ADVOCACIA-GERAL DA UNIÃO
CONSULTORIA-GERAL DA UNIÃO
CONSULTORIA JURÍDICA DA UNIÃO NO MUNICÍPIO DE SÃO JOSÉ DOS CAMPOS
COORDENAÇÃO
AV.CASSIANO RICARDO, Nº 521, BLOCO A, 2º ANDAR, PARQUE RESIDENCIAL AQUARIUS, CEP 12246-870, SÃO JOSÉ DOS CAMPOS/SP
PARECER n. 00018/2020/CJU-SJC/CGU/AGU
NUP: 01241.000115/2019-42
INTERESSADOS: CENTRO DE TECNOLOGIA DA INFORMAÇÃO RENATO ARCHER - CTI/MCTIC
ASSUNTO: ACORDO DE PARCERIA COM EMPRESAS, COM SUPORTE DA FUNDAÇÃO DE APOIO
VALOR: R$ 1.308.232,37
EMENTA:
16. CIÊNCIA, TECNOLOGIA E INOVAÇÃO – TEMAS RELACIONADOS A CIÊNCIA, TECNOLOGIA E INOVAÇÃO.
1.1. CONSULTA – Elaboração de manifestação jurídica de efeitos amplos. Projeto de CT&I denominado “Processo para recuperação de Lítio e Cobalto de baterias esgotadas, levando em conta as características dos mercados europeu e brasileiro, com foco nas especificidades da logística e manufatura reversa dos produtos eletroeletrônicos no Brasil e na Itália".
I - As relações jurídicas envolvendo ICT pública se submetem às disposições do regime jurídico de CT&I, que tem como base principiológica as disposições dos artigos 218 ao 219-B da CF/88.
II - A formatação do processo principal ('macro' ou 'processo mãe') que trata do 'projeto de CT&I', segundo a técnica adotada pela CJU-SJC nos últimos anos, deve conter (i) o descritivo do projeto de CT&I, (ii) o planejamento da execução do projeto de CT&I, (iii) manifestação técnica do órgão/entidade responsável pelo apoio na gestão da política de inovação da ICT pública, sobre o alinhamento do projeto em si e da sua forma de execução, segundo os objetivos e diretrizes da política de inovação da ICT, (iv) ato motivado de aprovação do diretor da ICT para a execução do projeto. Com isso, será possível, em tese, a análise e manifestação jurídica.
III - As relações jurídicas necessárias para execução do 'projeto de CT&I' são definidas, a princípio, no planejamento da execução do projeto, e implementadas em processos administrativos distintos, apensados ao processo principal. É possível que no bojo do processo principal seja implementada uma das relações jurídicas planejadas, desde que isso se mostre juridicamente plausível. No caso concreto, estar-se-á implementando no processo principal o "Acordo de Consórcio", entre a ICT pública e as duas empresas privadas.
IV - A denominação "Acordo e Consórcio" equivale ao "Acordo de Parceria" previsto no regime jurídico de CT&I , e a presente análise jurídica se pautou pela verificação dos requisitos desta figura jurídica, consoante o entendimento fixado no PARECER Nº 114/2019/CJU-SJC/CGU/AGU.
V - As demais relações jurídicas definidas no planejamento da execução do projeto de CT&I - a exemplo da relação entre a ICT e a sua fundação de apoio, para dar suporte à execução do projeto -, devem ser objeto de processos administrativos distintos, submetidos à Consultoria Jurídica da União para análise e emissão de parecer jurídico próprio, alinhado com os termos da manifestação jurídica emitida no processo principal.
VI - Conclusão: No caso concreto foram lançadas recomendações pontuais para regularização/complementação, cujo atendimento pela ICT perfaz condição da aprovação na forma do parágrafo único do art. 38 da Lei nº 8.666/1993, a fim de ser juridicamente possível dar seguimento à pretensão da ICT.
Por meio do OFÍCIO OFÍCIO Nº 631/2019/CTI_CGAD/CTI/CTI, de 20.12.2019, o novo órgão assessorado pela CJU-SJC encaminhou o processo administrativo acima referido, nos seguintes termos:
“1. Submeto à apreciação da Consultoria Jurídica da União no Estado de São Paulo os autos do processo em epígrafe, cujo objeto é firmar Acordo de Consórcio entre o CTI e as empresas Biosys Gestão em Meio Ambiente Ltda. (nacional) e ECOSISTEM s.r.l. (italiana).
2. Em atenção ao Despacho nº 0720/2016/CJU-SP/CGU/AGU e à “Guia de Serviço AGU Nº3/2015”, a fim de facilitar a análise dos documentos constantes do processo, inserimos no Sapiens os documentos individualizados e na ordem em que constam do processo, identificando o nome do documento e número SEI. Ressalta-se que o módulo de pesquisa pública do SEI-MCTIC encontra-se indisponível, por tempo indeterminado, de acordo com informações do Ministério da Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações. tão logo o módulo seja restabelecido, encaminharemos também o link de acesso `{a Consulta Pública.
3. Isso posto, relacionamos os documentos que integram os autos na orem em que constam do processo, identificando o nome do documento e número SEI.
[...]
4. Caso seja necessário qualquer esclarecimento adicional, a servidora Vanessa Maria de Vargas Ferreira, poderá ser contatada através do telefone (19) 3746-6165 ou pelo e-mail vanessa.ferreira@cti.gov.br
5. Sem mais para o momento, o CTI agradece e permanece à disposição."
O processo deu entrada nesta CJU/SJC, por meio de tarefa aberta no SAPIENS em 27 de dezembro de 2019 e foi encaminhada a tarefa a este subscritor no primeiro dia útil seguinte. Somente nesta data foi possível fazer a análise e manifestação jurídica, em razão do grande volume de trabalho no período do final de ano, além do atendimento de prioridades, complexidade do tema, mais problemas com lentidão de sistema, internet, realização de reuniões de assessoramento com os diversos órgãos assessorados, compromissos externos e demais atividades inerentes à coordenação desta CJU-SJC, além da saída de duas advogadas do quadro desta consultoria, entre outros fatos.
Por outro lado, consigno que a cooperação entre a CJU-SJC e a CJU-SP foi efetivamente formalizada em data recente, com a publicação (em 27.1.2020) da PORTARIA CONJUNTA n. 00001/2020/CJU-SP/CGU/AGU (NUP 00443.000279/2019-31)[1], somente após o que foi permitido à CJU-SJC atuar em processos administrativos que tenham por objeto atividades relacionadas com a política de inovação de ICT pública que se encontra sob jurisdição territorial da CJU-SP. E a novidade jurídica do caso concreto, também contribuiu para a finalização do trabalho apenas nessa data.
Da análise perfunctória, é possível concluir que, a priori, se trata de projeto de CT&I. Portanto, em sede de cognição sumária, recebo o processo nos termos do Art. 3º da PORTARIA CONJUNTA nº 1/2020/CJU-SP/CJU-SJC. A análise e manifestação jurídica do processo ficará a cargo deste signatário, na qualidade de Coordenador da equipe jurídica especializada em CT&I.
I - DA FINALIDADE E ABRANGÊNCIA DO PARECER JURÍDICO
Os fundamentos jurídicos quanto à finalidade e abrangência deste parecer jurídico são aqueles declinados rotineiramente nas manifestações jurídicas desta CJU-SJC dirigidas a este órgão assessorado, a exemplo do lançado no quinto parágrafo dos Pareceres nºs 228, 229, 243 e 245, e nos parágrafos quinto ao sétimo dos Pareceres nºs 422, 430, 449, 454 e 456, todos do ano de 2014. Acrescento que no caso concreto, diante das características do objeto desta análise, enquadrado como “projeto de CT&I”, o binômio finalidade/abrangência deste parecer terá como diretriz as disposições normativas do regime jurídico de CT&I, com espeque na otimização das regras, princípios e políticas positivadas na CF/88, concernentes ao fomento estatal da ciência, tecnologia e inovação, em suas dimensões econômica e social[2].
II - DA INSTRUÇÃO E FORMAÇÃO DO PROCESSO
Os autos (processo digital) estão instruídos com documentos de p. 01/472 (numeração do arquivo em “pdf”, de Seq 1 a Seq 3 do SAPIENS. Esse critério é adotado para identificar todos os demais documentos). Os principais documentos que instruem o processo e que importam para a análise jurídica no momento, são: (1) OFÍCIO n. 01065/2019/CJU-SP/CGU/AGU, de 20/12/2019, p. 3; (2) documentos redigidos na língua inglesa, p. 4/32; (3) Memorando nº 85/2019/SEI-CTI, de 30.1.2019, p. 33/34; (4) outros documentos redigidos na língua inglesa p. 36/87 Obs.: documento de p. 82, é parcial, Idem p. 85); (5) Documento "PROPOSTA PRELIMINAR DE PROJETO DE P,D&I (PPPDI)", p. 88/94; (6) Memorando nº 118/2019/SEI-CTI, de 6.2.2019 (Submissão de minuta de projeto ao ERA-MIN 2 - Edital 2018), p. 95/96; (7) Edital da "Chamada Pública Conjunta ERA-MIN Joint Call 2018", p. 98/111 (ERA-MIN Joint Call 2018, p. 112/165); (8) Memorando nº 165/2019/SEI-CTI, de 20.1.2019, p. 220; (9) Memorando nº 378/2019/CTI, de 4.6.2019; (10) Despachos (três) de mero expediente, p. 224/227; (11) documento "LICOBAT Consortium Agreement, version 1.0 2019-07-05" e anexos, p. 229/259; (12) Despacho de 18.9.2019, p. 260/261; (13) "Formulário para Apresentação de Propostas - FINEP", p. 265/305, e "RECIBO ELETRÔNICO" da FINEP, da proposta do projeto Recuperação de Lítio e Cobalto de baterias oriundas de logísticas da cadeia reversa de eletroeletrônicos, LICOBAT, p. 307; (14) cópia do documento de registro da empresa CAMERA DI, no órgão competente, redigido na língua italiana, p. 308/317 e tradução para o vernáculo, p. 318/332, e declaração de servidor sobre a tradução italiano/português, p. 334 ; (15) cópia de documentos enviados à Junta Comercial do Estado do Rio Grande do Sul, da empresa "BIOSYS GESTÃO EM MEIO AMBIENTE LTDA." p.335 /345; (16) PARECER DE MÉRITO Nº 3/2019/SEI-CTI p. 347/349; (17) Certidões de regularidade da empresa BIOSYS (CNPJ 10.492.473/0001-07), p. 350/357; idem em nome do sócio GUILHERME GUILA SEBBEN, p. 358/362; (18) Ofício nº OF065-2019/Facti, de 23.10.2019, de devolução do formulário para apresentação de propostas do projeto Licobat à FINEP e anexos, p. 363/405; (19) cópia da minuta do instrumento jurídico - redigido na língua inglesa - da relação entre a ICT/CTI Renato Archer, Biosys Gestão em meio Ambiente Ltda, e Ecosistem s.r.l., p. 406-433, e tradução para o vernáculo, p. 433/459, e declaração de servidor sobre a tradução inglês/português, p. 460; (20) NOTA TÉCNICA Nº 44/2019/SEI-CTI, assinada em novembro/2019, p. 461/463; (21) Parecer do NIT da ICT, p. 464/467, e despacho do Diretor do NIT, de encaminhamento, p. 468; (22) Ofício referido no item 1 deste parecer, p. 469/472. Anoto que vários documentos estão redigidos na língua inglesa, porém, sem o acompanhamento da correlata tradução para o vernáculo, o que recomenda-se à ICT regularizar nos autos, mormente porque isso é uma exigência normativa do processo administrativo, além do que, por se tratar de assunto de ordem técnica, compete aos responsáveis pela execução do projeto de CT&I, o dever jurídico de atender satisfatoriamente e com presteza as demandas sociais relacionadas com tais finalidades da ICT.
III – ANÁLISE JURÍDICA
Trata-se de processo administrativo encaminhado pelo órgão consulente para fins de análise e manifestação jurídica da relação que, na qualidade de ICT[3], pretende formalizar uma relação jurídica com as empresas Biosys do Brasil e Ecosistem da Itália. O acordo de parceria tem por objeto o desenvolvimento de "um processo para recuperação de Lítio e Cobalto de baterias esgotadas, levando em conta as características dos mercados europeu e brasileiro, com foco nas especificidades da logística e manufatura reversa dos produtos eletroeletrônicos nesses países".
A execução deste projeto, envolverá a consecução de objetivos distintos:
1- Desenvolver um processo físico sustentável e seguro para um pré-tratamento das baterias esgotadas antes do processo químico (hidrometalúrgico).
2- Adaptar o processo hidrometalúrgico desenvolvido e patenteado pela Ecorecycling (empresa italiana, parceira no Projeto) à escala industrial e estudar outras alternativas hidrometalúrgicas para a recuperação de Li e Co de baterias esgotadas.
3- Mapear a logística reversa das baterias esgotadas nos mercados brasileiro, europeu e italiano, comparando os aspectos críticos e melhores práticas, para buscar uma proposta de modelo logístico e propor a escala ótima de uma unidade de tratamento industrial (estudo de viabilidade).
4 - Contribuir para a melhoria da competitividade dos agentes industriais na cadeia reversa de Resíduos de Equipamentos Eletroeletrônicos (REEE), desenvolvendo oportunidades de emprego e difusão do bem-estar nos territórios de referência.
5- Identificar tecnologias sociais que possam contribuir para viabilizar soluções de sustentabilidade, autonomia, capacitação e inclusão social para catadores brasileiros, na cadeia reversa de baterias.
Por envolver a execução de atividade finalística da ICT pública, por conseguinte, prevalecem as disposições normativas do regime jurídico de CT&I na regência da execução do "projeto de CT&I" que se pretende levar adiante. Sobre o regime jurídico de CT&I, como "pano de fundo" da aferição da juridicidade das práticas em CT&I das ICTs da União, a CJU-SJC tem reiteradamente abordado o assunto, e a lógica da análise jurídica infere-se dos trechos do PARECER Nº 32/2019/CJU-SJC/CGU/AGU, abaixo colacionado, que aqui adoto como o fundamento de direito deste parecer:
[...]
27. O ‘campo jurídico de CT&I’ tem como uma de suas características primordiais a ‘transnacionalidade’, porquanto o seu poder diretivo sofre inconteste pressão direta de comandos ditados por organismos internacionais que atuam neste campo (v.g., OMC, OCDE, OMPI, etc), ou indiretamente de outras ordens estatais, pela adesão impositiva informal, decorrente do fenômeno da globalização, enquanto fato social inarredável da modernidade em sua fase atual.
28. Entenda-se por ‘campo jurídico de CT&I’, numa concepção a priori, como um sub-sistema social responsável pela emanação de diretrizes da conduta humana e pela manutenção de expectativas normativas no tempo, materializadas (essas diretrizes e expectativas) em tipologias diversas de regulação qualificada como jurídica no horizonte do ‘campo científico’, e que, dada a sua característica de transnacionalidade, podem ser classificadas pela antropologia jurídica – em seu viés científico -, a partir de três referenciais analíticos distintos, que ultrapassam a tradicional visão monológica do fenômeno jurídico, a saber: (i) normas gerais impessoais, (ii) modelos de conduta e comportamento e (iii) sistema de disposições duráveis [15].
29. Sob o enfoque da cientificidade, agora do Direito, portanto, não podemos deixar de lado os reflexos da universalidade desse poder diretivo das práticas de CT&I nos ordenamentos jurídicos contemporâneos e, por conseguinte, se chegar à conclusão da existência de um sistema impositivo de regulação uno e especial, dotado de uma lógica específica, e verificável em toda a sociedade moderna, enquanto um fenômeno global.
30. Feita essa breve digressão introdutória para realçar a amplitude (caráter transnacional ou globalizado) do fenômeno de regulação qualificável como jurídica no ‘campo científico’, e da consequente impossibilidade de enclausuramento das práticas de CT&I em ordens jurídicas autônomas e estanques dos Estados soberanos, então, num segundo momento, prossigo com um recorte analítico do ‘campo jurídico de CT&I’, à luz do ordenamento jurídico da República Federativa do Brasil.
31. No âmbito da regulação jurídica interna da República Federativa do Brasil, na CJU-SJC adotamos um entendimento segundo o qual, em suma, “o regime jurídico de CT&I brasileiro perfaz um sistema harmônico de normas gerais impessoais, dotadas de especialidade, destinadas a regular as práticas em CT&I, e que no plano estatal, visto como fomento, referenciam o iter dos resultados socioeconômicos, sob contínua influência de outras formas de regulação externas ao país”. A fim de sedimentar uma compreensão da exegese indutiva desse entendimento, colaciono o trecho do PARECER Nº 235/2017/CJU/SJC/CGU/AGU que faz uma abordagem do ‘regime jurídico de CT&I’:
[...]III.I - Do regime jurídico de CT&I[...] as relações que envolvam a execução de atividades finalísticas das ICTs submetem-se a um regime jurídico especial. E esse regime jurídico especial deve ser interpretado em seu sentido mais abrangente, considerando-se toda a extensão do bem jurídico que o Estado pretende tutelar, in casu, fomento de CT&I, com escopo da inovação no ambiente produtivo e social.8. À luz do direito posto pelo Estado, a Lei federal nº 10.973/04 é um dos pilares deste regime jurídico especial, que tem por sustentáculo constitucional as disposições do art. 218 ao 219-B da CF/88, conforme se infere da interpretação da norma do ser art. 1º:
[...] as relações que envolvam a execução de atividades finalísticas das ICTs submetem-se a um regime jurídico especial. E esse regime jurídico especial deve ser interpretado em seu sentido mais abrangente, considerando-se toda a extensão do bem jurídico que o Estado pretende tutelar, in casu, fomento de CT&I, com escopo da inovação no ambiente produtivo e social.“Art. 1º Esta Lei estabelece medidas de incentivo à inovação e à pesquisa científica e tecnológica no ambiente produtivo, com vistas à capacitação tecnológica, ao alcance da autonomia tecnológica e ao desenvolvimento do sistema produtivo nacional e regional do País, nos termos dos arts. 23, 24, 167, 200, 213, 218, 219 e 219-A da Constituição Federal.Parágrafo único. As medidas às quais se refere o caput deverão observar os seguintes princípios:I - promoção das atividades científicas e tecnológicas como estratégicas para o desenvolvimento econômico e social.II - promoção e continuidade dos processos de desenvolvimento científico, tecnológico e de inovação, assegurados os recursos humanos, econômicos e financeiros para tal finalidade;III - redução das desigualdades regionais;IV - descentralização das atividades de ciência, tecnologia e inovação em cada esfera de governo, com desconcentração em cada ente federado;V - promoção da cooperação e interação entre os entes públicos, entre os setores público e privado e entre empresas;VI - estímulo à atividade de inovação nas Instituições Científica, Tecnológica e de Inovação (ICTs) e nas empresas, inclusive para a atração, a constituição e a instalação de centros de pesquisa, desenvolvimento e inovação e de parques e polos tecnológicos no País;VII - promoção da competitividade empresarial nos mercados nacional e internacional;VIII - incentivo à constituição de ambientes favoráveis à inovação e às atividades de transferência de tecnologia;IX - promoção e continuidade dos processos de formação e capacitação científica e tecnológica;X- fortalecimento das capacidades operacional, científica, tecnológica e administrativa das ICTs; XI - atratividade dos instrumentos de fomento e de crédito, bem como sua permanente atualização e aperfeiçoamento;XII - simplificação de procedimentos para gestão de projetos de ciência, tecnologia e inovação e adoção de controle por resultados em sua avaliação;XIII - utilização do poder de compra do Estado para fomento à inovaçãoXIV - apoio, incentivo e integração dos inventores independentes às atividades das ICTs e ao sistema produtivo.”9. Exsurge, então, a pretensão estatal de normatizar as atividades concernentes à tríade ciência, tecnologia e inovação, com escopo de fomento econômico e social. Primeiramente, destaque-se que o termo inovação, advém do latim “innovationem”, que é o substantivo do verbo “innovare”, o qual tem como matriz a palavra “innovatus”. O verbo “innovare” significa renovar ou mudar (“in” = em + “novus” = novo). Nessa linha, a palavra inovação significa um processo de renovação ou de transformação de algo que existe, e não necessariamente a introdução de algo novo – o que perfaz o traço distintivo mais relevante entre os termos “inovação” e “invenção” -. A inovação, em seu sentido amplo, decorre do surgimento de uma nova ideia que transforma ou renova algo que terá afetação no processo evolutivo da humanidade, razão pela qual, a perspectiva tecnológica da inovação é tida numa acepção ampla, referindo-se às novas aplicações do conhecimento ao trabalho humano, que abarca todas as esferas do saber, no campo das ciências exatas, humanas e biológicas. Poder-se-ia cogitar que, a priori, a vontade do legislador se referiu apenas à inovação decorrente da alta tecnologia, porém, a norma do inc. IV do art. 2º da Lei de Inovação confirma sua maior amplitude, i.e., que não se restringe à alta tecnologia, sendo suficiente para caracterizar a inovação, a novidade ou o mero aperfeiçoamento no ambiente produtivo ou social:“Art. 2º Para os efeitos desta Lei, considera-se:[...]IV - inovação: introdução de novidade ou aperfeiçoamento no ambiente produtivo e social que resulte em novos produtos, serviços ou processos ou que compreenda a agregação de novas funcionalidades ou características a produto, serviço ou processo já existente que possa resultar em melhorias e em efetivo ganho de qualidade ou desempenho;[...]” (Destaquei)10. Em segundo, para o termo ciência podemos adotar um conceito aberto, segundo o qual traduz “o saber produzido através do raciocínio lógico associado à experimentação prática.”[6] Enfim, para o termo tecnologia, encontramos uma conceituação diversificada, e considerando-se o campo de atuação das ICTs locais (CT&I aeroespacial), entendo que é interessante trazer à baila a conceituação utilizada pela ESA (Agência Espacial Europeia): 'technology is the practical application of knowledge so that something entirely new can be done, or so that something can be done in a completely new way.'[7]. Do ponto de vista etimológico, a palavra tecnologia tem origem grega, da junção de "tekhne" que significa "técnica, arte, ofício" e "logos" que significa "razão, argumento” ou “logikós”, que significa “relativo ao raciocínio”, e vem do verbo “légo” que tem seu campo de significação associado à comunicação oral e racional. Santos, Marine e Teixeira[8] sugerem um quadro comparativo dos conceitos de ciência, tecnologia e inovação, que, por didático, colaciono a seguir:[...]11. E quando incumbidos da interpretação das disposições do campo jurídico de CT&I, devemos considerar como norma-princípio o disposto no inc. IV do art. 2º da Lei nº 10.973/04, que reflete a finalidade legal do fomento no ambiente produtivo e social, pelo exercício de qualquer atividade humana inovadora, mesmo que não seja proveniente da alta tecnologia, em que pese, frise-se, a inegável importância e supremacia das inovações tecnológicas por assim dizer.12. A EC nº 85/2015 alterou e adicionou dispositivos no “Capítulo IV – Da Ciência, Tecnologia e Inovação”, da CF/88, de modo a realçar o tratamento prioritário da pesquisa básica e tecnológica[9] a ser dado pelo Estado na execução de suas políticas públicas, pois o progresso da tríade ciência, tecnologia e inovação, inexoravelmente perfaz relevante contributo para se alcançar o escopo da persecução do bem público (§1º c.c. § 2º do art. 218), cujos fundamentos, destaque-se, foram erigidos como objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil, no art. 3º da CF.13. Na seara constitucional, portanto, qualquer análise e consequente emissão de manifestação jurídica relacionada com o fomento de CT&I, impõe necessariamente uma abordagem de fundo sob um enfoque zetético[10], e não apenas no viés da pura dogmática do direito. Com efeito, o desenvolvimento das sociedades atuais é reflexo de um processo impulsionado pela racionalidade que, diga-se, foi responsável pela dinâmica de transição social para a modernidade, marcadamente a partir da segunda metade do século XIX, numa estreita relação com o desenvolvimento da ciência e da tecnologia, que afetou todas as esferas institucionais. Assim, a racionalidade induziu a uma progressiva dissolução da cosmovisão de base metafísico-religiosa então vigente, o que, por conseguinte, liberou o potencial de expansão da racionalidade interna de cada esfera cultural de valores: a secularização e o “desencantamento” dos padrões de conduta dominantes induzem a um modelo de sociedade marcado por um politeísmo de valores, enfatizando, dessa forma, a ciência como um campo social dotado de autonomia mais ampla. Nesse sentido, Habermas aduz em sua obra “TÉCNICA E CIÊNCIA COMO “IDEOLOGIA””, que Max Weber buscou compreender a influência do progresso técnico-científico na dinâmica de transição social para a modernidade, por intermédio do conceito de racionalização:[...]Max Weber introduziu o conceito de “racionalidade” para designar a forma da atividade econômica capitalista, das relações do direito privado burguês e da dominação burocrática. Racionalização significa ali antes de tudo a expansão dos âmbitos sociais submetidos aos critérios de decisão racional. Isso corresponde à industrialização do trabalho social, tendo por consequência a penetração dos critérios da ação instrumental em outros âmbitos da vida (como urbanização dos modos de vida, a transformação técnica das trocas e comunicação). Em todos esses casos, trata-se da perpetração do tipo de ação que pode ser descrita nos termos de uma ação racional com respeito a fins [Zweckrationales Handeln]: o primeiro caso se refere à organização dos meios existentes e, no segundo, à escolha entre alternativas. O planejamento, enfim, pode ser compreendido como uma ação racional com respeito a fins: ele se dirige à instauração, melhoria ou ampliação dos próprios sistemas de ação racional com respeito a fins. A progressiva “racionalização” da sociedade encontra-se ligada à institucionalização do progresso científico e técnico. Na medida em que a técnica e a ciência penetram nos âmbitos institucionais da sociedade e, dessa forma, transformam as próprias instituições, as antigas formas de legitimação são decompostas. A secularização e o “desencantamento” das imagens do mundo capazes de orientar a ação, isto é, da tradição cultural em seu todo, apresentam-se como o outro lado de uma “racionalidade” crescente da ação social.[...][11]14. Habermas cita como paradigma de sua análise o trabalho de Herbert Marcuse, com destaque para a convicção deste último no sentido que a “racionalização” aludida por Max Weber, não significa a imposição de uma racionalidade em sua acepção semântica lexical, porquanto escamoteia, na verdade, uma forma de dominação política oculta, que atua sob tal denominação. Assim, Marcuse propõe que o conceito de razão técnica seja considerado também como ideologia, voltada à dominação da natureza e do homem, num viés de fusão entre a tecnologia e a dominação. Mas a dominação tenderia a perder o seu caráter de exploração e opressão, tornando-se “racional”, mensurada – a racionalidade da dominação - pela manutenção de um sistema que permite o aumento das forças produtivas atrelado ao desenvolvimento técnico-científico. Num dos horizontes de abordagem desta obra de Habermas podemos destacar a inequívoca relação umbilical da ciência e da técnica com a racionalidade, propulsora da modernidade, invariavelmente nas tipologias da ação racional com respeito a fins, de ideologia e da ação comunicativa. Em qualquer destas vertentes vislumbradas, a dominação e o poder se fazem presentes, em formas diversas de atuação e num grau maior ou menor de escamoteamento, para chancelar sua legitimação, valendo-se da técnica e da ciência como fundamento.[12]15. E este processo de evolução da racionalidade, enquanto fenômeno inerente às sociedades da modernidade, portanto, deve ser considerado em suas vertentes geradoras da normatividade diretiva da conduta humana, notadamente para a interpretação e aplicação das disposições jurídicas do regime de CT&I, rejeitando-se qualquer pretensão engessada, mecanicista ou fisicalista, focada num positivismo radical, voltado para a conceituação do direito concernente às ações estatais de fomento no campo da ciência, tecnologia e inovação, mormente porque é o resultado concreto destas ações que deve chancelar a sua juridicidade: a legalidade da ação de fomento estatal no regime jurídico de CT&I deve ser aferida pelo alcance de sua finalidade (resultado), a qual, ao mesmo tempo, deve servir como um parâmetro pré-reflexivo da interpretação do direito e do desvelamento do valor das proposições jurídicas que norteiam os atos estatais praticados no processo de fomento. Essa exegese está alinhada, aliás, com a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, conforme se deduz da ADI nº 1.923, no trecho abaixo colacionado:[...]3. A atuação do poder público no domínio econômico e social pode ser viabilizada por intervenção direta ou indireta, disponibilizando utilidades materiais aos beneficiários, no primeiro caso, ou fazendo uso, no segundo caso, de seu instrumental jurídico para induzir que os particulares executem atividades de interesses públicos através da regulação, com coercitividade, ou através do fomento, pelo uso de incentivos e estímulos a comportamentos voluntários. 4. Em qualquer caso, o cumprimento efetivo dos deveres constitucionais de atuação estará, invariavelmente, submetido ao que a doutrina contemporânea denomina de controle da Administração Pública sob o ângulo do resultado (Diogo de Figueiredo Moreira Neto). 5. O marco legal das Organizações Sociais inclina-se para a atividade de fomento público no domínio dos serviços sociais, entendida tal atividade como a disciplina não coercitiva da conduta dos particulares, cujo desempenho em atividades de interesse público é estimulado por sanções premiais, em observância aos princípios da consensualidade e da participação na Administração Pública. 6. A finalidade de fomento, in casu, é posta em prática pela cessão de recursos, bens e pessoal da Administração Pública para as entidades privadas, após a celebração de contrato de gestão, o que viabilizará o direcionamento, pelo Poder Público, da atuação do particular em consonância com o interesse público, através da inserção de metas e de resultados a serem alcançados, sem que isso configure qualquer forma de renúncia aos deveres ser mais eficiente do que a pública em determinados domínios, dada a agilidade e a flexibilidade que marcam o regime de direito privado. 8. Os arts. 18 a 22 da Lei n. 9.637/98 apenas concentram a decisão política, que poderia ser validamente feita no futuro, de afastar a atuação de entidades públicas através da intervenção direta para privilegiar a escolha pela busca dos mesmos fins através da indução e do fomento de atores privados, razão pela qual a extinção das entidades mencionadas nos dispositivos não afronta a Constituição, dada a irrelevância do fator tempo na opção pelo modelo de fomento – se simultaneamente ou após a edição da Lei [...] (Destaquei)16. Sob a perspectiva do Estado brasileiro gizada na Constituição Federal de 1988, existe um compromisso de ações afirmativas para com a sociedade, ou seja, demanda tanto a iniciativa estatal como a do setor privado para a realização da justiça social. Portanto, segundo enfatiza Isabel Vaz, o “ ‘capital’ nada produz sem a participação do ‘trabalho’”, ou seja, nesse horizonte, o capital é o elemento “essencial da produção e da multiplicação de riquezas”.[13] A implementação do desiderato constitucional dá-se no âmbito da implementação das políticas públicas. Visto no plano microinstitucional, que tem o viés de uma ação governamental processualmente estruturada, na acepção de Maria Paula Dallari Bucci, esse processo dá-se por uma sucessão de etapas da chamada “vida institucional” de uma política pública, ou seja, nasce desde “a inserção do problema na agenda política até a implementação da decisão, passando pela formação de alternativas até a tomada da decisão, em si..[14]17. Partindo-se da ideia de ciclos de vida da política pública (Jean-Claude Thoenig, Pierre Muller),é durante a avaliação dos programas governamentais que podemos avaliar o impacto dos resultados dos objetivos almejados nos campos social e econômico, ou seja, mensurar se os objetivos, a metas previamente estabelecidas foram alcançados após a execução da política pública implementada. Jean-Claude Thoenig enfatiza que o controle de gestão da política pública deve ponderar os aspectos interno e externo. Entende-se por interno a avaliação da eficiência no fornecimento de bens e na prestação de serviços estatais, e, por externo, concentra-se na eficácia social em face do problema que se pretende solucionar.[15]18. Adotada como pano de fundo a interpretação levada a efeito nas linhas anteriores, que mira o resultado da atividade de fomento como elemento constituinte do valor de verdade das proposições jurídicas – e até mesmo morais - diretivas de tais relações[16], por conseguinte, a afirmação da juridicidade das relações estatais de fomento em CT&I depende de um criterioso e antecedente planejamento, que demonstre objetivamente (i) a pretensa execução de um projeto de CT&I[17], que deve ter (ii) previsão no plano de desenvolvimento institucional (PDI) da ICT, o qual, a seu turno, deverá estar alinhado com (iii) as prioridades da política nacional de CT&I e com a política industrial e tecnológica nacional. Insere-se nesta estrutura, certamente como o requisito mais importante da juridicidade das atividades estatais de fomento em CT&I, a projeção de um resultado esperado segundo aquilo que foi planejado racionalmente pela ICT.19. Destarte, para a adequada elaboração do processo administrativo voltado à concretização de qualquer projeto de CT&I, cabe à ICT instruir os autos, em regra, com (i) o documento que descreva com detalhamento suficiente o projeto de CT&I, e o seu alinhamento com o PDI da ICT, inclusos o cronograma macro de execução físico-financeiro, a expectativa de ganho tecnológico, quando houver, os indicadores que serão utilizados para o gerenciamento do projeto de CT&I (objetivo, metas, resultados, etc), a definição das atividades que caracterizem desenvolvimento tecnológico (de caráter inventivo ou inovador da técnica existente), etc; (ii) num segundo momento, apresentar um planejamento de execução do projeto de CT&I com os estudos e as alternativas para execução material do projeto de CT&I, com a análise de riscos, forma de custeio, eventuais relações jurídicas com terceiros e os indicadores que serão utilizados para gerenciamento de cada relação conjunta (objetivo, metas, resultados, etc); (iii) na sequência, caberá ao Núcleo de Inovação Tecnológica da ICT se pronunciar a respeito do projeto de CT&I e dos estudos e alternativas de sua execução apresentados no planejamento, opinando a respeito da adequação destes com a política de inovação da ICT, e apresentar a metodologia objetiva de gerenciamento e mensuração dos resultados (indicadores de inovação, etc) do projeto de CT&I, de modo que se alcance a maior efetividade do projeto enquanto instrumento de inovação (frise-se: ainda que meramente potencial) para o setor produtivo nacional e regional, assim como o seu potencial de inovação social; (iv) ato contínuo, a partir das informações geradas nas etapas anteriores, caberá ao dirigente da ICT decidir sobre o início da execução do projeto de CT&I, e a forma de acompanhamento do resultado desta ação estatal de fomento de CT&I. É o ato do dirigente da ICT que definirá, com fundamento nas informações antecedentes, quais as relações jurídicas serão escolhidas para formalização, que tenham maior probabilidade de garantir a melhor performance da ação de fomento estatal.20. Enfatizo que o resultado do projeto de CT&I, pela natureza da própria atividade, é a priori uma expectativa, razão pela qual é imprescindível o gerenciamento continuado e eficaz da sua execução, a fim de garantir-lhe a juridicidade necessária das correlatas decisões tomadas durante a execução do projeto de CT&I, para que se mantenha alinhado ao rumo do seu objetivo, sem confundir essa juridicidade com a efetividade de fato do projeto de CT&I, mensurável apenas a posteriori. Por esse entre outros motivos, cabe ao órgão consultivo da AGU acompanhar o processo de execução do projeto de CT&I, deste o seu início, até a execução final, para garantir a segurança jurídica de todo o ciclo da atividade de fomento da ICT.[...]
32. O regime jurídico de CT&I, nesse prisma, deve ser visto, interpretado e aplicado a partir de uma visão funcional do Direito, haja vista as características do objeto para o qual dirige a atuação do Estado: o fomento estatal prioritário em CT&I, com vistas à solução de problemas brasileiros e desenvolvimento do setor produtivo nacional e regional, que numa interpretação sistemática constitucional, redunda na potencialização do bem estar geral da sociedade, o que pode ser traduzido pelo termo ‘emancipação social’ (ou dignidade da pessoa humana). Por conseguinte, a incerteza, o risco e a inegável velocidade da renovação científica (que produz inovação tecnológica), enquanto características inerentes às práticas de CT&I, impõem o acompanhamento e aferição contínua da juridicidade destas, com espeque na máxima efetividade da dignidade da pessoa humana.33. Nesse prisma, devemos afastar toda e qualquer pretensão de aplicação do Direito a partir de um enfoque exclusivamente dogmático, rigorosamente formal, de viés estrutural: A interpretação e aplicação do Direito de CT&I atrai necessariamente a visão funcional do profissional do Direito, num enfoque dogmático zetético, impondo-se o manejo de técnicas de pesquisa qualitativa – em abandono à clássica postura exclusivamente de gabinete do jurista -, a fim de coligir os elementos de fato e de direito necessários, dentro de cada contexto, para dizer “qual é o Direito” aplicável à hipótese.34. Portanto, eventual desacordo teórico no plano da interpretação e aplicação do Direito de CT&I deve ser solucionado com espeque no objetivo constitucional das práticas estatais de CT&I, para o qual as diversas políticas de inovação das ICTs devem se alinhar, repita-se, em busca da máxima efetividade da dignidade da pessoa humana.35. Assim, nas práticas de CT&I, o Direito tem preponderante função instrumental, com a finalidade de preservar e reafirmar as expectativas normativas nesse processo continuado da busca da efetividade do fomento estatal. Noutro giro, o próprio Direito no campo de CT&I acaba perfazendo uma prática científica que cumpre um papel tecnológico com pretensão inovadora, consoante exposto no parágrafo 16 deste parecer. Disso, o “melhor Direito” é aquele que se alinha com essa máxima efetividade almejada pela prática de CT&I, enquanto bem público supremo.36. E agora a pergunta: como chancelar a “boa qualidade” dessa simbiose entre os campos científico e jurídico? Acima de tudo, pela demonstração objetiva da máxima efetividade da prática de CT&I, o que deve ser verificado em todo o iter da prática em CT&I, ou seja: não basta à ICT elaborar centenas de artigos científicos, com centenas de acessos e citações; não basta depositar dezenas de pedidos de patente junto ao INPI; não basta executar 100% do seu orçamento de atividades de P&D ao ano; enfim, não basta concluir algum produto, processo, etc, inovador (tudo numa visão quantitativa, limitada à própria prática) se essas ações não comprovam objetivamente um incremento na solução dos problemas brasileiros e no desenvolvimento do sistema produtivo nacional e regional, o que do ponto de vista jurídico constitucional brasileiro, como dito, é visto sob o horizonte da potencialização da “dignidade da pessoa humana” (ou emancipação social). Daí, a partir da interpretação jurídica em suas diversas técnicas, reafirma-se a diretriz constitucional de tratamento prioritário da pesquisa científica e tecnológica, “tendo em vista o bem público e o progresso da ciência, tecnologia e inovação.”.37. A tríade “CT&I”, desta forma, é indissociável até mesmo naquelas situações nas quais a prática se limita à pesquisa básica: É que todo incremento do saber científico traz em si um potencial inovador, em qualquer área do saber humano. Merece ênfase a assertiva no sentido que a ciência pura não tem seu fim no resultado isolado da própria pesquisa, porquanto a ‘mera curiosidade’ não está contemplada no Direito de CT&I, razão pela qual, a ciência pura praticada no âmbito da ICT pública só tem guarida jurídica em razão do seu potencial inovador ínsito.38. Aqui chegamos ao plano constitucional das diretrizes básicas de orientação estatal nas práticas de CT&I no país, que para fins de sistematização lógica, podemos entender como normas-princípios, fundamentos do nosso regime jurídico de CT&I:a) Princípio do fomento estatal em CT&I;b) Princípio da prioridade de tratamento estatal das práticas de CT&I;c) Princípio do apoio efetivo à formação de RH em CT&I;d) Princípio da concessão de meios e condições especiais de trabalho em CT&I;e) Princípio do estímulo cooperação entre entes públicos e privados para as práticas de CT&I;f) Princípio da promoção e incentivo das ICTs públicas para o aprimoramento das práticas de CT&I no exterior;g) Princípio do estímulo ao empreendedorismo empresarial;h) Princípio do estímulo aos ambientes promotores de inovação, à atuação dos inventores independentes e a criação, absorção, difusão e transferência de tecnologia;i) Princípio da participação conjunta e tratamento sistêmico das práticas de CT&I.[...]
Na linha da fundamentação retro, reitero que a instrução do processo administrativo da ICT pública concernente à implementação de um projeto de CT&I ('macro' ou 'processo-mãe'), deve, necessariamente, demonstrar o seu alinhamento (quanto ao objeto e ao procedimento de execução) com a política de inovação da ICT, em todos os seus aspectos, porquanto, isso perfaz a motivação administrativa, enquanto requisito de regularidade das atividades estatais no âmbito do fomento em CT&I. Anote-se que para o adequado assessoramento jurídico no campo de CT&I, esta Consultoria Jurídica da União estruturou um procedimento para interação entre as ICTs da União e a CJU, pelo o qual, em primeiro lugar, a ICT faz a apresentação do projeto de CT&I específico que pretende executar (expõe do que se trata; qual o cronograma macro de execução; forma de custeio; pesquisadores e outros que participam do projeto; objetivos; metas; indicadores de desempenho; etc).
Nesta etapa inicial do procedimento, as principais informações são expostas, discutidas, e definidas as linhas preliminares da formatação do processo administrativo que, num segundo momento, deverá ser instruído com os seguintes documentos: (i) o descritivo do projeto macro de CT&I, (ii) os estudos preliminares do modo de execução do projeto, e consequente definição das relações jurídicas necessárias para isso; (iii) manifestação exauriente do órgão de apoio à política de inovação da ICT, tanto em relação ao projeto de CT&I em si, como sobre a forma de sua execução (parcerias, convênios, aquisição de bens e serviços, capacitação, impactos no setor produtivo e social, etc, tudo alinhado com a política de inovação da ICT); e por fim, (iv) o ato motivado do diretor da ICT, que autoriza o início da execução do projeto de acordo com o plano de execução. Após, o processo macro ou "mãe" será submetido à análise da Consultoria Jurídica da União, para verificação dos diversos aspectos de legalidade, com síntese materializada numa manifestação jurídica.
A regra geral adotada pela CJU-SJC para análise jurídica que envolva a execução de "projeto de CT&I", é que todas as relações jurídicas autônomas, necessárias para a execução do projeto, sejam formalizadas em processos administrativos distintos, mas que terão anotada a sua apensação ao processo macro, e vice-versa. Nada impede, porém, que no bojo do próprio processo macro já esteja inclusa uma relação jurídica de execução, desde que a mesma seja compatível com a hipótese, e isso não prejudique a gestão da execução do projeto de CT&I, como um todo. Lembramos que é no planejamento da execução do projeto de CT&I, destarte, que são: realizados os estudos preliminares; apresentadas alternativas, sugestões com justificativas e demais informações que permitam identificar os requisitos de cada relação jurídica que será implementada durante o período de execução do projeto. Em que pese inexistir o planejamento da execução no caso sob análise, é possível vislumbrar algumas relações jurídicas autônomas, senão vejamos:
a) Há pretensão de formar uma relação jurídica entre a ICT pública, com uma empresa nacional e outra empresa estrangeira, que a priori poder-se-ia caracterizar a figura do "acordo de parceria"; Todavia, deduz-se que se está utilizando a denominação de "Acordo de Consórcio", com o intuito de permitir que se busque financiamento junto ao projeto da União europeia denominado de "Horizon 2020"[4].
b) Também se pretende formar uma relação jurídica com a FINEP, para que esta aporte recursos financeiros que serão utilizados para a execução do projeto de CT&I;
c) Enfim, se vislumbra uma pretensa relação jurídica de suporte administrativo e financeiro à ICT, por meio da sua fundação de apoio.
Neste processo administrativo ora submetido à CJU-SJC, a relação jurídica inicial que exsurge do contexto documental visto à luz do nosso regime jurídico de CT&I, é de um 'acordo de parceria', a princípio, entre a ICT e as empresas Biosys e Ecosistem. A Consultoria Jurídica da União em SJC já se pronunciou sobre esse assunto do campo de CT&I (acordo de parceria) nos termos do PARECER Nº 114/2019/CJU-SJC/CGU/AGU (NUP 01340.005037/2019-54), cujo desfecho se deu nos termos da ementa abaixo colacionada:
EMENTA:
1.1. CONSULTA - Elaboração de manifestação jurídicas de efeitos amplos.
16. CIÊNCIA, TECNOLOGIA E INOVAÇÃO - TEMAS RELACIONADOS À CIÊNCIA,TECNOLOGIA E INOVAÇÃO.DIREITO DA CIÊNCIA, TECNOLOGIA E INOVAÇÃO. ACORDO DE PARCERIA ENTRE ICT PÚBLICA E EMPRESA. ART. 9º DA LEI Nº 10.973/04. INEXISTÊNCIA DE REPASSE DE RECURSOS FINANCEIROS ENTRE OS PARCEIROS. APROVAÇÃO CONDICIONADA DA MINUTA.
I - ACORDO DE PARCERIA EM CT&I - O acordo de parceria é a denominação daquelas relações jurídicas no campo de CT&I, que têm a finalidade de execução, pelos parceiros, de ‘atividades conjuntas de pesquisa científica e tecnológica e de desenvolvimento de tecnologia, produto, serviço ou processo’.
II - MOTIVAÇÃO DA PARCERIA EM CT&I ENTRE ICT PÚBLICA E EMPRESA - o interesse que justifica a formalização da relação jurídica entre a ICT pública e empresa (setor produtivo), se funda na potencialização do bem-estar e na justiça social, enquanto interesse público primário do Estado.
III - POLÍTICA DE INOVAÇÃO DA ICT PÚBLICA - A política de inovação da ICT pública é a diretriz normativa que autoriza (ou não) a formação das relações jurídicas da ICT, no horizonte da execução de suas atividades finalísticas.
IV - REQUISITOS DO ACORDO DE PARCERIA - Os requisitos jurídicos necessários para formalização do acordo de parceria em CT&I estão previstos nos artigos 35 e 37 do Decreto nº 9.283/18, e em cada caso concreto, devem se alinhar com a política de inovação da ICT.
V - CONSTRUÇÃO, COMPRA DE NOVOS EQUIPAMENTOS DE LABORATÓRIO, MANUTENÇÃO E MELHORIAS MENSURÁVEIS DE LABORATÓRIOS DA ICT - Na tipologia legal do acordo de parceria em CT&I, a princípio não se enquadra no seu objeto a construção, compra de novos equipamentos de laboratório, manutenção e execução de outras melhorias mensuráveis. Se restar demonstrado que se trata de elemento indispensável para a execução do objeto da parceria, então, tais contratações deverão constar do Plano Anual de Contratações (PAC) do órgão, e deverão estar inseridos no cronograma de execução da parceria.
VI. CONCLUSÃO: Da análise do processo e das recomendações lançadas no parecer - que atestam a instrução insatisfatória do processo -, a princípio, não seria viável o seu prosseguimento. Todavia, por inexistir transferência de recursos financeiros entre os parceiros,caso a ICT atenda todas as recomendações deste parecer, poder-e-á considerar aprovada a minuta do instrumento jurídico, para fins de atendimento da norma do parágrafo único do art.38 da LLCA, condicionada esta aprovação ao pleno atendimento das recomendações deste parecer.
Não obstante a classificação jurídica retro, os partícipes propõem a denominação de "CONSORTION AGREEMENT" (ou "ACORDO DE CONSÓRCIO"), segundo é previsto no "REGULATION (EU) Nº 1290/2013, EUROPEAN PARLIAMENT AND OF THE COUNCIL, of 11 December 2013"[5], que estabelece as regras para participação e divulgação no "Horizon 2020 - the Framework Programme for Research and Innovation (2014-2020) ". Deduz-se, destarte, que a subsunção da relação jurídica tripartite dos autos na forma de um "Acordo de Consórcio" se deve tão somente para a finalidade de captação/utilização de recursos financeiros do programa "Horizon 2020". Com efeito, o documento "NOTA TÉCNICA nº 44/2019/SEI-CTI", assim informa:
[...]
1. Manifestação quanto ao processo de assinatura do Acordo de Consórcio entre CTI, Biosys e Ecosistem, no contexto da chamada pública internacional Eramim 2 - Horizon 2020, para execução do projeto "Recuperação de Lítio e Cobalto de baterias oriundas de logísticas da cadeia reversa de REEE -LiCoBat", submetido para financiamento via Eramim e agências de fomento vinculadas, no caso do CTI, à FINEP.
JUSTIFICATIVA PARA A CELEBRAÇÃO DO INSTRUMENTO
2. O ajuste trata-se de um Acordo de Consórcio (4796513) entre o CTI Renato Archer, instituição de ciência e tecnologia (ICT) da estrutura regimental do MCTIC, com a Biosys Gestão em MeioAmbiente LTDA, empresa brasileira limitada de gerenciamento de resíduos industriais e comerciais, e a Ecosistem SRL, empresa italiana limitada de gestão de resíduos e proteção ambiental. Os atos constitutivos e documentação dos representantes legais encontram-se instruídos no processo.
3. Tal instrumento está vinculado à Chamada Pública Conjunta Era-MIN Joint Call 2018 "Matérias-primas para o desenvolvimento sustentável e economia circular" (3868424), a qual possui como financiadora das partes brasileiras a FINEP (3868413). O projeto foi avaliado internamente pelo CTI, tendo sido aprovado em Comitê (4746093).
4. O Consórcio tem como objetivo consolidar as ações e resultados esperados pelos diversos parceiros no contexto do projeto, não havendo transferência de recursos financeiros entre as partes. Cabe a cada partícipe firmar ajuste junto à financiadora para o aporte de recursos para a execução das metas de sua responsabilidade.
5. No âmbito do consórcio, tem-se como base no art. 9º da Lei 10.973/04. O projeto correspondente à parte do CTI foi submetido à FINEP e aguarda aprovação, sendo em momento oportuno firmado outro ajuste entre FINEP e CTI para o fim específico de aporte financeiro da FINEP para a execução do projeto.
6. O projeto motivador do Acordo de Consórcio atende à Lei 10.973/04 (Lei de Inovação) nos seguintes quesitos, sem a eles se limitar:
“Art. 1º - Esta Lei estabelece medidas de incentivo à inovação e à pesquisa científica e tecnológica no ambiente produtivo, com vistas à capacitação tecnológica, ao alcance da autonomia tecnológica e ao desenvolvimento do sistema produtivo nacional e regional do País, nos termos dos arts. 23, 24, 167, 200,213, 218, 219 e 219-A da Constituição Federal. Parágrafo único. As medidas às quais se refere o caput deverão observar os seguintes princípios:I - promoção das atividades científicas e tecnológicas como estratégicas para o desenvolvimento econômico social;II - promoção e continuidade dos processos de desenvolvimento científico, tecnológico e de inovação, assegurados os recursos humanos, econômicos e financeiros para tal finalidade;(...)V - promoção da cooperação e interação entre os entes públicos, entre os setores público e privado e entre empresas;(...)IX - promoção e continuidade dos processos de formação e capacitação científica e tecnológica;(...)”
7. A finalidade deste Acordo de Consórcio é padronizar, com respeito ao Projeto, o relacionamento entre as Partes, em particular sobre a organização do trabalho entre elas, o gerenciamento do Projeto e os direitos e obrigações das Partes com respeito à responsabilidade, aos Direitos de Acesso e à Resolução de Litígios. A minuta apresentada trata-se de modelo padronizado da ERA-MIM, disponibilizado no chamamento.
8. O projeto será realizado nas dependências do CTI Renato Archer e das demais partes, não sendo prevista a necessidade de utilização de dependências de terceiros.
9. O Plano de Trabalho não é documento diretamente vinculado ao Consórcio, porém deveser apresentado por cada partícipe à sua respectiva agência de fomento. Esclarece-se que para participação na chamada pública foi enviada proposta de projeto conjunto (3826178). O coordenador do projeto é o servidor José Rocha Andrade da Silva, conforme documento SEI 3826094.
10. Quanto à propriedade intelectual, ressalta-se a Cláusula "9. Resultados e bens". Recomenda-se submissão da minuta para avaliação do NIT previamente à submissão à CJU/SP.
11. Quanto aos critérios de habilitação da empresa brasileira, apresenta-se no processo as certidões negativas atualizadas. Não foram emitidas certidões para a empresa italiana.
12. Recomenda-se encaminhamento do processo ao NIT do CTI e posteriormente à CJU/SP para análise da minuta de Consórcio.
[...]
(Destacamos)
Nessa mesma linha, o Núcleo de Inovação Tecnológica (NIT) da ICT - responsável pelo apoio à gestão da política de inovação da ICT - , emitiu o Parecer nº 06/2019/NIT/CTI, que, ante a sua relevância para a motivação da ICT relativamente à execução deste projeto de CT&I, reproduzo a seguir:
[...]
1.ANÁLISE
1.1 O NIT do CTI foi criado pela Portaria CTI nº 030, de 22 de março de 2013, republicada pela Portaria CTI nº 039, de 04 de abril de 2013, é constituído pelos servidores designados pela Portaria nº 77/2018/SEI-CTI, de 23 de maio de 2018, é coordenado pelo chefe da DITEC – Divisão de Inovação Tecnológica, conforme define o Regimento Interno do CTI, Portaria MCTIC nº 5.146, de 14 de novembro de 2016, DOU de 16 de novembro de 2016.
1.2 Em atenção à solicitação expressa na Nota Técnica 44 (SEI: 4847129), de 13 de novembro de 2019, por intermédio do SEI, o Coordenador do NIT disponibilizou aos demais integrantes do NIT, a referida Nota Técnica e os demais documentos contidos no processo (SEI: 01241.000115/2019-42), avisou a esses integrantes a respeito da referida solicitação e agendou para o dia 29 de novembro de 2019, uma reunião para analisar o Acordo de Consórcio(SEI: 4796526).
1.3 Em reunião ordinária, realizada em 28 de novembro de 2019, o NIT analisou o Acordo de Consórcio (SEI: 4796526), à luz dos seguintes documentos: Lei nº 10.973, de 2 de dezembro de 2004, Lei nº 9.279, de 14 de maio de 1996, REGULAMENTO (UE) Nº 1290/2013 DO PARLAMENTO EUROPEU E DO CONSELHO[1], de 11 de dezembro de 2013 e HORIZON 2020 – Em breves palavras[2], de 2014, e o MODELO DE CONVENÇÃO DE SUBVENÇÃO DE MULTIBENEFICIÁRIOS PARA O PROGRAMA-QUADRO HORIZONTE 20201 (H2020 GENERAL MGA — MULTI[3]), de setembro de 2014.[6]
1.4 As constatações resultantes dessa análise são descritas a seguir.
1.5 O CTI e as empresas Biosys Gestão em Meio Ambiente Ltda. (nacional) e ECOSISTEM s.r.l. (italiana) são as Partes que integram o Acordo de Consórcio (SEI: 4796526).
1.6 O referido Acordo de Consórcio (SEI: 4796526) baseia-se no REGULAMENTO (EU) No. 1290/2013 do PARLAMENTO EUROPEU e do Conselho, de 11 de dezembro de 2013, que estabeleceu as regras para a participação e divulgação no “Horizon 2020 – O Programa Conceito para Pesquisa e Inovação (2014-2020)”, e o Acordo de Subvenção Modelo Geral Multi-beneficiário da Comissão Europeia e seus Anexos
1.7 O Acordo de Consórcio (SEI: 4796526) foi proposto no âmbito da chamada pública internacional ERAMIN2 - Horizon 2020, para executar o projeto "Recuperação de Lítio e Cobalto de baterias oriundas de logísticas da cadeia reversa de REEE - LiCoBat".
1.8 A busca de apoio financeiro para executar o projeto LiCoBat dirige-se às agências de fomento vinculadas ao ERA-MIN 2. O CTI busca esse apoio junto à Finep.
1.9 A finalidade do Acordo de Consórcio (SEI: 4796526) é padronizar, com respeito ao projeto LiCoBat, o relacionamento entre as Partes, em particular sobre a organização do trabalho entre elas, o gerenciamento do Projeto eos direitos e obrigações das Partes com respeito à responsabilidade, aos Direitos de Acesso e à Resolução de Litígios.
1.10 A partir da data de assinatura pelas Partes (Data Efetiva), o Acordo de Consórcio (SEI: 4796526) passa a vigorar, e sua duração estende-se até que sejam cumpridas todas as obrigações atribuídas às Partes pelo Acordo de Subvenção e pelo Acordo de Consórcio.
1.11 O encerramento do Acordo de Consórcio (SEI: 4796526) ou a participação de uma ou mais das Partes poderá ocorrer, caso o Acordo de Subvenção não esteja assinado pela Autoridade de Fomento ou uma das Partes, o Acordo de Subvenção seja encerrado ou a parcipação de uma das Partes no Acordo de Fomento termine.
1.12 A duração das responsabilidades das Partes sobre os Direitos de Acesso, Disseminação e Confidencialidade, e também sobre a resolução de litígios, permanecerá válida, mesmo após a expiração ou rescisão do Acordo de Consórcio (SEI: 4796526).
1.13 Os direitos ou obrigações de uma Parte que se retirou do Acordo de Consórcio (SEI: 4796526), antes de sua data de término, não devem ser afetados pelo encerramento desse Acordo, a menos que o Comitê Diretor e a Parte que se retirou concordem.
1.14 A empresa Eco Recycling Srl é detentora da patente UE EP2450991, base científica do Projeto LiCoBAT, e prestará consultoria científica e técnica nesse projeto.
1.15 As Partes concordam que o conhecimento contido na referida patente será usado apenas sob as seguintes condições: O conhecimento de propriedade de subcontratados (Terceiros), existente antes do início do Projeto ou desenvolvido fora das atividades nele previstas, permanecerá de propriedade exclusiva do Terceiro proprietário e poderá ser utilizado pelas Partes fora do Projeto com base em um contrato regulando os termos de uso,assinado entre a(s) Parte(s) interessada(s) e o Terceiro proprietário.
1.16 As Coproprietárias em conjunto deverão concordar com todas as medidas de proteção e dividirão antecipadamente os custos relacionados.
1.17 Qualquer acréscimo ao Anexo 3, após a assinatura deste Acordo de Consórcio (SEI: 4796526),depende de decisão do Comitê Diretor.
1.18 As Partes reconhecem que pode ser impossível, no âmbito de uma fusão ou aquisição de uma parcela importante dos seus ativos, nos termos da legislação aplicável da União Europeia e nacional em matéria de fusões e aquisições, que uma Parte apresente um pré-aviso com a antecedência mínima de 45 dias corridos, conforme definido na Seção 9.2.1.
19 As obrigações acima aplicam-se somente enquanto outras Partes ainda tiverem – ou ainda solicitarem – Direitos de Acesso aos Resultados.
1.20 A estrutura de governança do Acordo de Consórcio (SEI: 4796526) atua sobre a propriedade intelectual resultante desse Acordo, nos seguintes termos: “Um Membro que demonstrar que seu próprio trabalho, tempo para realização, custos, responsabilidades, direitos de propriedade intelectual ou outros interesses legítimos seriam seriamente afetados por uma decisão do Comitê Diretor, pode exercer um veto com respeito à decisão correspondente ou parte relevante da mesma.” (item 7.3.4.). O Comitê Diretor deve ser livre para, por iniciativa própria, formular propostas e tomar decisões, de acordo com o procedimento aqui definido. As seguintes decisões são de competência do Comitê Diretor: Conteúdo, finanças e direitos de propriedade intelectual (item 7.3.6).
1.21 Os direitos pela Propriedade Intelectual eventualmente resultante do Projeto serão considerados como propriedade conjunta das Partes (Seção 9.1). A propriedade conjunta é igualmente dividida entre as Partes que se tornam Coproprietárias, salvo acordado de forma diferente (Seção 9.2.). “Salvo acordado de forma diferente: Cada uma das Coproprietárias terá o direito de usar seus resultados de propriedade conjunta para atividades de pesquisa não comercial, com base em royalties, com prévia comunicação às demais Coproprietárias; e Durante um período de quinze anos após o término do Projeto, as Coproprietárias industriais (Biosys Ltda. e Ecosistem Srl.) poderão explorar os direitos de propriedade com exclusividade em seus países de origem, com base em royalties a ser acordada entre as empresas e as outras Partes; Nenhuma das Coproprietárias terá direito de conceder licenças a terceiros durante quinze anos após o término do Projeto, sem o consentimento de todas as outras Coproprietárias que receberão: Um pré-aviso com antecedência mínima de 45 dias corridos; e Compensação justa e razoável. As Coproprietárias em conjunto deverão concordar com todas as medidas de proteção e dividirão antecipadamente os custos relacionados
1.22 A “Transferência dos resultados”, Seção 9.3 do Acordo de Consórcio (SEI: 4796526), estabelece que“cada uma das Partes poderá transferir a propriedade de seus próprios resultados, de acordo com os procedimentos previstos no Artigo 30º dos acordos de subvenção do Horizon 2020.” Estabelece também que, no momento da transferência, a Parte transferente deverá comunicar às outras Partes de tal transferência e assegurar que os direitos das outras Partes não sejam violados. Consta que no Anexo 3 do referido Acordo, cada uma das Partes pode identificar “terceiras partes específicas para as quais pretendem transferir a propriedade de seus resultados. Com essa indicação,as outras Partes renunciam aos seus direitos de aviso prévio e de se opor à transferência à terceira parte indicada, de acordo com o Artigo 30.1 do Acordo de Subvenção.”
1.23 A análise do Anexo 3 supracitado foi incompleta porque o mesmo está parcialmente preenchido.
1.24 A disseminação dos resultados gerados durante o desenvolvimento do projeto, por uma ou vária das Partes, incluindo, mas não se limitando a publicações e apresentações, e por um período adicional de um ano apóso seu término, será regida pelas disposições expressas nos itens 9.4.1, 9.4.2, 9.4.3 e 9.4.4 do Acordo de Consórcio (SEI:4796526).
1.25 Os conceitos e regras que regem o “Direito de Acesso” estão explícitos na Seção 10, em termos dos itens a seguir. “Informação Confidencial” (Seção 11.1), “Compromissos com a confidencialidade” (Seção 11.2),“Compromissos de terceiros com a confidencialidade” (Seção 11.3), “Exceções aos Compromissos com a Confidencialidade” (item 11.4) e “Cuidados com as Informações Confidenciais” (Seção 11.5).1.26 O Anexo 1, mencionado na Seção 10.1, e também os demais Anexos citados no Acordo de Consórcio (SEI: 4796526) estão parcialmente preenchidos.
2. CONCLUSÃO
2.1 À luz da Lei nº 10.973, de 2 de dezembro de 2004, o NIT não vê óbice em relação à efetivação do Acordo de Consórcio (SEI: 4796526).
2.2 O NIT recomenda o prosseguimento das etapas necessárias à celebração do referido Acordo de Consórcio (SEI: 4796526).
2.3 O NIT destaca que as obrigações – e também os direitos – relativos às despesas com propriedade intelectual, e para os direitos das Partes de uma forma geral, estendem-se por um prazo superior à duração do Acordo de Consórcio (SEI: 4796526).
2.4 A empresa Eco Recycling Srl é detentora da patente UE EP2450991, base cientifica do Projeto LiCoBAT, e prestará consultoria científica e técnica nesse projeto.
2.5 As Partes concordam que o conhecimento contido na referida patente será usado apenas sob as seguintes condições: O conhecimento de propriedade de subcontratados (Terceiros), existente antes do início do Projeto ou desenvolvido fora das atividades nele previstas, permanecerá de propriedade exclusiva do Terceiro proprietário e poderá ser utilizado pelas Partes fora do Projeto com base em um contrato regulando os termos de uso,assinado entre a(s) Parte(s) interessada(s) e o Terceiro proprietário.
2.6 Considerando que os Anexos estão apenas parcialmente preenchidos, recomenda-se que todos os Anexos citados no Acordo de Consórcio (SEI: 4796526), após serem integralmente descritos, sejam submetidos à avaliação do NIT. De forma específica, recomenda-se a submissão do Anexo I ao NIT, tento em vista que o item 10.1, que trata a respeito de Direitos de Acesso, define que: “Durante o desenvolvimento do Projeto, qualquer Parte poderá acrescentar ou retirar Antecedentes próprios no Anexo 1, através de notificação por escrito às outras Partes.”
Campinas, 17 de dezembro de 2019
[...]
(Destacamos)
Como é possível observar, a relação jurídica tripartite (ICT pública, empresa nacional e empresa estrangeira) se insere a priori na figura do "acordo de parceria', segundo o nosso regime jurídico de CT&I. Porém, tenho que a denominação de "Acordo de Consórcio" foi eleita para fins de subsunção à normatização internacional, com o intuito primordial de possibilitar a captação de recursos financeiros do programa "Horizon 2020", que no caso da ICT ou da empresa brasileira, podem ser captados junto à FINEP. Nessa hipótese (da captação de recursos financeiros pela ICT pública junto à FINEP) ter-se-ia outra relação jurídica atrelada com a execução deste projeto de CT&I, o que deverá ser providenciado. Em que pese a figura do "Acordo de Consórcio" não ter previsão no nosso ordenamento jurídico, inexiste impeditivo para que esta parceria em CT&I se desenvolva sob esse título, razão pela qual, passo à análise dos requisitos de formação/instrução do processo administrativo, segundo o procedimento adotado no âmbito desta Consultoria Jurídica, para hipóteses que são reguladas à luz do regime jurídico de CT&I.
III.I - FORMATAÇÃO DO PROCESSO DE CT&I (macro ou "mãe")
Consoante o entendimento consolidado nesta Consultoria Jurídica da União, o exercício das atividades finalísticas das ICTs públicas, se submetem ao regime jurídico especial de CT&I, o qual remete a uma lógica própria, que no plano do direito interno tem como referência as disposições dos art. 218 e ss. da CF/88. Outrossim, a atividade estatal neste campo tem maior afinidade com o fomento em CT&I, razão pela qual, em apertada síntese, a juridicidade das práticas concretas de CT&I pelo Estado tem uma relação direta com a maximização ou potencialização objetiva da base principiológica constitucional concernente à regulação de CT&I, com vistas ao bem-estar e justiça social, enquanto interesse público primário perseguido pelo Estado.
Destas premissas exsurge a regra no campo de CT&I segundo a qual, em suma, "todo projeto de CT&I, enquanto concretização das atividades institucionais das ICTs públicas, tem sua juridicidade aferida em relação ao seu objeto em si, e também, em relação ao seu procedimento de execução, tudo alinhado com as diretrizes e objetivos da política de inovação da ICT pública". Por conseguinte, é importante que a instrução do processo administrativo principal, que cuida da execução do projeto de CT&I como um todo, deve ser instruído, no mínimo, com os seguintes documentos: (i) descritivo do projeto de CT&I como um todo; (ii) plano de execução do projeto de CT&I; (iii) análise e manifestação técnica do órgão responsável pelo apoio à gestão da política de inovação da ICT ; e (iv) ato formal e motivado do diretor da ICT, de autorização da execução do projeto de CT&I na forma proposta nos autos. Estes são os requisitos da juridicidade da denominada "prática de CT&I" da ICT pública, os quais serão objeto de análise e manifestação jurídica da CJU-SJC. As demais relações jurídicas que possam surgir da execução deste projeto de CT&I, serão objeto de análise e manifestação jurídica específica, de acordo com a natureza de cada eventual relação jurídica. Portanto, passo à análise dos requisitos de instrução do processo "macro".
(1) Descritivo do projeto CT&I
Em relação ao descritivo do 'projeto de CT&I', os documentos de pp. 88/93 e pp. 266/305 (do arquivo pdf, Seq 1 a 3 do SAPIENS)), informa alguns elementos básicos do projeto, focado na execução material pela parte brasileira. Lembro que o projeto de CT&I não se confunde com a sua forma de execução (que também pode se desdobrar em outros projetos de CT&I autônomos). O descritivo do 'projeto de CT&I', via de regra, deve conter o resumo das informações técnicas mínimas que permitam elaborar os estudos preliminares e a modelagem da execução do próprio projeto, com cronograma que defina o prazo de execução de cada etapa da execução do projeto, mais os requisitos mínimos da relação jurídica, questões sobre sigilo, direitos e obrigações dos contratantes, etc. As informações do 'projeto de CT&I', portanto, perfazem os subsídios que fundamentarão aquelas práticas de CT&I da ICT pública, de modo que mais se alinhem com os objetivos e diretrizes da política de inovação da ICT, ante o que, podemos dizer que assume, também, o formato de um trabalho científico.
Em se tratando de 'projeto de CT&I' concernente à atuação da ICT pública preponderantemente na pesquisa aplicada (com vocação para inovação nos campos econômico e social), por conseguinte, o descritivo deve conter as informações suficientes para descrever, entre outros:
(i) qual o objeto do projeto de CT&I e aspectos relevantes da sua execução, e ainda, se integra outros projetos;
(ii) o(s) campo(s) de aplicação do conhecimento/técnica novo gerado;
(iii) as normas específicas da ICT aplicáveis ao caso, segundo sua politica de inovação;
(iv) informações técnicas necessárias para executar o projeto de forma a maximizar os objetivos e diretrizes da política de inovação da ICT;;
(v) cronograma físico-financeiro estimado para executar o projeto;
(vi) quais os objetivos, metas, etc que se pretende com o projeto e elementos objetivos que serão mensuradas as metas (por exemplo, capacitação de RH, qualificação da empresa, ampliação do nível de emprego direto e/ou indireto, aprimoramento da tecnologia, etc);
(vii) eventuais restrições da pesquisa por questões de sigilo, segurança;
(viii) eventuais direitos e obrigações dos envolvidos na execução do projeto, etc
Segundo consta dos autos, vislumbramos algumas informações concernentes a este item da instrução do processo. Portanto, recomenda-se à ICT que oportunamente complemente tais informações descritivas deste projeto de CT&I específico (vg, cronograma macro estimado; projeção das despesas estimadas e fontes de custeio; quais objetivos e metas gerais, além de elementos de medição de desempenho; utilidade imediata e mediata da pesquisa, probabilidade de geração de novas tecnologias e utilização no setor produtivo e social, etc). Na medida do possível, recomenda-se compilar as informações dos documentos de pp. 88/93 e 266/305 num único documento a fim de descrever com maior clareza o projeto em si.
(2) Planejamento da Execução do Projeto de CT&I
O plano de execução de cada projeto finalístico de ICT da União ('projeto de CT&I'), consoante já mencionado, decorre de estudos preliminares que abordem eventuais alternativas para sua execução, em busca da maior efetividade das relações jurídicas derivadas, que poderão afetar a ICT. No caso específico, os estudos preliminares devem indicar (i) a maior eficiência, eficácia e efetividade da relação jurídica de parceria entre a ICT pública e as empresas; (ii) as justificativas da escolha da fundação de apoio para dar suporte à ICT na execução do projeto, com a definição precisa (iii) dos bens e serviços que deverão ser contratados pela fundação de apoio para a execução do projeto, com estimativa máxima de despesa em cada item e prazo admissível, (iv) a definição das responsabilidades de cada envolvido; (v) quais as grandezas que serão objeto de verificação do desempenho (IDs) durante a execução do projeto, sendo que para a fundação de apoio, em regra, são definidos IDs para despesas, prazo de atendimento e qualidade do apoio; (vi) riscos e alternativas; (vii) pessoal envolvido (pesquisadores, bolsistas, estudantes, etc); (viii) eventuais bolsas que serão disponibilizadas, de acordo com as normas próprias para tanto; etc.
No caso em tela, não localizei nenhum documento que pudesse representar o plano de execução do projeto. Não obstante, é possível deduzir que o objeto será executado em parceria (acordo de parceria), e terá financiamento a partir do programa "Horizon 2020" da União Europeia, sendo que no caso da ICT pública, será formalizado um convênio específico junto à fundação de apoio, no qual será dada anuência da ICT pública à fundação de apoio, para que esta última capte recursos junto à FINEP. E nesse mesmo convênio deverão ser definidos os limites do apoio administrativo/financeiro da fundação de apoio no projeto de CT&I.
É nessa fase de planejamento que todas as relações jurídicas necessárias para a "prática de CT&I" serão definidas com detalhamento e precisão suficiente, e serão relacionadas com cada "META" do projeto, o que recomenda-se à ICT complementar na instrução dos autos, a se presumir que esse trabalho já foi realizado, porém, sem ainda estar documentado nos autos.
Mais precisamente sobre a relação da ICT com a fundação de apoio neste projeto, é consabido que a fundação de apoio credenciada já possui um vínculo jurídico antecedente com a ICT, o que é regido pelas disposições da "Norma de Relacionamento da ICT com Fundação de Apoio" . Sobre essa questão (relação entre ICT e sua fundação de apoio), remeto á ICT ao desfecho do PARECER Nº 153/2019/CJU-SJC/CGU/AGU, resumido nos trechos abaixo reproduzidos da sua ementa:
EMENTA:
16. CIÊNCIA, TECNOLOGIA E INOVAÇÃO - TEMAS RELACIONADOS A CIÊNCIA, TECNOLOGIA E INOVAÇÃO.
1.1. CONSULTA - Elaboração de manifestação jurídica de efeitos amplos.
Direito em CT&I. Solicitação de "homologação", pela CJU-SJC, da "NORMA DE RELACIONAMENTO DO INPE COM FUNDAÇÕES DE APOIO". Portaria INPE nº 3.133, de 12/05/2017, DOU de 16/05/2017. Ausência de competência da CJU-SJC/CGU/AGU para homologar o ato normativo da ICT. Análise jurídica do contexto, em ação proativa da CJU-SJC. Recomendações necessárias.
I - O regime jurídico de CT&I é especial em relação aos demais regimes jurídicos do ordenamento interno, e sua lógica jurídica se estrutura segundo a base principiológica dos artigos 218 ao 219-B da CF/1988 que, grosso modo, pode ser resumida no fundamento seguinte: "A Constituição Federal de 1988 determina que o Estado promova e incentive o desenvolvimento de CT&I, com prioridade constitucional, tendo em vista o bem público e o progresso da ciência, tecnologia e inovação".
II - A juridicidade das relações de CT&I que envolvam ICT pública é aferida pelo grau de maximização dos princípios constitucionais que estas práticas informam, objetivamente demonstrada em todo o seu "iter" (ou percurso de execução), aferida por um método que considere o seu alinhamento com as diretrizes e objetivos da política de inovação da ICT pública.
III - As ICTs públicas e as denominadas ‘fundações de apoio’, enquanto agentes que atuam no campo de CT&I, se vinculam à luz do regime jurídico de CT&I, com unidade de desígnios e comunhão de interesses, para a execução de 'projetos de CT&I' ou nas 'práticas de CT&I', o que afasta o antagonismo inerente às relações contratuais em sentido estrito.
IV - As ‘fundações de apoio’ são agentes que transitam no campo de CT&I, constituídas inicialmente como fundações, na forma do Código Civil, com personalidade jurídica de direito privado, sem fins lucrativos. A 'fundação de apoio' assim se qualifica a partir da expedição do ato de credenciamento da fundação junto ao MEC/MCTIC. A existência de “Norma de relacionamento da ICT com a fundação de apoio” perfaz requisito normativo necessário para o credenciamento.
V - O suporte prestado pela entidade qualificada como 'fundação de apoio' tem a finalidade definida por lei, exclusiva e tão somente para "apoiar IFES e/ou ICT em projetos de ensino, pesquisa, extensão, desenvolvimento institucional, científico e tecnológico e estímulo à inovação, inclusive na gestão administrativa e financeira necessária à execução desses projetos".
[...]
XI – O instrumento normativo consistente na “Norma de Relacionamento da ICT com sua fundação de apoio” não se submete à “homologação” da CJU-SJC. Portanto, a análise e manifestação jurídica do teor de ato normativo da Administração Pública pela unidade consultiva da AGU, deve anteceder a sua aprovação e publicação, sendo inadequado o controle de legalidade a posteriori.
XII – No caso concreto, recomenda-se à ICT a revisão integral do referido ato normativo, notadamente ante as incongruências verificadas pelo TCU e pela AGU. Para tanto, recomenda-se a realização de trabalho conjunto, dada a complexidade e especificidade do assunto, o que perfaz impeditivo da utilização imediata de “modelos” normativos pré-existentes, ainda que de conteúdo simplificado.
XIII – Eventual relação jurídica que a ICT/INPE pretenda formalizar com a sua ‘fundação de apoio’ em momento anterior à conclusão da revisão ora recomendada, será objeto de análise jurídica casuística, inclusive, sob os aspectos que a norma de relacionamento deverá regular.
[...]
Portanto, é no planejamento da execução do projeto que são definidas as singularidades/particularidades que devem ser reguladas em razão da participação da fundação de apoio neste projeto, as quais não são alcançadas pelas disposições gerais da Norma de Relacionamento. Aparentemente, a fundação de apoio vai auxiliar na gestão financeira e administrativa do projeto, ficando responsável pela gestão dos recursos financeiros que serão aportados pela FINEP. Ante a natureza jurídica da fundação de apoio, ainda que ela estivesse na gestão de recursos privados, ela se obriga a seguir os princípios basilares da Administração Pública, sem prejuízo da observância atenta à base principiológica normativa do regime jurídico de CT&I, pois é isso que justifica e legitima a atuação da fundação de apoio no manuseio de recursos financeiros (públicos ou privados) aplicados pela ICT pública, lembrando que tal entidade só se qualifica dessa forma (como fundação de apoio) ante a sua afetação ao regime jurídico de CT&I.
A fundação de apoio no exercício de suas atividades institucionais - frise-se, enquanto fundação de apoio -, exerce função de interesse público, e no suporte à execução de projeto de CT&I da ICT pública para a qual é credenciada ou autorizada, atua como uma "longa manus" da ICT, e assim, lhe afetam todas as imposições do regime jurídico de CT&I que se dirigem à ICT pública. O trecho do Acórdão TCU nº 1570/17-P, abaixo colacionado, contém algumas orientações, que dada a relevância, não podiam ficar de lado:
"9. Acórdão:
VISTOS, relatados e discutidos estes autos de monitoramento do cumprimento das determinações prolatadas por meio do subitem 9.1 do Acórdão 3132/2014-TCU-Plenário, com os ajustes introduzidos pelo Acórdão 1570/2017-TCU-Plenário,ACORDAM os Ministros do Tribunal de Contas da União, reunidos em sessão do Plenário, ante as razões expostas pelo Relator, em:
[...]
9.3. dar ciência ao Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) que:
9.3.1. a delegação às suas fundações de apoio da captação, gestão e aplicação das suas receitas próprias, de que tratam os arts. 4o a 8o, 11 e 13 da Lei 10.973/2004, deve ser formalizada por meio da celebração de contrato ou convênio, conforme previsto no art. 18, parágrafo único,daquela lei;
9.3.2. o pagamento de remuneração às fundações de apoio com base em percentual fixo sobre a receita arrecadada, a exemplo das informações trazidas aos autos por meio do Ofício GAB477/2016, referente à Prestação de Contas da Funcate relativa a março/2016, não atende ao disposto na determinação prolatada por meio do subitem 9.1.2 do Acórdão 3132/2014-TCU Plenária.
9.3.3. em que pesem as disposições do art. 12, incisos III e V, do Decreto 7.423/2010 não terem sido objeto de detalhamento na norma de relacionamento entre o Inpe e suas fundações de apoio,publicada no DOU de 16/5/2017, o Inpe deve atender o disposto nos mencionados incisos na execução de contratos, convênios,acordos ou ajustes firmados nos termos da Lei 8.958/1994,envolvendo a aplicação de recursos públicos;[...]"
As relações jurídicas que a fundação de apoio firmar para dar suporte ao projeto de CT&I, devem ser definidas antecipadamente pela ICT, razão pela qual, é necessário que todas as aquisições de bens e serviços sejam definidas com maior precisão (quantitativo e qualitativo, descritos de modo a identificar cada item), com apontamento da estimativa de gasto máximo para cada item e o prazo para disponibilização no projeto de CT&I. É por isso que surge a necessidade de se aferir o desempenho da fundação de apoio a cada projeto, elegendo como grandezas de medição, aquelas que afetem direta ou indiretamente disposições da política de inovação da ICT. Noutro ponto, as relações jurídicas que envolvam RH também devem ser definidas na fase do planejamento, com identificação dos pesquisadores e bolsistas participantes no projeto; forma de seleção; etc.
Portanto, recomenda-se à ICT rever e complementar o planejamento da execução do projeto, segundo as orientações deste tópico, diga-se, que repete as orientações da CJU dos últimos anos dirigidas às ICTs assessoradas.
(3) Manifestação técnica do NIT sobre o projeto de CT&I e a sua forma de execução, dentro das suas competências normativas
A manifestação técnica do NIT (ou do órgão competente para apoiar a execução da política de inovação da ICT), in casu, deve considerar o melhor arranjo possível do projeto de CT&I e da sua execução, de modo que se maximize a base principiológica normativa do regime jurídico de CT&I, durante a implementação de item (ou itens) da política de inovação da ICT. No caso em tela, houve manifetação por intermédio do PARECER Nº 06/2019/NIT/CTI, ante o que, faço algumas considerações/recomendações.
Preliminarmente, lembro que cabe ao órgão de apoio à gestão da política de inovação da ICT, elaborar um estudo prospectivo e se pronunciar (i) a respeito da adequação deste novo projeto de CT&I e (ii) da forma de sua implementação (execução), consoante as diretrizes e objetivos da política de inovação da ICT, frise-se, tanto em relação ao projeto em si, como em relação ao procedimento proposto para sua execução (notadamente as relações jurídicas da ICT com terceiros).
Com efeito, o NIT é uma das figuras de inconteste relevância, positivada no nosso regime jurídico de CT&I, cuja finalidade é voltada para o apoio à gestão da política institucional de inovação da(s) ICT(s) à(s) qual(is) está vinculado, e para este desiderato, lhe são atribuídas as competências mínimas previstas na própria Lei de Inovação, consoante expressa a norma do inciso VI do art. 2º da Lei nº 10.973/94:
“VI - Núcleo de Inovação Tecnológica (NIT): estrutura instituída por uma ou mais ICTs, com ou sem personalidade jurídica própria, que tenha por finalidade a gestão de política institucional de inovação e por competências mínimas as atribuições previstas nesta Lei; (Redação pela Lei nº 13.243, de 2016)”. (Destaquei)
De plano, há de se registrar que a norma jurídica não determina que a gestão da política de inovação da ICT seja transferida ao NIT, cabendo a este último tão somente o encargo de apoiar a gestão da política de inovação da ICT pública a qual está vinculado, cabendo a decisão final à autoridade máxima da ICT. Não obstante esta característica assessória do apoio do NIT, a existência real e a efetiva atuação desta estrutura é obrigatória por força de lei. Nesse sentido, é o que dispõe a norma do caput do art. 16 da Lei de Inovação:
“Art. 16. Para apoiar a gestão de sua política de inovação, a ICT pública deverá dispor de Núcleo de Inovação Tecnológica, próprio ou em associação com outras ICTs. (Redação pela Lei nº 13.243, de 2016) (Destaquei)
De fato, lembremos que as práticas de CT&I têm prioridade de tratamento pelo Estado, o qual deve garantir apoio efetivo em seus variados segmentos distintos (treinamento de RH; condições especiais de trabalho; cooperação entre entes públicos e privados; geração de ambientes promotores de inovação; inventores independentes, transferência de tecnologia, empreendedorismo; etc). As ICTs públicas, assim, perfazem instituições estatais destinadas à concretização das práticas de CT&I pelo Estado, as quais devem se orientar pelas diretrizes e objetivos de sua política de inovação, consolidada num conjunto de normas programáticas, organizacionais, procedimentais e de conduta.
Dada a complexidade e importância do exercício das atividades finalísticas das ICTs públicas (no plano constitucional que prescreve que a ‘pesquisa básica e tecnológica, que receberá tratamento prioritário do Estado, tendo em vista o bem público e o progresso da ciência, tecnologia e inovação’), suas práticas de CT&I devem se alinhar de forma sistêmica com todos os demais agentes que transitam no campo de CT&I (ICTs privadas, IFES, aqueles que estão em processo de capacitação em CT&I, integrantes do setor produtivo, ambientes promotores de inovação, inventores independentes, etc), e por isso, é fundamental que disponham de uma estrutura adequada e suficiente para dar apoio efetivo à gestão da sua política de inovação.
E para propiciar esse apoio à gestão da política de inovação da ICT, no plano infraconstitucional a Lei de Inovação definiu competências mínimas e gerais do NIT, consoante consta do rol exemplificativo (ou seja, não taxativo) do §1º do art. 16 da Lei nº 10.973/04:
“Art. 16 [...]
§ 1º São competências do Núcleo de Inovação Tecnológica a que se refere o caput, entre outras: (Redação pela Lei nº 13.243, de 2016)
I - zelar pela manutenção da política institucional de estímulo à proteção das criações, licenciamento, inovação e outras formas de transferência de tecnologia;
II - avaliar e classificar os resultados decorrentes de atividades e projetos de pesquisa para o atendimento das disposições desta Lei;
III - avaliar solicitação de inventor independente para adoção de invenção na forma do art. 22;
IV - opinar pela conveniência e promover a proteção das criações desenvolvidas na instituição;
V - opinar quanto à conveniência de divulgação das criações desenvolvidas na instituição, passíveis de proteção intelectual;
VI - acompanhar o processamento dos pedidos e a manutenção dos títulos de propriedade intelectual da instituição.
VII - desenvolver estudos de prospecção tecnológica e de inteligência competitiva no campo da propriedade intelectual, de forma a orientar as ações de inovação da ICT; (Incluído pela Lei nº 13.243, de 2016)
VIII - desenvolver estudos e estratégias para a transferência de inovação gerada pela ICT; (Incluído pela Lei nº 13.243, de 2016)
IX - promover e acompanhar o relacionamento da ICT com empresas, em especial para as atividades previstas nos arts. 6º a 9º; (Incluído pela Lei nº 13.243, de 2016)
X - negociar e gerir os acordos de transferência de tecnologia oriunda da ICT. (Incluído pela Lei nº 13.243, de 2016)
[...]” (Destaquei)
Nota-se, portanto, que a não-taxatividade do rol de competências legais do NIT decorre justamente da existência de particularidades na política de inovação de cada ICT pública, o que impõe, por conseguinte, o incremento de outras competências, caso a caso, sempre com espeque na efetividade da implementação da política de inovação de cada ICT. Consequentemente, é imperioso que a ICT, antes de definir o rol de competências do seu NIT e reduzi-lo num ato normativo interno, então, defina com precisão e clareza a sua política de inovação institucional.
A legislação infraconstitucional relacionada com as práticas CT&I, no plano normativo interno, deve ser interpretada e aplicada em harmonia com a CF/88, à luz do plexo de princípios constitucionais do regime jurídico de CT&I. Disto, a política de inovação das ICTs, ao cuidar da “organização e a gestão dos processos que orientam a transferência de tecnologia e a geração de inovação no ambiente produtivo, em consonância com as prioridades da política nacional de ciência, tecnologia e inovação e com a política industrial e tecnológica nacional”, deve considerar a potencialização (i) do fomento estatal em CT&I; (ii) da prioridade de tratamento estatal das práticas de CT&I; (iii) do apoio efetivo à formação de RH em CT&I; (iv) da concessão de meios e condições especiais de trabalho em CT&I; (v) do estímulo cooperação entre entes públicos e privados para as práticas de CT&I; (vi) da promoção e incentivo das ICTs públicas para o aprimoramento das práticas de CT&I no exterior; (vii) do estímulo ao empreendedorismo empresarial; (viii) do estímulo aos ambientes promotores de inovação, à atuação dos inventores independentes e a criação, absorção, difusão e transferência de tecnologia; e (ix) da participação conjunta e tratamento sistêmico das práticas de CT&I.
Por isso, é importante reiterar que, embora seja comum observar uma tendência de vinculação do NIT reduzida a assuntos diretamente relacionados com o trato da propriedade intelectual (plano das ‘criações técnicas e estéticas’, ou do "novo objetivo", como veremos adiante), esta leitura restritiva é deveras equivocada, porquanto, as competências do NIT vão muito além do trato deste tema: na verdade, é a política de inovação da ICT que vai referenciar o plano de atuação de cada NIT, e pela letra da lei e da CF/88, deve se alinhar com a política nacional de ciência, tecnologia e inovação e com a política industrial e tecnológica nacional.
Nesse diapasão, concluo que as práticas de CT&I das ICTs da União (atividades finalísticas ou políticas públicas), desde a produção da ciência básica, devem estar alinhadas com a política de inovação da ICT, o que implica, acima de tudo e da própria prática em si, numa busca incessante da potencialização dos princípios constitucionais de CT&I durante todo o ciclo das práticas de CT&I da ICT pública.
Daí, repita-se, a necessidade da gestão com efetividade da política de inovação da ICT pública no exercício de suas atividades institucionais finalísticas (práticas de CT&I), o que dificilmente poderá ser reduzida (essa gestão) à mensuração de (i) determinados aspectos exclusivamente do projeto em si, quantitativos (v.g., percentual de execução orçamentária; quantidade de artigos científicos publicados; quantidade de pedidos de patente) e/ou (ii) de argumentos abstratos – mesmo que altamente técnicos -, sem o correlato respaldo empírico.
Podemos concluir, dessa forma, que a gestão da política de inovação da ICT pública deve se assentar em métodos e técnicas apropriados e suficientes, o que se traduz num grau acentuado de cientificidade (de método e de técnica), também, da atuação do NIT, não se admitindo subjetivismo no desempenho desta tarefa. Outrossim, é consabido que a gestão em CT&I é definitivamente complexa e trabalhosa, porquanto está relacionada com atividades que têm, de um lado, a incerteza e o risco como qualidades primevas, e de outro lado, o decurso temporal, como barreira incessante a ser transposta pelos agentes do campo de CT&I.
Por essas entre outras razões é que toda prática relacionada com CT&I numa ICT da União deve ser sempre vista (i) dentro do contexto do projeto no qual se insere (do projeto em si), e (ii) dentro do ciclo de execução (iter) do projeto, segundo as diretrizes e objetivos da política de inovação da ICT, o que implica considerar o contexto geral de todas as atividades finalísticas/competências institucionais da ICT pública.
A título de exemplo, imaginemos um 'projeto de CT&I' relacionado com a ‘melhoria de infraestrutura laboratorial da ICT’: se for considerar a aquisição de um determinado ‘equipamento tecnológico’ para um laboratório da ICT como um ‘item isolado’ de aquisição, a princípio, poder-se-ia afirmar, por impulso, que não se vislumbra nessa compra nenhum reflexo relevante na política de inovação da ICT.
Porém, a aquisição de tal equipamento poderá representar um ganho de qualidade mensurável para as atividades de pesquisa e desenvolvimento no laboratório da ICT, ou ainda, poderá se tratar de equipamento imprescindível para a execução de um (ou vários) projeto de CT&I específico, de alto grau de importância e novidade, ante o que, eventual inadimplemento contratual do fornecedor do equipamento – ainda que parcial -, poderá trazer consequências prejudiciais na execução da política de inovação da ICT (v.g., atraso do projeto de CT&I específico; tecnologia ultrapassada; inadimplemento de outros contratos relacionados com o uso do equipamento; acréscimo desnecessário de despesas; etc). A experiência vivenciada nos últimos anos junto às ICTs locais corrobora tal assertiva, o que dispensa outros argumentos diante da notoriedade infirmável dos fatos.
Noutro exemplo, cito um 'projeto de CT&I' que tem por objeto o ‘desenvolvimento e operação de um novo satélite (tido como um ‘produto de CT&I inovador’)': a ICT, dentro de suas atribuições institucionais, prospecta e idealiza um projeto de CT&I cujo resultado final é ter um novo satélite em operação, com maior precisão das imagens captadas. Ao ser lançado ao espaço, por algum fato fortuito, o satélite é inutilizado e perdido. Novamente, à primeira vista ter-se-ia a ideia de fracasso do projeto de CT&I, pois, após longo tempo e significante aporte de recursos, o produto de CT&I foi totalmente inutilizado.
Todavia, o âmbito do fomento estatal em CT&I não se restringe apenas à conclusão e entrega do produto ou processo tecnológico inovador ao setor produtivo ou mesmo à sociedade, porquanto a base principiológica constitucional que sustenta a política de inovação das ICTs vai muito além disso. Seu foco, repita-se, é a potencialização (i) do fomento estatal em CT&I; (ii) da prioridade de tratamento estatal das práticas de CT&I; (iii) do apoio efetivo à formação de RH em CT&I; (iv) da concessão de meios e condições especiais de trabalho em CT&I; (v) do estímulo cooperação entre entes públicos e privados para as práticas de CT&I; (vi) da promoção e incentivo das ICTs públicas para o aprimoramento das práticas de CT&I no exterior; (vii) do estímulo ao empreendedorismo empresarial; (viii) do estímulo aos ambientes promotores de inovação, à atuação dos inventores independentes e a criação, absorção, difusão e transferência de tecnologia; e (ix) da participação conjunta e tratamento sistêmico das práticas de CT&I.
Nesse horizonte, ainda que o 'projeto de CT&I' em si tenha se perdido (como no exemplo anterior do satélite), tal fato não implica em tornar sem efeito o ciclo de execução (iter) do 'projeto de CT&I' (visto sob a perspectiva do fomento), o que poderá, por si (as atividades da execução), representar a potencialização dos princípios constitucionais e infraconstitucionais de CT&I, v.g., (i) por estimular efetivamente o empreendedorismo, ante a geração de novas empresas e empregos na área, (ii) por possibilitar um incremento na formação de RH em CT&I; (iii) por gerar novas tecnologias acessórias ao “projeto de CT&I”; etc.
Por isso concluo que é jurídica e racionalmente impossível qualquer pretensão de dissociar o papel institucional do NIT ou quem lhe faça as vezes (= apoio na gestão da política de inovação da ICT da União, como um todo), dos atos que se insertem no contexto da execução de um 'projeto de CT&I', enquanto objeto do exercício das atividades finalísticas de uma ICT pública.
Com efeito, se toda prática de CT&I tem sua validade jurídica cotejada com um plano normativo principiológico específico, que perfaz o alicerce da política de inovação de toda ICT pública, por conseguinte, a qualidade da gestão dessa política deve ser assegurada com o maior grau de certeza possível, por meio de um órgão ou entidade estruturado para orientar a ICT pública a atingir este propósito: o NIT. Reafirma-se aqui, que a subjetividade daquele que detém alto nível de 'capital científico puro' (pesquisador renomado pelo seu saber, reconhecido por seus pares) ou daquele que detém alto nível de 'capital científico institucional' (pesquisador com poder de decisão sobre os rumos da ICT), não o autoriza realizar alguma prática de CT&I em desalinho com o direito positivo.
A partir de uma análise funcional do Direito, à luz do regime jurídico de CT&I, portanto, é possível fixar algumas premissas sobre a gestão da política de inovação da ICT pública: (1) que é dever do NIT – enquanto estrutura especializada e de existência obrigatória imposta por lei -, apoiar com efetividade a gestão da política de inovação da ICT a qual está vinculado; (2) que a política de inovação da ICT deve focar as prioridades da política nacional de ciência, tecnologia e inovação e da política industrial e tecnológica nacional, segundo o alicerce principiológico constitucional de CT&I; e por conseguinte, (3) a pesquisa científica básica ou tecnológica tem tratamento prioritário do Estado, tendo em vista o bem púbico e o progresso da ciência, tecnologia e inovação, razão pela qual, (4) para atestar a juridicidade dos projetos de CT&I, cabe ao NIT prospectar e aferir todo o iter de execução destes projetos, numa abordagem sistemática, com espeque na efetividade da política de inovação da ICT à qual se refere.
No primeiro exemplo anterior - da ‘aquisição do equipamento para infraestrutura laboratorial da ICT’-, portanto, não basta adquirir a proposta mais vantajosa e/ou econômica para a ICT da União, porquanto, prepondera como quesito da juridicidade, o grau de potencialização da base normativa principiológica de CT&I que a pretensa aquisição vai efetivamente representar, segundo uma antecedente prospecção levada a cabo pelo NIT. Idem em relação ao segundo exemplo, porquanto só a conclusão do “projeto de CT&I”, por si só, não significa o alinhamento com a política de inovação da ICT pública.
E por isso, também, é importante ter sempre em mente que o termo 'inovação', no regime jurídico de CT&I, não tem um significado limitado à espécie ‘inovação originada da alta tecnologia’, haja vista que seu referente é muito mais amplo, e inclui a evolução da técnica, o empreendedorismo, o mercado interno voltado ao desenvolvimento cultural e socioeconômico, o bem-estar da população, etc, o que pode ser resumido como o ‘bem público’ grafado na CF/1988, ou seja, o caminho para a emancipação social como sinônimo de concretização da dignidade da pessoa humana..
É essa preocupação do Estado com as práticas de CT&I que levou ao agrupamento do termo ‘inovação’ com os termos ‘ciência’ e ‘tecnologia’ no bojo da CF/88, como consequência do fundamento basilar da modernidade verificado na segunda metade do século XIX, que se traduz na ênfase na racionalidade humana advinda da evolução do campo científico, em substituição à cosmovisão de base metafísica-religiosa até então prevalente. Em outras palavras, poder-se-ia aludir que o senso científico traz em si um potencial inovador maior para atingir o ‘bem público’, enquanto experiência de dimensão ontológica.
Feitas essas considerações a respeito do NIT, enquanto estrutura de apoio à gestão da política de inovação da ICT da União - o que abarca todas as práticas finalísticas da ICT, desde a pesquisa básica e sua expectativa inovadora, porquanto o Estado não fomenta a pesquisa científica apenas pela sua prática em si, desvinculada de um propósito de interesse coletivo - recomenda-se à ICT que reenvie este projeto ao seu NIT ou órgão que detenha correlatas competências, para se pronunciar, em complementação, sobre as questões ora levantadas, de forma ampla e suficiente, considerando o contexto no qual se insere, com foco na máxima efetividade da execução do projeto de CT&I. Assim, o gestor da ICT poderá decidir sempre alinhado com a legalidade em seu sentido mais amplo.
No tocante às “competências mínimas do NIT”, como orientação dirigida à ICT, trago à baila o trecho do PARECER Nº 032/2019/CJU-SJC/CGU/AGU que, inclusive, foi submetido ao crivo da Câmara Nacional de Pesquisa, Desenvolvimento e Inovação da CGU/AGU, com sugestão de uniformização nacional do assunto:
“IV - DAS COMPETÊNCIAS MÍNIMAS DO NIT
60. Do ponto de vista dos requisitos de legalidade, o ato normativo da ICT da União que define como se dará o apoio do NIT na gestão da sua política de inovação, não poderá excluir - ainda que tacitamente, por contradição ou com base em ato normativo infralegal -, as competências legais mínimas, elencadas no §1º do art. 16 da Lei de Inovação. Para tanto, é necessário extrair o alcance de cada um destes dez (10) incisos do §1º do art. 16 em referência, o que passo a fazer de forma resumida.
1ª) ‘zelar pela manutenção da política institucional de estímulo à proteção das criações, licenciamento, inovação e outras formas de transferência de tecnologia’
61. Em relação à competência prevista no inciso I do §1º do art. 16 da Lei (“zelar pela manutenção da política institucional de estímulo à proteção das criações, licenciamento, inovação e outras formas de transferência de tecnologia”), é necessário que a ICT da União defina previamente em ato normativo e de forma clara, qual é a sua ‘política institucional de estímulo à proteção das criações, licenciamento, inovação e outras formas de transferência de tecnologia’ – o que poderá estar inserido num tópico específico do ato que descreve a sua política de inovação. Assim, no ato normativo do NIT, neste ponto, constarão apenas os objetivos e diretrizes básicas da política institucional no tocante ao estímulo à proteção das criações, licenciamento, inovação e outras formas de transferência de tecnologia da ICT, com remissão ao ato que a define. A dinâmica do campo de CT&I, mormente pela pressão continuada advinda da globalização, exige uma revisão/atualização/ajuste continuado deste horizonte da política institucional da ICT, que tem nas ações de desenvolvimento tecnológico e de inovação o ‘locus’ de incidência. Repiso, mais uma vez, que os temas concernentes à proteção das criações das ICTs e à regência da sua exploração no setor produtivo e social, não esgotam as atribuições de apoio do NIT, ou seja, perfazem apenas um capítulo do apoio a ser prestado, com o escopo de se aferir e manter a adequação jurídica do exercício da atividade finalística da ICT em cada caso, a partir do cotejo de elementos objetivos de observância necessária e continuada.
2ª) ‘avaliar e classificar os resultados decorrentes de atividades e projetos de pesquisa para o atendimento das disposições desta Lei’
62. Sobre a competência prevista no inciso II (“avaliar e classificar os resultados decorrentes de atividades e projetos de pesquisa para o atendimento das disposições desta Lei”), infere-se da norma uma maior amplitude do apoio do NIT, que atinge o exercício de todas as atividades finalísticas de uma ICT, desde os primeiros passos da pesquisa científica básica. Como visto, pois, o termo “política de inovação da ICT” deve ser compreendido em seu sentido amplo, que abarca todo o iter do processo de inovação, desde os primeiros estágios da pesquisa básica realizada na ICT. Destarte, o referencial da “avaliação e classificação que atenda as disposições da Lei de Inovação”, portanto, é a política de inovação nesta acepção ampla, que vai desde as atividades de pesquisa básica até a inovação efetiva ou em potencial. E a política de inovação da ICT, a seu turno, deve se alinhar com a base principiológica explicitada no parágrafo único do art. 1º da Lei nº 10.973/04:
“Art. 1º Esta Lei estabelece medidas de incentivo à inovação e à pesquisa científica e tecnológica no ambiente produtivo, com vistas à capacitação tecnológica, ao alcance da autonomia tecnológica e ao desenvolvimento do sistema produtivo nacional e regional do País, nos termos dos arts. 23, 24, 167, 200, 213, 218, 219 e 219-A da Constituição Federal. (Redação pela Lei nº 13.243, de 2016)Parágrafo único. As medidas às quais se refere o caput deverão observar os seguintes princípios: (Incluído pela Lei nº 13.243, de 2016)I - promoção das atividades científicas e tecnológicas como estratégicas para o desenvolvimento econômico e social; (Incluído pela Lei nº 13.243, de 2016)II - promoção e continuidade dos processos de desenvolvimento científico, tecnológico e de inovação, assegurados os recursos humanos, econômicos e financeiros para tal finalidade; (Incluído pela Lei nº 13.243, de 2016)III - redução das desigualdades regionais; (Incluído pela Lei nº 13.243, de 2016)IV - descentralização das atividades de ciência, tecnologia e inovação em cada esfera de governo, com desconcentração em cada ente federado; (Incluído pela Lei nº 13.243, de 2016)V - promoção da cooperação e interação entre os entes públicos, entre os setores público e privado e entre empresas; (Incluído pela Lei nº 13.243, de 2016)VI - estímulo à atividade de inovação nas Instituições Científica, Tecnológica e de Inovação (ICTs) e nas empresas, inclusive para a atração, a constituição e a instalação de centros de pesquisa, desenvolvimento e inovação e de parques e polos tecnológicos no País; (Incluído pela Lei nº 13.243, de 2016)VII - promoção da competitividade empresarial nos mercados nacional e internacional;(Incluído pela Lei nº 13.243, de 2016)VIII - incentivo à constituição de ambientes favoráveis à inovação e às atividades de transferência de tecnologia; (Incluído pela Lei nº 13.243, de 2016)IX - promoção e continuidade dos processos de formação e capacitação científica e tecnológica; (Incluído pela Lei nº 13.243, de 2016)X - fortalecimento das capacidades operacional, científica, tecnológica e administrativa das ICTs; (Incluído pela Lei nº 13.243, de 2016)XI - atratividade dos instrumentos de fomento e de crédito, bem como sua permanente atualização e aperfeiçoamento; (Incluído pela Lei nº 13.243, de 2016)XII - simplificação de procedimentos para gestão de projetos de ciência, tecnologia e inovação e adoção de controle por resultados em sua avaliação; (Incluído pela Lei nº 13.243, de 2016)XIII - utilização do poder de compra do Estado para fomento à inovação; (Incluído pela Lei nº 13.243, de 2016)XIV - apoio, incentivo e integração dos inventores independentes às atividades das ICTs e ao sistema produtivo. (Incluído pela Lei nº 13.243, de 2016)[...] [30]
63. Releva notar que a ‘avaliação e classificação dos resultados decorrentes de atividades e projetos de pesquisa’, impõe a preexistência de uma metodologia a ser considerada, de base empírico/analítica, para demonstrar o atendimento efetivo das disposições do regime jurídico de CT&I. Sem isso, seria impossível verificar e chancelar a juridicidade das atividades desempenhadas pela ICT, sob pena de incidir no subjetivismo, contrário à base principiológica constitucional e infraconstitucional do regime jurídico de CT&I.
64. Por conseguinte, para atender ao requisito legal do inc. II do art. 1º do art. 16 da Lei de Inovação, a metodologia definida para ‘avaliar e classificar os resultados’, deverá atender, no mínimo, aos princípios explícitos do regime jurídico de CT&I, sem olvidar da existência, também, de princípios implícitos, variáveis de acordo com as especificidades da política de inovação de cada ICT. Portanto, insista-se: a mera execução de qualquer atividade finalística da ICT, apenas por si, não chancela a sua juridicidade, haja vista que deve (i) atender as disposições do regime jurídico de CT&I, com norte ao menos nos seus princípios explícitos, e isso, (ii) corroborado mediante avaliação e classificação dos resultados verificados durante o iter da prática de CT&I, consoante metodologia predefinida pela ICT, calcada sempre em elementos objetivos.
65. [...] Disto, a regularidade jurídica da execução financeira/orçamentária da ICT pública – aspecto primordial do controle interno e externo da atividade pública -, não é suficiente para atestar a juridicidade da atividade de fomento no campo de CT&I, sobretudo, pela diversidade de natureza dos regimes jurídicos de áreas diversas (CT&I e financeiro/orçamentário), razão pela qual, é imprescindível a definição de metodologia científica própria de avaliação e classificação dos resultados verificados durante o iter do processo de fomento no campo de CT&I.
66. O atendimento deste requisito de juridicidade, destarte, deve se arrimar em trabalho técnico antecedente da ICT, que defina a metodologia de avaliação e classificação dos resultados de acordo com o preceituado no regime jurídico de CT&I.
3ª) ‘avaliar solicitação de inventor independente para adoção de invenção na forma do art. 22’
67. Prosseguindo, sobre a competência prevista no inciso III do art. 1º do art. 16 da Lei de Inovação (“avaliar solicitação de inventor independente para adoção de invenção na forma do art. 22”), o juízo de discricionariedade (sempre regrada) da ICT pública deverá se materializar em ato próprio, fundado no teor da avaliação levada a cabo pelo NIT, na forma do § 1º do art. 22 da Lei de Inovação:
“Art. 22. Ao inventor independente que comprove depósito de pedido de patente é facultado solicitar a adoção de sua criação por ICT pública, que decidirá quanto à conveniência e à oportunidade da solicitação e à elaboração de projeto voltado à avaliação da criação para futuro desenvolvimento, incubação, utilização, industrialização e inserção no mercado. (Redação dada pela Lei nº 13.243, de 2016)§ 1º O núcleo de inovação tecnológica da ICT avaliará a invenção, a sua afinidade com a respectiva área de atuação e o interesse no seu desenvolvimento.§ 2º O núcleo informará ao inventor independente, no prazo máximo de 6 (seis) meses, a decisão quanto à adoção a que se refere o caput deste artigo.” (Destaquei)
68. Repita-se que a discricionariedade da decisão final está limitada ao que restar fundamentado no documento de avaliação emitido pelo NIT, inexistindo margem para atuação pessoal daquele que decide, razão pela qual, deverão ser definidos quais os elementos objetivos relacionados com a política de inovação a ICT a se considerar na referida avaliação do NIT.
4ª) ‘opinar pela conveniência e promover a proteção das criações desenvolvidas na instituição’
69. No tocante à competência prevista no inciso IV do art. 1º do art. 16 da Lei de Inovação (“opinar pela conveniência e promover a proteção das criações desenvolvidas na instituição”), a conveniência mencionada é considerada em sua acepção jurídica, e assim, mais uma vez, deverá estar arrimada nos objetivos e diretrizes da política de inovação da ICT, consoante exposto nas linhas anteriores.
70. Para a proteção das criações desenvolvidas na instituição, compete à ICT definir, em ato prescritivo apartado – e, preferencialmente, de vigência anual -, quais os procedimentos que devem ser adotados, e fazer simples remissão a este ato na minuta do normativo em análise. A sugestão da anualidade do ato decorre, notadamente, da necessidade de alinhamento das despesas decorrentes da proteção, com o orçamento da ICT pública a cada ano. Neste ponto, também se deve pensar na eventual forma de proteção daquelas criações que não são passíveis da tutela estatal, a exemplo do sigilo industrial, know-how, etc, entre outros aspectos relacionados com a proteção das criações. Questões concernentes ao sigilo e que envolvam segurança nacional, assim como outras cujo interesse público se sobreponha, por conseguinte, devem ser definidas em tópico específico do referido ato apartado.
5ª) ‘opinar quanto à conveniência de divulgação das criações desenvolvidas na instituição, passíveis de proteção intelectual’
71. Sobre a competência prevista no inciso V do art. 1º do art. 16 da Lei de Inovação (“opinar quanto à conveniência de divulgação das criações desenvolvidas na instituição, passíveis de proteção intelectual”), tal opinativo - a exemplo dos demais opinativos do NIT-, novamente depende da prévia definição da política de inovação da ICT, porquanto, perfaz o elemento objetivo de vinculação do ato. A conveniência da divulgação está atrelada, sobretudo, ao plus de efetividade do fomento que se pretende alcançar na execução da política de inovação da ICT, sendo inadmissível, por exemplo, a mera propaganda voltada à promoção pessoal ou a propaganda inócua, sem lastro de veracidade e/ou utilidade para priorização estatal das práticas de CT&I.
6ª) acompanhar o processamento dos pedidos e a manutenção dos títulos de propriedade intelectual da instituição
72. A competência prevista no inciso VI do art. 1º do art. 16 da Lei de Inovação (“acompanhar o processamento dos pedidos e a manutenção dos títulos de propriedade intelectual da instituição.”), destina-se especificamente às relações envolvendo a propriedade intelectual. Façamos preliminarmente alguns apontamentos sobre o tema da propriedade intelectual, que, sob vários aspectos, se faz presente no campo jurídico de CT&I.
Da propriedade intelectual e da invenção [31]
73. Conforme o magistério de Newton Silveira, a criatividade do homem se materializa por atos praticados no campo da técnica ou no campo da estética, razão pela qual a tutela jurídica do fruto dessa atividade assim também é dividida: (1º) o Direito do autor, que tem por objeto a criação estética, e (2º) o Direito de propriedade industrial, que tem por objeto a criação técnica[32]. Prossegue o renomado autor, explicando que das criações humanas no campo da técnica ou da estética surgem direitos sobre bens incorpóreos ou imateriais, que assumem a forma de direitos reais e são objeto do ramo do Direito conhecido por propriedade intelectual, alocados em duas categorias distintas: as criações intelectuais, pertencentes originariamente aos seus criadores e os sinais distintivos, pertencentes às empresas. Assim, as criações intelectuais protegidas pelo Direito brasileiro são objeto de quatro leis distintas: a Lei de Direitos Autorais, a Lei do Software, a Lei de Cultivares e a Lei de Propriedade Industrial[33]. Para compreender melhor a tutela estatal concernente à propriedade intelectual, é importante ter em mente o significado do termo invenção, que pertence à categoria das criações intelectuais.
74. Na doutrina do saudoso Denis Borges Barbosa, encontramos a distinção entre invento e invenção. Para este autor, a invenção é um termo específico que se refere à criação industrial objeto de patente de invenção, enquanto que o invento não tem proteção mediante patente[34]. Assim, tanto a invenção como o invento decorrem a atividade intelectiva do ser humano, e perfazem uma solução para um problema técnico. Na tipologia do invento, por exclusão, estariam as criações que não possam ser objeto da proteção estatal por intermédio de patente.
75. Gama Cerqueira define invenção como uma criação de ordem técnica voltada à satisfação de necessidades práticas do homem, e faz a distinção desta com a descoberta. Para o autor em tela, a descoberta não visa fins práticos preestabelecidos, mas apenas aumenta o conhecimento do homem. Nota-se, portanto, que a descoberta estaria mais ligada à pesquisa básica, enquanto que a invenção teria relação direta com a pesquisa aplicada. Segue o trecho da obra de Gama Cerqueira:
“A invenção, pela sua origem, caracteriza-se como uma criação intelectual, como o resultado da atividade inventiva do espírito humano; pelo modo de sua realização, classifica-se como uma criação de ordem técnica; e, pelos seus fins, constitui um meio de satisfazer às exigências e necessidades práticas do homem [...]A invenção, como dissemos, apresenta-se como a solução de um problema técnico, que visa à satisfação de fins determinados, de necessidades de ordem prática; a descoberta, ao contrário, não visa fins práticos preestabelecidos e apenas aumenta a soma dos conhecimentos do homem sobre o mundo físico.” [35]
76. No Direito brasileiro não encontramos uma definição legal para o termo invenção, mas, segundo o INPI[36] a invenção é definida como “a criação de algo até então inexistente, que resulta da capacidade intelectual do seu autor e que representa uma solução nova para um problema existente, visando um efeito técnico em uma determinada área tecnológica”[37]. Não obstante assertiva anterior, o art. 8º da Lei nº 9.279, de 14 de maio de 1996 define quais os requisitos que a invenção deve possuir para ser patenteável:
“Art. 8º É patenteável a invenção que atenda aos requisitos de novidade, atividade inventiva e aplicação industrial.”
77. Para Denis B. Barbosa, quanto aos requisitos para conceder e assegurar o direito de exclusividade relativo à patente tradicional de invenção, as leis nacionais exigem, sob várias formulações redacionais, os seguintes pressupostos técnicos:
“- Novidade - que a tecnologia ainda não tenha sido tornada acessível ao público, de forma a que o técnico, dela tendo conhecimento, pudesse reproduzi-la;- Atividade Inventiva - que a inovação não decorra obviamente do estado da arte, ou seja, que o técnico não pudesse produzi-la simplesmente com o uso dos conhecimentos já acessíveis;- Utilidade Industrial - que a tecnologia seja capaz de emprego, modificando diretamente a natureza, numa atividade econômica qualquer.”[ 38]
78. Portanto, três são os pressupostos para a proteger a invenção por meio da patente. Destaque-se que em relação ao terceiro requisito apontado por Denis B. Barbosa, o art. 8º da LPI expressa o termo “aplicação industrial” e não “utilidade industrial”. Mas o saudoso autor ressalvou que se valeu da palavra “utilização” como um sinônimo de “aplicação”, senão vejamos o trecho abaixo reproduzido, com ênfase para a nota de rodapé nº 110:
“A outra exigência de tecnicidade se configura no requisito da utilidade industrial – aplicabilidade industrial110 [...]”_____________________________________________________________110Autores há que distinguiam “utilidade industrial” e “aplicabilidade industrial”, não obstante a unicidade da noção em TRIPs. Vide especialmente o excelente estudo de R. Srinivas em Carlos Correa, org., A Guide To Pharmaceutical Patentes, Vol. South Center Julho de 2008, encontrado em http://www.southcenter.org/index2.php?option=com_docman&task=doc_view&gid=931&Itemid=68, visitado em 4/2/2009.
79. A atividade inventiva, segundo Denis B. Barbosa, trata-se de elemento crucial a ser considerado no sistema legal das patentes, de tamanha importância que alguns indicam que tal requisito constrói o núcleo da constitucionalidade do sistema [39]. Aduziu o autor que a proteção jurídica das invenções se trata de medida imprescindível para a promoção da inovação – em sua acepção de desenvolvimento tecnológico, como ferramenta do empreendedorismo -, e que se justifica a outorga do direito temporário ao inventor, em razão do contributo efetivo que a sua atividade inventiva proporcionou à inovação:
“Atividade inventiva como requisito constitucionalA escolha de um sistema de direitos exclusivos como um dos meios possíveis para promover a inovação4 traz, necessariamente, a necessidade de construir um mecanismo legal equilibrado e eficiente5.A opção, no caso, é de um instrumento de poder sobre o mercado, parte da liberdade geral de atuação econômica, que é apropriada e delegada pelo Estado, que o entrega à gestão privada, para se atingir fins públicos (a inovação) mediante incentivos privados (a apropriação dos respectivos resultados).A novidade – o elemento contributivo da inovação - torna-se assim uma figura crucial para justificar constitucionalmente todos os sistemas de propriedade intelectual. Como tantas vezes se repetiu, a concessão de direitos exclusivos como mecanismo de incentivo econômico de mercado presume uma criação tecnológica ou expressiva que contribua para o acervo disponível – algo novo.Surge, imediatamente, porém, um problema de razoabilidade. As leis de patentes prevêem, até hoje, modelos fixos de proteção – em que o tempo, o alcance da exclusividade e os meios de implementação dos direitos são essencialmente padronizados em escala internacional, e de direito estrito, nos sistemas nacionais.Para que se justificasse esse aparato de proteção, pareceu logo aos aplicadores das leis que um mínimo de densidade do novo – um mínimo de contribuição ao conhecimento comum - seria necessário. É o que se denominaria o contributo mínimo.Assim definimos tal requisito:O segundo critério é o da atividade inventiva. Este vai ainda mais fundo na questão do equilíbrio de interesses para que seja concedida uma patente. É preciso que não só haja novidade, mas também que a eficácia e a importância econômica dessa nova técnica seja discernível, de forma que se promova não apenas mínimos aumentos incrementais da tecnologia, e sim algo que seja tão grandioso que justifique a criação de um monopólio instrumental (...)Para justificar esse monopólio instrumental é preciso que haja um salto inventivo que, como nota em particular a jurisprudência da Suprema Corte dos Estados Unidos, é também um requisito constitucional, não só uma questão técnica.9” [40]
_____________________________________________4 A análise jurídica do feixe de interesses envolvidos nesta construção já foi extensamente feita. Por exemplo, no capítulo sobre o problema constitucional do nosso Uma Introdução à Propriedade Intelectual, 2ª. Edição, Lumen Juris, 2003, [...]5 Numa metáfora extraída do direito privado, mas que reflete a questão básica do equilíbrio público-privado dos interesses envolvidos nesta modalidade de incentivo à inovação, [...]6 Tomando-se aqui a expressão como compreendendo apenas os direitos de exclusiva destinados a promover a inovação tecnológica e expressiva, muito embora, à luz da CUP estejam compreendidos direitos puramente concorrenciais (art. 10bis) ou não exclusivos (como os certificados de autor).7 Outra solução seria adequar a proteção à contribuição, graduando o tempo e o alcance da proteção: uma inovação menor [...]8 Até agora, temos postulado que tal atributo seja característico do sistema de patentes. Mas os requisitos de distinguibilidade dos cultivares e de originalidade autoral (num sentido objetivo) parecem compreender-se no mesmo plano: o de uma margem mínima de contribuição social além do simples investimento, dificuldade ou esforço. [...]9 BARBOSA, Denis Borges, O comércio internacional, o desenvolvimento econômico e social e seus reflexos na ordem internacional da propriedade intelectual. In: Patricia Luciane de Carvalho. (Org.). Propriedade Intelectual: estudos em honra à professora Maristela Basso. Curitiba: Juruá, 2005, [...]
80. Sobre a justificativa da apropriação da invenção, exemplificativamente, o autor asseverou que a Constituição Americana estabelece uma cláusula finalística que vincula a proteção jurídica das invenções pelo Estado aos fins de promoção do progresso da ciência e da tecnologia, compromisso este que inclui, entre outros, o aumento do nível de emprego e melhores condições de vida. Aduziu, outrossim, que no âmbito internacional essa ideia foi positivada nos Artigos 7 e 8 do TRIPs. E no plano nacional, o inciso XXIX do art. 5º da CF/88 erigiu a cláusula finalística, a fim de justificar o direito fundamental individual consignado no referido dispositivo constitucional[41]
81. Visto que a proteção estatal por meio da patente abarca apenas uma parcela da propriedade intelectual, a ICT pública deve prever quais outras espécies da propriedade intelectual podem surgir em razão do exercício de suas atividades finalísticas e, ato contínuo, definir cada procedimento que deverá ser observado para a garantia do correlato direito de propriedade pertencente à instituição.
7ª e 8ª) ‘desenvolver estudos de prospecção tecnológica e de inteligência competitiva no campo da propriedade intelectual, de forma a orientar as ações de inovação da ICT’ e ‘desenvolver estudos e estratégias para a transferência de inovação gerada pela ICT’
82. As competências do inciso VII (“desenvolver estudos de prospecção tecnológica e de inteligência competitiva no campo da propriedade intelectual, de forma a orientar as ações de inovação da ICT”) e do inciso VIII (“desenvolver estudos e estratégias para a transferência de inovação gerada pela ICT”), ambos do art. 1º do art. 16 da Lei de Inovação, se alinham pela afinidade relacionada com o planejamento de sua atuação institucional em busca da efetividade no plano da inovação, com espeque na concretização de sua política institucional de inovação. Façamos aqui, preliminarmente, alguns apontamentos para distinção, agora, entre a inovação e a invenção (esta última, anote-se, relacionada com uma parcela da propriedade intelectual).
Inovação versus invenção
83. Como visto, a inovação, em seu sentido amplo, decorre do surgimento de uma nova ideia que transforma ou renova algo que terá afetação no processo evolutivo da humanidade, razão pela qual, a perspectiva tecnológica da inovação é vista numa acepção ampla, referindo-se às novas aplicações do conhecimento ao trabalho humano, que abarca todas as esferas do saber, no campo das ciências exatas, biológicas e humanas (ou numa divisão clássica: ciências naturais e ciências humanas).
84. Pelo fato da economia perfazer ‘o pilar’ de sustentação das sociedades humanas, por conseguinte, tem-se que a atividade inovadora é vista preponderantemente na seara econômica, perspectiva esta que foi objeto do pensamento econômico neoclássico de Joseph A. Schumpeter [ ] a partir da sua teoria do ciclo econômico, segundo a qual, em suma, o surgimento de uma inovação é o que motiva a dinâmica econômica, quando a economia sai de um estado de equilíbrio e passa para uma mudança radical, de transições e rupturas: há uma destruição de estruturas existentes para dar lugar a outras novas [42], que ele denominou de ‘destruição criadora’.
85. O “ato empreendedor” é denominado por Schumpeter como a ação do empresário que introduz uma inovação no sistema econômico, e é motivado pelo escopo do lucro e garantia da sobrevivência da empresa. Exemplificativamente, a inovação em sua acepção econômica (ou empreendedora), aqui, pode consistir: (1) na introdução de um novo bem no mercado, (2) na introdução de um novo método de produção, (3) abertura de um novo mercado; (4) na conquista de novas fontes de matérias-primas ou bens semimanufaturados, (5) na alteração da estrutura de mercado vigente, como a quebra de um monopólio (constituição ou fragmentação de posição de monopólio) [44].
86. Contrariamente ao pensamento marxista, os economistas neoclássicos sustentam que o processo econômico independe do avanço político histórico da sociedade, porquanto é fruto da prática continuada de atos empreendedores que introduzem uma inovação no sistema. Tal entendimento também se opõe ao fundamento dos economistas clássicos, para os quais as forças do mercado livre [45], por si só, seria o motivo do equilíbrio econômico.
87. Na corrente neoclássica, assume inconteste relevância o trabalho desenvolvido por Peter F. Drucker [46] sobre o empreendedorismo, no qual define inovação como “o instrumento específico dos empreendedores, o processo pelo qual eles exploram a mudança como uma oportunidade para um negócio diferente ou um serviço diferente.” [47]
88. Para Drucker, a inovação decorre de uma “nova tecnologia” que denominou de “administração empreendedora”. Afirma que essa “nova tecnologia” não se confunde com aquela tecnologia produzida pelas empresas de ‘alta tecnologia’, e nem dela faz parte. Essa “nova tecnologia” é, na verdade, a própria atividade empreendedora, mencionada anteriormente por Schumpeter como alavanca dos ciclos econômicos. Não obstante tal assertiva, Drucker destaca que existem, de fato, empresas de alta tecnologia que são administradas de forma inovadora, com empreendedorismo, embora não se confunda essa acepção da inovação – a administração empreendedora como nova tecnologia -, com a ‘alta tecnologia’:
[...]Existe, naturalmente, uma fartura de exceções, empresas de alta tecnologia que sabem muito bem como gerir empreendimento e inovação. Mas também no século XIX havia exceções. Uma delas era o alemão Werner Siemens, que fundou e construiu a empresa que ainda leva o seu nome. Outra foi George Westinghouse, americano, um grande inventor, mas também um grande construtor de empresas, que deixou atrás de si companhias que conservam o seu nome; uma líder no campo de transportes e, outra, uma das potências na indústria de maquinaria elétrica.Porém, para o empreendedor da empresa de alta tecnologia, o arquétipo parece ser ainda Thomas Edison. Edison, o inventor mais bem sucedido do século XIX, converteu a invenção na disciplina que agora chamamos de pesquisa. Sua verdadeira ambição, contudo, era ser construtor de empresas e se tornar um magnata. No entanto, ele de tal maneira “mal administrou” as empresas que começou, que foi preciso retirá-lo de cada uma delas para poder salvá-las. Muitas, se não a maioria, das empresas de alta tecnologia ainda são administradas, ou mais precisamente, “mal administradas” à maneira de Edison.[...] [48]
89. É de relevante importância a distinção feita por Drucker, sobretudo, para esclarecer que a “alta tecnologia” por si só não implica numa inovação – embora tenha potencial para tanto -, como requisito de evolução econômica, e com reflexos diretos no âmbito social:
[...]Dos mais de 40 milhões de empregos criados desde 1965 na economia, a alta tecnologia não contribuiu com mais de 5 ou 6 milhões. Portanto, a alta tecnologia não criou mais do que as “chaminés” [indústrias de] perderam. Todos os empregos adicionais da economia foram gerados em algum outro lugar. E apenas um ou dois de cada cem negócios – totalizando dez mil por ano – são remotamente de “alta tecnologia” mesmo no seu sentido mais lato.[...]Não há dúvida de que a alta tecnologia, seja sob a forma de computadores ou telecomunicações, robôs nas fábricas ou automatização de escritórios, biogenética ou engenharia. É de incomensurável importância qualitativa. Ela fornece estímulos e as manchetes. Ela cria a visão para o espírito empreendedor e a novação na comunidade, e a receptividade para ambos. A disposição dos jovens, muito bem treinados, de trabalhar para pequenos e desconhecidos empregadores, em vez de em um enorme banco ou um fabricante internacional de equipamentos elétricos, está certamente enraizada na mística da “alta tecnologia”, embora a esmagadora maioria desses jovens trabalhe para empregadores cuja tecnologia é prosaica e rotineira. A alta tecnologia, provavelmente, também estimulou a estonteante transformação do mercado de capitais dos Estados Unidos, da situação de quase ausência de capitais de risco em meados dos anos 60 para o quase excesso em meados dos anos 80. A alta tecnologia é, portanto, o que os lógicos costumavam chamar de ratio cognoscendi, a razão pela qual nós percebemos e entendemos um fenômeno, em vez de explicar por que ele surge e a causa da sua existência.Quantitativamente, como já foi dito, a alta tecnologia ainda é limitada, respondendo por não mais que um oitavo dos empregos. Nem tampouco irá ela tornar-se muito mais importante em termos de novos empregos no futuro próximo. De hoje até o ano 2000, não mais que um sexto dos empregos que esperamos criar na economia americana será de alta tecnologia, com toda a probabilidade. De fato, se a alta tecnologia fosse, como se pensa em geral, o setor empreendedor da economia dos Estados Unidos, então estaríamos enfrentando um período de “crescimento zero”, e de estagnação a longo prazo, num cavado entre as cristas de uma “onda Kondratieff”. [49]
90. Num artigo publicado na Revista de Administração e Negócios de Harvard, intitulado “The discipline of innovation”[50], Drucker aduz que a inovação consiste no trabalho de saber, e não no de fazer, e assim, afirma que a maioria das inovações resulta de uma busca consciente pelo que denomina oportunidades de inovação, sendo que quatro dessas áreas de oportunidades (fontes da inovação) estariam na atuação imediata ordinária da empresa ou indústria. As sete fontes seriam: (1) fatos inesperados, (2) incongruências, (3) necessidades de processo e (4) mudanças na indústria e no mercado. Outras fontes de oportunidades estariam fora de uma companhia em seu ambiente de desenvolvimento intelectual ou social: (5) mudanças demográficas, (6) mudanças na percepção e (7) novos conhecimentos.
91. Não obstante a posição de Drucker firmada logo nas primeiras páginas de sua obra Innovation and Entrepreneurship (New York: Harper & Row, 1985), fazendo a distinção entre a tecnologia da inovação (empreendedorismo) e a alta tecnologia, no decorrer de sua obra ele explica que dentre as inovações mais importantes surgidas até então, estariam no topo da lista aquelas que se sustentam (i.e., têm como fonte) em novos conhecimentos, e assim, figuram como estrelas do empreendedorismo, sobretudo porque resultam em publicidade e dinheiro:
[...]A inovação baseada no conhecimento é a “superestrela” do espírito empreendedor. Ela ganha publicidade. Ela ganha o dinheiro. Ela é o que as pessoas normalmente querem dizer quando falam sobre inovação. Naturalmente, nem toda inovação baseada em conhecimento é importante. Algumas são verdadeiramente triviais. Mas, dentre as inovações que fizeram história, as inovações baseadas em conhecimento podem ter igual, ou, até mesmo, maior impacto.As inovações baseadas no conhecimento diferem das demais inovações em suas características básicas: duração, taxa de perdas, predicabilidade, e nos desafios que apresentam para o empreendedor. E, como a maioria das “superestrelas”, inovação baseada em conhecimento é temperamental, caprichosa, e difícil de controlar.[...] [51]
92. E ainda segundo Drucker, uma das características das inovações baseadas em conhecimento é que, em regra, decorrem da convergência de conhecimentos diversos, mas nem todos necessariamente científicos ou tecnológicos. Como exemplo esclarecedor, entre outros, cita o caso de empreendedorismo no setor jornalístico americano:
[...]O primeiro homem a intuir o jornal moderno foi o americano James Gordon Bennett, fundador do New York Herald. Bennett entendeu perfeitamente os problemas: um jornal precisa ter renda suficiente para ser editorialmente independente, e ainda ser barato o suficiente para ter uma circulação de massa. Os jornais anteriores tanto obtinham receita vendendo sua independência e se tornando lacaios e propagandistas pagos por uma facção política – como faziam a maioria dos jornais americanos e praticamente todos os europeus da época -, ou, como o grande aristocrata daqueles dias (The Times de Londres), eles eram “escritos por cavalheiros para cavalheiros”, mas tão caros que apenas uma pequena elite podia tê-los.Bennett explorou brilhantemente bases gêmeas de conhecimento tecnológico sobre os quais um jornal moderno se apóia: o telégrafo e a impressão de alta velocidade. Isso permitiu a ele produzir papel a uma fração de custo usual.Ele sabia que precisava de composição tipográfica de alta velocidade, embora ela não tivesse sido inventada senão após a sua morte. Também viu uma das bases não-científicas, a alfabetização em massa, que viabilizou a circulação de massa para um jornal de preço baixo. Mas ele não chegou a compreender a quinta base: propaganda de massa como fonte de renda que permitia a independência editorial. Bennett, pessoalmente, desfrutava de um sucesso espetacular; ele foi o primeiro dos lordes da imprensa. Mas seu jornal não alcançou nem a liderança e nem a segurança financeira. Essas metas somente foram atingidas duas décadas mais tarde, por volta de 1890, por três homens que entenderam e exploraram a publicidade: Joseph Pulitzer, primeiro em St. Louis e depois Nova York. Adolph Ochs que assumiu um moribundo New York Times e fez dele o principal jornal dos Estados Unidos, e William Randolph Hearst, que inventou a moderna cadeia de jornais.[...] [52]
93. Atualmente a inovação – em seu horizonte econômico, de empreendedorismo - tem sido objeto de aprofundado estudo e monitoramento, notadamente por parte dos países economicamente mais desenvolvidos, com foco na maximização do desenvolvimento e crescimento econômico. Nesse contexto, a OCDE [53] confeccionou o conhecido Manual de Oslo [54] com o intuito de fixar algumas premissas sobre a inovação, enquanto ferramenta de desenvolvimento. Segundo consta do Manual, a inovação pode ocorrer em qualquer setor da economia, incluindo serviços governamentais como saúde e educação. Destaque-se, entretanto, que as diretrizes do Manual são essencialmente voltadas para as inovações de empresas comerciais, o que abarca a indústria de transformação, indústrias primárias e o setor de serviços [55].
94. Infere-se do texto do Manual que as empresas se engajam em inovações em virtude de inúmeras razões. Seus objetivos podem envolver produtos, mercados, eficiência, qualidade ou capacidade de aprendizado e de implementação de mudanças. Identificar os motivos que levam as empresas a inovar e sua importância auxilia o exame das forças que conduzem as atividades de inovação, tais como a competição e as oportunidades de ingresso em novos mercados. As atividades de inovação podem ser obstruídas por diversos fatores. Pode haver razões para que não sejam iniciadas atividades de inovação e fatores que refreiam tais atividades ou as afetam negativamente. Incluem-se fatores econômicos, como custos elevados e deficiências de demanda, fatores específicos a uma empresa, como a carência de pessoal especializado ou de conhecimentos, e fatores legais, como regulações ou regras tributárias.
95. A capacidade que as empresas possuem para se apropriar dos ganhos provenientes de suas atividades de inovação também afeta o processo de inovação. Se, por exemplo, as empresas não estão aptas a proteger suas inovações da imitação de seus competidores, elas terão menos incentivo para inovar. Por outro lado, se uma indústria funciona bem sem proteção formal, promover essa proteção pode diminuir o fluxo de conhecimentos e de tecnologia e conduzir a preços mais elevados para os bens e serviços.
96. Nesse cenário, vislumbra-se que as economias avançadas são baseadas no conhecimento, informação e altos níveis de especialização, com pronto acesso a esses fatores pelos setores privados e público, o que, por conseguinte, enseja um desenvolvimento econômico paralelo: o crescimento da inovação em serviços nas economias avançadas. Assim, a inovação deve ser vista em sentido amplo, considerando as teorias e pesquisas existentes sobre inovação e os reflexos destas em temas de políticas públicas [56]. As pesquisas sobre inovação envolvem disciplinas variadas, com abordagens econômicas a partir de perspectivas teóricas diversas, que ofertam alternativas, que ao final são complementares umas às outras.
97. Sob o ponto de vista da Ciência Econômica, o Manual de Oslo tem como referência teorias econômicas de Schumpeter, tido como marco inaugural dos estudos concernentes às teorias da inovação, a partir do seu argumento no sentido que o desenvolvimento econômico é conduzido pela inovação, por meio de um processo dinâmico em que as novas tecnologias substituem as antigas, num processo por ele denominado “destruição criadora”.
98. Segundo esse autor, portanto, inovações são vistas como experimentos de mercado, que ensejam mudanças amplas e extensivas que reestruturam indústrias e mercados, e podem ser de duas espécies: inovações “radicais” engendram rupturas mais intensas, enquanto inovações “incrementais” dão continuidade ao processo de mudança [57]. Outras perspectivas neoclássicas foram consideradas na elaboração do Manual, considerando a inovação em termos de criação de ativos e de experimentos de mercado, e assim, a apropriação é um importante fator em inovação, e a capacidade de proteger inovações terá uma importante influência na atividade inovadora [58]. No tocante às teorias econômicas, foram considerados, ainda, as abordagens teóricas sobre o posicionamento competitivo, o foco no consumidor, visões sociológicas da difusão de conhecimento e abordagens evolucionistas. [59]
99. O Manual de Oslo traz definições que, por se mostrarem relevantes para esta exposição, reproduzo a seguir:
“Inovação”: “Uma inovação é a implementação de um produto (bem ou serviço) novo ou significativamente melhorado, ou um processo, ou um novo método de marketing, ou um novo método organizacional nas práticas de negócios, na organização do local de trabalho ou nas relações externas.”. Essa definição é abrangente e compreende um amplo conjunto de inovações possíveis. Uma inovação pode ser mais estreitamente categorizada em virtude da implementação de um ou mais tipos de inovação, por exemplo inovações de produto e de processo. O requisito mínimo para se definir uma inovação é que o produto, o processo, o método de marketing ou organizacional sejam novos (ou significativamente melhorados) para a empresa. Isso inclui produtos, processos e métodos que as empresas são as pioneiras a desenvolver e aqueles que foram adotados de outras empresas ou organizações.” [ ]“Atividade de inovação”: “As atividades de inovação são etapas científicas, tecnológicas, organizacionais, financeiras e comerciais que conduzem, ou visam conduzir, à implementação de inovações. Algumas atividades de inovação são em si inovadoras, outras não são atividades novas mas são necessárias para a implementação de inovações. As atividades de inovação também inserem a P&D que não está diretamente relacionada ao desenvolvimento de uma inovação específica.”“Inovação de produto”: “é a introdução de um bem ou serviço novo ou significativamente melhorado no que concerne a suas características ou usos previstos. Incluem-se melhoramentos significativos em especificações técnicas, componentes e materiais, softwares incorporados, facilidade de uso ou outras características funcionais.”“Inovação de processo”: “é a implementação de um método de produção ou distribuição novo ou significativamente melhorado. Incluem-se mudanças significativas em técnicas, equipamentos e/ou softwares.”“Inovação de marketing”: “é a implementação de um novo método de marketing com mudanças significativas na concepção do produto ou em sua embalagem, no posicionamento do produto, em sua promoção ou na fixação de preços.”“Inovação organizacional”: “é a implementação de um novo método organizacional nas práticas de negócios da empresa, na organização do seu local de trabalho ou em suas relações externas.” [60]
100. Sob o enfoque da inovação como fenômeno inerente à evolução da sociedade humana, a doutrina de Balmes Vega Garcia induz à gênese da regulamentação estatal, correlacionando a inovação (aqui, na acepção da alta tecnologia) e o Direito – diga-se: ainda que numa visão monológica da regulação qualificada como jurídica -, ao lecionar com brilhante objetividade e concisão que, verbis, “Cabe ao Direito positivo, numa sociedade capitalista, onde o mercado é hegemônico, garantir, ordenar, regular, organizar e reger esta relação, assegurando a irrigação da economia pela criatividade acadêmica, através de normas de propriedade intelectual e de inovação tecnológica que viabilizem esta relação.” [61]. E com a mesma maestria, aponta a influência capitalista no Direito estatal, na função de regular as relações entre as demandas empresarias de inovações tecnológicas e a economia:
[...]Tecnologia e Direito são expressões humanas que trazem no seu bojo diferentes componentes, traduzindo dialeticamente a luta pelo poder no tempo e no espaço, e a busca da hegemonia de um grupo social sobre os restantes, o lado político e ideológico presente nas relações sociais. [...]Num determinado momento as Empresas, atravessando o capitalismo comercial, alcançam o capitalismo industrial, desembocando no capitalismo de serviços, demandando mais e mais inovações tecnológicas traduzidas em novos produtos, componentes e dispositivos, verdadeiros símbolos de consumo, ícones mercadológicos, alguns incorporando inclusive novos serviços, não prescindindo da pesquisa, nomeadamente, sustentada com recursos orçamentários públicos diretos ou indiretos. Reitere-se que atualmente os mercados de consumo de massa globalizados estão a exigir das empresas não mais apenas produtos, mas símbolos sociais de toda ordem.Assim a classe dominante, impondo a tecnologia de seu interesse, necessita de um escudo, uma blindagem, o Estado, que será por ela controlado e dominado, como são os meios de produção hegemônicos, legitimando seus atos, assegurando que o Direito posto por meio dele regule as relações econômicas de acordo com seus interesses. [...][62]
101. No âmbito internacional do campo jurídico de CT&I, o Acordo [63]TRIPs dispõe que a promoção da inovação tecnológica, insere-se nos objetivos da proteção dos direitos de propriedade intelectual, consoante se infere do teor do seu Artigo 7:
“A proteção e a aplicação de normas de proteção dos direitos de propriedade intelectual devem contribuir para a promoção da inovação tecnológica e para a transferência e difusão de tecnologia, em benefício mútuo de produtores e usuários de conhecimento tecnológico e de uma forma conducente ao bem-estar social econômico e a um equilíbrio entre direitos e obrigações.”
102. Registre-se que o Acordo TRIPs em si, reforça a perspectiva neoclássica da inovação em termos de criação de ativos e a apropriação destes, como um importante fator de estímulo à inovação, razão pela qual exsurge a necessidade da proteção da propriedade intelectual, justamente para fomentar a atividade empreendedora mediante a exploração da alta tecnologia. Denis Barbosa enfatizou que, no âmbito nacional, a Lei de Inovação [64] define um regime jurídico próprio para a atividade inovativa, matizado nos artigos 218 e ss. da CF/88, que tem como característica fundamental a apropriação da tecnologia. E essa apropriação tecnológica, tida como princípio jurídico, deve ser vista em favor do sistema produtivo nacional. [65]
103. No regime jurídico de CT&I, a norma do inciso IV do art. 2º da Lei nº 10.973/74, na mesma linha do Manual de Oslo, a priori, informa uma vinculação do seu significado com o ato de renovar/transformar no ambiente produtivo, ou seja, aponta para o objetivo econômico da inovação. Todavia, com a Lei nº 13.243/16, incluiu a concomitância do escopo social, ao expressar no preceito da lei que a introdução da novidade ou aperfeiçoamento deve se dar “no ambiente produtivo e social”:
“Art. 2º Para os efeitos desta Lei, considera-se:[...]IV – inovação: introdução de novidade ou aperfeiçoamento no ambiente produtivo e social que resulte em novos produtos, serviços ou processos ou que compreenda a agregação de novas funcionalidades ou características a produto, serviço ou processo já existente que possa resultar em melhorias e em efetivo ganho de qualidade ou desempenho;”[66]
104. E com o advento da Lei nº 13.243/16, mais uma vez restou afirmado o compromisso social da inovação, ao modificar a redação do art. 1º da Lei nº 10.973/04 para expressar a finalidade do “desenvolvimento do sistema produtivo nacional e regional do País”, além de incluir um rol de princípios dirigentes, com expressa menção nesse sentido (econômico e social): [67]
“Art. 1º Esta Lei estabelece medidas de incentivo à inovação e à pesquisa científica e tecnológica no ambiente produtivo, com vistas à capacitação tecnológica, ao alcance da autonomia tecnológica e ao desenvolvimento do sistema produtivo nacional e regional do País, nos termos dos arts. 23, 24, 167, 200, 213, 218, 219 e 219-A da Constituição Federal. (Redação pela Lei nº 13.243, de 2016)Parágrafo único. As medidas às quais se refere o caput deverão observar os seguintes princípios: (Incluído pela Lei nº 13.243, de 2016)I - promoção das atividades científicas e tecnológicas como estratégicas para o desenvolvimento econômico e social; (Incluído pela Lei nº 13.243, de 2016)II - promoção e continuidade dos processos de desenvolvimento científico, tecnológico e de inovação, assegurados os recursos humanos, econômicos e financeiros para tal finalidade; (Incluído pela Lei nº 13.243, de 2016)III - redução das desigualdades regionais; (Incluído pela Lei nº 13.243, de 2016)IV - descentralização das atividades de ciência, tecnologia e inovação em cada esfera de governo, com desconcentração em cada ente federado; (Incluído pela Lei nº 13.243, de 2016)V - promoção da cooperação e interação entre os entes públicos, entre os setores público e privado e entre empresas; (Incluído pela Lei nº 13.243, de 2016)VI - estímulo à atividade de inovação nas Instituições Científica, Tecnológica e de Inovação (ICTs) e nas empresas, inclusive para a atração, a constituição e a instalação de centros de pesquisa, desenvolvimento e inovação e de parques e polos tecnológicos no País; (Incluído pela Lei nº 13.243, de 2016)VII - promoção da competitividade empresarial nos mercados nacional e internacional; (Incluído pela Lei nº 13.243, de 2016)VIII - incentivo à constituição de ambientes favoráveis à inovação e às atividades de transferência de tecnologia; (Incluído pela Lei nº 13.243, de 2016)IX - promoção e continuidade dos processos de formação e capacitação científica e tecnológica; (Incluído pela Lei nº 13.243, de 2016)X - fortalecimento das capacidades operacional, científica, tecnológica e administrativa das ICTs; (Incluído pela Lei nº 13.243, de 2016)XI - atratividade dos instrumentos de fomento e de crédito, bem como sua permanente atualização e aperfeiçoamento; (Incluído pela Lei nº 13.243, de 2016)XII - simplificação de procedimentos para gestão de projetos de ciência, tecnologia e inovação e adoção de controle por resultados em sua avaliação; (Incluído pela Lei nº 13.243, de 2016)XIII - utilização do poder de compra do Estado para fomento à inovação; (Incluído pela Lei nº 13.243, de 2016)XIV - apoio, incentivo e integração dos inventores [ ]independentes às atividades das ICTs e ao sistema produtivo. (Incluído pela Lei nº 13.243, de 2016)” (Destaquei)
105. Nota-se que a acepção normativa do termo inovação empregada pela Lei nº 10.973/04, está relacionada com a autonomia tecnológica e o desenvolvimento industrial, o que informa seu alinhamento com o que Drucker definiu como “novos conhecimentos, ou alta tecnologia” [68], entre as sete oportunidades das quais decorre a inovação. Observamos, outrossim, que a norma em comento também se alinha com o escopo do Manual de Oslo, cujas diretrizes são essencialmente voltadas para as inovações de empresas comerciais - o que abarca a indústria de transformação, indústrias primárias e o setor de serviços-. E esse alcance do termo inovação também é repetido no bojo da Lei Complementar nº 123, de 14 de dezembro de 2006, consoante se infere da norma do seu art. 64:
“Art. 64. Para os efeitos desta Lei Complementar considera-se:I - inovação: a concepção de um novo produto ou processo de fabricação, bem como a agregação de novas funcionalidades ou características ao produto ou processo que implique melhorias incrementais e efetivo ganho de qualidade ou produtividade, resultando em maior competitividade no mercado;[...]”
106. Nesse ponto, notamos que embora o regime jurídico de CT&I contenha normas que enfatizem o fomento do ambiente produtivo, não limitou o termo ‘inovação’ exclusivamente em seu sentido econômico, como atividade empreendedora afirmada por Drucker. Para que não paire dúvida a esse respeito, destaque-se que o fundamento constitucional do regime jurídico de CT&I são os artigos 218 ao 219-B da CF/88, que pertencem ao “TITULO VIII, Da Ordem Social”, o qual expressa em seu art. 193 a disposição geral no sentido que “a ordem social tem como base o primado do trabalho, e como objetivo o bem-estar e a justiça sociais”.
107. Fiz essa breve exposição sobre a acepção jurídica do termo ‘inovação’, por entender ser proveitosa e didática, mormente para fixar premissas conceituais, e mitigar incongruências aparentes no regime jurídico de CT&I, e mais ainda, para que não se afirme de forma precipitada que uma eventual criação tecnológica seja necessariamente uma inovação na acepção do regime jurídico de CT&I.
108. Com efeito, a criação tecnológica (invenção ou outro produto decorrente da inovação do campo da técnica), consoante asseverado, tem inconteste potencial de inovação no campo econômico e social, porém, o significado dos dois termos são distintos e independentes: pode surgir uma novidade tecnológica que não gere efetiva inovação econômica e social, e por outro lado, também pode ocorrer uma inovação econômica e social independentemente do seu atrelamento com uma novidade tecnológica.
109. Aqui, se reforça mais uma vez a tese posta no sentido que a juridicidade da atividade de fomento estatal no campo de CT&I, deve ser aferida em todo o seu iter, e não necessariamente ficar atrelada ao hipotético e único resultado final, consistente no surgimento de uma novidade tecnológica. Isso reforça a imprescindibilidade da atuação do NIT no apoio da execução da política de inovação da ICT, com o intuito de buscar a maximização da efetividade econômica e social, alinhada com o regime jurídico de CT&I.
110. Desta distinção conceitual entre ‘inovação’ e, grosso modo, ‘invenção’, novamente transparece a necessidade de definir de forma clara e antecedente a política de inovação da ICT, a partir da qual serão desenvolvidos os estudos de prospecção tecnológica e competitividade no campo da PI, incluídas as diretrizes de transferência da inovação para fomentar os setores econômico e o social.
9ª) ‘promover e acompanhar o relacionamento da ICT com empresas, em especial para as atividades previstas nos arts. 6º a 9º’
111. No tocante à competência prevista no inciso IX do art. 1º do art. 16 da Lei de Inovação (“promover e acompanhar o relacionamento da ICT com empresas, em especial para as atividades previstas nos arts. 6º a 9º”), é importante que a ICT defina com clareza como se dará o apoio do NIT na promoção e acompanhamento do relacionamento com os agentes produtivos do campo de CT&I, de forma alinhada com a política de inovação da ICT.
112. Assim, cabe à ICT definir cada procedimento que será implementado para atender às disposições específicas do ato normativo para atender a cada atividade mencionada nos artigos 6º ao 9º da Lei de Inovação [69] - inclusive, com a definição clara da formatação dos correlatos processos administrativos de implementação de suas atividades (“projetos de CT&I”) e das possíveis relações jurídicas decorrentes -, sem prejuízo, obviamente, da definição do procedimento geral a ser adotado para promoção e acompanhamento do relacionamento da ICT com as empresas.
113. Nota-se que pela complexidade e novidade das atividades previstas nos referidos artigos da Lei de Inovação, e pela necessidade de alinhamento destas relações com a política de inovação da ICT pública, a definição das diretrizes do exercício desta competência deverá ser objeto de estudo e prospecção levada a efeito por comissão especificamente designada para isso, a partir do conhecimento das demandas do setor produtivo no segmento que mantém relações com as atividades da ICT, etc. Nesse sentido, registre-se que as ICTs públicas vinculadas ao DCTA/COMAER estão numa trajetória de vanguarda na gestão da inovação, porquanto se estruturaram desde o início da formação do pesquisador (graduação do ITA, com projeto de acompanhamento do ex-aluno formado, e alternativa de criação de novas ‘startups’), com prospecção da inovação no polo industrial aeroespacial (a cargo da ICT Instituto de fomento Industrial-IFI), desenvolvimento de alta-tecnologia aeroespacial (ICT Instituto de Estudos Avançados-IEAv) e de alta tecnologia especificamente na área de ensaios de voo (ICT Instituto de Pesquisas e Ensaios em Voo – IPEV), e no nível de aplicação prática da alta tecnologia de veículos espaciais (ICT Instituto de aeronáutica e Espaço – IAE).
10ª) negociar e gerir os acordos de transferência de tecnologia oriunda da ICT
114. No tocante à competência prevista no inciso X do art. 1º do art. 16 da Lei de Inovação (“negociar e gerir os acordos de transferência de tecnologia oriunda da ICT.”), é importante definir quais os limites juridicamente plausíveis da aludida negociação dos acordos envolvendo a ICT e critérios que deverão ser atendidos, sobretudo, ante o princípio da indisponibilidade do interesse público.
115. Não é demais repetir que o exercício desta competência – senão das demais -, está atrelado sistemicamente às demais competências explícitas do §1º do art. 16 da Lei de Inovação, mormente aquela competência mais ampla concernente à ‘avaliação e classificação dos resultados decorrentes de atividades e projetos de pesquisa para o atendimento das disposições da Lei de Inovação’, que, a seu turno, tem como referência a base principiológica do parágrafo único do seu art. 1º, e as diretrizes e objetivos previamente definidos da política e inovação da ICT.
[..,]
Neste projeto de CT&I, destarte, a análise e manifestação do NIT deve se dar na maior profundidade possível, para descrever quais os aspectos da política de inovação da ICT que o projeto tem vocação para otimizar, seja sob o prisma do 'projeto de CT&I' em si, seja em relação aos procedimentos que serão adotados na execução.
É consabido que esta tarefa não é simples e exige a utilização de método que possa atender às exigências normativas, o que, repita-se, acaba revestindo o parecer do NIT com a natureza de verdadeira pesquisa científica aplicada, com o intuito de, por assim dizer, “utilizar a técnica para a solução de problema, com vistas ao bem estar social ”. O foco, consoante asseverado, é a necessidade incessante da maximização da base principiológica constitucional e infraconstitucional de CT&I, com espeque no bem público e no progresso da ciência, tecnologia e inovação.
Considerando a característica temporal das práticas de CT&I e que a juridicidade destas é aferida durante o “iter” de sua execução, por conseguinte, é juridicamente plausível (e até mesmo imperioso, ante o risco de inefetividade da prática), in casu, que a manifestação técnica do órgão de apoio à gestão de política de inovação da ICT seja aprimorada concomitantemente com a execução do projeto e coleta de informações atualizadas.
Disto, recomenda-se à ICT que inste seu órgão de apoio à gestão da política de inovação (NIT), para que estude e defina o procedimento de elaboração de suas manifestações técnicas de modo que abordem o assunto a atender, com plenitude, as disposições do regime jurídico de CT&I, que ao final, também perfaz um meio efetivo de execução da política de governança da Administração Pública federal, segundo o Decreto nº 9.203/17 e a PORTARIA CGU Nº 57, de 4 de janeiro de 2019.
O último requisito da instrução do processo administrativo concernente à execução de 'projeto de CT&I' da ICT pública, é a formal aprovação dos seus atos anteriores e a consequente autorização para o seu prosseguimento, mediante a expedição e ato próprio da autoridade maior da ICT pública, ante o que, prossigo com a análise deste item.
(4) aprovação motivada do diretor da ICT, para execução do projeto.
O caso sob análise diz respeito à execução de 'projeto de CT&I' da ICT pública que é de interesse do Brasil e da União Europeia. O interesse público primário é demonstrado objetivamente na motivação do parecer técnico do NIT, que é o órgão competente para se pronunciar sobre o alinhamento de todos os projetos de CT&I da ICT , com os objetivos e diretrizes da sua política de inovação.
Desta forma, quando o diretor da ICT expedir o ato de aprovação/autorização para execução do projeto de CT&I, o fará seguro e ciente de todas as informações e elementos que compõem a juridicidade da 'prática em CT&I', ou seja, o pleno alinhamento da execução do projeto com as diretrizes e objetivos da política de inovação da ICT, atestado em antecedente parecer do NIT.
Na sequência, prossigo com a análise dos requisitos para a vinculação jurídica dos partícipes (ICT pública e empresas nacional e italiana), assim como do conteúdo da minuta do instrumento jurídico proposto e anexos.
III.II - DA PARCERIA ENTRE A ICT DA UNIÃO E AS EMPRESAS BRASILEIRA E ITALIANA
Consoante asseverado, há uma união de esforços entre a ICT da União e as empresas para o desenvolvimento de "processo tecnológico destinado à recuperação dos materiais das pilhas e baterias que atingiram o final da vida útil, que será materializado numa planta piloto com capacidade para processamento diário de 100 kg de pilhas e baterias". Inclui neste projeto, igualmente, a análise e sugestão de processos de logística reversa para os denominados Resíduos de Equipamentos Eletrônicos, tanto no Brasil como na Europa. No Brasil, serão incluídas as cooperativas de catadores e catadoras de materiais recicláveis, do que a inovação assume um viés social com destaque.
Ante a natureza jurídica desta relação (acordo de parceria em CT&I), deverá ser confeccionado um "Plano de Trabalho", segundo as diretrizes do art. 35 do Decreto nº 9.283, de 7 de fevereiro de 2018, o que recomenda-se atender:
"Art. 35. O acordo de parceria para pesquisa, desenvolvimento e inovação é o instrumento jurídico celebrado por ICT com instituições públicas ou privadas para realização de atividades conjuntas de pesquisa científica e tecnológica e de desenvolvimento de tecnologia, produto, serviço ou processo, sem transferência de recursos financeiros públicos para o parceiro privado, observado o disposto no art. 9º da Lei nº 10.973, de 2004 .
§ 1º A celebração do acordo de parceria para pesquisa, desenvolvimento e inovação deverá ser precedida da negociação entre os parceiros do plano de trabalho, do qual deverá constar obrigatoriamente:
I - a descrição das atividades conjuntas a serem executadas, de maneira a assegurar discricionariedade aos parceiros para exercer as atividades com vistas ao atingimento dos resultados pretendidos;
II - a estipulação das metas a serem atingidas e os prazos previstos para execução, além dos parâmetros a serem utilizados para a aferição do cumprimento das metas, considerados os riscos inerentes aos projetos de pesquisa, desenvolvimento e inovação;
III - a descrição, nos termos estabelecidos no § 3º, dos meios a serem empregados pelos parceiros; e
IV - a previsão da concessão de bolsas, quando couber, nos termos estabelecidos no § 4º.
§ 2º O plano de trabalho constará como anexo do acordo de parceria e será parte integrante e indissociável deste, e somente poderá ser modificado segundo os critérios e a forma definidos em comum acordo entre os partícipes.
§ 3º As instituições que integram os acordos de parceria para pesquisa, desenvolvimento e inovação poderão permitir a participação de recursos humanos delas integrantes para a realização das atividades conjuntas de pesquisa, desenvolvimento e inovação, inclusive para as atividades de apoio e de suporte, e também ficarão autorizadas a prover capital intelectual, serviços, equipamentos, materiais, propriedade intelectual, laboratórios, infraestrutura e outros meios pertinentes à execução do plano de trabalho.
§ 4º O servidor, o militar, o empregado da ICT pública e o estudante de curso técnico, de graduação ou de pós-graduação, envolvidos na execução das atividades previstas no caput poderão receber bolsa de estímulo à inovação diretamente da ICT a que estiverem vinculados, de fundação de apoio ou de agência de fomento, observado o disposto no § 4º do art. 9º da Lei nº 10.973, de 2004 .
§ 5º Na hipótese de remuneração do capital intelectual, deverá haver cláusula específica no instrumento celebrado mediante estabelecimento de valores e destinação de comum acordo.
§ 6º O acordo de parceria para pesquisa, desenvolvimento e inovação poderá prever a transferência de recursos financeiros dos parceiros privados para os parceiros públicos, inclusive por meio de fundação de apoio, para a consecução das atividades previstas neste Decreto.
§ 7º Na hipótese prevista no § 6º, as agências de fomento poderão celebrar acordo de parceria para pesquisa, desenvolvimento e inovação para atender aos objetivos previstos no art. 3º da Lei nº 10.973, de 2004 .
§ 8º A prestação de contas da ICT ou da agência de fomento, na hipótese prevista no § 6º, deverá ser disciplinada no acordo de parceria para pesquisa, desenvolvimento e inovação."
Sobre as disposições do instrumento jurídico denominado de "Acordo de Consórcio" (que à luz do regime jurídico de CT&I brasileiro representa um "acordo de parceria"), seguem as seguintes observações e recomendações, consideradas exclusivamente em razão da tradução livre para o português juntada aos autos, "LICOBAT Acordo Consórcio, versão 191029" (pp. 433/459 do PDF, Seq. 1 a 4 do SAPIENS):
a) Embora se faça menção à "parte" ou "partes", os sujeitos da relação jurídica compartilham interesses comuns, não antagônicos, e segundo o ordenamento jurídico interno, equivalem à figura do "parceiro" em um a pática de CT&I;
b) Na qualificação das "partes", ajustar a redação da ICT para "Centro de Tecnologia da Informação Renato Archer-CTI, qualificado como instituição científica, tecnológica e de inovação (ICT) da União, órgão da Administração Pública federal vinculado ao Ministério da Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações, inscrita no CNPJ sob nº 04.822.500/0001-60 ..."
c) Na qualificação das empresas parceiras, acrescentar que são "sociedades empresárias, pessoas jurídicas de direito privado, constituídas segundo a legislação de seus respectivos países"
d) No subitem 5.1, recomenda-se alterar o termo "....conforme descrito pelo direito Belga", por "... conforme descrito pelo direito Belga, mas prevalecendo o direito brasileiro para as partes brasileiras em caso de dúvida ou contrariedade sobre o direito aplicável, respeitada em qualquer caso a competência do inciso I art. 49 da Constituição Federal da República Federativa do Brasil de 1988".
e) No subitem "12.7 Lei aplicável", recomenda-se acrescentar que "Prevalecerá o direito brasileiro para as partes brasileiras em caso de dúvida ou contrariedade sobre o direito aplicável, respeitada em qualquer caso a competência do inciso I art. 49 da Constituição Federal da República Federativa do Brasil de 1988
f) Eventual alteração dos termos do instrumento jurídico ou do seu Plano de Trabalho, deverá ser objeto de manifestação prévia do órgão de apoio à gestão da política de inovação da ICT (o NIT), seguido de manifestação jurídica da CJU-SJC
Após atendidas as recomendações jurídicas deste parecer, a minuta do instrumento jurídico poderá ser considerada aprovada para os fins da norma do parágrafo único do art. 38 da Lei nº 8.666/93, subsidiariamente aplicada à relação jurídica ora apreciada à luz do regime jurídico de CT&I, pelo qual é possível identificar o "acordo de parceria" entre a ICT pública e as duas empresas, com o objetivo da execução de um projeto de CT&I que se presume alinhado com a política de inovação da ICT.
IV - CONCLUSÃO
Do exposto neste parecer, a CJU-SJC conclui que é juridicamente viável a formalização do "Acordo de Consórcio" entre a ICT pública e as duas empresas privadas, para desenvolvimento do projeto de CT&I denominado de "processo para recuperação de Lítio e Cobalto de baterias esgotadas, levando em conta as características dos mercados europeu e brasileiro, com foco nas especificidades da logística e manufatura reversa dos produtos eletroeletrônicos nesses países", desde que atendidas as recomendações lançadas no bojo deste parecer, itens 6, 21, 24, 29, 55, 60, 66 e 67.
A inobservância das recomendações deste parecer implicará em desconsiderar a aprovação jurídica desta Consultoria, aplicando-se o Enunciado nº 05 do Manual Boas Práticas Consultivas da Consultoria-Geral da União:
“Não é função do Órgão Consultivo, após expressar seu juízo conclusivo de aprovação acerca das minutas deeditais e contratos, em cada caso concreto, pronunciar-se, posteriormente, para fiscalizar o cumprimento dasrecomendações ofertadas. Sempre que necessário, o conteúdo de alteração de cláusulas editalícias oucontratuais deve ser sugerida pelo Advogado Público”
Lembro que a relação jurídica entre a ICT e a sua fundação de apoio deverá se formalizada em processo administrativo próprio, apensado a este processo principal, e que deverá ser submetido à análise e manifestação jurídica da CJU.
À Secretaria para promover as anotações e registros de praxe, e ao final, encaminhar este parecer ao órgão assessorado, com as homenagens de costume. Anotar o andamento atual no respectivo processo de acompanhamento deste projeto de CT&I instaurado na CJU-SJC.
São José dos Campos, 18 de fevereiro de 2020.
CARLOS FREIRE LONGATO
ADVOGADO DA UNIÃO
OAB/SP Nº 148.487
Coordenador da CJU-SJC/CGU/AGU
Atenção, a consulta ao processo eletrônico está disponível em http://sapiens.agu.gov.br mediante o fornecimento do Número Único de Protocolo (NUP) 01241000115201942 e da chave de acesso c9241116
Notas