ADVOCACIA-GERAL DA UNIÃO
CONSULTORIA-GERAL DA UNIÃO
DEPARTAMENTO DE COORDENAÇÃO E ORIENTAÇÃO DE ÓRGÃOS JURÍDICOS
PARECER n. 00115/2019/DECOR/CGU/AGU
NUP: 21000.019326/2018-18
INTERESSADOS: CONFEDERAÇÃO NACIONAL DA AGRICULTURA E PECUÁRIA DO BRASIL - CNA
ASSUNTOS: ATIVIDADE MEIO
EMENTA: DIREITO AMBIENTAL. BIOMA MATA ATLÂNTICA. ARTS. 61-A E 61-B DO CÓDIGO FLORESTAL.
I - Existência de interpretações diferentes sobre a aplicabilidade dos arts. 61-A e 61-B do Código Florestal ao Bioma Mata Atlântica.
II - A instituição do regime de transição previsto no Código Florestal, na linha do que decidiu o Supremo Tribunal Federal, visa a preservar o meio ambiente, nele inserido a Mata Atlântica, para futuras gerações, garantindo ao mesmo tempo o direito à atividade econômica daqueles que atualmente estão inseridos em áreas rurais consolidadas, ainda que localizadas em APP.
III - As áreas sobre as quais não incidem as medidas protetivas da Mata Atlântica, ainda que inseridas no espaço geográfico correspondente a esse Bioma, sofrem a incidência do Código Florestal, inclusive dos arts. 61-A e 61-B, eis que o conceito de área consolidada não parece ser compatível com a presença de vegetação nativa primária ou secundária em suas fases de recuperação. Se há mata nativa, não se pode falar em área rural consolidada.
IV - Os dispositivos legais constantes da Lei da Mata Atlântica que trataram das Áreas de Preservação Permanente - APP no Bioma Mata Atlântica fizeram remissão ao antigo Código Florestal ou disciplinaram aspectos com o fito de os diferenciar do regramento geral determinado pelo Código Florestal, o que demonstra que são sistemas jurídicos complementares.
Cód. ement. 34
Senhor Coordenador-Geral,
Por intermédio do PARECER Nº 819/2019/CONJUR-MAPA/CGU/AGU (Seq. 14), aprovado pelo Despacho de Seq. 16, a Consultoria Jurídica junto ao Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento - CONJUR-MAPA suscita divergência em face dos termos da NOTA Nº 52/2017/CONJUR-MMA/CGU/AGU (lançada nos autos nº 02000.002097/2015-13) da Consultoria Jurídica junto ao Ministério do Meio Ambiente - CONJUR-MMA.
Na origem destes autos encontra-se o OFÍCIO Nº 129/2018-CNA (Seq. 1, 1), que solicita um pronunciamento técnico e jurídico do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento - MAPA sobre a "consolidação de áreas antropizadas nos campos de altitude do Bioma Mata Atlântica", inclusive sobre se o "Código Florestal é aplicável à Mata Atlântica no que se refere à consolidação de uso de áreas antropizadas antes de julho de 2008".
Em sua manifestação (Seq. 14), a CONJUR-MAPA aduz preliminarmente que há interesse daquela Pasta em tratar do tema, na medida em que a manifestação da CONJUR-MAA interfere na missão institucional que foi atribuída pelo art. 21 da Lei nº 13.844, de 18 de junho de 2019, ao MAPA e, no mérito, defende a aplicabilidade dos dispositivos contidos no regime de transição estabelecido pelo Código Florestal ao Bioma Mata Atlântica.
Em síntese, a CONJUR-MAPA aduz o seguinte:
a) a manifestação, constante dos autos, elaborada pela Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária - EMBRAPA evidencia o impacto que a interpretação da legislação ambiental promovida pela CONJUR-MAA terá sobre o agronegócio e a agricultura familiar, bem como sobre os níveis de competitividade da produção agropecuária;
b) no âmbito do Supremo Tribunal Federal (ADC nº 42; ADINs 4.901, 4.902, 4.903 e 4.937), foi declarada a constitucionalidade dos dispositivos contidos nos arts. 61-A e 61-B da Lei nº 12.651, de 25 de maio de 2012 (Código Florestal), ao disciplinar regras de transição para áreas consolidadas em Áreas de Preservação Permanente - APPs;
c) o aparente conflito entre as normas do Código Florestal que tratam das áreas consolidadas e a Lei nº 11.428, de 22 de dezembro de 2006, foi objeto de diversas manifestações dos órgãos da Advocacia-Geral da União nos autos nº 02000.002097/2015-13 e 00400.001640/2017-81, merecendo destaque as seguintes manifestações:
c.1) DESPACHO Nº 1050/2015/CONJUR-MMA/CGU/AGU/jmloa (autos nº 02000.002097/2015-13, Seq. 7.2), aprovado pelo então Ministro de Estado, por meio da qual a CONJUR-MMA aprovou parcialmente o PARECER Nº 713/2015/CGAJ/CONJUR-MMA/CGU/AGU/omtm, para concluir pela aplicação das disposições transitórias da Lei nº 12.651, de 2012, especialmente os arts. 61-A e 61-B, ao Bioma Mata Atlântica;
c.2) NOTA Nº 52/2017/CONJUR-MMA/CGU/AGU (autos nº 02000.002097/2015-13, Seq. 9), que revisou o entendimento daquela Consultoria Jurídica, também aprovado pelo então Ministro de Estado, que deu nova interpretação aos mesmos dispositivos, para entendê-los inaplicáveis ao Bioma Mata Atlântica, por representar regime menos protetivo;
c.3) NOTA Nº 18/2019/DECOR/CGU/AGU (autos nº 00400.001640/2017-81, Seq. 46), que concluiu pela inexistência de divergência a justificar uma ação uniformizadora deste Departamento, bem como pela ausência de descumprimento de orientação jurídica firmada pelo Advogado-Geral da Uniião;
c.4) NOTA Nº 153/2019/DECOR/CGU/AGU (autos nº 00400.001640/2017-81, Seq. 50), que ratifica o entendimento anterior deste Departamento;
c.5) DESPACHO Nº 668/2019/GAB/CGU/AGU (autos nº 00400.001640/2017-81, Seq. 54), do Consultor-Geral da União Substituto, que aprovou as manifestações deste Departamento, mas permitiu a manifestação do MMA e do MAPA, dando ciência à Secretaria-Geral de Contencioso - SGCT, às Procuradorias Federal junto ao Instituto Nacional do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis - PF-IBAMA e ao Instituto Chico Mendes de Preservação da Biodiversidade - PF-ICMBio, bem como à Procuradoria-Geral Federal - PGF; e
c.6) PARECER Nº 78/2019/DECOR/CGU/AGU (autos nº 00400.001640/2017-81, Seq. 70), que concluiu pela ausência de qualquer manifestação da Advocacia-Geral da União sobre a questão objeto da presente divergência, qual seja, o afastamento das normas do Código Florestal (arts. 61-A e 61-B) ao Bioma Mata Atlântica, em razão da especialidade das normas que regulam a preservação da Mata Atlântica;
d) pode-se extrair do julgado do STF, ao analisar os dispositivos que tratam das áreas consolidadas em APP, que a tese sustentada pela NOTA Nº 052/2017/CONJUR/MMA/CGU/AGU perde sustentação, na medida em que a legitimidade das regras de transição afastam alegações de que a aplicação do Código Florestal importaria em redução do nível de proteção do Bioma Mata Atlântica;
d) além disso, os julgados do STF também afastaram a alegação de retrocesso ambiental e registraram o caráter conciliatório que marcou a aprovação do Código Florestal em vigor pelo Congresso Nacional;
e) na discussão travada, ainda no âmbito do STF, sobre a Cota de Reserva Ambiental - CRA, houve referência expressa nos debates a situações hipotéticas que ocorreriam no Bioma Mata Atlântica;
f) de acordo com informações apresentadas pela EMBRAPA, a extensão e relevância do Bioma Mata Atlântica são tão significantes que não parece ter sido excluído do escopo da norma contida no Código Florestal, tendo, na Lei nº 11.428, de 2006, referência expressa à aplicabilidade da Lei nº 4.771, de 15 de setembro de 1965, que era o Código Florestal então vigente, ao Bioma Mata Atlântica;
g) nesse sentido, há complementariedade entre as normas previstas na Lei nº 11.428, de 2006, e na Lei nº 12.651, de 2012, conforme já havia sido reconhecido pela CONJUR-MMA no DESPACHO Nº 1050/2015/CONJUR-MMA/CGU/AGU, e os dispositivos contidos nos arts. 61-A, 61-B e 61-C do Código Florestal foram incluídos para afastar qualquer possibilidade de ampla anistia a desmatadores, após o veto do art. 61 pela então Presidente da República;
h) esses dispositivos previstos nessas regras de transição estabelecem obrigação de recomposição das APPs para além das áreas de Reserva Legal, o que não era previsto na legislação anterior, nem mesmo na Lei da Mata Atlântica, ampliando o escopo da proteção ambiental; e
i) a divergência entre o seu entendimento, na mesma linha do DESPACHO Nº 1050/2015/CONJUR-MMA/CGU/AGU-jmloa, que compatibiliza a tutela do meio ambiente com a tutela do desenvolvimento, e o da CONJUR-MMA, formalizado por meio da NOTA Nº 052/2017/CONJUR-MMA/CGU/AGU, demanda uniformização por parte desta Consultoria-Geral da União.
O PARECER Nº 819/2019/CONJUR-MAPA/CGU/AGU foi aprovado pelo DESPACHO DE APROVAÇÃO Nº 17/2019/CONJUR-MAPA/CGU/AGU (Seq. 16), que acrescentou ainda a consideração de que a Lei nº 11.428, de 2006, protege a vegetação nativa, "não interferindo em áreas já ocupadas com agricultura, cidades, pastagens e florestas plantadas ou outras áreas desprovidas de vegetação nativa" (Seq. 16, parágrafo 3).
Além disso, consta ainda do referido Despacho de Aprovação (Seq. 16), que não há antinomia entre a Lei nº 11.428, de 2006, e o Código Florestal, considerando que aquela nada dispõe sobre a recomposição de vegetação suprimida de áreas rurais consolidadas, bem como que não há ofensa ao princípio de vedação de retrocesso, e que essa orientação é consentânea com o Decreto-Lei nº 4.657, de 4 de setembro de 1942 (Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro - LINDB), especialmente à vista das considerações trazidas aos autos pela EMBRAPA.
Por fim o Despacho de Aprovação de Seq. 16 aponta para a necessidade de revisão do entendimento consubstanciado na NOTA Nº 052/2017/CONJUR-MMA/CGU/AGU, considerando a revisão de posicionamento da PF-IBAMA, por meio do DESPACHO Nº 601/2019/GABIN/PFE-IBAMA-SEDE/PGF/AGU, e do DESPACHO Nº 843/2019/CONJUR-MMA/CGU/AGU, sendo que este último consignou que caso seja mantido o entendimento firmado na NOTA Nº 052/2017/CONJUR-MMA/CGU/AGU, que se adote a "...tese complementar/subsidiária de que, no Bioma Mata Atlântica, os arts. 61-A e 61-B do NCFlo se aplicariam às áreas consolidadas até 25/12/2006, ao invés de 22/07/2008" (destaque no original).
No âmbito deste Departamento, foi lançado o Despacho nº 683/2019/Decor/CGU/AGU (10/10/2019), com sugestão de oitiva da CONJUR-MMA, PF-ICMBio, PF-IBAMA e PGF (Seqs. 17/18), tendo sido assim determinado no Despacho de Seq. 19, com prazo fixado até 31 de outubro de 2019.
Em seu pronunciamento (Seqs. 21 e 22), a PF-ICMBio questionou a legitimidade da CONJUR-MAPA para suscitar divergência, eis que se trataria de tema ambiental, restrito à competência do MAA, IBAMA e ICMBio, e que a alegação de impacto econômico não seria suficiente para justificar sua interferência na matéria atinente à fiscalização ambiental e à implementação da política nacional do meio ambiente.
Quanto ao mérito, a PF-ICMBio ratifica seu posicionamento, no sentido de que o Código Florestal não pode ser aplicado ao Bioma Mata Atlântica, ressaltando que o mesmo está em consonância com anteriores manifestações da PF-IBAMA e PGF (Seq. 21, parágrafo 19).
No âmbito da PF-IBAMA, foi inicialmente reiterado o entendimento até então defendido (Seqs. 27/28), mas adotado novo posicionamento por meio do DESPACHO Nº 889/2019/GABIN/PFE-IBAMA-SEDE/PGF/AGU (Seq. 29), firmado pelo seu Procurador-Geral, que, após relatar alguns processos, afastou a tese de que haveria conflito aparente entre as Leis nº 11.428, de 2006, e nº 12.651, de 2012, aplicando-se as disposições transitórias desta última ao Bioma Mata Atlântica.
Podem ser extraídas dessa manifestação as seguintes considerações, em resumo:
a) o tema inerente à aplicabilidade dos arts. 61-A e 61-B do Código Florestal ao Bioma Mata Atlântica foi objeto de diversos questionamentos no âmbito daquela autarquia, que vinha mantendo o entendimento da inaplicabilidade das regras que regularam a ocupação de áreas consolidadas em APPs ao Bioma Mata Atlântica;
b) a própria NOTA Nº 052/2017/CONJUR-MMA/CGU/AGU reconheceu a aplicabilidade do novo Código Florestal às lacunas legais da Lei da Mata Atlântica, mas entendeu que não há previsão na Lei da Mata Atlântica quanto à consolidação de supressão irregular, não se admitindo a hipótese de perdão ou consolidação de uso irregular;
c) o Código Florestal instituiu um sistema normativo, embora não textual, que relaciona o Bioma Mata Atlântica com as disposições transitórias do Código Florestal sobre as áreas consolidadas em APP;
d) por isso, o Código Florestal promoveu a alteração do art. 35 da Lei da Mata Atlântica, instituindo a Cota de Reserva Ambiental - CRA no Bioma, que deve ser inscrita no Cadastro Ambiental Rural - CAR e pode ser usada para compensação de Reserva Legal apenas no mesmo bioma da área à qual o título está vinculado, obedecido o art. 66, §6º do Código Florestal, nos termos do art. 48, §3º dessa mesma Lei;
e) o art. 66 do Código Florestal, por sua vez, encontra-se nas disposições transitórias referentes ao disciplinamento das áreas consolidadas em Reserva Legal;
f) o STF debateu sobre a constitucionalidade do art. 66 do Código Florestal, cogitando a incidência sobre a Mata Atlântica;
g) a interpretação conjunta do art. 35 da Lei da Mata Atlântica e dos arts. 44, 48 e 66 do Código Florestal aponta para a aplicação das disposições transitórias envolvendo consolidação de área ao Bioma Mata Atlântica;
h) no âmbito do STF, reconheceu-se que os dispositivos que instituíram o Programa de Regularização Ambiental - PRA foram regulados pelo Decreto nº 7.830, de 17 de outubro de 2012, objetivando adequar áreas rurais consolidadas em APPs e em reservas legais a parâmetros de recomposição parcial, estabelecidos nos arts. 61-A a 68 do Código Florestal (p. 135 do acórdão da ADC nº 42);
i) após adesão ao PRA, o interessado não pode ser autuado por supressão irregular de vegetação em APP, Reserva Legal ou de uso restrito ocorridas antes de 22 de julho de 2008;
j) a partir da previsão expressa para uso da CRA para o Bioma Mata Atlântica, a aplicação dos instrumentos previstos no Capítulo XIII do Código Florestal é medida necessária, não havendo incompatibilidade com a Lei da Mata Atlântica; e
k) além disso, quanto aos efeitos concretos que decorrem da interpretação em questão, aponta-se a solicitação oriunda do Presidente do IBAMA (Seq. 33), de revisão do entendimento contido na NOTA Nº 052/2017/CONJUR-MAA/CGU/AGU.
Por seu turno, a CONJUR-MMA, por intermédio Despacho de Seq. 34, referiu-se à NOTA Nº 374/2019/CONJURMMA/CGU/AGU e DESPACHO Nº 1450/20189/CONJUR-MMA/CGU/AGU, exarados nos autos nº 00400.001640/2017-81.
Naquela oportunidade (Seqs. 101 e 102 dos autos nº 21000.019326/2018-18), após relatar os fatos, a CONJUR-MMA aponta para a existência de duas correntes interpretativas, tendo sido adotada pela NOTA Nº 052/2017/CONJUR-MMA/CGU/AGU, a que admite a aplicação do Código Florestal ao Bioma Mata Atlântica apenas quando gera aumento da proteção ambiental.
Afirma a CONJUR-MMA (Seq. 101, autos nº 21000.019326/2018-18), que diversos órgãos têm feito manifestações a respeito, porque não vinculados à decisão do Ministro de Estado do Meio Ambiente, que aprovou a NOTA Nº 052/2017/CONJUR-MMA/CGU/AGU, tendo recentemente a PF-IBAMA promovido a alteração do seu entendimento para admitir a aplicabilidade dos arts. 61-A e 61-B do Código Florestal ao Bioma Mata Atlântica, por meio do DESPACHO Nº 889/2019/GABIN/PFE-IBAMA-SEDE/PGF/AGU.
A CONJUR-MMA também cita a divergência suscitada pela CONJUR-MAPA e ressalta que ambas as interpretações possuem sustentação jurídica, citando o art. 1º da lei nº 13.874, de 20 de setembro de 2019, que instituiu a Declaração de Direitos de Liberdade Econômica como novo elemento a ser considerado ao interpretar a norma, reconhecendo, de forma implícita, a legitimidade da participação da CONJUR-MAPA no processo de solução da questão jurídica.
Por sua vez, a NOTA Nº 052/2017/CONJUR-MMA/CGU/AGU, lançada nos autos nº 02000.002097/2015-13 (Seq. 9), manifestou-se pela necessidade de revisão do DESPACHO Nº 1050/2015/CONJUR-MMA/CGU/AGU/jmloa (Seq. 7, 2, dos autos nº 00000.030692/2015-00), pela impossibilidade de aplicação do regramento constante do Código Florestal que regula as áreas consolidadas previsto nos arts. 61-A e 61-B do Código Florestal ao Bioma Mata Atlântica.
Os fundamentos da NOTA Nº 052/2017/CONJUR-MMA/CGU/AGU podem ser expostos, em resumo, nos seguintes termos (autos 02000.002097/2015-13):
a) em debate a aplicação do Código Florestal (Lei nº 12.651, de 2012), em especial os seus arts. 61-A e 61-B, ao Bioma Mata Atlântica, regulado pela Lei nº 11.428, de 2006, que foi objeto de análise inicial por intermédio do PARECER Nº 392/2014/PFE/PR/IBAMA/AGU e do PARECER Nº 13/2015/CONEP/PFE-IBAMA-SEDE/PGF/AGU (Seq. 7, 1), que concluíram pela inaplicabilidade dos arts. 61-A e 61-B, por ser incompatível com a Lei da Mata Atlântica;
b) o tema também foi objeto de análise da CONJUR/MMA, por meio do PARECER Nº 773/2015/CGAJ/CONJUR-MMA/CGU/AGU/omtm (Seq. 7, 2, dos autos nº 00000.030692/2015-00), que concluiu no sentido de que, "a aplicação do art. 61-A da Lei 12.651/2012 apenas seria possível se a própria Lei 11.428/2006 trouxesse idêntica previsão. Contudo, aplicá-la de forma integrativa é subverter o sistema protetivo dos biomas florestais, fazendo com que uma norma excepcional fosse ampliada para abarcar hipóteses não idealizadas pelo legislador ao cunhar tal exceção"; e ainda, "como o art. 61-B da Lei 12.651/2012 também faz uso do regime jurídico de “área consolidada”, a fundamentação retro deve ser aplicada de forma idêntica, a resultar, também, na sua inaplicabilidade diante da Lei 11.428/2006";
c) submetido esse Parecer à aprovação, foi exarado o DESPACHO Nº 1050/2015/CONJUR-MMA/CGU/AGU/jmloa (Seq. 7, 2, autos nº 00000.030692/2015-00), de aprovação parcial, que concluiu no sentido de que seria "possível a aplicação de todas as disposições transitórias da Lei nº 12.651/2012, especialmente os arts. 61-A e 61-B, para o Bioma Mata Atlântica, por se tratar de legislação que dá completude à Lei 11.428/2006, completude esse suscitada e exigida pela própria Lei do Bioma, na forma do art. 1º, caput, bem como pelos acima citados dispositivos (item 23)";
d) em razão da mudança de gestão do MMA, a Presidência do IBAMA solicitou a reavaliação do tema;
e) parece correto o entendimento segundo o qual a Lei da Mata Atlântica admite que suas lacunas sejam supridas por meio de diplomas normativos ambientais, em especial, pelo Código Florestal, nos termos do art. 1º da Lei nº 11.428, de 2006;
f) todavia, a aplicação da norma não deve estar dissociada de um exercício mínimo de compatibilidade, seja pela análise da especialidade, seja com a utilização do método do diálogo da fontes;
g) quando do estudo dos arts. 61-A e 61-B do Código Florestal, o foco do desacerto da manifestação constante do DESPACHO Nº 1050/2015/CONJUR-MMA/CGU/AGU/jmloa estaria na afirmação de que tais artigos tratariam da recomposição de áreas de preservação, o que não ocorreria, visto que a recomposição estaria prevista nos arts. 7º a 9º do Código Florestal, sendo os arts. 61-A e 61-B exceções a essa regra;
h) a Lei da Mata Atlântica não admite a consolidação de uso indevido, e mesmo nas hipóteses de supressão autorizadas, exige-se uma compensação ambiental de área equivalente, que fica impedida em caso de APP e de supressão/corte irregulares; e
i) haveria um malefício na aplicação dos arts. 61-A e 61-B do Código Florestal ao Bioma Mata Atlântica, por importar em um regime jurídico menos protetivo.
Eis a síntese do necessário. Passa-se ao exame propriamente dito.
Da existência de uma divergência jurídica a ser objeto de uniformização.
Antes da abordagem do mérito propriamente dito, torna-se necessário avaliar a competência deste Departamento para se pronunciar sobre a divergência suscitada pela CONJUR/MAPA.
Com efeito, constata-se a existência de interpretações diferentes sobre a aplicabilidade dos arts. 61-A e 61-B do Código Florestal ao Bioma Mata Atlântica.
A CONJUR-MAPA, por meio do PARECER Nº 819/2019/CONJUR-MAPA/CGU/AGU (Seq. 14), aprovado pelo Despacho de Seq. 16, suscita divergência em face dos termos da NOTA Nº 52/2017/CONJUR-MMA/CGU/AGU (lançada nos autos nº 02000.002097/2015-13), ao argumento de que essa Nota interfere na missão institucional que foi atribuída pelo art. 21 da Lei nº 13.844, de 18 de junho de 2019, ao Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento - MAPA.
Não obstante, a PF-ICMBio questiona a legitimidade da CONJUR-MAPA para suscitar divergência, eis que se trataria de tema ambiental, restrito à competência do MAA, IBAMA e ICMBio, bem como que a alegação de impacto econômico não seria suficiente para justificar sua interferência na matéria atinente à fiscalização ambiental e à implementação da política nacional do meio ambiente (Seqs. 21/22).
Sobre esse tema, também se manifestou a CONJUR-MMA, para pontuar que ambas as interpretações, a sua e da CONJUR-MAPA, possuem sustentação jurídica, citando o art. 1º da lei nº 13.874, de 20 de setembro de 2019, que instituiu a Declaração de Direitos de Liberdade Econômica, como elemento novo a ser considerado ao interpretar a norma, reconhecendo, de forma implícita, a legitimidade da participação da CONJUR-MAPA no processo de solução da questão jurídica.
Visto isso, convém frisar que a competência dos órgãos ambientais é inequívoca, dado que se se trata de questionamento sobre a aplicação de regras que regulam a consolidação de áreas em APP no Bioma Mata Atlântica, de caráter protetivo ao meio ambiente, portanto.
Não obstante, a competência do MAPA decorreria, segundo alega a CONJUR-MAPA, das consequências que essa interpretação, dada pelos órgãos ambientais, teria no bojo das competências legais daquela Pasta. Do art. 21 da Lei nº 13.844, de 2019, destacam-se os dispositivos que têm alguma relação com o tema (incisos I, II, VII, XII, XIII, XV e §3º)[1].
A Lei conferiu ao MAPA, portanto, competência para tratar da política agrícola, bem como do abastecimento, do desenvolvimento rural sustentável, de fomento à agricultura familiar, da conservação e manejo do solo e da água, destinados ao processo produtivo agrícola, todas essas competências relacionadas à dimensão econômica e social da agricultura e pecuária.
Em princípio, essas competências não se relacionariam à matéria ambiental, de competência do MMA, não fosse a dimensão das consequências dessa interpretação, capaz de interferir no processo produtivo existente no meio rural e gerar desequilíbrio econômico.
Por isso, percebe-se que, nesse caso, as competências do MMA e do MAPA se inter-relacionam no ponto em que se discutem as consequências econômicas para a produção agrícola, decorrentes de uma interpretação dos arts. 61-A e 61-B do Código Florestal que não admite a consolidação de áreas rurais (art. 3º, IV, do Código Florestal) no âmbito do Bioma Mata Atlântica.
Nesse sentido, bastante pertinente para a compreensão do que se discute a transcrição de excerto do estudo realizado pela EMBRAPA (Seq. 11), que explicita as consequências fático-econômicas do debate jurídico objeto destes autos:
"B) Qual a repercussão para o agronegócio brasileiro caso prevaleça a proibição de produção agropecuária em áreas consolidadas do bioma Mata Atlântica?
RESUMO
A repercussão para o agronegócio brasileiro, caso fosse proibida ou restringida a produção agropecuária em áreas consolidadas do Bioma Mata Atlântica, seria enorme. Para muitos estados e municípios, ela assumiria dimensões catastróficas tanto em termos territoriais, como sociais e econômicos. Este segundo questionamento ou quesito (b) amplia a dimensão territorial da temática tratada anteriormente (áreas de altitude) no quesito (a) para alcançar todas as chamadas “áreas consolidadas” no bioma Mata Atlântica e, portanto, todo o bioma cuja extensão representa 13% do território nacional. No presente documento, face aos limites de recursos e de tempo, não foi possível tratar de forma circunstanciada de todas as áreas consolidadas no bioma Mata Atlântica; contudo diversas dimensões desse tema puderam ser avaliadas e estimadas em termos numéricos e cartográficos. Os principais resultados são apresentados a seguir.
Em termos territoriais, o impacto descrito na pergunta ou quesito anterior (a) referiu-se apenas a um subconjunto da Mata Atlântica: as áreas de altitude acima de 1.000 metros. Elas representam 7% do bioma ou 8,5 milhões de hectares. Já a proibição ou a restrição da produção agropecuária em todas as áreas consolidadas do Bioma Mata Atlântica repercutiria sobre a totalidade do bioma e poderia alcançar indiretamente até 75,8 milhões de hectares.
Em termos sociais, tal proibição da produção agropecuária teria o potencial de atingir direta ou indiretamente cerca de 2.200.000 produtores rurais dos quais cerca de 2.000.000 (93%) são pequenos (menos de quatro módulos fiscais), conforme os dados do CAR 2019.
Em termos econômicos, seria necessário um estudo mais detalhado contemplando dois ou três cenários de tal medida. Mas, desde já, é possível afirmar: tal proibição seria capaz de atingir dezenas cadeias produtivas, muitas das quais estão quase que exclusivamente situadas nessa região (pomicultura, vitivinicultura, cafeicultura, pecuária leiteira, cana-de-açúcar...). Como mencionado, nem todas as atividades agropecuárias situam-se em áreas de APP no bioma Mata Atlântica. Mas, ao mesmo tempo, a imensa maioria dos imóveis rurais possuem parte de suas áreas em APP. O bioma é marcado pela presença de montanhas, serras e serranias: as Serras Gaúchas, no Rio Grande do Sul; a Serra Geral em Santa Catarina e Paraná; a Serra do Mar no Paraná, São Paulo e Rio de Janeiro; a Serra da Mantiqueira em Minas Gerais, Rio de Janeiro e São Paulo; a Serra Negra e Itabaiana em Sergipe; a Serra das Russas em Pernambuco e outras. Dada a pluviometria elevada, a rede hidrográfica é densa no bioma. Algumas atividades como a bananicultura no Vale do Ribeira, a cafeicultura no nordeste do estado de São Paulo, sul de Minas Gerais e Espírito Santo, bem como a pecuária de corte e de leite da Serra da Mantiqueira ocupam há mais de um século, em sua maioria, áreas hoje consideradas de preservação permanente. O mesmo cenário, no caso da pecuária, se repetiria no bioma Pampa, caso as áreas secularmente e tradicionalmente pastejadas, análogas aos campos de altitude, não fossem consideradas integralmente como áreas consolidadas. "
A representação cartográfica e numérica do que se discute encontra-se na referida Nota Técnica da EMBRAPA e confirma a magnitude das consequências econômicas da interpretação do Código Florestal (arts. 61-A e 61-B).
Pode-se concluir que essa questão transborda a competência do MMA, não se configurando como matéria puramente ambiental, pois, possui consequências no âmbito das políticas públicas que são competência do MAPA, tais como a produção e o abastecimento.
Nesse sentido, bastante pertinente a citação, feita pela própria CONJUR-MAA, da Lei nº 13.874, de 2019, que instituiu norma de hermenêutica segundo a qual essa Lei, que institui a Declaração de Direitos de Liberdade Econômica, deve ser observada na interpretação das normas de proteção ao meio ambiente, dentre outras (§1º do art. 1º).
Ademais, é importante salientar também que a PF-IBAMA desalinhou-se do entendimento que anteriormente era uníssono no âmbito dos órgãos ambientais, por intermédio do DESPACHO Nº 889/2019/GABIN/PFE-IBAMA-SEDE/PGF/AGU (Seq. 29), firmado pelo seu Procurador-Geral, para admitir a aplicação das disposições transitórias do Código Florestal ao Bioma Mata Atlântica.
Forçoso concluir que a matéria transborda os limites da competência do MMA, incidindo sobre a competência do MAPA, nos termos do art. 21 da lei nº 13.844, de 2019, sendo necessária a manifestação uniformizadora deste Departamento, nos termos do art. 14, I, "a", do Anexo I ao Decreto nº 7.392, de 13 de dezembro de 2010.
A matéria, portanto, demanda uniformização, inclusive, com a sugestão de que seja submetida à apreciação e aprovação do Advogado-Geral da União, com fundamento no art. 4º, X e XI, da Lei Complementar nº 73, de 10 de fevereiro de 1993.
Os questionamentos sobre a possibilidade de retrocesso ambiental.
De fato, o art. 225 da Constituição Federal[2] conferiu especial proteção à Mata Atlântica, admitindo a sua utilização, na forma da lei, dentro de condições que assegurem a preservação do meio ambiente, inclusive quanto ao uso dos recursos naturais.
Por sua vez, a NOTA Nº 052/2017/CONJUR-MMA/CGU/AGU (autos nº 02000.002097/2015-13 - Seq. 9), manifestou-se pela impossibilidade de aplicação do regramento constante do Código Florestal que regula as áreas consolidadas previsto nos arts. 61-A e 61-B do Código Florestal ao Bioma Mata Atlântica.
Segundo a Nota da CONJUR/MMA, haveria um malefício na aplicação dos arts. 61-A e 61-B do Código Florestal ao Bioma Mata Atlântica, por importar em um regime jurídico menos protetivo.
Essa questão, todavia, embora sem uma referência expressa, foi objeto de amplo debate no STF, por ocasião do julgamento das ações que questionaram diversos artigos do Código Florestal, dentre eles os arts. 61-A e 61-B (Ações Diretas de Inconstitucionalidade nº 4901, 4902, 4903 e 4937 e Ação Declaratória de Constitucionalidade nº 42).
Naquela oportunidade, também se questionou a redução da proteção às APPs, gerada pela inclusão na norma de áreas rurais consolidadas, tendo aquela egrégia Corte decidido que não há nenhuma inconstitucionalidade naqueles dispositivos, que resultam de "duelo valorativo entre a tutela ambiental e a tutela do desenvolvimento", nos termos o excerto extraído do acórdão:
"(...).
11. Por outro lado, as políticas públicas ambientais devem conciliar-se com outros valores democraticamente eleitos pelos legisladores como o mercado de trabalho, o desenvolvimento social, o atendimento às necessidades básicas de consumo dos cidadãos etc . Dessa forma, não é adequado desqualificar determinada regra legal como contrária ao comando constitucional de defesa do meio ambiente (art. 225, caput , CRFB), ou mesmo sob o genérico e subjetivo rótulo de retrocesso ambiental, ignorando as diversas nuances que permeiam o processo decisório do legislador, democraticamente investido da função de apaziguar interesses conflitantes por meio de regras gerais e objetivas.
12. Deveras, não se deve desprezar que a mesma Constituição protetora dos recursos ambientais do país também exorta o Estado brasileiro a garantir a livre iniciativa (artigos 1º, IV, e 170) e o desenvolvimento nacional (art. 3º, II), a erradicar a pobreza e a marginalização, a reduzir as desigualdades sociais e regionais (art. 3º, III; art. 170, VII), a proteger a propriedade (art. 5º, caput e XXII; art. 170, II), a buscar o pleno emprego (art. 170, VIII; art. 6º) e a defender o consumidor (art. 5º, XXXII; art. 170, V) etc .
13. O desenho institucional das políticas públicas ambientais suscita o duelo valorativo entre a tutela ambiental e a tutela do desenvolvimento, tendo como centro de gravidade o bem comum da pessoa humana no cenário de escassez. É dizer, o desenvolvimento econômico e a preservação do meio ambiente não são políticas intrinsecamente antagônicas.
14. A análise de compatibilidade entre natureza e obra humana é ínsita à ideia de desenvolvimento sustentável, expressão popularizada pelo relatório Brundtland, elaborado em 1987 pela Comissão Mundial sobre o Meio Ambiente e Desenvolvimento. A mesma organização eficiente dos recursos disponíveis que conduz ao progresso econômico, por meio da aplicação do capital acumulado no modo mais produtivo possível, é também aquela capaz de garantir o racional manejo das riquezas ambientais em face do crescimento populacional. Por conseguinte, a proteção ao meio ambiente, no contexto de um desenvolvimento sustentável, não equivale a uma visão estática dos bens naturais, que pugna pela proibição de toda e qualquer mudança ou interferência em processos ecológicos ou correlatos. A história humana e natural é feita de mudanças e adaptações, não de condições estáticas ou de equilíbrio.
15. A preservação dos recursos naturais para as gerações futuras não pode significar a ausência completa de impacto do homem na natureza, consideradas as carências materiais da geração atual e também a necessidade de gerar desenvolvimento econômico suficiente para assegurar uma travessia confortável para os nossos descendentes.
16. Meio ambiente e Desenvolvimento Econômico enceram conflito aparente normativo entre diversas nuances, em especial a justiça intergeracional, demandando escolhas trágicas a serem realizadas pelas instâncias democráticas, e não pela convicção de juízes, por mais bem-intencionados que sejam. (REVESZ, Richard L.; STAVINS, Robert N. Environmental Law. In : Handbook of Law and Economics . A. Mitchell Polinsky; Steven Shavell (ed.). V. 1. Boston: Elsevier, 2007. p. 507)
(...).
19. O Princípio da vedação do retrocesso não se sobrepõe ao princípio democrático no afã de transferir ao Judiciário funções inerentes aos Poderes Legislativo e Executivo, nem justifica afastar arranjos legais mais eficientes para o desenvolvimento sustentável do país como um todo.
(...).
21. O Código Florestal ostenta legitimidade institucional e democrática, sendo certo que a audiência pública realizada nas presentes ações apurou que as discussões para a aprovação da Lei questionada se estenderam por mais de dez anos no Congresso Nacional. Destarte, no âmbito do Parlamento, mais de 70 (setenta) audiências públicas foram promovidas com o intuito de qualificar o debate social em torno das principais modificações relativas ao marco regulatório da proteção da flora e da vegetação nativa no Brasil. Consectariamente, além da discricionariedade epistêmica e hermenêutica garantida ao Legislativo pela Constituição, também militam pela autocontenção do Judiciário no caso em tela a transparência e a extensão do processo legislativo desenvolvido, que conferem legitimidade adicional ao produto da atividade do Congresso Nacional.
(...).
22. Apreciação pormenorizada das impugnações aos dispositivos do novo Código Florestal (Lei nº 12.651/2012): (...) (u) Arts. 61-A, 61-B, 61-C, 63 e 67 (Regime das áreas rurais consolidadas até 22.07.2008): O Poder Legislativo dispõe de legitimidade constitucional para a criação legal de regimes de transição entre marcos regulatórios, por imperativos de segurança jurídica (art. 5º, caput , da CRFB) e de política legislativa (artigos 21, XVII, e 48, VIII, da CRFB). Os artigos 61-A, 61-B, 61-C, 63 e 67 da Lei n. 12.651/2012 estabelecem critérios para a recomposição das Áreas de Preservação Permanente, de acordo com o tamanho do imóvel. O tamanho do imóvel é critério legítimo para definição da extensão da recomposição das Áreas de Preservação Permanente, mercê da legitimidade do legislador para estabelecer os elementos norteadores da política pública de proteção ambiental, especialmente à luz da necessidade de assegurar minimamente o conteúdo econômico da propriedade, em obediência aos artigos 5º, XXII, e 170, II, da Carta Magna, por meio da adaptação da área a ser recomposta conforme o tamanho do imóvel rural. Além disso, a própria lei prevê mecanismos para que os órgãos ambientais competentes realizem a adequação dos critérios de recomposição para a realidade de cada nicho ecológico; Conclusão : Declaração de constitucionalidade dos artigos 61-A, 61-B, 61-C, 63 e 67 do Código Florestal; (...).
(...)."
Portanto, o STF realizou a ponderação entre os princípios envolvidos e entendeu que os arts. 61-A e 61-B do Código Florestal observam parâmetros de constitucionalidade, não podendo ser qualificados como retrocesso, mas regras de transição que levam em consideração, para a recomposição das áreas rurais consolidadas em APP, inclusive a extensão da propriedade.
Compatibilizou-se a tutela do desenvolvimento e a tutela do meio ambiente, sem que se pudesse extrair disso algum reconhecimento de retrocesso. Em verdade, embora permitindo a continuidade de determinadas atividades em áreas consolidadas, foram estabelecidas condições para a a recomposição da cobertura vegetal.
Transpondo esse entendimento para o Bioma Mata Atlântica, pode-se concluir pela sua total adequação, na medida em que o STF não fez nenhuma ressalva quanto à aplicabilidade do seu entendimento a determinadas frações do território brasileiro.
Em verdade, embora não tenha sido expressamente referido no acórdão que decidiu sobre as alegadas inconstitucionalidades do Código Florestal, houve referência nos debates dos Ministros à sua aplicabilidade ao Bioma Mata Atlântica, tendo o processo objetivo contado, inclusive, com amicus curiae voltado para a defesa da Mata Atlântica.
Coube ao próprio STF dizer que o Congresso Nacional detém a legitimidade institucional e democrática que o legitima a dispor sobre a legislação de proteção ambiental, sendo certo que não se cogita aqui de aplicação retroativa da Lei, pois, o que permitem os arts. 61-A e 61-B é a continuidade das atividades em áreas rurais consolidadas e a recomposição das áreas degradadas em condições diferenciadas.
Embora constem dos votos dos eminentes Ministros do STF valiosas lições, extraem-se do voto elaborado pelo eminente Ministro Luiz Fux, os seguintes excertos:
"No entanto, a escolha de políticas públicas no âmbito do Direito Ambiental representa a difícil tarefa de acomodar a satisfação de diferentes valores relevantes em permanente tensão, valores esses que podem pertencer igualmente à seara do meio-ambiente ou podem transbordar para outros setores, como o mercado de trabalho, o desenvolvimento social, o atendimento às necessidades básicas de consumo dos cidadãos etc. Dessa forma, não é adequado desqualificar determinada regra legal como contrária ao comando constitucional de defesa do meio ambiente (art. 225, caput, CRFB), ou mesmo sob o genérico e subjetivo rótulo de “retrocesso ambiental”, ignorando as diversas nuances que permeiam o processo decisório do legislador, democraticamente investido da função de apaziguar interesses conflitantes por meio de regras gerais e objetivas. Não se deve desprezar que a mesma Constituição protetora dos recursos ambientais do país também exorta o Estado brasileiro a garantir a livre iniciativa (artigos 1º, IV, e 170), o desenvolvimento nacional (art. 3º, II), a erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais (art. 3º, III; art. 170, VII), a proteger a propriedade (art. 5º, caput e XXII; art. 170, II), a buscar o pleno emprego (art. 170, VIII; art. 6º), a defender o consumidor (art. 5º, XXXII; art. 170, V) etc." (ADC 42, p. 5)
................................
Não se quer dizer que o desenvolvimento econômico e a preservação do meio ambiente sejam intrinsecamente antagônicos. Pelo contrário: observa-se na experiência internacional que países economicamente desenvolvidos são geralmente bem-sucedidos na preservação de seus recursos ecológicos. Basta notar que a previsão de Thomas Malthus, para quem os meios de subsistência não acompanhariam o crescimento populacional, feita em 1783, não se confirmou. A conclusão de compatibilidade entre natureza e obra humana é ínsita à ideia de “desenvolvimento sustentável”, expressão popularizada pelo relatório Brundtland, elaborado em 1987 pela Comissão Mundial sobre o Meio Ambiente e Desenvolvimento. A mesma organização eficiente dos recursos disponíveis que conduz ao progresso econômico, por meio da aplicação do capital acumulado no modo mais produtivo possível, é também aquela capaz de garantir o racional manejo das riquezas ambientais em face do crescimento populacional. Por conseguinte, a proteção ao meio ambiente, no contexto de um desenvolvimento sustentável, não equivale a uma visão estática dos bens naturais, que pugna pela proibição de toda e qualquer mudança ou interferência em processos ecológicos ou correlatos. Ou seja, “sustentabilidade não deve ser associada com estabilidade (pouca ou nenhuma mudança) ou comuma condição de equilíbrio entre processos naturais e humanos. (...) A história humana e natural é feita de mudanças e adaptações, não de condições estáticas ou de equilíbrio.” (Tradução livre do trecho: “sustainability should not be associated with stability (little or no change) or with an equilibrium between natural and human processes. (…) Human and natural history is about change and adjustment, not about static or equilibrium conditions.” CASTLE, Emery N.; BERRENS, Robert P.; POLASKY, Stephen. “The Economics of Sustainability”. In: 36 Nat. Resources J. 715 1996).
A preservação dos recursos naturais para as gerações futuras não pode ser um valor absoluto, a significar a ausência completa de impacto do homem na natureza, consideradas as carências materiais da geração atual e também a necessidade de gerar desenvolvimento econômico suficiente para assegurar uma travessia confortável para os nossos descendentes. A questão, portanto, envolve diversas nuances, em especial a justiça intergeracional, demandando escolhas trágicas a serem realizadas pelas instâncias democráticas, e não pela convicção de juízes, por mais bem-intencionados que sejam. (...). (ADC 42, p. 9/10)
Pois bem, no caso examinado (Ações Diretas de Inconstitucionalidade nº 4901, 4902, 4903 e 4937 e Ação Declaratória de Constitucionalidade nº 42), o STF decidiu pela inexistência de ofensa ao princípio da vedação de retrocesso, admitindo a constitucionalidade do novo regime das APP, que estava e continua regulado inteiramente pelo Código Florestal.
Ou seja, ainda que se questionasse tratar-se retrocesso na proteção do Bioma Mata Atlântica, seria forçoso reconhecer que esse Bioma sempre contou com a proteção do Código Florestal para as APP nele inseridas.
Dito de outro modo, o STF decidiu sobre a constitucionalidade do regime jurídico instituído pelo Código Florestal que sempre foi o regime aplicável às APP localizadas no Bioma Mata Atlântica.
Nesse sentido, ainda que não tenha havido uma manifestação explícita sobre a inclusão do Bioma Mata Atlântica no escopo do Código Florestal, pode-se concluir que a Suprema Corte decidiu implicitamente sobre a legitimidade da alteração legislativa que importou na alegada redução protetiva.
E ainda que assim não fosse, também pode-se concluir que a jurisprudência oriunda do STF entende constitucional o regime de transição, desde que não esvaziado o o núcleo constitucional de outros valores constitucionais. E no caso, a instituição de um regime de transição para as APP, já admitido pelo STF, não importaria em esvaziamento do direito à proteção da Mata Atlântica.
A instituição do regime de transição previsto no Código Florestal visa exatamente a preservar esse patrimônio para as futuras gerações, garantindo ao mesmo tempo o direito à atividade econômica daqueles que atualmente estão inseridos em áreas rurais consolidadas, ainda que localizadas em APP.
Além disso, essa permissão para a continuidade de certas atividades não dispensa, embora mitigue, a obrigação de recomposição da APP, que de resto consta do próprio Código Florestal (arts. 7º , 61-A e 61-B).
Não há retrocesso, mas o reconhecimento jurídico de situações consolidadas pelo tempo, que garantem a continuidade da atividade econômica de inúmeras famílias, e garante de forma razoável a recomposição dessas APP.[3]
Da incidência das normas do Código Florestal (arts. 61-A e 61-B) ao Bioma Mata Atlântica, e da alegação antinomia entre dispositivos da legislação de regência.
Embora tenham sido citados diversos dispositivos do Código Florestal que tratam do reconhecimento de áreas consolidadas nas manifestações juntadas aos autos, a divergência limita-se à interpretação dos arts. 61-A e 61-B, que foram objeto de referência explícita na NOTA Nº 052/2017/CONJUR-MMA/CGU/AGU pela CONJUR-MMA.
Portanto, o cerne da divergência reside da aplicabilidade dos arts. 61-A e 61-B do Código Florestal ao Bioma Mata Atlântica.
Trata-se de divergência que tem gerado, no âmbito do Poder Executivo, interpretações variadas, conforme se observa dos autos, tendo a CONJUR-MMA alterado seu entendimento a respeito do assunto no ano de 2017, após firmar compreensão diversa no ano de 2015.
A relevância do tema, quanto ao aspecto ambiental, reside no alegado risco de imposição de um regime jurídico menos protetivo ao Bioma Mata Atlântica, consubstanciado na permissão para a continuidade de atividades agrossilvopastoris em APP, bem como pela fixação de critérios diferenciados para a recomposição florestal nessas áreas; e quanto ao aspecto econômico, no impacto de eventual imposição de suspensão dessas atividades.
Registre-se que o art. 20 da Lei de Introdução às normas do Direito Brasileiro (Decreto-Lei nº 4.657, de 4 de setembro de 1942), determina que as decisões, na esfera administrativa, não podem ser adotadas com base em valores jurídicos abstratos sem que sejam consideradas as consequências práticas da decisão.[4]
Destaque-se a manifestação da EMBRAPA (Seq. 11), que descreve a dimensão dessa controvérsia jurídica.
Além disso, a Lei nº 13.874, de 20 de setembro de 2019 (§1º do art. 1º)[5], que instituiu normas visando a garantir a liberdade do exercício de atividade econômica, determina que tais princípios devem ser considerados na interpretação do direito ambiental, o que se mostra consentâneo com a ponderação que foi feita pelo STF ao julgar os dispositivos do Código Florestal, indicando também caminho a ser seguido na interpretação infraconstitucional.
Determina essa mesma Lei, ainda, que "interpretam-se em favor da liberdade econômica, da boa-fé e do respeito aos contratos, aos investimentos e à propriedade todas as normas de ordenação pública sobre atividades econômicas privadas".
Visto isso, deve-se registrar que o parágrafo único do art. 2º da Lei da Mata Atlântica[6] determina que "somente os remanescentes de vegetação nativa no estágio primário e nos estágios secundário inicial, médio e avançado de regeneração na área de abrangência definida no caput deste artigo terão seu uso e conservação regulados por esta Lei".
O Decreto nº 6.660, de 2008[7], também tratou do tema no seu art. 1º, para deixar explícito que a regulamentação visa a tratar da proteção da Mata, "não interferindo em áreas já ocupadas com agricultura, cidades, pastagens e florestas plantadas ou outras áreas desprovidas de vegetação nativa". [8]
Portanto, o Decreto regulamentador da Lei da Mata Atlântica deixou claro que áreas já ocupadas com agricultura, pastagens, florestas plantadas ou outras áreas desprovidas de floresta nativa não sofrem a incidência da Lei nº 11.428, de 2006.
Por sua vez, o Código Florestal define área rural consolidada no art. 3º, IV, como sendo a "área de imóvel rural com ocupação antrópica preexistente a 22 de julho de 2008, com edificações, benfeitorias ou atividades agrossilvipastoris, admitida, neste último caso, a adoção do regime de pousio".
Nessas áreas consolidadas, a alteração promovida pelo elemento humano (antropização) é a principal característica, em contraposição à necessária presença de remanescentes de vegetação nativa no estágio primário e nos estágios secundário inicial, médio e avançado de regeneração, que implicam na incidência da proteção da Lei da Mata Atlântica.
O Superior Tribunal de Justiça - STJ já decidiu que a proteção ao Bioma Mata Atlântica refere-se à “floresta em pé” e ainda que esse julgado tenha sido proferido levando em conta a legislação anterior à Lei da Mata Atlântica, essa realidade ainda se aplica em razão da dicção legal:
EMENTA:
(...).
4. A matéria recursal cinge-se, pois, a interpretar os efeitos do Decreto 750/1993 e a consequente incidência da norma prescricional quinquenal, prevista no Decreto 20.910/1932, o que é cabível em Recurso Especial. Inaplicabilidade da Súmula 7/STJ.
(...).
11. Cabe observar que, no caso dos autos, o Decreto 750/93 não diminuiu a área então cultivada pelos recorridos, até porque não há Mata Atlântica na lavoura. Apenas impediu nova supressão da cobertura florística, especificamente a vegetação primária ou nos estágios avançado e médio de regeneração. O efeito possível do Decreto é restringir a ampliação do aproveitamento econômico do imóvel, mas não reduzir a exploração já existente.
...............................................................................................................
VOTO VENCEDOR:
(...).
Conforme explicitado no relatório, cuida-se, originariamente, de Ação de Indenização por Desapropriação Indireta proposta contra a União em virtude das restrições veiculadas pelo Decreto 750/1993, que proibiu o corte, a exploração e a supressão de vegetação primária ou nos estágios avançado e médio de regeneração da Mata Atlântica.
(...).
O efeito possível do Decreto 750/1993 é restringir a ampliação do aproveitamento econômico do imóvel, mas não reduzir a exploração de subsistência já existente.
(...).
Pelo contrário, esse percentual demonstra, inequivocamente, que houve simples restrição à exploração futura da vegetação remanescente do imóvel.
(...).
Como já visto, os próprios autores, na petição inicial, indicam que há anos – desde 1979 – exploram economicamente seu imóvel. Ao ser editado em 1993, o Decreto 750 em nada afetou essa explorabilidade já existente ou em curso, pois apenas se aplica à floresta em pé, e não a qualquer floresta, somente à Mata Atlântica, o mais ameaçado dos biomas brasileiros (só restam pouco mais de 5% de sua cobertura original). Já o Código Florestal (e o STJ pacificou tratar-se de obrigação propter rem) incide tanto em frações com vegetação como naquelas já desmatadas, como se dá com as Áreas de Preservação Permanente e a Reserva Legal.
(REsp nº 1.104.517 – SC., 2ª. T., Rel. Min. Castro Meira, Redator Min. Hermann Benjamin, j. 27/08/2013)
Nesse sentido, uma primeira conclusão já é possível: as áreas sobre as quais não incidem as disposições protetivas da Mata Atlântica, ainda que inseridas no espaço geográfico correspondente a esse Bioma, sofrem a incidência do Código Florestal, inclusive dos arts. 61-A e 61-B.
Isso porque o conceito de área consolidada não parece ser compatível com a presença de vegetação nativa primária ou secundária em suas fases de recuperação. Se há mata nativa, não se pode falar em área rural consolidada.
Observe-se, por oportuno, que a Lei nº 9.605, de 12 de fevereiro de 1998, tipifica como crime destruir ou danificar vegetação primária ou secundária, em estágio avançado ou médio de recuperação, do Bioma Mata Atlântica, bem como a derrubada de florestas em APP (arts. 38, 38-A e 39)[9].
Por outro lado, embora as atividades agrossilvopastoris pressuponham a ausência de Mata Atlântica, não havendo antinomia, deve-se observar que o reconhecimento dessas áreas rurais consolidadas admite a adoção do regime de pousio, em que poderá ocorrer a regeneração da vegetação de Mata Atlântica.
Ocorre que a Lei da Mata Atlântica também admite o regime de pousio em seu art. 26[10], ou seja, não há incompatibilidade entre os regimes legais, assim como ocorre com as outras atividades permitidas em áreas consolidadas, que são o ecoturismo e o turismo rural, que são atividades liberadas no âmbito do Bioma Mata Atlântica, nos termos dos arts. 6º, 18 e 33, IV, da Lei nº 11.428, de 2006, e Decreto nº 6.660, de 2008[11].
Ao regulamentar o art. 18 da Lei da Mata Atlântica, o Decreto nº 6.660, de 2008 (art. 29, II)[12], dispõe que a implantação de trilhas para o desenvolvimento de ecoturismo não necessita de autorização dos órgãos ambientais competentes.
Assim, deve ser afastada a interpretação aprioristica que conclui pela não incidência do Código Florestal em relação às áreas consolidadas previstas nos arts. 61-A e 61-B ao Bioma Mata Atlântica, dada a ausência de qualquer antinomia entre ambas nesse aspecto.
Esses dispositivos encontram-se, na verdade, alinhados com o escopo da proteção da Mata Atlântica, que deve assegurar o disciplinamento da ocupação rural e urbana inseridas nesse Bioma, de forma a harmonizar o crescimento econômico com a manutenção do equilíbrio ecológico (art. 7º, IV)[13].
Da regulação das APPs pelo Código Florestal e não pela Lei da Mata Atlântica. Inviabilidade jurídica de aplicação parcial do regime de proteção das APPs.
Outro aspecto a ser observado refere-se ao tratamento jurídico que foi dado pela legislação à proteção das APPs na legislação de proteção ao meio ambiente.
A Lei da Mata Atlântica determinou a aplicação da legislação ambiental vigente à época ao Bioma, especialmente do Código Florestal, consubstanciado na Lei nº 4.771, de 15 de setembro de 1965, que estabelecia integralmente o regime das APPs.
Em seus dispositivos, ao fazer referência às APPs, a Lei da Mata Atlântica fez remissão expressa ao Código Florestal então em vigor, como pode ser observado no inciso II do art. 11, bem como no inciso III do art. 23, que é o diploma legal que cuida da preservação ambiental[14].
Por sua vez, a Lei da Mata Atlântica consignou que "ressalvadas hipóteses previstas em lei, as áreas de preservação permanente não integrarão a reserva legal" (parágrafo único do art. 35), bem como que "terão prioridade de apoio os projetos destinados à conservação e recuperação de áreas de preservação permanente, (...)" (§1º do art. 38).
O fato é que a matéria inerente à APP foi objeto de disciplinamento pelo Código Florestal em sua quase integralidade com pequenas ressalvas, o que demonstra a conexão legal existente entre esses sistemas normativos.
Nesse aspecto, a alegação de incidência do princípio da especialidade, nesse caso, demandaria a existência de normas legais que importassem numa antinomia.
Não obstante, não é isso que se verifica. O Código Florestal é a Lei que disciplina normas gerais sobre a proteção da vegetação, inclusive sobre as áreas de preservação permanente, consoante se infere do seu art. 1º-A[15], e essa matéria não foi tratada na Lei da Mata Atlântica.
Por seu turno, o regime de proteção da APP é estabelecido pelo art. 7º do Código Florestal, e não pela Lei da Mata Atlântica. Nesse sentido, admitir a aplicação desse dispositivo ao Bioma e não admitir a aplicação dos art.s 61-A e 61-B da mesma Lei, seria admitir a aplicação parcial da norma, o que não se mostra viável juridicamente.
A norma que regula as APP tem sua regra geral no art. 7º e disposições transitórias relacionadas a essas áreas, que devem ser aplicadas integralmente e não parcialmente, por critério subjetivo.
Por sua vez, os dispositivos legais constantes da Lei nº 11.428, de 2006, que trataram das APP no Bioma Mata Atlântica, fizeram remissão ao antigo Código Florestal ou disciplinaram aspectos com o fito de os diferenciar do regramento geral determinado pelo Código Florestal.
Como antes afirmado, são sistemas jurídicos complementares, como pode ser constatado pela leitura do art. 1º da Lei da Mata Atlântica, que determina a aplicação da Lei nº 4.771, de 1965 (Código Florestal então em vigor), hoje sucedida pela Lei nº 12.651, de 2012 (Código Florestal em vigor).
Essa Lei conta com os arts. 61-A e 61-B[16], que permitem a continuidade de atividades agrossilvopastoris, de ecoturismo e de turismo rural em áreas consolidadas até 22 de julho de 2008 inseridas em APPs, estabelecendo, ainda, exigências especiais de recomposição da cobertura vegetal em situações que levam em consideração a dimensão da propriedade.
Conclusão.
Diante do exposto, entende-se que coexistem os sistemas jurídicos regulados pelo Código Florestal, especialmente a disciplina dos arts. 61-A e 61-B, e pela Lei da Mata Atlântica, dada a inexistência de antinomia.
À consideração superior.
Brasília, 6 de dezembro de 2019.
MARCO AURÉLIO CAIXETA
ADVOGADO DA UNIÃO
Atenção, a consulta ao processo eletrônico está disponível em http://sapiens.agu.gov.br mediante o fornecimento do Número Único de Protocolo (NUP) 21000019326201818 e da chave de acesso 57733187
Notas