ADVOCACIA-GERAL DA UNIÃO
CONSULTORIA-GERAL DA UNIÃO
DEPARTAMENTO DE COORDENAÇÃO E ORIENTAÇÃO DE ÓRGÃOS JURÍDICOS
PARECER n. 00110/2019/DECOR/CGU/AGU
NUP: 00405.019117/2017-61
INTERESSADOS: ADVOCACIA-GERAL DA UNIÃO E OUTROS
ASSUNTOS: ACORDO DE COOPERAÇÃO TÉCNICA
EMENTA: COMPROMISSO DE AJUSTAMENTO DE CONDUTA. FUNDO DE DEFESA AOS DIREITOS DIFUSOS OU COLETIVO EM SENTIDO ESTRITO. DANO A DIREITO DIFUSO. DESTINAÇÃO DA RESPECTIVA INDENIZAÇÃO.
1. Os valores destinados à indenização de direitos difusos ou coletivos em sentido estrito serão depositados junto ao Fundo de Defesa de Direitos Difusos (FDD) criado pela Lei 7.347, de 24 de julho de 1985, ressalvando-se as hipóteses em que a legislação especial lhes prescreve destinação específica.
2. A jurisprudência predominante do Tribunal Superior do Trabalho reconhece a possibilidade daqueles mesmos valores serem destinados ao Fundo de Amparo ao Trabalhador, quando se tratar de dano a direito trabalhista.
3. As multas, eventualmente pagas por força de descumprimento dos compromissos de ajustamento de conduta que tratem de direitos difusos ou coletivos em sentido estrito, também deverão ser direcionadas ao Fundo de Defesa de Direitos Difusos ou ao Fundo de Amparo ao Trabalhador.
Código 33
Senhor Diretor,
- I -
Trata-se de processo administrativo em que se discute termo de acordo de cooperação técnica a ser celebrado pela Advocacia-Geral da União e pelo Ministério da Economia (antigo Ministério do Trabalho).
O aludido ajuste tem por escopo "fixar procedimentos e estabelecer formas de colaboração, entre os partícipes, com a finalidade de aprimorar a atuação jurídica em demandas relacionadas à fiscalização do trabalho" e, em especial, "adotar procedimentos conjuntos para celebração de acordos e termos de ajuste de conduta em demandas que envolvam" a fiscalização do trabalho (seq. 07).
A Procuradoria-Geral da União ponderou que a assinatura do referido acordo propiciará a destinação legal (ao Fundo de Defesa de Direitos Difusos - FDD ou ao Fundo de Amparo ao Trabalhador - FAT) de valores provenientes da imposição de indenizações referentes à reparação de dano moral coletivo e/ou da fixação de multa por descumprimento de obrigações de fazer e não fazer (seq. 06). Contudo, dado que muitos dos termos de ajustamento de conduta tratam de matéria não judicializada, aquele órgão de direção superior encaminhou os autos a esta Consultoria-Geral da União, para manifestação.
O Departamento de Assuntos Extrajudiciais lançou aos autos o PARECER n. 00012/2018/DEAEX/CGU/AGU (seq. 10), posicionando-se favorável à celebração do aludido ajuste, ressalvando apenas a necessidade de normatização interna da forma de execução do acordo de cooperação técnica em questão, de modo a garantir que os acordos e os termos de ajustamento de conduta sejam assinados pelo Advogado-Geral da União.
O Diretor Substituto do Departamento de Assuntos Extrajudiciais aprovou a manifestação supra referida (seq. 11). Naquela oportunidade, destacou a existência do PARECER n. 00058/2017/DEAEX/CGU/AGU, constante do seq. 21 da NUP 08000.028826/2013-78 e confeccionado por aquele mesmo departamento, o qual concluiu pela destinação dos recursos decorrentes de termos de ajustamento de conduta ao Fundo de Defesa de Direitos Difusos. Citou a Resolução nº 179, de 26 de julho de 2017, do Conselho Nacional do Ministério Público. Afirmou que, em sua opinião, tais valores poderiam ser vertidos em favor do Fundo de Defesa de Direitos Difusos (se o dano for causado a sujeitos indetermináveis) ou em favor do Fundo de Amparo ao Trabalhador (se o dano for causado a trabalhadores), reconhecendo, contudo, a inexistência de orientação legal a respeito. Ponderou acerca da inconveniência do não encaminhamento dos aludidos valores aos fundos, "porquanto a ausência de disciplina legal não permite que se realize a destinação e execução sem observância do ordenamento jurídico".
O Consultor-Geral da União aprovou, parcialmente, aquela manifestação (seq. 14), ressalvando apenas a redação da cláusula terceira da minuta de ajuste.
Aquela autoridade questionou ainda aspectos relacionados à destinação, gestão e aplicação dos recursos oriundos de termos de ajustamento de conduta para a execução de projetos que visam compensar o dano causado pelos compromissários. Afirmou que a Lei 9.008/1995 é clara em encaminhar tais valores ao Fundo de Defesa de Direitos Difusos, quando as verbas forem oriundas de ação civil pública. Contudo, haveria um vazio legislativo quanto à destinação dos recursos oriundos de termos de ajustamento de conduta. Apontou que o Ministério Público, por diversas vezes, tem direcionado esses últimos a destinação diversa do Fundo de Defesa de Direitos Difusos.
Ressalvou, contudo, que tal prática só seria possível se houvesse critério objetivo de escolha do destinatário da verba ressarcida, bem como acompanhamento da sua aplicação, cumprimento da finalidade e tomada de contas.
Citou divergência a esse respeito, travada pela Resolução nº 179, de 26 de julho de 2017, do Conselho Nacional do Ministério Público, e pelo E-mail Circular nº 35/2018, da Procuradoria-Geral da União.
Diante de tais dúvidas, determinou o encaminhamento dos autos ao DECOR, para uniformização.
Antes da análise determinada pelo Consultor-Geral da União, solicitou-se subsídios à Procuradoria-Geral da União; à Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional; à Consultoria Jurídica junto ao Ministério da Justiça e Segurança Pública; à Consultoria Jurídica junto à Controladoria-Geral da União; e à Procuradoria-Geral Federal (seq. 15).
A Coordenação-Geral de Políticas de Direitos Difusos do Ministério da Justiça e Segurança Pública, por meio da Nota Técnica n.º 10/2019/CGPDD/GAB-SENACON/SENACON/MJ (seq. 35), ponderou sobre a natureza contábil do Fundo de Defesa de Direitos Difusos. Afirmou que, para o atendimento de seus objetivos, o Conselho Federal Gestor do Fundo de Defesa de Direitos Difusos aprovou cinco eixos temáticos, com arrimo no art. 1º da Lei n.º 7.347/85, onde os projetos que se candidatam ao recebimento de recursos do FDD devem se enquadrar.
Pontuou que a utilização de tais recursos dá-se por meio de transferência voluntária, aplicando-se o disposto no Decreto 6.170/2007, na Portaria Interministerial 424/2016, na Portaria Conjunta n.º 8, de 7 de novembro de 2012, na Lei 13.019/2014 e no Decreto n.º 8.726/2016. Destacou que a prestação de contas segue as mesmas regras dos instrumentos de repasse firmados pelos demais entes da administração pública federal. Por fim, concluiu a possibilidade, em abstrato, de enquadramento das verbas decorrentes de termos de ajustamento de conduta em processos do Ministério do Trabalho, ao eixo temático V, na linha temática "g", que "prevê a prevenção e ressarcimento de danos coletivos e difusos relacionados ao direito do trabalho".
A Consultoria Jurídica junto àquele mesmo Ministério da Justiça e Segurança Pública cingiu-se a reencaminhar a citada Nota Técnica n.º 10/2019/CGPDD/GAB-SENACON/SENACON/MJ (seq. 38).
O Departamento de Consultoria da Procuradoria-Geral Federal, por meio da NOTA n. 00023/2019/DEPCONSU/PGF/AGU (seq. 39), afirmou que o assunto tratado nestes autos "dizem respeito mais especificamente à atuação e ao interesse de outros órgãos, especialmente a Procuradoria-Geral da União, a Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional, a CONJUR/MJ e a Controladoria-Geral da União", devolvendo os autos sem manifestação sobre o seu mérito.
A Consultoria Jurídica Junto à Controladoria Geral da União confeccionou o PARECER n. 00078/2019/CONJUR-CGU/CGU/AGU (seq. 40), apreciando a natureza jurídica e a finalidade do Fundo de Amparo ao Trabalhador. Após analisar as fontes de recursos do Fundo, discriminadas no art. 11 da Lei 7.998/1990, aquela unidade consultiva ponderou não haver "óbice algum para que seja destinado ao FAT os recursos aferidos por meio dos Termos de Ajustamento de Conduta, em demandas que envolvam a fiscalização do trabalho".
Invocando o entendimento firmado no Despacho CGPEC (doc. SEI n. 1040399), concluiu que os recursos destinados ao FAT oriundos de termos de ajustamento de conduta "são aderentes ao modelo de fiscalização e controle aplicáveis aos recursos públicos, homólogo ao que acontece com o Fundo de Defesa dos Direitos Difusos (FDD)".
A Coordenação-Geral de Assuntos de Direito Trabalhista, da Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional, por meio da NOTA n. 02228/2019/PGFN/AGU (seq. 54), anuiu às informações prestadas pela Subsecretaria de Inspeção do Trabalho (seq. 53), segundo as quais os "recursos originários das multas por descumprimento de obrigações de fazer e não fazer e indenizações por dano moral coletivo devem compor o Fundo de Direitos Difusos do art. 13 da LACP ou o Fundo de Amparo do Trabalhador (FAT), em especial, sobre a circunstância deste último possibilitar procedimentos homólogos aos regulados pelo Decreto nº 1.306, de 09/11/1994, pela Lei nº 8.666, de 21/06/1993, e pela Lei nº 9.008, de 21/03/1995, incluindo destinações finalísticas, mecanismos isonômicos de competitividade, critérios objetivos de elegibilidade de beneficiários, modelos de prestações de contas e demais aspectos inerentes à gestão, aplicação, fiscalização e controle de recursos públicos, a matéria restou respondida pelos documentos de nºs 3500221 e 3451605."
O Departamento de Direitos Trabalhistas da Procuradoria-Geral da União apreciou o tema no bojo da NOTA n. 02037/2019/PGU/AGU (seq. 56) e reiterou o raciocínio construído no PARECER n. 00002/2018/PGU/AGU (seq. 89 da NUP 00477.000415/2017-33). Afirmou a possibilidade de destinação das verbas oriundas de termos de ajustamento de conduta, ao Fundo de Direitos Difusos e ao Fundo de Amparo do Trabalhador. Preocupando-se, em especial, com a possibilidade de destinação daqueles recursos ao Fundo de Amparo do Trabalhador, fez referência a diversos julgados do Tribunal Superior do Trabalho confirmando tal entendimento.
Segundo afirma, o Tribunal Superior do Trabalho, com arrimo no art. 13 da Lei 7.347/85, decidiu que, apesar de não ser obrigatória a remessa de tais valores ao Fundo de Amparo ao Trabalhador, inadmitir-se-ia a criação ou a destinação de recursos a critério exclusivo do Ministério Público do Trabalho.
O Departamento Eleitoral e de Estudos Jurídicos da Procuradoria-Geral da União confeccionou a NOTA n. 02939/2019/PGU/AGU (seq. 58), reiterando os termos do E-mail Circular nº 35/2018, daquele mesmo órgão de direção superior. Tal comunicado veicula, dentre outras, as seguintes orientações: 1) os valores arrecadados em decorrência da aplicação de multa cominatória por descumprimento de termo de ajustamento de conduta devem ser destinados ao Fundo de Defesa de Direitos Difusos; 2) quando o termo de ajustamento de conduta versar sobre matéria trabalhista, a multa cominatória deverá ser preferencialmente destinada ao Fundo de Defesa de Direitos Difusos, podendo, contudo, ser revertida também ao Fundo de Amparo ao Trabalhador; 3) em caso de inobservância da orientação anterior, e diante da impossibilidade de correção administrativa da cláusula que dá destinação indevida à multa, deve ser proposta, pela UNIÃO, uma ação ordinária objetivando a anulação parcial do TAC, apenas para que os valores decorrentes da multa aplicada pelo seu descumprimento sejam destinados ao Fundo de Defesa de Direitos Difusos (ou, pelo menos, ao Fundo de Amparo ao Trabalhador, caso se trate de matéria trabalhista).
Lembrou que as orientações citadas acima tiveram por fundamento o PARECER n. 00372/2017/PGU/AGU (seq. 70 da NUP nº 00477.000415/2017-33), complementado pela NOTA n. 00540/2018/PGU/AGU (seq. 91 da NUP nº 00477.000415/2017-33). A tese defendida nessas manifestações seria a de "similitude da multa cominada em TAC com as multas judiciais (art. 11 da LACP) e da convergência de objetivos jurídico-materiais entre a ACP e o TAC, bem como da necessidade de uma interpretação sistemática do microssistema de tutela de direitos coletivos e de uma adequada aplicação das verbas". Ressalvou-se a possibilidade de eventual destinação ao Fundo de Amparo ao Trabalhador, quando o termo de ajustamento de conduta disser respeito a matéria trabalhista.
Registre-se, por fim, a existência de importantes subsídios jurídicos sobre o tem aqui abordado nos autos da NUP 00477.000415/2017-33 e da NUP 00688.000566/2019-78.
É o suficiente à guisa de relatório. Passo a opinar.
- II -
Conforme se observa do relatório, o Consultor-Geral da União partiu da premissa de que a Lei 9.008/95 é clara em encaminhar tais valores ao Fundo de Defesa de Direitos Difusos, quando as verbas forem oriundas de ação civil pública. Contudo, não haveria qualquer disposição legal que disciplinasse a destinação dos recursos oriundos de compromissos de ajustamento de conduta.
Este vazio legislativo teria permitido o estabelecimento de orientações diferentes a respeito do tema, conflito esse materializado pelo disposto na Resolução nº 179, de 26 de julho de 2017, do Conselho Nacional do Ministério Público, e pelo E-mail Circular nº 35/2018, da Procuradoria-Geral da União.
Enquanto o art. 5º, §1º da Resolução nº 179, de 26 de julho de 2017, do Conselho Nacional do Ministério Público afirma a possibilidade de destinação de indenizações e respectivas multas "a projetos de prevenção ou reparação de danos de bens jurídicos da mesma natureza, ao apoio a entidades cuja finalidade institucional inclua a proteção aos direitos ou interesses difusos, a depósito em contas judiciais", o E-mail Circular nº 35/2018 (seq. 99 da NUP nº 00477.000415/2017-33), da Procuradoria-Geral da União determina que "os valores arrecadados em decorrência da aplicação de multa cominatória por descumprimento de Termo de Ajustamento de Conduta - TAC devem necessariamente ser destinados ao Fundo de Defesa de Direitos Difusos - FDD" ou ao Fundo de Amparo ao Trabalhador, caso o dano verse sobre matéria trabalhista.
A orientação dada pelo Conselho Nacional do Ministério Público, portanto, é menos rígida que aquela promovida pela Procuradoria-Geral da União, na medida em que admite o direcionamento de indenizações e multas relacionadas a ofensa a direitos difusos a outras alternativas que não os fundos públicos que tenham o mesmo escopo estabelecido pelo art. 13 da Lei 7.347/85.
Bruno Gomes Borges da Fonseca[1] reconhece a existência dessa divergência, sistematizando-a da seguinte forma:
Em resumo: o art. 13 da LACP referiu-se às condenações em dinheiro provenientes da propositura de ACP. Relativamente às obrigações de dar e multas previstas no TAC há vazio normativo quanto à destinação. A par desse quadro, pelo menos, dois caminhos surgem:
(i) o primeiro aplica analogicamente o art. 13 da LACP. Por efeito, os valores decorrentes de obrigações de dar e multas contempladas em TACs seriam destinados a Fundos. Essa posição é subdividida em duas:
a) aqueles que limitam a destinação ao FDD, por ser fundo referido pelo art. 13 da LACP e regulamentado pelo Decreto mº 1.306/1994;
b) aqueles que sustentam a possibilidade de destinar a qualquer Fundo que tenha como fim institucional a defesa de interesses metaindividuais. Assim, possível direcionar para o FIA, FAT, Fundo de Erradicação ao Trabalho Escravo, Fundo de Proteção ao Meio Ambiente etc;
(ii) a segunda posição sustenta a livre destinação dos valores previstos no TAC. Poderão ser destinados a Fundos ou diretamente à coletividade ou grupo social afetado.
As informações prestadas nestes autos pelos órgãos consultados demonstram uma convergência de entendimentos dentro do Executivo Federal. A Procuradoria-Geral da União, a Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional, a Consultoria Jurídica junto ao Ministério da Justiça e Segurança Pública e a Consultoria Jurídica junto à Controladoria-Geral da União sustentaram a possibilidade de se destinar as indenizações e multas previstas em compromissos de ajustamento de conduta ao Fundo de Defesa dos Direitos Difusos ou ao Fundo de Amparo do Trabalhador, a depender da natureza do direito ofendido.
Não se vê razões para dissentir desse entendimento.
Os processos coletivos foram idealizados com escopo a solucionar os desafios enfrentados pelo processo tradicional, até então fundado em fortes premissas individualistas. O reconhecimento da existência de um patrimônio titularizado por pessoas indeterminadas, aliado à massificação das relações intersubjetivas, implicou na necessidade de se buscar ferramentas processuais adequadas a esse novo cenário.
Como se sabe, o objeto dos direitos difusos ou coletivos em sentido estrito é indivisível (art. 81, parágrafo único, I e II da Lei 8.078/90). Caso exista a ofensa a algum direito difuso ou coletivo em sentido estrito e não seja possível a tutela específica daquele interesse, reparando-o, será necessário o ressarcimento do prejuízo em sucedâneo econômico. Em outras palavras,
(...), quando houver dano irreversível ao objeto de um direito difuso, e não for possível prover aos seus titulares o resultado prático equivalente, a reparação terá de se dar na forma de uma obrigação de pagar[2].
Nesta hipótese, surge o problema prático atinente à destinação dos respectivos valores, dada a indivisibilidade do objeto lesado e a indeterminabilidade de seus titulares. Tais fatores indicam a impossibilidade de realizar o pagamento de indenizações individuais, justificando o disposto no art. 13 da Lei 7.347/85:
Art. 13. Havendo condenação em dinheiro, a indenização pelo dano causado reverterá a um fundo gerido por um Conselho Federal ou por Conselhos Estaduais de que participarão necessariamente o Ministério Público e representantes da comunidade, sendo seus recursos destinados à reconstituição dos bens lesados. (Regulamento) (Regulamento) (Regulamento)
§ 1o. Enquanto o fundo não for regulamentado, o dinheiro ficará depositado em estabelecimento oficial de crédito, em conta com correção monetária. (Renumerado do parágrafo único pela Lei nº 12.288, de 2010)
§ 2o Havendo acordo ou condenação com fundamento em dano causado por ato de discriminação étnica nos termos do disposto no art. 1o desta Lei, a prestação em dinheiro reverterá diretamente ao fundo de que trata o caput e será utilizada para ações de promoção da igualdade étnica, conforme definição do Conselho Nacional de Promoção da Igualdade Racial, na hipótese de extensão nacional, ou dos Conselhos de Promoção de Igualdade Racial estaduais ou locais, nas hipóteses de danos com extensão regional ou local, respectivamente. (Incluído pela Lei nº 12.288, de 2010) (Vigência)
O legislador, portanto, criou uma ferramenta contábil adequada para fins de gerir as indenizações decorrentes de ofensas a direitos difusos. O art. 1º, §1º da Lei 9.008/95 definiu uma grande gama de direitos difusos cuja reparação poderá ser viabilizada por meio daquele instituto contábil, citando "danos causados ao meio ambiente, ao consumidor, a bens e direitos de valor artístico, estético, histórico, turístico, paisagístico, por infração à ordem econômica e a outros interesses difusos e coletivos".
O primeiro problema a ser enfrentado consiste em definir o regime jurídico aplicável aos compromissos de ajustamento de conduta. Não há dúvidas acerca da aplicabilidade da Lei 7.347/85 àqueles ajustes, conforme se infere, e.g., do art. 5º, §6º da Lei 7.347/85, verbis: "Os órgãos públicos legitimados poderão tomar dos interessados compromisso de ajustamento de sua conduta às exigências legais, mediante cominações, que terá eficácia de título executivo extrajudicial". Este compromisso tem sido exteriorizado por um documento denominado de termo de ajustamento de conduta.
O compromisso de ajustamento de conduta não materializa qualquer transação, pois o seu objeto não consiste em um direito patrimonial disponível, mas direito transindividual não disponível. Não se admite concessões acerca do conteúdo material da lide. No compromisso de ajustamento de conduta, só o causador do dano se compromete, não competindo ao órgão público que o toma dispor de direito difuso por ele tutelado[3].
Esta mesma tese foi a adotada pelo Parecer Vinculante nº JT-04, segundo o qual
De fato, o termo de compromisso de ajustamento de conduta não pode possuir a mesma natureza jurídica da transação, uma vez que o órgão legitimado a celebrar o acordo não pode realizar concessões a respeito dos direitos que constituam o objeto do termo, tendo em vista que tais direitos são indisponíveis. Tal situação, per si, desconfigura a principal característica da transação, conforme o disposto no art. 1.025 do Código Civil. Deve-se ressaltar que a lei utilizou-se da expressão “tomar do interessado o termo de compromisso de ajustamento de sua conduta às exigências legais”, dando-se, portanto, caráter impositivo à atuação do órgão legitimado, afastando a natureza de acordo ou transação.
Apesar disso, não há como se negar ao compromisso de ajustamento de conduta um componente negocial, na medida em que, por meio dele, há a possibilidade de a administração ou o compromissário estipularem o modo e/ou prazo para o ajustamento da conduta desse último "às exigências legais” (art. 5º, §6º da Lei 7.347/85). Em contrapartida à assunção desse compromisso pelo causador do dano, o tomador do compromisso, ainda que implicitamente, aceita deixar de promover a respectiva ação civil pública em face daquele.
Dado o seu caráter volitivo e essa bilateralidade, ainda que restrita, há de compreender o compromisso de ajustamento de conduta como uma espécie de negócio jurídico. Neste mesmo sentido, o art. 1º da Resolução 179/2017, do Conselho Nacional do Ministério Público, ao conceituar o compromisso de ajustamento de conduta, afirma ter natureza de negócio jurídico:
Art. 1º O compromisso de ajustamento de conduta é instrumento de garantia dos direitos e interesses difusos e coletivos, individuais homogêneos e outros direitos de cuja defesa está incumbido o Ministério Público, com natureza de negócio jurídico que tem por finalidade a adequação da conduta às exigências legais e constitucionais, com eficácia de título executivo extrajudicial a partir da celebração. (destacou-se)
Acrescente-se que o compromisso de ajustamento de conduta, na medida em que implica um compromisso por parte do seu tomador, de não ajuizar a respectiva ação coletiva, consiste em verdadeiro sucedâneo da ação civil pública. Constitui uma via alternativa àquela ação coletiva, havendo uma convergência de objetivos jurídico-materiais entre ambos. Trata-se, em verdade, de mais uma ferramenta de tutela extrajudicial de direitos, em especial dos direitos coletivos, inferindo-se a compatibilidade do compromisso de ajustamento de conduta ao regramento estabelecido pela Lei 7.347/85, naquilo que couber.
Parece claro, por conseguinte, a aplicação da Lei da Ação Civil Pública (Lei 7.347/85), às indenizações por danos a direitos transindividuais estabelecidas em compromisso de ajustamento de conduta.
- III -
Outro argumento importante a impor o direcionamento das indenizações referentes a termo de ajustamento de conduta reside no direito financeiro. As regras orçamentárias e financeiras têm natureza cogente, não podendo a administração pública renunciar à sua aplicação. Na medida em que os valores aqui discutidos são direcionados ao fundo de que trata o art. 13 da Lei 7.347/85, garante-se o cumprimento de toda uma legislação voltada a densificar caros princípios constitucionais.
A Procuradoria-Geral da União, no curso dos estudos que resultaram na orientação veiculada pelo E-mail Circular nº 35/2018, refletiu sobre as consequências malquistas da não destinação a um fundo público, das indenizações em dinheiro provenientes de ofensa a direitos difusos:
"O que não é correto - sem qualquer sombra de dúvida - é o Promotor de Justiça ou Procurador da República atuar como se tivesse discricionariedade suficiente para decidir quem é o destinatário de recursos públicos, decorrentes da tutela de direitos difusos. Nem mesmo a autonomia constitucional lhes outorga tal faculdade.
Ora, sob qual critério pode o parquet decidir qual associação ou ente privado, ou mesmo público, deve ser destinatário de uma determinada soma de dinheiro? Não seria necessária ao menos uma licitação, ou uma demonstração de idoneidade do destinatário dessa soma? Ademais, quem fiscalizaria e observaria a correta destinação do dinheiro, mormente para as finalidades de atenção aos direitos difusos supostamente violados e cuja correção se pretende via TAC?
Conquanto tecnicamente não se trate de recursos orçamentários (ou mais restritamente do Tesouro), os recursos que se prestam à tutela de direitos difusos são recursos públicos, ao menos no sentido de que pertencem a todos os cidadãos. Ainda mais se decorrem da lesão de direitos difusos, cujos lesados são indetermináveis.
Logo, não é correta a destinação destes recursos a uma entidade privada que não seja ao menos supervisionada ou fiscalizada por um ente público responsável por alguma espécie de auditoria ou tomada de contas.
Não é por outra razão que existem Fundos criados por lei, geridos por órgãos públicos." (DESPACHO n. 5425/2017/PGU/AGU - seq. 45 da NUP 00477.000415/2017-33).
O Fundo de Defesa de Direitos Difusos – FDD, criado pela Lei 7.347/85, consiste em um fundo de natureza contábil, vinculado ao Ministério da Justiça e gerido pelo Conselho Federal Gestor do Fundo de Defesa de Direitos Difusos – CFDD. A sua finalidade encontra-se discriminada no art. 1º, §1º da Lei 9.008/95: a reparação dos danos causados ao meio ambiente, ao consumidor, a bens e direitos de valor artístico, estético, histórico, turístico, paisagístico, por infração à ordem econômica e a outros interesses difusos e coletivos.
O direcionamento das indenizações provenientes dos compromissos de ajustamento de conduta ao fundo de que trata o art. 13 da Lei 7.347/85 proporciona uma série de benefícios, dentre as quais a escrituração dos valores nele depositados; a democratização do processo de escolha dos objetivos e entidades contemplados com os respectivos recursos; a maior instrumentalização dos repasses, por meio de convênios, termos de colaboração e termos de fomento, dentre outros; a incidência de regras acerca de tomada de contas em caso de malversação dos valores etc.
Tais benefícios são possíveis dado o regime jurídico incidente sobre a contabilidade pública. Cite-se, por exemplo, o disposto no art. 165, §5º, da Constituição, que exige registro orçamentário obrigatório de todas as receitas públicas, bem como o art. 167, II da Constituição, segundo o qual a realização de qualquer despesa ou assunção de obrigações só é admissível quando houver crédito orçamentário suficiente.
A Lei 4.320/64, por sua vez, exige que todas as receitas e despesas da administração pública, inclusive a dos fundos, devem ser registradas no orçamento (arts. 2º a 6º), reforçando a necessidade de controle contábil dos valores submetidos à sua gestão.
Registre-se que o art. 57 da Lei 4.320/64 classifica como receita orçamentária, "tôdas as receitas arrecadadas, inclusive as provenientes de operações de crédito, ainda que não previstas no Orçamento", reforçando a incidência das normas financeiras supramencionadas aos valores recolhidos pela Administração Pública por força da celebração de compromisso de ajustamento de conduta:
Art. 57. Ressalvado o disposto no parágrafo único do artigo 3º desta lei serão classificadas como receita orçamentária, sob as rubricas próprias, tôdas as receitas arrecadadas, inclusive as provenientes de operações de crédito, ainda que não previstas no Orçamento.
Perceba-se a natureza republicana e democrática das normas supracitadas. Por meio delas confere-se publicidade e transparência à gestão dos recursos depositados no fundo, garantindo a legitimidade das decisões que cabem ao Conselho Federal Gestor do Fundo de Defesa de Direitos Difusos[4]. Este colegiado será o responsável por estabelecer critérios objetivos e imparciais que norteiem a aplicação dos valores depositados no fundo, densificando princípios caros à Constituição, tais quais o da isonomia, publicidade e impessoalidade.
Esta centralização de responsabilidade sobre o conselho gestor do fundo facilita ainda um macroplanejamento da alocação de tais recursos, diminuindo a utilização dos mesmos sem critério, com base em decisões individuais de pessoas que não tenham um conhecimento sistêmico dos valores disponíveis ou das necessidades que precisem ser atendidas. Tudo isso predicado pela transparência e publicidade já citadas acima e que potencializam o controle público sobre a gestão de todo esse numerário.
À luz do raciocínio construído na seção antecedente, as indenizações decorrentes de compromisso de ajustamento de conduta devem ser direcionados ao fundo de que trata o art. 13 da Lei 7.347/85. Na medida em que o art. 3º da Lei 9.008/95 atribuiu ao Conselho Federal Gestor do Fundo de Defesa de Direitos Difusos a competência de gerir os valores nele depositados, não parece admissível se inobservar tal regra, avocando competência definida por lei em favor de um determinado órgão público. Assim se procedendo, o prejuízo seria tanto de consistência alocativa e transparência na definição de prioridades, como também de legitimidade. A consequência seria uma maior fragmentação e inconsistência na utilização dos valores depositados no fundo, em prejuízo da própria responsabilidade e transparência na gestão dos mesmos.
A Consultoria Jurídica junto ao Ministério da Justiça, quando analisou o mesmo assunto aqui tratado, no bojo da NUP 00477.000415/2017-33 (PARECER n. 01063/2017/CONJUR-MJ/CGU/AGU - seq. 60), chegou à mesma conclusão, nos seguintes termos:
Observa-se aqui a existência de um critério técnico para que as entidades públicas e privadas sem fins lucrativos possam receber verbas - nada impedindo que tal mecanismo possa ser aprimorado no futuro - qual seja, a apresentação de projetos e ações de direitos difusos, bem como sua efetiva implementação em prol desse interesse, mediante a fiscalização do órgão competente (Conselho Federal Gestor do Fundo de Defesa de Direitos Difusos) com previsão de prestação de contas, não nos parecendo adequado, sob o ponto de vista legal, que os recursos públicos decorrentes da tutela de direitos difusos sejam alocados em desconformidade com a supracitada legislação de regência, pelo menos até que outra lhe sobrevenha (grifos no original).
Por fim, pontue-se que a questão atinente à utilização de recursos extraorçamentários, especialmente aqueles recuperados no curso de processo criminal contra o crime organizado e corrupção, foi objeto de manifestação por parte do Advogado-Geral da União. Na Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental n. 568, proposta pela Procuradoria-Geral da República perante o Supremo Tribunal Federal, questionou-se a legalidade de "Acordo de Assunção de Compromissos" firmado por Procuradores da República em Curitiba e a Petrobras, a fim de que aquela sociedade de economia mista cumprisse obrigação pecuniária acordada perante o Departamento de Justiça dos Estados Unidos da América. Dentre as cláusulas questionadas, encontrava-se uma que determinava ao Ministério Público Federal a obrigação de buscar meios para constituir uma fundação privada, com sede em Curitiba, a fim de administrar um fundo patrimonial, composto de cinquenta por cento dos recursos disponibilizados.
Diante de tal cenário, o Advogado-Geral da União apresentou manifestação em juízo, afirmando a impossibilidade de definição discricionária dos recursos internalizados, reafirmando a necessidade de respeito às regras de direito financeiro e de reversão dos aludidos recursos ao Tesouro Nacional. Ao final, apresentando uma situação hipotética destinada a confirmar o seu raciocínio, propõe a seguinte assertiva que se amolda perfeitamente ao caso dos presentes autos:
Ainda que se considerasse, por mera hipótese, que o acordo realizado entre a Petrobras e o Ministério Público Federal tivesse natureza de termo de Ajustamento de Conduta, o destino das verbas recebidas também deveria ser extraído da legislação, sendo, no caso, por analogia, o Fundo de Direitos Difusos previsto no art. 13 da Lei nº 7.347/1985 (seq. 158, p. 34 da NUP 00692.000955/2019-34).
O Ministro Relator Alexandre de Moraes, em decisão monocrática, julgou procedente a ADPF, valendo-se de outros argumentos: a extrapolação das competências estabelecidas constitucionalmente ao Ministério Público e o desvirtuamento da finalidade estabelecida àqueles recursos, perante as autoridades norte-americanas. Contudo, quando da discussão acerca da correta destinação a ser dada àqueles valores, aquela autoridade judiciária aderiu às orientações sustentadas pelo Advogado-Geral da União, determinando o seu direcionamento à conta única do Tesouro Nacional. A União, em contrapartida, assumiu o compromisso de destinar tais recursos a fonte de recursos específica, "sendo sua aplicação passível de acompanhamento pelos órgãos de controle" (seq. 351 da NUP 00692.000955/2019-34).
O Superior Tribunal de Justiça também já se manifestou a respeito da necessidade de direcionamento ao fundo de que trata o art. 13 da Lei 7.347/85, das indenizações por danos a direitos difusos previstos em compromisso de ajustamento de conduta, verbis:
7. A reparação de danos, mediante indenização de caráter compensatório, deve se realizar com a entrega de dinheiro, o qual reverterá para o fundo a que alude o art. 13 da Lei 7345/85.
8. Destarte, não é permitido em Ação Civil Pública a condenação, a título de indenização, à entrega de bem móvel para uso de órgão da Administração Pública.
9. Sob esse ângulo, sobressai nulo o Termo de Ajustamento de Conduta in foco, por força da inclusão de obrigação de dar equipamento de informática à Agência de Florestal de Lajeado.
10. Nesse sentido direciona a notável doutrina:?(...)como o compromisso de ajustamento às ?exigências legais? substitui a fase de conhecimento da ação civil pública, contemplando o que nela poderia ser deduzido, são três as espécies de obrigações que, pela ordem, nele podem figurar: (i) de não fazer, que se traduz na cessação imediata de toda e qualquer ação ou atividade, atual ou iminente, capaz de comprometer a qualidade ambiental; (ii) de fazer, que diz com a recuperação do ambiente lesado; e (iii) de dar, que consiste na fixação de indenização correspondente ao valor econômico dos danos ambientais irreparáveis ( Edis Milaré, Direito Ambiental, p. 823, 2004).(REsp 802.060/RS, Rel. Ministro LUIZ FUX, PRIMEIRA TURMA, julgado em 17/12/2009, DJe 22/02/2010)
Por último, cite-se a recente Resolução 587/2019, do Conselho de Justiça Federal, que deu contornos finais à matéria. Ao tempo em que o seu art. 2º, §2º determina que "valores destinados à reparação de direitos difusos serão destinados ao Fundo de Defesa de Direitos Difusos (FDD) criado pela Lei 7.347, de 24 de julho de 1985", o seu art. 3º proíbe a utilização de tal montante em finalidade diversa àquela discriminada pelo dispositivo antecedente:
Art. 2º Os valores depositados em conta judicial, vinculados a procedimento penal, em decorrência de apreensão, alienação judicial, depósito, acordo de colaboração premiada, ou outra forma de arrecadação, os quais, por decisão judicial, sejam destinados à reparação de danos a pessoas jurídicas de direito público, ou tenham perdimento ou confisco decretado, serão convertidos em renda, mediante transferência ao caixa único do tesouro respectivo.
§ 1º Os valores cujo perdimento foram decretados em favor da União, em decorrência de crimes tipificados na Lei 11.343/06, serão revertidos diretamente ao Fundo Nacional Antidrogas.
§ 2º Os valores destinados à reparação de direitos difusos serão destinados ao Fundo de Defesa de Direitos Difusos (FDD) criado pela Lei 7.347, de 24 de julho de 1985.
§ 3º Os valores destinados à reparação de danos a pessoas naturais e jurídicas de direito privado serão levantados mediante alvará judicial, transferência bancária, ou qualquer outra forma que assegure o proveito ao destinatário.
Art. 3º É vedado ao magistrado:
I - condicionar a conversão de renda à vinculação da receita a órgão, fundo ou despesa, ainda que a órgãos encarregados da persecução penal, ou a programas diretamente prejudicados pelo delito;
II - determinar a utilização dos valores para o pagamento de credores da administração pública;
III - destinar valores a entidades públicas ou privadas com destinação social, salvo se imputados como prestação pecuniária, na forma do art. 45 do Código Penal, hipótese na qual será observada a Resolução CJF 295/2014;
IV - determinar ou autorizar o abatimento de valores destinados à reparação do dano, a título de despesa ou de contribuição a órgão de persecução penal, salvo para satisfazer despesas com depósito ou conservação de bens;
V - determinar ou autorizar a destinação de verbas de pessoas jurídicas integrantes da Administração Pública a entidade associativa ou fundacional.
Em suma, não parece haver dúvidas que as indenizações decorrentes de danos a direitos difusos e coletivos em sentido estrito, previstos em compromissos de ajustamento de conduta, devem ser direcionados ao fundo de que trata o art. 13 da Lei 7.347/85, ressalvando-se as hipóteses em que a legislação especial lhes prescreve destinação específica.
Pode ser que o compromisso de ajustamento de conduta envolva mais de um tipo de direito transindividual. Segundo a dicção do art. 7º do Decreto 1.306/1994, o Fundo de Defesa de Direitos Difusos será destinatário das indenizações decorrentes de danos a direitos difusos e a direitos coletivos em sentido estrito[5]. Fica excluída, portanto, a utilização daquela unidade contábil para fins de abrigar as indenizações decorrentes de ofensa a direitos individuais homogêneos (art. 81, parágrafo único, III da Lei 8.078/90), hipótese em que “o dinheiro será destinado diretamente a ser repartido entre os próprios lesados[6]”.
Em caso de ofensa a direito difuso ou coletivo em sentido estrito, será possível, hipoteticamente, que a recomposição do bem jurídico atingido dê-se de forma direta ou indireta. Na primeira hipótese, o responsável pelo dano assume o compromisso de ele próprio ou mediante terceiro escolhido por si tomar as medidas materiais concretas necessárias à reconstituição do direito ofendido, não havendo dúvidas que o raciocínio aqui construído, voltado aos casos de indenização, não se aplica a tal situação.
Pode ser, contudo, que o compromissário não assuma o múnus de adotar aquelas medidas materiais, substituindo tal conduta do devedor pelo pagamento de uma indenização voltada ao mesmo fim. Nesta segunda hipótese, se o Estado assumir o encargo de adotar as medidas materiais necessárias à reconstrução do direito difuso ou coletivo lesado, mediante a utilização daqueles valores pagos pelo compromissário, de modo a guardar coerência com os argumentos aqui alinhavados, tal sucedâneo pecuniário deverá ser direcionado ao Fundo de Defesa de Direitos Difusos, por meio do qual o Poder Público os aplicará em consonância com a destinação que lhe foi atribuída no bojo do compromisso de ajustamento de conduta. Neste particular, rememore-se o disposto na parte final do art. 13 da Lei 7.347/1985 e no art. 7º do Decreto 1.306/1994, segundo o qual os recursos arrecadados pelo fundo terão suas aplicações “relacionadas com a natureza da infração ou de dano causado”.
Em síntese, as obrigações inseridas no âmbito de um termo de ajustamento de conduta poderão visar reparar, compensar ou indenizar os danos causados ao bem difuso ou coletivo tutelado juridicamente. Na hipótese em que se estiver diante de uma obrigação de indenizar, tal como o dano moral coletivo, os valores a ela referentes deverão, necessariamente, ser revertidos para o Fundo de Defesa de Direitos Difusos. Isso, entretanto, não impede que o compromissário assuma o ônus de arcar direta ou indiretamente com os custos necessários à reparação ou compensação dos bens jurídicos lesados, não havendo que se confundir tal hipótese, necessariamente, com o pagamento de uma indenização. A análise da natureza jurídica da obrigação assumida pelo compromissário deverá ser realizada em cada caso concreto.
- IV -
Outro ponto que precisa ser investigado diz respeito à possibilidade ou não de encaminhamento dos recursos decorrentes de compromisso de ajustamento de conduta ao Fundo de Amparo do Trabalhador, instituído pela Lei 7.998/90.
O aludido fundo tem por objetivo o custeio do Programa de Seguro-Desemprego, o pagamento do abono salarial e o financiamento de programas de educação profissional e tecnológica e de desenvolvimento econômico (art. 10 da Lei 7.998/90). Conforme se percebe, aquela unidade contábil não foi, na origem, criada com a finalidade de viabilizar a aplicação das indenizações decorrentes de danos a direitos difusos.
Apesar dessa dissonância teleológica, a Procuradoria-Geral da União, com arrimo em manifestações do seu Departamento de Direitos Trabalhistas e do seu Departamento Eleitoral e de Estudos Jurídicos, emitiu o E-mail Circular nº 35/2018, concluindo pela possibilidade de encaminhamento das indenizações por danos a direito difuso ao Fundo de Amparo ao Trabalhador, quando o compromisso de ajustamento de conduta disser respeito a matéria trabalhista. Utilizou-se um argumento pragmático: há extensa jurisprudência do Tribunal Superior do Trabalho autorizando essa forma de proceder.
Sob o aspecto do rigor jurídico, entende-se que esse não é o melhor entendimento a respeito da matéria.
Quando se afirma que os valores aqui tratados devem ser encaminhados ao Fundo de Defesa de Direitos Difusos, tal assertiva parte de um fundamento legal bem definido, qual seja, o art. 13 da Lei 7.347/85. Este dispositivo determina que, havendo condenação em dinheiro, a respectiva indenização deverá ser revertida em favor de um fundo, cujo conselho gestor terá a participação, necessariamente, do "Ministério Público e representantes da comunidade, sendo seus recursos destinados à reconstituição dos bens lesados".
Um fundo, por definição, consiste na "individualização de recursos e na sua vinculação ou alocação a uma área específica[7]". A finalidade específica que aqui interessa, como mencionado, encontra-se definida em lei: reconstituição dos direitos difusos lesados. A parte final do art. 10 da Lei 7.998/90, contudo, prescreve finalidades diversas daquelas prescritas no art. 13 da Lei 7.347/85. O Fundo de Amparo ao Trabalhador volta-se a custeio do Programa de Seguro-Desemprego, ao pagamento do abono salarial, ao custeio do Programa de Seguro-Desemprego, ao pagamento do abono salarial e ao "financiamento de programas de educação profissional e tecnológica e de desenvolvimento econômico". Perceba-se que o seguro desemprego, o abono salarial e o financiamento do desenvolvimento econômico são políticas públicas não necessariamente associadas a dano a um direito difuso.
Compulsando-se o art. 239, §1º da Constituição, com a redação dada pela Emenda Constitucional nº 103/2019, vê-se, ainda, a determinação de que ao menos vinte e oito por cento das contribuições para o Programa de Integração Social e para o Programa de Formação do Patrimônio do Servidor Público (que consistem na maior parte dos recursos do Fundo de Amparo ao Trabalhador - art. 11, I da Lei 7.998/90), sejam destinados "financiamento de programas de desenvolvimento econômico". Tal montante, de igual forma, não mantém relação direta com direitos trabalhistas, escapando do alcance do art. 13 da Lei 7.347/85.
Acrescente-se, por fim, que o art. 13 da Lei 7.347/85 exige a participação do Ministério Público no conselho gestor do fundo, algo que não é replicado no âmbito do Conselho Deliberativo do Fundo de Amparo ao Trabalhador (art. 18 da Lei 7.998/90).
Em suma, parece haver óbices legais à pretensão de se encaminhar os valores provenientes de compromisso de ajustamento de conduta ao Fundo de Amparo ao Trabalhador, mesmo quando o dano difuso disser respeito a matéria trabalhista.
Acrescente-se, ainda, que, com arrimo na informação constante da Nota Técnica n.º 10/2019/CGPDD/GAB-SENACON/SENACON/MJ (seq. 35), da Coordenação-Geral de Políticas de Direitos Difusos do Ministério da Justiça e Segurança Pública, é possível o enquadramento das verbas decorrentes de termos de ajustamento de conduta em processos trabalhistas, ao eixo temático V, na linha temática "g", estabelecido pelo Conselho Federal Gestor do Fundo de Defesa de Direitos Difusos, que "prevê a prevenção e ressarcimento de danos coletivos e difusos relacionados ao direito do trabalho". A destinação de tal montante ao Fundo de Amparo ao Trabalhador, portanto, além de parecer juridicamente inadequada, encontra uma alternativa possível e apropriada.
A par das considerações supra, reconhece-se a existência de farta jurisprudência no âmbito do Tribunal Superior do Trabalho, no sentido de ser possível se proceder à aludida destinação de recursos ao Fundo de Amparo ao Trabalhador. Cite-se, por exemplo, os seguintes julgados:
"RECURSO DE REVISTA. AÇÃO CIVIL PÚBLICA PROPOSTA PELO MINISTÉRIO PÚBLICO DO TRABALHO. ATO PATRONAL LESIVO À LEI TRABALHISTA. INDENIZAÇÃO REVERSÍVEL AO FAT. O Tribunal Regional consignou que foi provada a irregularidade cometida pelos Réus em detrimento da lei trabalhista (contratação de trabalhadores por meio de intermediação a cargo de cooperativa, com fraude dos direitos trabalhistas). Todavia, a Corte de origem decidiu dar parcial provimento ao recurso ordinário interposto pelas Rés e excluir da condenação o pagamento de indenização por dano moral, que havia sido deferida, na sentença, em favor do Fundo de Amparo ao Trabalhador (FAT), sob o fundamento de que terceiro não integrante da lide não deve ser beneficiado com indenização por dano moral sofrido por outrem. Não obstante o entendimento adotado na origem, entende-se possível, em ação civil pública, a condenação ao pagamento de indenização reversível em favor do FAT, na hipótese em que o empregador demandado sonega direitos trabalhistas e causa danos à coletividade, conforme interpretação dos arts. 10 da Lei nº 7.998/1990 e 13 da Lei nº 7.347/1985. Ao contrário do consignado no acórdão recorrido, o fato de a indenização ter sido vindicada pelo Ministério Público em favor de terceiro (FAT) não constitui óbice ao deferimento da indenização reversível, uma vez que o art. 13 da Lei nº 7.347/1985 não exige que o fundo público beneficiado participe da lide. Precedentes desta Corte Superior. Recurso de revista de que se conhece e a que se dá provimento" (RR-60700-20.2003.5.05.0018, 4ª Turma, Relator Ministro Fernando Eizo Ono, DEJT 20/04/2012 - destacou-se).
"AGRAVO DE INSTRUMENTO DA RÉ - PRELIMINAR DE NULIDADE DO ACÓRDÃO REGIONAL POR NEGATIVA DE PRESTAÇÃO JURISDICIONAL Não basta à parte a alegação genérica de que o Eg. TRT deixou de analisar questão imprescindível ou não restou suficientemente fundamentada . Compete-lhe, para que se conheça da nulidade por negativa de prestação jurisdicional, indicar expressamente as teses ou os argumentos sobre os quais a Corte de origem foi omissa. Julgados. ILEGITIMIDADE ATIVA AD CAUSAM - AÇÃO CIVIL PÚBLICA - DIREITOS DIFUSOS - PROTEÇÃO DO DIREITO DE ACESSO AO PODER JUDICIÁRIO 1. O Ministério Público do Trabalho detém legitimidade para o ajuizamento de Ação Civil Pública visando à proteção de interesses difusos e coletivos, tal como preconizado no artigo 129, III, da Constituição da República, e que também contempla a defesa de interesses individuais homogêneos, considerados espécies de interesses coletivos em sentido amplo. 2. A Ação Civil Pública foi proposta com o objetivo de proteger o direito difuso dos empregados de ajuizarem demandas contra a Empregadora sem sofrerem sanções ou coações. Discute-se, assim, a prática de ato atentatório contra o direito de amplo acesso ao Poder Judiciário, instituído como direito fundamental pelo art. 5º, XXXV, da Constituição da República. DISPENSA DE EMPREGADOS QUE AJUIZARAM RECLAMAÇÃO TRABALHISTA - EXERCÍCIO DO DIREITO DE AÇÃO - ATO DISCRIMINATÓRIO - ÔNUS DA PROVA 1. O acórdão regional considerou que tanto os depoimentos das testemunhas do Autor quanto as provas documentais produzidas revelam que um quantitativo elevado de ex-empregados da Ré que possuíam ação trabalhista foram demitidos por justa causa. Registrou que " não se pode desconsiderar o fato de que num único dia, mais de 20 trabalhadores que possuíam ação trabalhista contra a empresa tenham sido considerados desidiosos e indisciplinados " . 2. Como se verifica, o Eg. Tribunal Regional do Trabalho dirimiu a questão a partir das provas produzidas nos autos, e não à luz do ônus da prova. Incólumes, portanto, os arts. 818 da CLT e 333, I, do CPC. ASTREINTES - INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS COLETIVOS - CUMULAÇÃO - VALIDADE - DESTINAÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR DANO MORAL COLETIVO AO FUNDO DE AMPARO AO TRABALHADOR (FAT) 1. Nos termos do art. 3º da Lei nº 7.347/85, a Ação Civil Pública pode ter por objeto "a condenação em dinheiro ou o cumprimento de obrigação de fazer ou não fazer ". Em que pese o texto da norma legal utilize a conjunção "ou", é certo que a expressão deve ser interpretada em sentido aditivo. Julgados do Eg. Superior Tribunal de Justiça. 2. Assim, é lícita, no procedimento de Ação Civil Pública, a cumulação da condenação à reparação de dano moral coletivo com obrigação de fazer ou não fazer mediante imposição de multa diária (astreintes). 3. Quanto à destinação do quantum indenizatório, a jurisprudência desta Eg. Corte, com fundamento no artigo 13 da Lei nº 7.347/85, estabeleceu-se no sentido de que a s indenizações a título de dano moral coletivo podem ser revertidas ao Fundo de Amparo ao Trabalhador (FAT). Agravo de Instrumento a que se nega provimento" (AIRR-129800-58.2006.5.02.0077, 8ª Turma, Relatora Ministra Maria Cristina Irigoyen Peduzzi, DEJT 06/10/2017 - destacou-se).
Esta mesma conclusão pode ser percebida ainda em: ARR-113600-61.2009.5.04.0029, 2ª Turma, Relator Ministro José Roberto Freire Pimenta, DEJT 04/12/2015; AIRR-88100-02.2009.5.01.0053, 2ª Turma, Relator Desembargador Convocado Cláudio Armando Couce de Menezes, DEJT 25/09/2015; e AIRR-153540-72.2003.5.13.0003, 1ª Turma, Relator Ministro Walmir Oliveira da Costa, DEJT 17/12/2010.
A esses julgados, acresça-se aqueles outros tantos invocados pela Procuradoria-Geral da União em sua NOTA n. 02037/2019/PGU/AGU (seq. 56), em sua NOTA n. 02939/2019/PGU/AGU (seq. 58), em sua NOTA n. 03474/2017/PGU/AGU (seq. 76 da NUP 00477.000415/2017-33) e em seu PARECER n. 00002/2018/PGU/AGU (seq. 89 da NUP 00477.000415/2017-33).
Apesar da ressalva pessoal deste signatário, há de se reconhecer que o Tribunal Superior do Trabalho apreciou os argumentos aqui defendidos, entendendo, ainda, assim, pela possibilidade de direcionamento dos recursos provenientes de indenizações por danos a direitos difusos, ao Fundo de Amparo ao Trabalhador:
AGRAVOS DE INSTRUMENTO EM RECURSOS DE REVISTA DOS RECLAMADOS, TRANSCOOPER E MUNICÍPIO DE SÃO PAULO. MATÉRIAS COMUNS REMANESCENTES. INDENIZAÇÃO POR DANO MORAL COLETIVO. REVERSÃO AO FUNDO DE AMPARO AO TRABALHADOR. POSSIBILIDADE. A Lei nº 7.347/1985, que disciplina a ação civil pública, preconiza em seu artigo 13 que, "havendo condenação em dinheiro, a indenização pelo dano causado reverterá a um fundo gerido por um Conselho Federal ou por Conselhos Estaduais de que participarão necessariamente o Ministério Público e representantes da comunidade, sendo seus recursos destinados à reconstituição dos bens lesados". Por sua vez, a Lei nº 7.998/90, no seu artigo 18, prevê como gestor do FAT o Conselho Deliberativo do Fundo de Amparo ao Trabalhador - CODEFAT, representado por trabalhadores, empregadores e órgãos e entidades governamentais, cujos membros serão indicados pelo Ministério do Trabalho e Emprego. Embora o Ministério Público não integre o conselho gestor do Fat, a indenização deferida nesta demanda pode ser destinada a esse Fundo, nos termos estabelecidos na lei que o rege. Com efeito, o artigo 11 da referida lei determina que constituirão os recursos do Fat: "I - o produto da arrecadação das contribuições devidas ao PIS e ao Pasep; II - o produto dos encargos devidos pelos contribuintes, em decorrência da inobservância de suas obrigações; III - a correção monetária e os juros devidos pelo agente aplicador dos recursos do fundo, bem como pelos agentes pagadores, incidentes sobre o saldo dos repasses recebidos; IV - o produto da arrecadação da contribuição adicional pelo índice de rotatividade, de que trata o § 4º do art. 239 da Constituição Federal. V - outros recursos que lhe sejam destinados". No caso destes autos, consoante se extrai da decisão regional, a ilicitude praticada pelas cooperativas implicou o não recolhimento de encargos trabalhistas e fiscais a que estavam obrigadas, o que demonstra que o montante deferido nesta ação se enquadra entre os recursos que compõem o FAT. Intacto, portanto, o artigo 13 da Lei nº 7.347/1985. Agravos de instrumento desprovidos" (AIRR-102200-22.2006.5.02.0058, 2ª Turma, Relator Ministro José Roberto Freire Pimenta, DEJT 14/12/2018 - destacou-se).
É lugar comum afirmar-se que o direito vigente é produto da atividade hermenêutica, sendo que as decisões proferidas pelo Poder Judiciário se predicam pela potencialidade de irradiar efeitos da coisa julgada, consistindo na última palavra a ser dada acerca do litígio. Não significa que a Advocacia-Geral da União não deva empenhar esforços para alterar determinado entendimento judicial que lhe pareça inadequado. Contudo, há de se reconhecer que o tema aqui tratado encontra-se bastante sedimentado no âmbito do Tribunal Superior do Trabalho, vislumbrando-se poucas chances de alteração. Partindo dessa premissa, embora não pareça que as melhores razões estejam com aquela Corte, há de se reconhecer que os argumentos aqui utilizados foram apreciados e rejeitados mesma de forma reiterada.
Este cenário recomenda admitir a licitude do direcionamento das indenizações estabelecidas em compromisso de ajustamento de conduta e decorrentes de dano a direito trabalhista difuso, ao Fundo de Amparo ao Trabalhador.
- V -
Por fim, resta investigar a destinação dos valores das multas eventualmente pagas por força de descumprimento dos compromissos de ajustamento de conduta.
As multas aqui tratadas são a denominação dada, comumente, ao instituto da cláusula penal. Estas cumprem uma dupla função: de caráter ressarcitório, representando uma prévia liquidação dos danos decorrentes de um eventual inadimplemento; e coercitiva, na medida em que constrange o devedor ao adimplemento daquilo que foi pactuado.
Em uma hipótese ou outra (de cláusula penal moratória ou compensatória), ela sempre consistirá em um pacto acessório ao ajuste principal[8]:
A obrigação principal tem como objeto uma prestação de dar, fazer ou não fazer. Porém, visando à redução do risco do descumprimento total ou parcial da obrigação, poderão as partes estipular cláusulas acessórias, mediante as quais o devedor oferecerá garantias suplementares à satisfação do débito.
A cláusula penal ou multa, por conseguinte, é um instrumento à disposição do credor, que só existe em razão do ajuste principal. O art. 410 do Código Civil afirma que a cláusula penal é uma "alternativa a benefício do credor". Transportando essas considerações teóricas ao contexto aqui estudado, verifica-se que a multa prevista em compromisso de ajustamento de conduta labuta em favor da coletividade, pois se dirige a dar eficácia ao que foi pactuado. Trata-se de garantia outorgada aos titulares do direito transindividual tutelado de que a recomposição do dano pactuada será cumprida. Dado esse caráter de acessoriedade, os valores decorrentes da sua eventual incidência devem ser direcionados ao mesmo destino das indenizações que lhe deram causa.
O posicionamento aqui defendido é compartilhado pela doutrina, valendo citar o escólio de Hugo Nigro Mazzilli[9], para quem
O produto apurado com a cobrança das multas cominatórias, impostas com base no sistema da LACP e referentes a interesses transindividuais indivisíveis, integrará o fundo de reparação de interesses difusos lesados.
Mais a seguir, o aludido autor complementa[10] :
Embora o fundo do art. 13 da Lei n. 7.347/85 tenha surgido para recolher o valor das condenações em dinheiro proferidas nas ações civis públicas de que cuida essa lei, foi natural que depois acabasse também recebendo o valor das multas cominatórias, impostas com base no sistema da LACP, desde que tivessem sido estabelecidas em decorrência de lesão a interesses transindividuais indivisíveis.
É claro que, se uma multa cominatória for imposta em ação civil pública ou coletiva, ou em compromisso de ajustamento de conduta, mas disser respeito a lesão a interesses divisíveis, a multa deverá acrescer às indenizações individuais. Somente no caso de a multa originar-se de lesão a interesses indivisíveis, é que se justificará seja destinada ao fundo de que cuida o art. 13 da LACP.
Cite-se, ainda, Ana Luiza Nery[11]:
Os recursos eventualmente recolhidos a partir do pagamento das sanções previstas no compromisso de ajustamento são destinados a fundos que têm como objetivo a reparação dos danos ocasionados ao bem de natureza transindividual.
Nos termos do artigo 13 da LACP, a destinação da multa deve estar relacionada com o objeto do TAC, e, portanto, discutida em cada caso em concreto. Isso porque a função dos recursos obtidos a partir de condenações pela inexecução do TAC tem a finalidade de reconstituir o bem de natureza transindividual ameaçado ou lesado, cuja reparação se faz por meio do TAC.
O Superior Tribunal de Justiça possui precedente no mesmo sentido:
ADMINISTRATIVO E DIREITO ECONÔMICO. RECURSO ESPECIAL. CONCORRÊNCIA DESLEAL. EXECUÇÃO DE TERMO DE AJUSTAMENTO DE CONDUTA AJUIZADA POR SINDICATO. ILEGITIMIDADE ATIVA. INTELIGÊNCIA DOS ARTIGOS 5º, 6º E 13 DA LEI 7.347/85.
1. A controvérsia cinge-se em saber se os Sindicatos são legitimados a ajuizar ação de execução referente a Termo de Ajustamento de Conduta, tomado pelo Ministério Público, alegadamente não cumprido.
2. Se apenas os legitimados ao ajuizamento da ação civil pública que detenham condição de órgão público podem tomar das partes termos de ajustamento de conduta (arts. 5º e 6º da Lei 7.347/85), não há como se chegar a outra conclusão que não a que somente esses órgãos poderão executar o referido termo, em caso de descumprimento do nele avençado.
3. Assim, não há como admitir a legitimidade do Sindicato em requerer a execução de compromisso de ajustamento de conduta, ainda que signatário, tendo em vista que não possui competência para firmá-lo.
4. Soma-se a isso o fato de que a multa obtida com o descumprimento do compromisso, por expressa previsão legal (art. 13 da Lei 7.347/85), há de ser revertida a um fundo de reparação dos danos aos interesses difusos e coletivos atingidos, não podendo servir ao interesse particular do Sindicato ou daqueles estabelecimentos que representa.
5. No caso dos autos, considerando que o compromisso foi tomado pelo Ministério Público, compete a este a devida fiscalização pelo cumprimento das obrigações assumidas no termo, assim como a respectiva execução em caso de descumprimento.6. Recurso especial não provido. (REsp 1020009/RN, Rel. Ministro BENEDITO GONÇALVES, PRIMEIRA TURMA, julgado em 06/03/2012, DJe 09/03/2012 - destacou-se)
O entendimento aqui sustentado tem sido utilizado pelo Conselho Federal Gestor do Fundo de Defesa de Direitos Difusos que, por meio da Resolução 30/2013 (seq. 67 da NUP 00477.000415/2017-33), estabeleceu códigos de recolhimento para "multas/condenações judiciais".
Em suma, se os compromissos de ajustamento de conduta buscam tutelar direitos difusos ou coletivos em sentido estrito, o mesmo se pode dizer das multas eventualmente estabelecidas para fins de seu eventual descumprimento. Na medida em que os valores convencionados naquele compromisso devem ser direcionados ao fundo de que trata o art. 5º, §6º da Lei 7.347/85, a mesma destinação deve ser dada às multas a ele relacionadas. Quando a multa originar-se de lesão a direitos divisíveis (direitos individuais homogêneos), o respectivo valor deverá acrescer às indenizações individuais[12].
Por fim, apesar de não ser objeto do presente estudo (que se circunscreve aos compromissos de ajustamento de conduta), pode-se afirmar que as mesmas razões se aplicam ao instituto das astreintes, multa cominatória aplicada judicialmente como forma de persuadir o devedor a adimplir a tutela específica (art. 537, §4º. do CPC e art. 11 da Lei 7.347/85). Não poderia ser diferente, dado que o art. 1º, §2º, I da Lei 9.008/95 prescreve serem as condenações judiciais de que trata o art. 11 da Lei 7.347/85, recursos do Fundo de defesa de Direitos Difusos, ao tempo em que o art. 11 da Lei 7.347/85 trata, justamente, das astreintes aplicadas pelo magistrado.
Reitere-se, ainda, que a multa aqui tratada consiste na cláusula penal constante do termo de ajustamento de conduta. Escapa à incidência deste estudo a destinação das multas eventualmente aplicadas pelo Poder Público como expressão do poder de polícia por ele titularizado.
- VI -
Diante de tudo quanto exposto, conclui-se:
A) os valores destinados à indenização de direitos difusos ou coletivos em sentido estrito serão depositados junto ao Fundo de Defesa de Direitos Difusos (FDD) criado pela Lei 7.347, de 24 de julho de 1985, ressalvando-se as hipóteses em que a legislação especial lhes prescreve destinação específica;
B) a jurisprudência predominante do Tribunal Superior do Trabalho reconhece a possibilidade daqueles mesmos valores serem destinados ao Fundo de Amparo ao Trabalhador, quando se tratar de dano a direito trabalhista;
C) as multas, eventualmente pagas por força de descumprimento dos compromissos de ajustamento de conduta que tratem de direitos difusos ou coletivos em sentido estrito, também deverão ser direcionadas ao Fundo de Defesa de Direitos Difusos ou ao Fundo de Amparo ao Trabalhador.
À consideração superior.
Brasília, 16 de dezembro de 2019.
DANIEL SILVA PASSOS
Advogado da União
Atenção, a consulta ao processo eletrônico está disponível em http://sapiens.agu.gov.br mediante o fornecimento do Número Único de Protocolo (NUP) 00405019117201761 e da chave de acesso bede0f77
Notas