processo administrativo somente envolve questões de direito, deve ser devidamente instruído para que resulte numa decisão tecnicamente adequada e eficiente. A decisão final do Advogado-Geral da União vinculará toda Administração Pública Federal, tendo força cogente, imperativa. A denominação, embora equivocada, apresenta nitidamente esse significado.
D) Arbitragem: Os processos arbitrais regidos pela Lei 9.307/1996 são extrajudiciais, contudo, são considerados pela legislação brasileira e pela doutrina nacional como expressão de jurisdição privada.O próprio texto da lei de arbitragem (Lei 9.307/96) prevê no art. 31 que “a sentença arbitral produz, entre aspartes e seus sucessores, os mesmos efeitos da sentença proferida pelos órgãos do Poder Judiciário e, sendo condenatória, constitui título executivo”, e também no art. 17 equipara os árbitros aos funcionários públicos, para os efeitos da legislação penal, no art. 18 dispõe que para os fins processuais o árbitro “é juiz de fato e de direito, e a sentença que proferir não fica sujeita a recurso ou a homologação do Poder Judiciário”.
Assim, utilizando-nos do próprio caso concreto que nos é oferecido no processo em tela, temos na NOTA n. 00159/2019/CONJUR-MP/PFF/CGJOE/CGU/AGU seq 17 manifestação de interesse que a controvérsia jurídica existente acerca da incidência da proibição inserta no no art. 36 da Lei Complementar n.º 101/2000 – Lei de Responsabilidade Fiscal na transação referente ao pagamento de indenizações decorrentes do Seguro de Crédito a Exportações (Fundo Garantidor de Exportação – FGE), seja dirimida .
Em breve síntese, o que se pretende é a resolução de controvérsia jurídica firmada entre o BNDES e a Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional, relacionada à incidência ou não do art. 36 da Lei Complementar 101/2000 a obstar o pagamento de indenizações decorrentes do Seguro de Crédito à Exportação, conforme o cronograma original dos contratos de financiamento segurados, nos termos do disposto no §5º do artigo 4° da Lei n° 6.704/1979.
Percebe-se da demanda acima um nítido interesse na definição da interpretação jurídica acerca da incidência ou não de um dispositivo legal. O que se busca nesse caso é a harmonização de um entendimento de forma cogente pelo Advogado-Geral da União. O processo que antecede uma decisão desse jaez é um processo administrativo que deve ser muito bem instruído, onde se deve detalhar todas as questões de direito sobre a matéria, ouvir diversos órgãos técnicos-jurídicos, para depois construir uma tese de harmonização que será obedecida por toda Administração Pública Federal.
Atentem-se para a circunstância de que esse ato capaz de dirimir uma referida controvérsia jurídica extrapola a pacificação de um conflito entre interessados, expressa-se como uma harmonização de entendimento pela AGU, que será aplicado em todos os casos similares envolvendo a Administração Pública Federal. O procedimento de mediação, diferentemente, culmina na pacificação de um conflito por intermédio de um acordo entre os interessados, não tendo seus efeitos extrapolados para quem não firmou o ajuste.
Isto posto, conclui-se que:
a) as atribuições pertinentes à CCAF já foram exauridas nesse processo; e
b) cabe ao Consultor-Geral da União, nesse caso, distribuir o feito por quem detém a competência no âmbito da CGU para elaborar parecer em assessoria ao Advogado-Geral da União na exercício da competência do Art. 36, § 1º da lei 13.140/2015.
À consideração superior.
Brasília, 22 de novembro de 2019.
KALINE SANTOS FERREIRA
ADVOGADA DA UNIÃO
Coordenadora-Geral CCAF/CGU/AGU
Atenção, a consulta ao processo eletrônico está disponível em http://sapiens.agu.gov.br mediante o fornecimento do Número Único de Protocolo (NUP) 00745002061201835 e da chave de acesso 2e0600d2