ADVOCACIA-GERAL DA UNIÃO
CONSULTORIA-GERAL DA UNIÃO
CONSULTORIA JURÍDICA JUNTO AO MINISTÉRIO DO MEIO AMBIENTE
COORDENAÇÃO-GERAL DE MATÉRIA FINALÍSTICA - CMF


 

INFORMAÇÕES n. 00042/2020/CONJUR-MMA/CGU/AGU

 

NUP: 00744.000129/2020-76 (REF. 00556.001335/2020-11)

INTERESSADOS: MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL E OUTROS

ASSUNTOS: MINERAÇÃO

 

 

I - Dos Fatos

 

Trata-se do Ofício n. 00036/2020/COESP/PUSC/PGU/AGU (seq. 1), enviado a esta Consultoria Jurídica pela Procuradoria da União no Estado de Santa Catarinasolicitando subsídios ou elementos de fato e de direito, incluídos os documentos necessários à comprovação dos fatos, além de outros necessários à efetivação da tempestiva defesa dos direitos e interesses da União na Ação Civil Pública, processo nº 5017433-35.2019.4.04.7204, que tramita na 4ª Vara Federal de Criciúma, Seção Judiciária de Santa Catarina, ajuizada pelo Ministério Público Federal em face daquela, do Instituto do Meio Ambiente de Santa Catarina (IMA), da Agência Nacional de Mineração (ANM), da Cooperativa de Extração de Carvão Mineral dos Trabalhadores de Criciúma LTDA. (COOPERMINAS) e da Cooperativa Pioneira de Eletrificação – COOPERA, "objetivando cessação, a reparação e a prevenção de danos ambientais que vem sendo causados e que poderão vir a ser causados em razão do abandono da Mina João Sonego, sob a responsabilidade e de titularidade da COOPERMINAS, especialmente a não realização do bombeamento de águas do subsolo, tratamento de efluentes, manutenção ininterrupta do sistema de ventilação, além das demais condições essenciais ao funcionamento da mina, com destaque para aquelas consignadas no Parecer Técnico nº 18/2019/UAC - SC/GER - SC e na LAO/IMA 875/2012".

 

Narra o referido expediente o seguinte:

 

Em sede de tutela de urgência, o MPF formulou os seguintes pedidos:
 
a) a concessão de tutela de urgência, inaudita altera pars, determinandose a intimação da COOPERMINAS, UNIÃO, IMA e ANM para que, no prazo de 5 (cinco) dias, de forma solidária, sob pena de multa diária de R$ 10.000,00 (dez mil reais) por item descumprido:
a.1) retomem a atividade de bombeamento das águas de subsolo, com direcionamento para a ETE e respectivo tratamento de efluentes, com instalação de registros para a medição da quantidade de água bombeada na mina, assim como as vazões máximas e natureza química e física destas águas. (NRM 8.2.2), com indicação de volume de entrada e saída da ETE, com registro e disponibilização dos dados à fiscalização (NRM 8.2.7.1), atendendo as condições fixadas pela ANM no Parecer Técnico nº 18/2019/UAC - SC/GER - SC e pelo IMA na LAO 875/2012;
a.2) mantenham em permanente funcionamento do sistema de ventilação da Mina João Sonego, atendendo-se aos limites da NRM 6.3.1, com a existência de quadros com informações relacionadas a medição de gases (O2, CO, H2S CH4), medida de vazão, temperatura, velocidade do ar, responsável pela medida, data e horário da última medição, conforme dispõe as NRMs 6.7.2 e 6.7.4 e 6.7.4.1. Além disso, deve ser implementado o controle da ventilação pelo responsável da mina (NRM 6.7.1), atendendo as condições fixadas pela ANM no Parecer Técnico nº 18/2019/UAC - SC/GER - SC e pelo IMA na LAO 875/2012
a.3) mantenham as condições de segurança dos trabalhadores e ambientais na Mina João Sonego, prevenindo e recuperando imediatamente todo e qualquer dano que possa ocorrer, com acompanhamento de responsável técnico, em especial atendendo as condições fixadas pela ANM no Parecer Técnico nº 18/2019/UAC - SC/GER - SC e pelo IMA na LAO/IMA 875/2012;
 
Ao final, o autor requereu em face da União:
 
f.1) sejam a COOPERMINAS, a UNIÃO, a ANM e o IMA condenadas, de forma solidária, à obrigação de fazer consistente na adoção de medidas necessárias à manutenção dos serviços de segurança da Mina João Sonego, do sistema de ventilação, tratamento de efluentes (de subsolo e superficiais), manutenção do bombeamento e tratamento das águas de subsolo, assim como de todas as demais ações necessárias para manter o empreendimento apto a operar em momento futuro com condições de segurança, bem como a evitar e reparar todo e qualquer dano ambiental, em especial atendendo-se as condições fixadas pela ANM no Parecer Técnico nº 18/2019/UAC - SC/GER - SC e pelo IMA na LAO 875/2012;
f.2) sejam a COOPERMINAS, a UNIÃO, a ANM e o IMA condenados solidariamente, em obrigação de fazer, a promoverem o tratamento dos efluentes da Mina João Sonego (superficiais e de subsolo), proibindo-se o lançamento direto e sem tratamento em corpos hídricos, em desacordo com a Resolução CONAMA 430/2011, com a Lei Estadual 14.675/2009, bem com das condições fixadas pela ANM no Parecer Técnico nº 18/2019/UAC - SC/GER - SC e pelo IMA na LAO 875/2012, bem como a repararem os danos ambientais decorrentes do lançamento indevido de efluentes, sem prejuízo de eventual condenação pelos danos ambientais efetivamente causados, apurados em liquidação de sentença;
f.3) sejam a COOPERMINAS, a UNIÃO, a ANM e o IMA condenados solidariamente, em obrigação de fazer, à retirada de todos os transformadores da Mina João Sonego que contenham quaisquer vestígios de ASCAREL. Subsidiariamente, poderão os réus promoverem a substituição total daquela substância dos equipamentos, mediante sua destinação ambientalmente correta e demonstração da inexistência de riscos ambientais da manutenção desses equipamentos em subsolo;
f.4) em caso de impossibilidade de retorno das atividades de lavra na Mina João Sonego, requer o MPF que sejam a COOPERMINAS, a UNIÃO, a ANM e o IMA condenados em obrigação de fazer, concernente à elaboração e execução o Plano de Fechamento de Mina, observando-se, dentre outras normativas, a NRM nº 20, bem como sejam condenadas à recuperação integral dos danos ambientais diretos e indiretos decorrentes da Mina João Sonego, na forma do art. 225, §2º, da Constituição Federal e legislações correlatas, dentre as quais a Resolução CONAMA 420/2009;
f.3) sejam a UNIÃO e a ANM condenadas a decretar a CADUCIDADE do título minerário indicado no processo ANM nº 815.706/2004, bem como todos os demais títulos concedidos à COOPERMINAS, em decorrência da sua incapacidade técnica e financeira, do abandono de mina e do não atendimento a repetidas autuações da fiscalização;
f.3.1) subsidiariamente ao pedido contido no item f.3, caso esse d. Juízo federal entenda que não pode substituir a administração pública nesse dever de agir, requer o MPF que seja imposta obrigação de fazer à UNIÃO e à ANM, para que deem seguimento ao processo administrativo punitivo, que culmine (ou não) à COOPERMINAS a pena de caducidade do título minerário indicado no Processo ANM nº 815.706/2004, no prazo máximo de 90 (noventa) dias, sendo 75 (setenta) e dias para conclusão do procedimento na ANM e 15 (quinze) dias, para decisão ministerial;
f.3.2) subsidiariamente ao pedido contido no item f.3 e na hipótese de não decretação da caducidade do título minerário por parte da UNIÃO e da ANM, sejam a COOPERMINAS, a UNIÃO, a ANM e o IMA condenadas a, solidariamente, em obrigação de fazer, elaborarem e executarem o Plano de Fechamento de Mina, observando-se, dentre outras normativas, a NRM nº 20, bem como sejam condenadas a promoverem a recuperação integral dos danos ambientais diretos e indiretos decorrentes da Mina João Sonego, na forma do art. 225, §2º, da Constituição Federal e legislações correlatas, dentre as quais a Resolução CONAMA 420/2009;
f.4) sejam a COOPERMINAS, a UNIÃO, a ANM e o IMA condenadas solidariamente a quitarem os débitos com a COOPERA, relativos às faturas vencidas desde setembro/19, bem como todos os futuros valores devidos pelo fornecimento de energia elétrica, garantindo a prestação continuada do serviço até que ocorra o integral fechamento da mina ou ocorra a retomada das operações de lavra por parte de terceiros, mediante concessão dos direitos minerários na poligonal indicada no processo ANM nº 815.706/2004;
 
Além de invocar a competência constitucional comum (artigo 23, inciso VI da CF) da União dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios de proteger o meio ambiente e combater a poluição em qualquer de suas formas e citar o artigo 225 da CF que estabelece a  obrigação do Poder Público defender o meio ambiente e preservá-lo para as presentes e futuras gerações, sustenta a responsabilidade da União com os seguintes argumentos:
 
VIII.a – DA RESPONSABILIDADE DA UNIÃO
 
No caso concreto, todos os danos ambientais são decorrentes da cadeia produtiva de extração, beneficiamento e transformação de carvão mineral, bem esse de propriedade da União (arts. 20, IX, c/c 176, ambos da Constituição Federal) e objeto de concessão ou autorização (§1º do art. 176 da CF), no interesse nacional e fiscalização do poder concedente. A respeito, o Decreto-lei nº 227/97, em seu art. 1º, estabelece o seguinte:
 
Art. 1º Compete à União administrar os recursos minerais, a indústria de produção mineral e a distribuição, o comércio e o consumo de produtos minerais. Logo, é importante destacar que a atividade de lavra de recursos minerais não é livre à iniciativa privada, mas vinculada a preceitos de ordem pública, haja vista que se trata de exploração de bem que, em sua natureza, é publico (minério).
 
Logo, o empreendedor não tem total liberdade sobre o local e forma de desenvolvimento da atividade, inclusive somente poderá exercê-la quanto autorizado pelo Poder Público ou caso tenha obtido uma concessão do mesmo Poder, tratando-se, portanto, de atividade de utilidade pública ou interesse social (art. 2º, I e II, do Decreto nº 9.406, de 12.06.2018).
No sentido afirmado acima, o Decreto nº 9.406, de 12.06.2018 assim dispõe:
 
Art. 3º Compete à União organizar a administração dos recursos minerais, a indústria de produção mineral e a distribuição, o comércio e o consumo de produtos minerais.
Parágrafo único. A organização a que se refere o caput inclui, entre outros aspectos, a formulação de políticas públicas para a pesquisa, a lavra, o beneficiamento, a comercialização e o uso dos recursos minerais.
 
Destaca-se que a produção de carvão mineral é estimulada pelo Governo Federal e, no caso específico do carvão sul catarinense, cuja produção é toda destinada à produção de energia elétrica no Complexo Termelétrico Jorge Lacerda, foi criado um subsídio que estimula a competitividade deste produto em detrimento de seu similar importado, denominado Conta de Desenvolvimento Energético – CDE(criada pela Lei nº 10.438/2002 e regulamentada atualmente pelo Decreto nº 9.022/2017).
Feito esse breve introito, é importante destacar, ainda, que a Constituição Federal vincula o exercício da atividade de extração mineral à obrigação de reparação dos danos ambientais, mediante a apresentação de um plano de recuperação da área degradada (art. 225, §2º), competindo aos Poderes Públicos a fiscalização dessa atividade (por interpretação extensiva do caput do art. 225).
Tratando-se de atividade regulada pela União, em caso de falha na sua execução pelo concessionário, seja pelo mau aproveitamento dos recursos minerais ou por atos que comprometam a segurança do empreendimento ou possam acarretar danos ambientais, deve a União exercer seu poder de polícia, mediante a adoção de ações punitivas e, dependendo da gravidade do caso, aplicar a sanção de caducidade do título minerário.
Destaca-se, por oportuno, que o papel da Agência Nacional de Mineração na regulação das atividade relacionadas à lavra de recursos minerais deve observar as políticas estabelecidas pelo Ministério de Minas e Energia, órgão de direção e última instância recursal/decisória em âmbito administrativo federal.
Contudo, embora detenha a Agência Nacional de Mineração papel central na gestão, regulação e fiscalização das atividades para o aproveitamento dos recursos minerais no País (art. 2º da Lei nº 13.575/2017), a União, através do Ministério de Minas e Energia, possui papel fundamental, especialmente para a adoção das condutas tipificadas no art. 3º da Lei nº 13.575/2017, quais sejam:
 
Art. 3º Compete ao Ministro de Estado de Minas e Energia:
I - decidir requerimento de lavra e outorgar concessões de lavra, ressalvado o disposto no inciso XXXIII do caput do art. 2º desta Lei;
II - declarar a caducidade e a nulidade de concessões de lavra e manifestos de mina, ressalvado o disposto no inciso XIX do caput do art. 2º desta Lei; e
III - conceder anuência prévia aos atos de cessão ou transferência de concessões de lavra e manifestos de mina, conforme estabelecido no § 3º do art. 176 da Constituição Federal , ressalvado o disposto no inciso XXXIII do caput do art. 2º desta Lei.
 
Cabe ressaltar que, muito embora o art. 2º, XIX, da Lei nº 13.575/2017 tenha atribuído à ANM a faculdade de “declarar a caducidade dos direitos minerários, cuja outorga de concessões de lavra seja de sua competência”, o fato é que, como a concessão de lavra de carvão mineral é atribuição do Ministro de Estado de Minas e Energia, nos termos do art. 33 do Decreto nº 9.406/20183 , haja vista que tal recurso mineral não está descrito nas hipóteses de concessão por Resolução da ANM (art. 1º da Lei nº 6567/784 ), compete ao Ministro de Estado tal atribuição5 .
Feitos esses breves esclarecimentos, chama o MPF a atenção para o fato de que a inação da UNIÃO, no caso concreto, é de evidência solar, já que, embora disponha do instrumento da caducidade como punição pelo descumprimento reiterado de normas regulatórias do setor minerário, jamais adotou tal decisão no caso da COOPERMINAS, agravando os riscos causados pela concessionária.
Ressalta-se, aliás, que caso já tivesse ocorrido a caducidade do título minerário da COOPERMINAS (Processo ANM nº 815.706/2004), provavelmente as jazidas já teriam sido concedidas a outros interessados, que poderiam adequar as condições de segurança e ambientais do empreendimento às normas regulatórias da atividade, reduzindo e eliminando sensivelmente o risco hoje existente naquele local.
Destaca-se que a ausência de condições técnicas e econômicas da COOPERMINAS para o exercício da atividade concedida pelo Poder Público já foi reconhecida na via administrativa pela ANM em diversas ocasiões, tendo sido reconhecido o risco ao aproveitamento dos recursos minerais ainda existentes no subsolo da Mina João Sonego, bem como diversas violações da legislação minerária, haja vista a aplicação de mais de 120 (cento e vinte) autos de infração, nos últimos sete anos, sem contar os graves danos ambientais que já foram causados e ainda estão a ocorrer nas dependências da Mina João Sonego.
Salienta-se que a omissão da UNIÃO na fiscalização e regulação da atividade de lavra de carvão mineral na região sul catarinense já ensejou sua responsabilização nos autos da ACP do Carvão (93.80.000533-4 – atual 5009628- 02.2017.404.7204), com decisão já transitada em julgado.
Infelizmente, muito embora já seja corresponsável pela recuperação ambiental de danos causados na região sul do estado, que causou a degradação ambiental de milhares de hectares, bem como a poluição de recursos hídricos em três bacias hidrográficas (Araranguá, Tubarão e Urussanga), compreendendo mais de mil quilômetros de cursos d´água, a UNIÃO parece não demonstrar preocupação com o agravamento desses danos, ao não ter exercido esse dever de agir, no sentido de punir a concessionária COOPERMINAS pelas graves violações à legislação minerária e ao meio ambiente.
Veja-se, a UNIÃO, ainda por cima, estimula a produção de carvão mineral, dando-lhe competitividade no mercado nacional através da criação de subsídio (CDE), que custou aos cofres públicos, apenas na região sulcatarinense, cerca de R$ 700.000.000,00 (setecentos milhões de reais), apenas em 2019. Contudo, não há qualquer sanção efetiva ou fiscalização estatal direcionada à exigir uma contrapartida dos beneficiários da CDE, especialmente quanto à prevenção e recuperação de danos ambientais.
Ou seja, a UNIÃO gasta centenas de milhões de reais por ano com o subsídio da atividade de lavra de carvão mineral e produção de energia a partir desse combustível fóssil, mas não adota medidas concretas no sentido de exigir que tais atividades estejam comprometidas com a preservação do meio ambiente ecologicamente equilibrado.
Logo, considerando a omissão da UNIÃO em fiscalizar a atividade de lavra de carvão mineral da COOPERMINAS, bem como pelo não exercício da atribuição punitiva prevista na lei estatal, o MPF requer a condenação solidária do ente federal à obrigação de fazer concernente à manutenção das condições de segurança e ambientais da Mina João Sonego, retirada dos transformadores de subsolo que contenham quaisquer vestígios de ASCAREL, promovendo sua destinação ambientalmente correta, bem como à recuperação integral dos danos ambientais diretos e indiretos decorrentes daquele empreendimento (superficiais e em subsolo), inclusive mediante a elaboração e execução do Plano de Fechamento de Mina, observando-se, dentre outras normativas, a NRM nº 20 e a Resolução CONAMA 420/2009.
Requer, igualmente, seja a UNIÃO condenada a aplicar à COOPERMINAS a pena do art. 63, III, do Decreto-lei nº 227/67, qual seja, a CADUCIDADE do título minerário indicado no Processo ANM nº 815.706/2004, haja vista o reiterado descumprimento das obrigações decorrentes da autorização de pesquisa, permissão de lavra garimpeira, concessão de lavra ou licenciamento minerário, a inaptidão técnica e financeira da concessionária, bem como sua incapacidade financeira.
Todavia, caso esse d. Juízo federal entenda que não pode substituir a administração pública nesse dever de agir, de forma subsidiária, requer o MPF que seja imposta obrigação de fazer à UNIÃO, para que dê seguimento ao processo administrativo punitivo, que culmine (ou não) à COOPERMINAS a pena de caducidade do título minerário indicado no Processo ANM nº 815.706/2004, em prazo não superior a 90 (noventa) dias, sendo que 15 (quinze) deles destinados à decisão ministerial.
 
Ressalto que a presente ação, por versar sobre mineração executada após 1989, não tem relação direta com a ACP do Carvão (ACP nº 93.80.000533-4, atual 5009628- 02.2017.404.7204).
 
 

É o relatório. Passo à fundamentação jurídica. 

 

II - Fundamentação Jurídica

 

Verte dos autos que a Procuradoria da União no Estado de Santa Catarina, solicitou a esta CONJUR/MMA subsídios de fato e de direito necessários à efetivação da tempestiva defesa dos direitos e interesses da União na Ação Civil Pública acima singularizada.

 

Pois bem. Inicialmente, analisando-se a petição inicial, verifica-se que por meio da ação judicial em questão, a parte autora visa, em suma, a adoção imediata de ações de manutenção dos serviços de segurança da mina João Sonego, tratamento de efluentes (de subsolo e superficiais), manutenção do bombeamento e tratamento das águas de subsolo, assim como todas as demais ações necessárias para manter o empreendimento apto a operar em momento futuro e evitar todo e qualquer dano ambiental. Pretende-se, ainda, a condenação da UNIÃO e da ANM para que promovam a caducidade do título minerário vinculado ao Processo ANM nº 815.706/2004, haja vista, nas palavras da parte autora, o reiterado descumprimento, por parte da COOPERMINAS, das obrigações decorrentes da autorização de pesquisa, permissão de lavra garimpeira, concessão de lavra ou licenciamento minerário.

 

Portanto, de antemão, resta evidente a ilegitimidade passiva da União/MMA no presente caso, já que o que a política nacional de mineração é de competência do Ministério de Minas e Energia, por força do art. 41 da Lei nº 13.844/2019. Ademais, quanto aos supostos danos ambientais combatidos, passa-se a analisar o pedido de subsídios sob esta ótica.

 

A Constituição da República Federativa de 1988 instituiu um federalismo cooperativo de 3º nível e impôs que a proteção do meio ambiente seja realizada de forma comum pela União, Estados, Distrito Federal e Municípios. Como corolário deste modelo de forma de estado, a lei que instituiu a Política Nacional do Meio Ambiente, a Lei nº 6.938/8181, estruturou o Sistema Nacional do Meio Ambiente (SISNAMA) no art. 6º, sem prejuízo da participação de demais órgãos e entes que lidem com a temática ambiental, pois se trata de um rol aberto.

 

O Decreto nº 99.274/2000, que regulamenta a Política Nacional do Meio Ambiente, estatui que a atuação do SISNAMA efetivar-se-á mediante "articulação coordenada dos órgãos e entidades que o constituem" (art. 14), contudo, a fim de que seja concretizado o mandamento constitucional de eficiência, evitando-se a sobreposição de competências constitucionais dos integrantes do SISNAMA, a própria Política Nacional do Meio Ambiente repartiu o dever ambiental de cada qual, interessando destacar ao caso dos autos, os órgão central e os executores, textus:

 

Art. 6º - Os órgãos e entidades da União, dos Estados, do Distrito Federal, dos Territórios e dos Municípios, bem como as fundações instituídas pelo Poder Público, responsáveis pela proteção e melhoria da qualidade ambiental, constituirão o Sistema Nacional do Meio Ambiente - SISNAMA, assim estruturado:
(...)
III - órgão central: a Secretaria do Meio Ambiente da Presidência da República, com a finalidade de planejar, coordenar, supervisionar e controlar, como órgão federal, a política nacional e as diretrizes governamentais fixadas para o meio ambiente;
IV - órgãos executores: o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis - IBAMA e o Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade - Instituto Chico Mendes, com a finalidade de executar e fazer executar a política e as diretrizes governamentais fixadas para o meio ambiente, de acordo com as respectivas competências; (Redação dada pela Lei nº 12.856, de 2013)

 

Ante a assunção das atribuições da Secretaria do Meio Ambiente da Presidência da República por este Ministério Ambiental, passou a ser sua responsabilidade o planejamento, coordenação, supervisão e controle da política nacional e das diretrizes governamentais fixadas para o meio ambiente, não lhe sobejando qualquer atividade executiva a exemplo do poder de polícia ambiental.

 

Considerando isso, no âmbito do SISNAMA, incumbiu ao IBAMA, no âmbito federal, exercer o poder de polícia ambiental e executar ações das políticas nacionais de meio ambiente, referentes às atribuições federais, relativas ao licenciamento ambiental, ao controle da qualidade ambiental, à autorização de uso dos recursos naturais e à fiscalização, monitoramento e controle ambiental, observadas as diretrizes emanadas do Ministério do Meio Ambiente, nos termos do art. 2º, incisos I e II da Lei 7.735/1989, com redação dada pela Lei 11.516/2007. Nesta mesma levada, com o advento da Lei nº 12.856/2013, esta atribuição executória também incumbe ao Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade - Instituto Chico Mendes, que possui a finalidade de executar e fazer executar a política e as diretrizes governamentais fixadas para o meio ambiente, de acordo com o círculo competencial que deve ser interpretado sistematicamente com as disposições da Lei nº 9.985/2000 - Sistema Nacional de Unidades de Conservação da Natureza (SNUC) - e da Lei nº 11.516/20017.

 

A referida distinção de competências pode ser melhor compreendida a partir da seguinte explanação feita pela Consultoria-Geral da União, no corpo do Parecer n. 00059/2019/DECOR/CGU/AGU (seq. 28,  NUP: 00688.000611/2019-94):

 

Para tratar da questão ambiental no Brasil, o art. 6º da Lei 6.938, de 1981 criou o Sistema Nacional do Meio Ambiente (Sisnama), com escopo a estruturar uma rede de agências governamentais, nos diversos níveis federativos e potencializar ao máximo a política nacional do meio ambiente.
 
Este mesmo art. 6º da Lei 6.938/1981 define as entidades e órgãos públicos que integram o Sisnama, detalhando também as respectivas competências. O Conselho de Governo foi alçado à condição de órgão superior, com função de assessorar o Presidente da República na formulação da política nacional e nas diretrizes governamentais para o meio ambiente. O Conselho Nacional do Meio Ambienteórgão consultivo e deliberativo, tem a finalidade de assessorar, estudar e propor ao Conselho de Governo, diretrizes de políticas governamentais para o meio ambiente e os recursos naturais.
 
Naquilo que interessa mais proximamente ao caso do autos, o art. 6º, III da Lei 6.93/1981 atribui à Secretaria do Meio Ambiente da Presidência da República, a condição de órgão central, "com a finalidade de planejar, coordenar, supervisionar e controlar, como órgão federal, a política nacional e as diretrizes governamentais fixadas para o meio ambiente". Perceba-se que tais atribuições, hoje assumidas pelo atual Ministério do Meio Ambiente (art. 21 da Lei 8.490, de 1992), não revelam qualquer competência fiscalizatória, mas apenas de planejamento, coordenação e supervisão da política pública. Não foi conferido ao Ministério do Meio Ambiente, portanto, poder de polícia ambiental.
 
De outro lado, o art. 6º, IV da Lei 6.938, de 1981 estabeleceu serem órgãos executores da política ambiental o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis - IBAMA e o Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade - Instituto Chico Mendes.
 
O artigo 2º da Lei nº 7.735, de 22 de fevereiro de 1989, deu as seguintes atribuições ao Ibama: (i) exercer o poder de polícia ambiental; (ii) executar ações das políticas nacionais de meio ambiente, referentes às atribuições federais, relativas ao licenciamento ambiental, ao controle da qualidade ambiental, à autorização de uso dos recursos naturais e à fiscalização, monitoramento e controle ambiental, observadas as diretrizes emanadas do Ministério do Meio Ambiente; e (iii) executar as ações supletivas de competência da União, de conformidade com a legislação ambiental vigente.
 
Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade – Instituto Chico Mendes, por sua vez, criado pela Lei nº 11.516, de 28 de agosto de 2007, fruto da conversão da Medida Provisória nº 356, de 2007, possui as seguintes finalidades (art. 1º da Lei nº 11.516, de 28 de agosto de 2007): (i) executar ações da política nacional de unidades de conservação da natureza, referentes às atribuições federais relativas à proposição, implantação, gestão, proteção, fiscalização e monitoramento das unidades de conservação instituídas pela União; (ii) executar as políticas relativas ao uso sustentável dos recursos naturais renováveis e ao apoio ao extrativismo e às populações tradicionais nas unidades de conservação de uso sustentável instituídas pela União; (iii) fomentar e executar programas de pesquisa, proteção, preservação e conservação da biodiversidade e de educação ambiental; (iv) exercer o poder de polícia ambiental para a proteção das unidades de conservação instituídas pela União; e (v) promover e executar, em articulação com os demais órgãos e entidades envolvidos, programas recreacionais, de uso público e de ecoturismo nas unidades de conservação, onde estas atividades sejam permitidas.
 
Os aludidos dispositivos da Lei nº 7.735, de 22 de fevereiro de 1989 e da Lei nº 11.516, de 28 de agosto de 2007, portanto, reforçam a competência executória da política ambiental, do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis - IBAMA e do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade - Instituto Chico Mendes. Concomitantemente, fortalece-se o disposto no art. 6º, III da Lei 6.938, de 1981, que atribui ao Ministério do Meio ambiente competências apenas de planejamento, coordenação, supervisão e controle da política pública ambiental.

 

Nestes termos, as questões atinentes ao poder de polícia ambiental não incumbem à União/Ministério do Meio Ambiente.

 

Vista a questão sob a ótica da Lei nº 13.844, de 18 de junho de 2019, especificamente o art. 39, vê-se também que a questão dos autos não incumbe ao Ministério do Meio Ambiente, em uníssono ao arquétipo federativo contido na Política Nacional do Meio Ambiente (Lei nº 6.938/81), conforme já exposto supra. A análise do novel Decreto nº 9.672/2019 tampouco evidencia qualquer relação com a causa de pedir dos autos.

 

Neste norte de ideias, como é cediço, o equacionamento da relação existente entre os três institutos administrativos do agente público, vinculação com a ideia de órgão e como estes dois comunicam-se com o Estado foi realizado por meio da teoria da imputação volitiva, de autoria de Otto Gierke. Trata-se de teoria de natureza atributiva, segundo a qual a manifestação do ente público, por meio de seus agentes públicos e órgãos, lhe é atribuída após a manifestação, no mundo dos fatos, dos respectivos agentes públicos.

 

A Constituição de 1988 adotou a teoria da imputação expressamente no art. 37, §6º, ao dispôr, no princípio da responsabilização pública, que as pessoas jurídicas de direito público e de direito privado prestadoras de serviço público apenas têm responsabilidade – leia-se aptidão para responder por atos – pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros.

 

No ponto, sendo o MMA órgão integrante da União, é imperioso invocar o princípio da legalidade para saber qual a função de cada um. O princípio da legalidade possui dúplice conceituação, a depender do enfoque axiológico dado, se público ou privado. Sob o viés dos particulares, a legalidade é um direito fundamental conquistado, no Estado brasileiro por meio do art. 5º, inciso II da CRFB, de apenas ser compelido a fazer aquilo que a lei determinar. Aos particulares é assegurada, portanto, uma liberdade de fazer o que entender que deva ser feito, respeitadas as restrições do ordenamento, é dizer que os particulares podem fazer o que o ordenamento não proíba. Eis a teoria da licitude implícita. O direito privado possui a tônica do regime da liberdade, sob este enfoque da legalidade.

 

Diversamente dos particulares, que são regidos pelo critério acima apontado da “não contradição” com as balizas do ordenamento jurídico, o princípio da legalidade, sob o prisma da Administração, do Direito Público, possui significado diametralmente oposto, pois a Administração nunca possui liberdade (nem a discricionariedade administrativa faculta liberdade). O princípio da legalidade para a Administração e, por conseguinte, para o Direito Administrativo, significa uma subordinação estrita à lei. Eis o critério da conformidade com as normas legais. Nestes termos, também pelo prisma do poder de polícia ambiental, não há que se falar em interesse jurídico desta União/MMA, posto que inexiste determinação legal para atuação em tais casos, ainda que a alegação seja de dano ambiental oriundo de atividade poluidora. Tal facere se configura também uma atividade executiva, alheia, portanto, às atribuições do MMA. 

 

Ante o exposto, o raciocínio jurídico acima induz ilegitimidade passiva da União (art. 485, VI do NCPC) ou, se o MM. Pretor for adepto da teoria da asserção, deverá a demanda ser julgada IMPROCEDENTE (art. 487, I do NCPC).

 

III - Conclusão 

 

À luz do exposto, com supedâneo no art. 131 da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, na Lei Complementar nº 73/93, na Lei nº 8.906/1994, na Lei nº 13.327 e no Decreto nº 9.672/2019, conclui-se, conforme a fundamentação supra e no tocante às competências do Ministério do Meio Ambiente, pela ilegitimidade passiva da União/MMA.

 

Ao Coordenador-Geral de Matéria Finalística.

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Brasília, 26 de fevereiro de 2020.

 

 

FERNANDA VASCONCELOS FERNANDES NOGUEIRA

ADVOGADA DA UNIÃO

 

 




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