ADVOCACIA-GERAL DA UNIÃO
CONSULTORIA-GERAL DA UNIÃO
CÂMARA NACIONAL DE PESQUISA, DESENVOLVIMENTO E INOVAÇÃO - CNPDI/DECOR/CGU


 

PARECER n. 01/2020/CNPDI/CGU/AGU

 

NUP: 00688.000724/2019-90

INTERESSADOS: Departamento de Coordenação e Orientação de Órgãos Jurídicos - DECOR/CGU/AGU.

ASSUNTO: Marco Legal de Ciência, Tecnologia e Inovação - CT&I. Dispensa de regularidade fiscal e trabalhista nos instrumentos jurídicos previstos em que o aporte de recursos seja do parceiro privado para o público.

 

 

I - Parecer jurídico. Marco Legal de Ciência, Tecnologia e Inovação - CT&I (Emenda Constitucional nº 85/15,  Lei nº 10.973/2004, Lei nº 13.243/16 e Decreto nº 9.283/18)
II - Instrumentos jurídicos previstos no Marco Legal de CT&I em que os recursos financeiros serão repassados do ente privado para ente público: (i) Acordo de Parceria para Pesquisa, Desenvolvimento e Inovação (PD&I) com repasse do privado para o público - Artigo 35, §§ 6º e 7º, do Decreto nº 9.283/18; (ii) Contrato de Prestação de Serviços Técnicos Especializados - Art. 8º da Lei nº 10.973/04; e (iii) Outorga de uso de laboratórios, equipamentos, instrumentos, materiais e demais instalações existentes nas dependências de ICT Pública - Art. 4º, II, c/c Art. 15-A, Parágrafo Único, IV, da Lei nº 10.973/04.
III - É juridicamente possível a dispensa de comprovação de regularidade fiscal e trabalhista quando: (i) tratar-se dos instrumentos jurídicos previstos no Marco Legal de CT&I que prevejam somente repasses financeiros do parceiro privado para o público e (ii) envolver atividades de Pesquisa Científica, Desenvolvimento Tecnológico e Inovação (PD&I), nos termos do Art. 3º da Lei nº 10.973/04  (Lei de Inovação)

 

 

I. RELATÓRIO

 

Trata-se de parecer jurídico que aborda a questão relacionada com a comprovação de regularidade fiscal e trabalhista em instrumentos jurídicos previstos na legislação que trata das atividades de Pesquisa Científica, Desenvolvimento Tecnológico e Inovação - PD&I no Brasil.

Considerando que no Marco Legal de Ciência, Tecnologia e Inovação - CT&I (Emenda Constitucional nº 85/15,  Lei nº 10.973/2004, Lei nº 13.243/16 e Decreto nº 9.283/18) encontram-se previstos instrumentos jurídicos nos quais o parceiro privado arcará com os custos das atividades de pesquisa científica, tecnológica e de inovação - PD&I, questiona-se se há necessidade de comprovação da regularidade fiscal e trabalhista, uma vez que não haverá aporte de recursos público-orçamentários nestas avenças, mas tão somente recursos de origem privada.

É a breve síntese do necessário.

 

II. FUNDAMENTAÇÃO

 

II.a. Delimitação dos instrumentos previstos no Marco Legal de Ciência, Tecnologia e Inovação - CT&I

Inicialmente, cumpre-nos elucidar que a presente manifestação abrangerá um campo bem especifico e delimitado  do Ordenamento Jurídico pátrio: o Direito à Ciência, Tecnologia e Inovação. Neste campo há previsão normativa especial por se tratar de uma área singular, com  natureza jurídica própria, no qual há incidência direta do Marco Legal de Ciência, Tecnologia e Inovação - CT&I, composto pela Emenda Constitucional nº 85/15, pela Lei nº 10.973/2004 (conhecida por Lei de Inovação), pela Lei nº 13.243/16 e pelo Decreto nº 9.283/18.

O Marco Legal de CT&I determina de forma expressa que sejam firmados instrumentos jurídicos para o Estado Brasileiro constituir ALIANÇAS ESTRATÉGICAS mediante PARCERIAS entre o GOVERNO, as UNIVERSIDADES e CENTROS DE PESQUISA (ICTs) e as EMPRESAS,  objetivando fomentar as atividades de  Pesquisa científica, Desenvolvimento tecnológico e Inovação (PD&I) no Brasil, com destaque especial para o disposto no Artigo 3 da Lei de Inovação:

Art. 3º A União, os Estados, o Distrito Federal, os Municípios e as respectivas agências de fomento poderão estimular e apoiar a constituição de alianças estratégicas e o desenvolvimento de projetos de cooperação envolvendo empresas, ICTs e entidades privadas sem fins lucrativos voltados para atividades de pesquisa e desenvolvimento, que objetivem a geração de produtos, processos e serviços inovadores e a transferência e a difusão de tecnologia.

 

No que tange aos instrumentos jurídicos previstos no Marco Legal de CT&I, cabe transcrever parte do entendimento exarado por um dos signatários desta  manifestação na obra Marco Legal de Ciência, Tecnologia e Inovação no Brasil, que no capítulo que versa Instrumentos Jurídicos de Parceria, dispões que[1]:

No que tange aos instrumentos jurídicos de parceria no campo da CT&I, uma questão essencial deve ser elucidada: as suas características são sui generis dentro no ordenamento jurídico brasileiro. Conforme será a seguir demonstrado, estes instrumentos possuem peculiaridades que os diferem dos contratos e dos convênios (latu sensu), razão pela qual houve necessidade de lhes disciplinar um regime jurídico especial.
Nesse ponto, cumpre salientar que na presente análise serão utilizados tanto  os elementos jurídicos de Direito Administrativo, dada a ligação com entes públicos, como os de Direito Civil, os quais, embora sejam mais utilizados em relações jurídicas de direito privado, servem de base para todo sistema negocial brasileiro, uma vez que apresentam as definições; classificações; e formas de constituição, modificação e extinção das obrigações (que estão presentes nos instrumentos jurídicos de parceria de PD&I). 
Pode-se afirmar que, até o advento do Marco Legal de CT&I, havia carência na legislação pátria de normas que tratassem dos instrumentos jurídicos de parceria de maneira sistêmica e que levassem em consideração a natureza das atividades de pesquisa no Brasil. Desta forma, as disposições legais e infralegais introduzidas pela Lei no 13.243/16 e pelo Decreto no 9.283/18 foram elaboradas levando-se em consideração dois elementos negociais dos instrumentos jurídicos de parceria: (i) o objeto jurídico das pesquisas e (ii) o tipo de obrigação existente nas relações jurídicas de PD&I.

 

De fato, devido a natureza jurídica singular dos instrumentos de parceria previstos no Marco Legal de CT&I, cabe ressaltar que dentre estes instrumentos há  três tipos básicos, a depender do tipo de avença a ser realizada, podendo-se subdividir  os instrumentos jurídicos nas seguintes categorias:

(i) instrumentos jurídicos com aporte de recursos públicos - como os Convênios para PD&I  do Artigo 9º-A da  Lei nº 10.973/04 e aquisições de bens para pesquisa do Artigo 2º da Lei nº 13.243/16 (que alterou os Artigos 6º e 24, XXI, da  Lei nº 8.666/93); 

(ii) instrumentos jurídicos sem aporte de recursos: como o Acordo de Parceria para PD&I previsto no Artigo 9º da Lei de Inovação;  e

(iii) instrumentos jurídicos com aporte de recursos privados: que serão objeto de análise neste Parecer e que são: (a) o Acordo de Parceria para Pesquisa, Desenvolvimento e Inovação (PD&I) com repasse do privado para o público; (b) o Contrato de Prestação de Serviços Técnicos Especializados e (c) a Outorga de uso de laboratórios, equipamentos, instrumentos, materiais e demais instalações existentes nas dependências de ICT Pública.

 

Segue uma descrição sintética de cada um desses instrumentos jurídicos previstos no Marco  Legal de CT&I em que os aportes de recursos financeiros serão provenientes do parceiro privado, ou seja, não haverá aportes de recursos do orçamento público ou da seguridade social.

Em primeiro lugar, o  Acordo de Parceria para Pesquisa, Desenvolvimento e Inovação (APPD&I) com repasse do privado para o público possui previsão no Artigo 35, §§ 6º e 7º, do Decreto nº 9.283/18, com o seguinte teor:

Art. 35. O acordo de parceria para pesquisa, desenvolvimento e inovação é o instrumento jurídico celebrado por ICT com instituições públicas ou privadas para realização de atividades conjuntas de pesquisa científica e tecnológica e de desenvolvimento de tecnologia, produto, serviço ou processo, sem transferência de recursos financeiros públicos para o parceiro privado, observado o disposto no art. 9º da Lei nº 10.973, de 2004.
(...)
§ 6º O acordo de parceria para pesquisa, desenvolvimento e inovação poderá prever a transferência de recursos financeiros dos parceiros privados para os parceiros públicos, inclusive por meio de fundação de apoio, para a consecução das atividades previstas neste Decreto.
§ 7º Na hipótese prevista no § 6º, as agências de fomento poderão celebrar acordo de parceria para pesquisa, desenvolvimento e inovação para atender aos objetivos previstos no art. 3º da Lei nº 10.973, de 2004. (grifos nossos)

 

Cabe elucidar que o Acordo de Parceria para PD&I foi objeto de análise pela Câmara de CT&I da Procuradoria-Geral Federal - PGF e devidamente aprovada pelo Procurador-Geral Federal, por intermédio do Parecer nº 01/2019/CPCTI/PGF/AGU, com a seguinte Ementa:

CIÊNCIA, TECNOLOGIA E INOVAÇÃO. ACORDO DE PARCERIA PARA PESQUISA, DESENVOLVIMENTO E INOVAÇÃO-PD&I.
- Marco Legal da Ciência, Tecnologia e Inovação – CT&I (Emenda Constitucional nº 85,de 2015, Lei nº 10.973, de 2004, Lei nº 13.243, de 2016 e o Decreto nº 9.283, de 2018). Previsão de instrumentos jurídicos específicos para o gestor promover a realização de atividades conjuntas de pesquisa científica e tecnológica e de desenvolvimento de tecnologia, produto, serviço ou processo.
- Acordo de parceria para pesquisa, desenvolvimento e inovação. O ajuste denominado "Acordo de Parceria" tem como objeto a atuação conjunta entre instituições públicas ou entre essas e instituições privadas, com ou sem fins lucrativos, na consecução de atividades relacionadas à pesquisa, desenvolvimento e inovação, de interesse público e que tenham consonância com as atividades desempenhadas pela instituição pública acordante. Possibilidade de transferência de recursos financeiros dos parceiros privados para os parceiros públicos, inclusive por meio de fundação de apoio, nos termos do art. 35 do Decreto nº 9.283, de 2018. Recomendações nas análises jurídicas, inclusive na instrução processual.
- Análise de minutas padrão, com recomendação aos órgãos de execução da Procuradoria- Geral Federal que sugiram sua utilização pelas Instituições Científicas, Tecnológicas e de Inovação e Agências perante as quais os procuradores federais exerçam suas atividades de consultoria e assessoramento jurídico

 

Por seu turno, o Contrato de Prestação de Serviços Técnicos Especializados encontra-se previsto no Artigo 8º da Lei nº 10.973/04, com o seguinte teor:

Art. 8º É facultado à ICT prestar a instituições públicas ou privadas serviços técnicos especializados compatíveis com os objetivos desta Lei, nas atividades voltadas à inovação e à pesquisa científica e tecnológica no ambiente produtivo, visando, entre outros objetivos, à maior competitividade das empresas. (Redação pela Lei nº 13.243, de 2016)
§ 1o A prestação de serviços prevista no caput dependerá de aprovação pelo representante legal máximo da instituição, facultada a delegação a mais de uma autoridade, e vedada a subdelegação. (Redação pela Lei nº 13.243, de 2016)
§ 2o O servidor, o militar ou o empregado público envolvido na prestação de serviço prevista no caput deste artigo poderá receber retribuição pecuniária, diretamente da ICT ou de instituição de apoio com que esta tenha firmado acordo, sempre sob a forma de adicional variável e desde que custeado exclusivamente com recursos arrecadados no âmbito da atividade contratada.
§ 3o O valor do adicional variável de que trata o § 2o deste artigo fica sujeito à incidência dos tributos e contribuições aplicáveis à espécie, vedada a incorporação aos vencimentos, à remuneração ou aos proventos, bem como a referência como base de cálculo para qualquer benefício, adicional ou vantagem coletiva ou pessoal.
§ 4o O adicional variável de que trata este artigo configura-se, para os fins do art. 28 da Lei no 8.212, de 24 de julho de 1991, ganho eventual.

 

Este instrumento jurídico - Acordo de Parceria para PD&I - foi objeto de análise pela Câmara de CT&I da PGF e devidamente aprovada pelo Procurador-Geral Federal, por intermédio do Parecer nº 02/2020/CPCTI/PGF/AGU, com a seguinte Ementa:

CIÊNCIA, TECNOLOGIA E INOVAÇÃO. CONTRATO DE PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS TÉCNICOS ESPECIALIZADOS EM PESQUISA E DESENVOLVIMENTO – P&D.
I - Marco Legal da Ciência, Tecnologia e Inovação – CT&I (Emenda Constitucional nº 85, de 2015, Lei nº 10.973, de 2004, Lei nº 13.243, de 2016 e o Decreto nº 9.283, de 2018).
II – Contrato de prestação de serviços técnicos especializados em P&D. Art. 8º da Lei nº 10.973/2004. Características contratuais; partes, interesses contrapostos, e contraprestação.
III – Contrato atípico no plano administrativo. Natureza específica dos serviços: serviços técnicos especializados, compatíveis com os objetivos da Lei nº 10.973/2004, em atividades voltadas à inovação e à pesquisa científica e tecnológica. Atuação do Núcleo de Inovação Tecnológica (NIT). Recursos humanos: remuneração por meio de adicional variável. Propriedade intelectual: em regra, pertence ao contratante, salvo se resultar em inovação/criação, hipótese em que as partes poderão incluir cláusula de cotitularidade. Licitação ou processo seletivo equivalente para seleção do contratante: desnecessidade. Regularidade fiscal e trabalhista da contratante: desnecessidade de comprovação. Vigência, Prorrogação e Acréscimos: inaplicabilidade da Lei nº 8.666/93. Possibilidade de recebimento da contraprestação por intermédio de Fundação de Apoio. Recomendações nas análises jurídicas, inclusive na instrução processual.
IV - Análise de minutas padrão, com recomendação aos órgãos de execução da Procuradoria-Geral Federal que indiquem sua utilização pelas Instituições Científicas, Tecnológicas e de Inovação e Agências perante as quais os procuradores federais exerçam suas atividades de consultoria e assessoramento jurídico.

 

Por fim, a Outorga de Uso de laboratórios, equipamentos, instrumentos, materiais e demais instalações existentes nas dependências de ICT Pública encontra previsão legal no Art. 4º, II, c/c Art. 15-A, Parágrafo Único, IV, da Lei nº 10.973/04, in verbis:

Art. 4o A ICT pública poderá, mediante contrapartida financeira ou não financeira e por prazo determinado, nos termos de contrato ou convênio: (Redação pela Lei nº 13.243, de 2016)
II - permitir a utilização de seus laboratórios, equipamentos, instrumentos, materiais e demais instalações existentes em suas próprias dependências por ICT, empresas ou pessoas físicas voltadas a atividades de pesquisa, desenvolvimento e inovação, desde que tal permissão não interfira diretamente em sua atividade-fim nem com ela conflite; (Redação pela Lei nº 13.243, de 2016)
Art. 15-A. A ICT de direito público deverá instituir sua política de inovação, dispondo sobre a organização e a gestão dos processos que orientam a transferência de tecnologia e a geração de inovação no ambiente produtivo, em consonância com as prioridades da política nacional de ciência, tecnologia e inovação e com a política industrial e tecnológica nacional. (Incluído pela Lei nº 13.243, de 2016)
Parágrafo único. A política a que se refere o caput deverá estabelecer diretrizes e objetivos: (Incluído pela Lei nº 13.243, de 2016)
IV - para compartilhamento e permissão de uso por terceiros de seus laboratórios, equipamentos, recursos humanos e capital intelectual; (Incluído pela Lei nº 13.243, de 2016)

 

A Outorga de Uso de laboratórios, equipamentos, instrumentos, materiais e demais instalações existentes nas dependências de ICT Pública foi objeto de análise pela Câmara de CT&I da PGF e devidamente aprovada pelo Procurador-Geral Federal, por intermédio do Parecer nº 01/2020/CPCTI/PGF/AGU, com a seguinte Ementa:

EMENTA: CIÊNCIA, TECNOLOGIA E INOVAÇÃO. OUTORGAS DE USO DE LABORATÓRIOS, EQUIPAMENTOS, INSTRUMENTOS, MATERIAIS E DEMAIS INSTALAÇÕES EXISTENTES NAS DEPENDÊNCIAS DA INSTITUIÇÃO CIENTÍFICA, TECNOLÓGICA e de INOVAÇÃO PÚBLICA - ICT. FUNDAMENTO LEGAL: ART. 4º, INCISO II, C/C ART. 15-A, PARÁGRAFO ÚNICO, INCISO IV, DA LEI Nº 10.973/04. DISPENSA DE LICITAÇÃO COM BASE NO ART. 24, INCISO XXXI, DA LEI Nº 8.666/93.
I - Marco Legal da Ciência, Tecnologia e Inovação – CT&I (Emenda Constitucional nº 85/15, Lei nº 10.973/04, Lei nº 13.243/16 e o Decreto nº 9.283/18). Lei nº 8.666/93.
II – A ICT Pública pode outorgar o uso de seus laboratórios, equipamentos, instrumentos, materiais e demais instalações existentes em suas dependências, a outras ICTs, empresas ou pessoas físicas voltadas a atividades de pesquisa, desenvolvimento e inovação, por meio dos institutos jurídicos de direito público aplicáveis ao uso privativo de bem público por particulares: autorização, permissão ou concessão de uso, mediante contrapartida financeira ou não financeira, por prazo determinado, desde que a utilização desses bens não prejudique ou conflite com a atividade-fim da ICT, nos termos de contrato ou convênio.
III – Recomendações para as análises jurídicas, inclusive na instrução processual. Procedimento de dispensa de licitação (art. 24, inciso XXXI, da Lei nº 8.666/93), sendo assegurada, no entanto, a igualdade de oportunidades a empresas e demais organizações interessadas.
IV – Proposta de minutas-padrão, com recomendação aos órgãos de execução da Procuradoria-Geral Federal de que sugiram sua utilização pelas Instituições Científicas, Tecnológicas e de Inovação e Agências de Fomento perante as quais os procuradores federais exerçam suas atividades de consultoria e assessoramento jurídico.
 

Delimitados os instrumentos jurídicos abordados nesta manifestação jurídica, passemos a fundamentação constitucional, legal e infralegal que justifica a dispensa de comprovação da regularidade fiscal e trabalhista, tendo em vista se tratar de avenças que os recursos são provenientes do parceiro privado e o interesse público encontra-se na realização de atividades de Ciência, Tecnologia e Inovação - CT&I no Brasil.

 

 

II.B. Da dispensa de comprovação da regularidade fiscal e trabalhista. Atividades de CT&I e repasse de recursos financeiros do parceiro privado para o público.

No que tange à exigência de comprovação de regularidade fiscal e trabalhista nos ajustes entre a Administração e os entes privados, impõe-se esclarecer que se trata de medida acautelatória que visa à proteção do interesse público, em face de eventual incapacidade do contratado na execução das obrigações estabelecidas no instrumento jurídico. Por essa razão, normas jurídicas exigem a comprovação da regularidade, como pressuposto permissivo de transferência de recursos públicos, conforme se observa nos contratos administrativos típicos e nos convênios. Nesse sentido, o art. 195 da CF, o art. 29 da Lei nº 8.666/93 e o art. 6º-B do Decreto nº 6.170/07.

A ausência de transferência de recursos financeiros públicos (oriundos do orçamento público ou da seguridade social) é marca distintiva das avenças em análise, afastando a incidência dos dispositivos acima referenciados, os quais se restringem aos ajustes que preveem transferências de recursos do ente público, na posição de contratante para o particular contratado, sem fazer menção aos ajustes comumente denominados como contratos de receita, cuja característica marcante é, ao contrário, o repasse de recursos do ente privado para o público, como contraprestação por um serviço pela Administração Pública ou uso de um bem público pelo particular.

Ante a falta de dispositivo específico previsto nas normas que regulamentam as atividades de pesquisa científica, desenvolvimento tecnológico e inovação - PD&I no âmbito da Administração Pública Federal, assim como em razão dos princípios norteadores de sua atuação, previstos no Marco Legal de CT&I, conclui-se pela prescindibilidade de comprovação de regularidade fiscal pelas empresas contratantes, pelos motivos a seguir expostos.

Inicialmente, cumpre-nos transcrever o art. 1º da Lei nº 10.973/2004,  que assim descreve o escopo da nossa Lei de Inovação:

Art. 1º Esta Lei estabelece medidas de incentivo à inovação e à pesquisa científica e tecnológica no ambiente produtivo, com vistas à capacitação tecnológica, ao alcance da autonomia tecnológica e ao desenvolvimento do sistema produtivo nacional e regional do País, nos termos dos arts. 23, 24, 167, 200, 213, 218, 219 e 219-A da Constituição Federal.
 

Pelo dispositivo legal acima transcrito, observa-se que a legislação que rege as atividades de pesquisa científica e tecnológica  determina que ações efetivas sejam realizadas pelo Estado Brasileiro e pela sociedade  para incentivar a inovação no  ambiente produtivo, buscando a capacitação tecnológica, a autonomia tecnológica e o desenvolvimento do sistema produtivo nacional e regional do País. Sobre este ponto, vale citar trecho do capítulo redigido pelo Procurador Federal Bruno Portela e pelo Advogado da União Rafael Dubeux, que trata dos cenários local, nacional e internacional do Marco Legal de CT&I  [2]:

Aproveitando esse ensejo, pode-se afirmar que o Marco Legal é um instrumento normativo adequado, que permite que o Brasil, como país periférico dentro do contexto mundial de inovação, aprimore o seu processo de convergência tecnológica, incentivando o surgimento de inovações que avancem na fronteira do conhecimento ou que, sem necessitar de robusto esforço de pesquisa e desenvolvimento (P&D),  ao menos atualizem o cenário do chão de fábrica de micro, pequenas, médias e até grandes empresas, tendo em vista que os instrumentos jurídicos previstos nos normativos conseguem alcançar a ciência, a tecnologia e a inovação em suas diversas etapas, permitindo que o Estado tenha ferramentas jurídicas adequadas nas diversas frentes necessárias a fomentar o campo da pesquisa e do desenvolvimento.
Os desafios e obstáculos para o avanço tecnológico brasileiro são conhecidos e passam pelo baixo nível de concorrência entre os setores de grande complexidade tecnológica, custo elevado de oportunidade da inovação e ambiente de negócios tortuoso, sem adentrar ainda um dos maiores entraves, qual seja, a falta de recursos voltados para a inovação.
É verdade, por um lado, que o Brasil lidera na América Latina os gastos em P&D, somando mais que o dobro do gasto médio na região e totalizando quase dois terços de todo o P&D da América Latina. Consequentemente, obteve em inovação alguns avanços expressivos na exploração de petróleo em águas profundas, automóveis com motores flex fluel e briga com os grandes na fabricação de jatos regionais. Todavia, os nossos gastos em P&D em relação ao PIB seguem assustadoramente baixos, cerca de 1,3% (metade dos níveis da OCDE), e o setor privado não melhora esse índice em virtude de investir muito pouco e sempre na dependência de alguma política estatal.
A agenda de inovação no Brasil precisa focar necessariamente no engajamento da economia global, no alinhamento de políticas industriais e de inovação, no estímulo a alianças entre o setor produtivo e a academia, no fomento a inovações governamentais e na definição de prioridades estratégicas.
(grifos nossos)
 

De fato, conforme elucidado no trecho da obra acima transcrita, no enunciado do art. 1º da Lei de Inovação e nos termos que serão a seguir apresentados, o Marco Legal de CT&I determina que o Estado Brasileiro por intermédio da Administração Pública incentive que empresas invistam em PD&I, visando a geração de produtos, processos e serviços inovadores e a transferência e a difusão de tecnologia. Este comando inclusive possui assento constitucional, conforme enunciado do Art. 219 de nossa Carta Magna:

Art. 219. O mercado interno integra o patrimônio nacional e será incentivado de modo a viabilizar o desenvolvimento cultural e sócio-econômico, o bem-estar da população e a autonomia tecnológica do País, nos termos de lei federal.
Parágrafo único. O Estado estimulará a formação e o fortalecimento da inovação nas empresas, bem como nos demais entes, públicos ou privados, a constituição e a manutenção de parques e polos tecnológicos e de demais ambientes promotores da inovação, a atuação dos inventores independentes e a criação, absorção, difusão e transferência de tecnologia(Incluído pela Emenda Constitucional nº 85, de 2015)
 

O aparente conflito entre normas constitucionais que poderia ocorrer seria entre os dispostivos inseridos em nossa Carta Magna pela Emenda Constitucional n. 85/15 com parágrafo tercerio do Art. 195, que trata da  regularidade com a § 3º, nos seguintes termos:

Art. 195. A seguridade social será financiada por toda a sociedade, de forma direta e indireta, nos termos da lei, mediante recursos provenientes dos orçamentos da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, e das seguintes contribuições sociais:  
(...)
§ 3º A pessoa jurídica em débito com o sistema da seguridade social, como estabelecido em lei, não poderá contratar com o Poder Público nem dele receber benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios.  
(grifos nossos)
 

O dispositivo em comento ocasiona uma cláusula de barreira para que a pessoa jurídica em débito com a seguridade social contrate com o Poder Público ou dele receba benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios. Cuida-se de uma medida, nas palavras de Marcus Correia, de “moralização do sistema de concessão de incentivos, visto que somente pessoas jurídicas cumpridoras da legislação devem ser incentivadas.”[3].

Em contraposição a cláusula de barreira acima citada, além dos dispositivos constitucionais acima transcritos, o artigo 218 da Constituição  Federal e seus parágrafos determinam uma série de medidas que podem conflitar com o impeditivo previsto no §3º do art. 195 na espécie contratual sob análise:

Art. 218. O Estado promoverá e incentivará o desenvolvimento científico, a pesquisa, a capacitação científica e tecnológica e a inovação.  (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 85, de 2015)
§ 1º A pesquisa científica básica e tecnológica receberá tratamento prioritário do Estado, tendo em vista o bem público e o progresso da ciência, tecnologia e inovação.  (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 85, de 2015)
§ 2º A pesquisa tecnológica voltar-se-á preponderantemente para a solução dos problemas brasileiros e para o desenvolvimento do sistema produtivo nacional e regional.
§ 3º O Estado apoiará a formação de recursos humanos nas áreas de ciência, pesquisa, tecnologia e inovação, inclusive por meio do apoio às atividades de extensão tecnológica, e concederá aos que delas se ocupem meios e condições especiais de trabalho.  (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 85, de 2015)
§ 4º A lei apoiará e estimulará as empresas que invistam em pesquisa, criação de tecnologia adequada ao País, formação e aperfeiçoamento de seus recursos humanos e que pratiquem sistemas de remuneração que assegurem ao empregado, desvinculada do salário, participação nos ganhos econômicos resultantes da produtividade de seu trabalho.
§ 5º É facultado aos Estados e ao Distrito Federal vincular parcela de sua receita orçamentária a entidades públicas de fomento ao ensino e à pesquisa científica e tecnológica.
§ 6º O Estado, na execução das atividades previstas no caput, estimulará a articulação entre entes, tanto públicos quanto privados, nas diversas esferas de governo.  (Incluído pela Emenda Constitucional nº 85, de 2015)
§ 7º O Estado promoverá e incentivará a atuação no exterior das instituições públicas de ciência, tecnologia e inovação, com vistas à execução das atividades previstas no caput. (Incluído pela Emenda Constitucional nº 85, de 2015)
(grifos nossos)
 

Como orientador principal na resolução desse aparente conflito entre as normas constitucionais, invoca-se o art. 3º da própria Constituição e a especialidade das normas esculpidas a partir do art. 218 (principalmente as inseridas pela EC n. 85/15) em relação à generalidade do art. 195, §3º.

Esse último dispositivo não encontra correspondência com as novas diretrizes e comandos advindos com a EC n. 85/15 e se trata de uma redação original do texto constitucional, que regula de forma genérica as relações contratuais comumente estabelecidas entre pessoas jurídicas e o Poder Público. O entendimento do Constituinte estava adstrito à teoria do ato administrativo e do contrato administrativo tradicionais e, longe de ser uma crítica, as balizas ainda hoje utilizadas são de período em que as relações público/privadas nem de longe alcançavam a complexidade, dinâmica e extensão das atuais. Ao Constituinte de 1988 sequer era possível alcançar ou cogitar a magnitude e relevância que a Ciência, Tecnologia e Inovação - CT&I galgariam para a concretização dos objetivos fundamentais da República.

Quando da promulgação da Constituição Federal, em 1988, não existiam instrumentos jurídicos como os trazidos pelas Leis nº 10.973/04 e 13.243/16. Possivelmente sequer se imaginavam relações jurídicas nos moldes traçados pela Emenda Constitucional nº 85.  Em contraposição à clássica dicotomia público x privado, ecossistemas de inovação ganharam relevância central e preeminência nacional, e alianças estratégicas entre entidades públicas e privadas ultrapassam a mera possibilidade jurídica, como passam a ser um imperativo posto pelo Constituinte Derivado, que ordena que o Estado promova e incentive o desenvolvimento científico e tecnológico, estimule a inovação, bem como as empresas que atuam nessa área. Essa articulação não apenas é possível, mas determinada pela Constituição Federal e esperada para o progresso nacional no âmbito da CT&I.

Ainda, e com ênfase, não se pode descurar, como afirmou o atual Ministro do Supremo Tribunal Federal, Luís Roberto Barroso[4], da acidentada trajetória institucional do Estado brasileiro que, desde a promulgação da Constituição Federal de 1988, já suportou, até a data de 04 de julho de 2019, 101 (cento e uma) emendas.

Isso demonstra que a amplitude da Constituição Federal de 1988 e o seu modelo analítico (em contraposição ao modelo sintético), por um lado, permitiu que as mais diversas searas fossem alçadas ou tratadas no plano constitucional, e por outro, ocasiona um descompasso entre o dinamismo e velocidade com que se desenvolvem as relações jurídicas e a rigidez impostas pelo status constitucional da norma.

Daí se impõe o reconhecimento de especialidade da Emenda Constitucional nº 85, de 2015, que conferiu a atual redação aos artigos 218 e seguintes, em relação ao art. 195, §3º. Do contrário, um dispositivo acabaria por inibir o outro.

De primeiro, entende-se que os contratos com a Administração Pública podem e devem ser diferenciados em razão do benefício que um particular pode alcançar com a avença e o interesse público envolvido (como o caso da CT&I), hipótese em que o parágrafo 3º do art. 195 da Constituição Federal impera sem margem para qualquer diversionismo hermenêutico.

Diferentemente se dá em relação ao benefício que a Administração Pública pode alcançar mediante instrumentos jurídicos com particular como os presentes (Acordo de Parceria para Pesquisa, Desenvolvimento e Inovação (PD&I) com repasse do privado para o público, Contrato de Prestação de Serviços Técnicos Especializados e Outorga de uso de laboratórios, equipamentos, instrumentos, materiais e demais instalações ), hipótese em que o interesse público pode ficar prejudicado sem a compreensão de que a limitação do parágrafo terceiro incide nos casos em que a Administração atua como contratante, mas não naqueles em que figura como contratada (ou parceira).

Depois, emprestar intransponível rigidez ao óbice de contratar a Administração Pública para a pessoa jurídica com pendências junto à seguridade social embaraça outros comandos constitucionais que possuem maior envergadura, que estão previstos como objetivos fundamentais da República e que são normas especiais:

Art. 3º Constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil:
I - construir uma sociedade livre, justa e solidária;
II - garantir o desenvolvimento nacional;
III - erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais;
IV - promover o bem de todos (...)
 

Em se tratando de Ciência, Tecnologia e Inovação - CT&I, são imperativos o incentivo do Estado, o tratamento prioritário tendo em vista o bem público, o progresso e a solução de problemas brasileiros. Ainda, é imperativo que o Estado apoie e estimule as empresas nesses investimentos. Uma empresa que precise melhorar suas receitas ou diminuir seus custos poderá investir em atividades de pesquisa tecnológica em busca de produtos, processos e serviços inovadores, podendo aumentar sua produtividade, gerar empregos e obter ganhos econômicos reais com a criação de propriedade intelectual e seus royalties (patentes, modelos de invenção, know how, circuitos integrados, cultivres etc). Os riscos tecnológicos e os custos financeiros com as atividades de inovação serão da empresa, sendo irrelevante à Administração Pública o fato dela se encontrar ou não com alguma certidao negativa, pode inclusive ser a forma pela qual ela vai escapar da crise.

Diante desse contexto, também o processo de interpretação dos textos normativos precisa - sem superar os limites semânticos decorrentes da linguagem utilizada pelo legislador - considerar essa guinada nas novas funções estatais. No mesmo sentido, RONNY CHARLES:

(...) com a ampliação das atribuições da máquina administrativa, essas relações tornaram-se cada vez mais complexas, gerando certa dificuldade na tentativa de pensar uma roupagem jurídica única para todos esses pactos negociais. Nesse ponto, é incorreta a tentativa jurídica de utilização das regras administrativas tradicionais como obstáculo radical, mesmo quando suas disposições são incompatíveis com a natureza das coisas ou com as características do mercado específico. Conforme ensinou Bobbio, o aplicador da norma, sem desprezá-la, deve buscar, nos fatos sociais e em outros ramos do conhecimento, a adequada compreensão do direito positivado.[5]

 

Ainda, HORÁCIO VALE, em obra sobre Princípios Jurídicos da Inovação Tecnológica (Aspectos Constitucionais, Administrativos, Tributários e Processuais), para quem a "Constituição Federal abriga diversos objetivos, valores, princípios e regras e todos esses elementos devem ser considerados pelo aplicador do Direito."[6]

Desta forma, resta claro que  as restrições previstas no § 3º do Art. 195 da Constituição Federal devem ser interpretadas em conformidade com  os comandos e diretrizes constitucionais advindos com a EC n. 85/15, sendo juridicamente possível que instrumentos jurídicos específicos previstos no Marco Legal de CT&I possam ter aplicação diferenciada, permitindo que as atividades de PD&I por empresas sejam realizadas em parceria com entes públicos sem formalidades exigidas em situações gerais e que não sejam especificas do campo da pesquisa científica e tecnológica em busca de inovação no País.

Perpassando a esfera constitucional, cabe ainda destacar os reflexos do Marco Legal de CT&I nas normas legais e infralegais que foram editadas para dar eficácia aos seus comandos e diretrizes. Neste ponto, elucida-se que a Lei de Inovação (Lei n. 10.973/04) é silente quanto a necessidade de se juntar certidões nos processos administrativos instaurados para analisar parcerias entre entes públicos e privados. Tal fato não ocorreu com a edição do Decreto n. 9.283/18, que regulamenta o Marco Legal no âmbito federal.

Em uma pesquisa no Decreto nº 9.283/18, foram obtidos os seguintes dispositivos que preveem a necessidade de certidões como requisito formal para se firmar as parcerias previstas na Lei de Inovação:

Decreto nº 9.283/18:
Art. 7º (...)
§ 2º A cessão de uso ficará condicionada à apresentação, pelo interessado, de Certidão Negativa de Débitos Relativos a Créditos Tributários Federais e à Dívida Ativa da União, Certificado de Regularidade do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço, Certidão Negativa de Débitos Trabalhistas e prova de regularidade relativa à Seguridade Social, hipótese em que serão consideradas regulares as certidões positivas com efeito de negativas.
(...)
Art. 12. A realização de licitação em contratação realizada por ICT ou por agência de fomento para a transferência de tecnologia e para o licenciamento de direito de uso ou de exploração de criação protegida é dispensável.
(...)
§ 5º Os terceiros interessados na oferta tecnológica comprovarão:
I - a sua regularidade jurídica e fiscal; e
II - a sua qualificação técnica e econômica para a exploração da criação.
(...)
Art. 26. O bônus tecnológico é uma subvenção a microempresas e a empresas de pequeno e médio porte, com base em dotações orçamentárias de órgãos e entidades da administração pública, destinada ao pagamento de compartilhamento e ao uso de infraestrutura de pesquisa e desenvolvimento tecnológicos, de contratação de serviços tecnológicos especializados ou de transferência de tecnologia, quando esta for meramente complementar àqueles serviços.
(...)
§ 4º A concedente deverá realizar a análise motivada de admissibilidade das propostas apresentadas, especialmente quanto ao porte da empresa, à destinação dos recursos solicitados e à regularidade fiscal e previdenciária do proponente.
(...)
Art. 67. A documentação de que tratam o art. 28 ao art. 31 da Lei nº 8.666, de 1993, poderá ser dispensada, no todo ou em parte, para a contratação de produto para pesquisa e desenvolvimento, desde que para pronta entrega ou até o valor previsto na alínea “a” do inciso II do caput do art. 23 da referida Lei, observadas as disposições deste artigo.
§ 1º Caberá ao contratante definir os documentos de habilitação que poderão ser dispensados em razão das características do objeto da contratação e observadas as seguintes disposições:
I - na hipótese de fornecedores estrangeiros que não funcionem no País, a prova de regularidade fiscal, ou outro documento equivalente, do domicílio ou da sede do fornecedor é inexigível;
II - na hipótese de fornecedores estrangeiros que não funcionem no País, a prova de regularidade fiscal para com a Fazenda distrital, estadual e municipal do domicílio ou da sede do fornecedor poderá ser dispensada;
III - a regularidade fiscal e trabalhista do fornecedor estrangeiro perante as autoridades de seu País é inexigível; e
IV- na hipótese de fornecedores estrangeiros que não funcionem no País, o contratante poderá dispensar a autenticação de documentos pelos consulados e a tradução juramentada, desde que seja fornecida tradução para o vernáculo.
§ 2º Na hipótese de fornecedores estrangeiros que não funcionem no País, o contratante poderá dispensar a representação legal no País de que trata o § 4º do art. 32 da Lei nº 8.666, de 1993, situação em que caberá ao contratante adotar cautelas para eventual inadimplemento contratual ou defeito do produto, incluídas a garantia contratual, a previsão de devolução total ou parcial do valor, a emissão de título de crédito pelo contratado ou outras cautelas usualmente adotadas pelo setor privado.
§ 3º Cláusula que declare competente o foro da sede da administração pública para dirimir questões contratuais deverá constar do contrato ou do instrumento equivalente.
§ 4º Para os fins do disposto neste Decreto, considera-se para pronta entrega a aquisição de produtos com prazo de entrega de até trinta dias, contado da data de assinatura do contrato ou, quando facultativo, da emissão de instrumento hábil para substituí-lo.
§ 5º A comprovação da regularidade com a Seguridade Social deverá ser exigida nos termos estabelecidos no § 3º do art. 195 da Constituição, exceto na hipótese de fornecedores estrangeiros que não funcionem no País.”
(grifou-se)

 

Diante da leitura dos dispositivos acima retirados do Decreto que regulamenta o Marco Legal de CT&I, pode-se constatar que sempre que o legislador impôs a comprovação de regularidade fiscal, como condição prévia ao negócio jurídico, o fez de modo expresso.  A contrário senso, nos instrumentos jurídicos em que não houve esta exigência, com nos abordados neste Parecer, o silêncio normativo foi intencional, uma vez que, pelas razões já apontadas alhures, é dispensável a apresentação de certidões quando os recursos forem privados e para execução de atividades de PD&I previstas no Marco Legal de CT&I.

A seguinte lógica jurídica deve estar presente no caso em tela: nos instrumentos jurídicos em que o parceiro privado é "contratante", ou seja, naqueles que será o parceiro privado que aportará os recursos financeiros, a atuação da Administração Pública aproxima-se da lógica privada,  na qual  o poder público estará prestando um serviço tecnológico, participando diretamente das atividades de PD&I ou permitindo que empresas, inventores e pesquisadores  privados possam compartilhar e utilizar seus laboratórios e espaços de pesquisa. O ganho é social e econômico (além do ganho científico e tecnológico que é obvio), bem como se alcançará o interesse público com o estímulo a inovação nas empresas, a promoção de maior competitividade, a geração de empregos, uso racional e pago de estruturas públicas e, principalmente, o fomento de pesquisas e atividades que gerarão inovação no Brasil.

Sendo assim, como já frisado, para os instrumentos jurídicos tratados neste Parecer, há que se modular a exigência do §3º do art. 195 com as demais regras constitucionais (previstas no art. 218 e seguintes), sob pena de se inviabilizar outros tantos vetores Constitucionais, cuja importância sobreleva em relação a esse dispositivo que figura isolado e possui objetivos restritos, criado dentro de um contexto absolutamente distinto da relevância atual atribuída pelo Constituinte à atividade de CT&I.

Apenas por meio dessa interpretação sistemática da própria Constituição Federal, haverá a real e concreta possibilidade de cumprimento das normas constitucionais em relação à Ciência, Tecnologia e Inovação.

Por derradeiro, em específico quanto aos entes diretamente afetados e assessorados pela AGU: Agências de Fomento (CNPq e CAPES) e  ICTs - Instituições Científicas, Tecnológicas e de Inovação (Universidades Federais, Institutos Federais e Centros de Pesquisa - como a FIOCRUZ) o benefício ocasionado pelo incremento dos instrumentos jurídicos dessa natureza não se opera apenas quanto ao objeto em si mesmo considerado - de PD&I -, senão também para uma infinita e incalculável gama de possibilidades de expansão e avanço da pesquisa  e  desenvolvimento social e econômico do Brasil. Desta forma, estar-se-á garantindo eficácia ao comando constitucional previsto no Art. 219-A de nossa  Constituição Federal:

Art. 219-A. A União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios poderão firmar instrumentos de cooperação com órgãos e entidades públicos e com entidades privadas, inclusive para o compartilhamento de recursos humanos especializados e capacidade instalada, para a execução de projetos de pesquisa, de desenvolvimento científico e tecnológico e de inovação, mediante contrapartida financeira ou não financeira assumida pelo ente beneficiário, na forma da lei.   (Incluído pela Emenda Constitucional nº 85, de 2015)
 

Por todo exposto, entende-se, s.m.j., que é juridicamente possível a dispensa de comprovação de regularidade fiscal e trabalhista quando: (i) se tratar dos instrumentos jurídicos previstos no Marco Legal de CT&I que prevejam somente repasses do parceiro privado para o público e (ii) envolver atividades de Pesquisa Científica, Desenvolvimento Tecnológico e Inovação (PD&I), nos termos do Art. 3º da Lei nº 10.973/04  (Lei de Inovação).

 

 

CONCLUSÃO

Por todo o exposto, CONCLUI-SE que:

(i) É juridicamente possível a dispensa de comprovação de regularidade fiscal e trabalhista quando: (i) se tratar dos instrumentos jurídicos previstos no Marco Legal de Ciência, Tecnologia e Inovação - CT&I que prevejam somente repasses do parceiro privado para o público e (ii) envolver atividades de Pesquisa Científica, Desenvolvimento Tecnológico e Inovação (PD&I), nos termos do Art. 3º da Lei nº 10.973/04  (Lei de Inovação);

(ii) em complemento ao item anterior, os instrumentos jurídicos previstos no Marco Legal de CT&I em que os recursos financeiro serão repassados do ente privado para ente público são os seguintes: (i) Acordo de Parceria para Pesquisa, Desenvolvimento e Inovação (PD&I) com repasse do privado para o público - Artigo 35, §§ 6º e 7º, do Decreto nº 9.283/18; (ii) Contrato de Prestação de Serviços Técnicos Especializados - Art. 8º da Lei nº 10.973/04; e (iii) Outorga de uso de laboratórios, equipamentos, instrumentos, materiais e demais instalações existentes nas dependências de ICT Pública - Art. 4º, II, c/c Art. 15-A, Parágrafo Único, IV, da Lei nº 10.973/04.

 

É o parecer.

 

Brasília/DF, 13 de abril de 2020.

 

 

   LEOPOLDO GOMES MURARO                   ROCHELE VANZIN BIGOLIN

      PROCURADOR FEDERAL                               PROCURADORA FEDERAL

MEMBRO DA CNPDI                                             CONVIDADA

 

 

De acordo, na forma da unanimidade consolidada no decorrer dos trabalhos.

  

RAFAEL DUBEUX

ADVOGADO DA UNIÃO

COORDENADOR

 

CAIO MÁRCIO MELO BARBOSA

ADVOGADO DA UNIÃO

 

CARLOS FREIRE LONGATO

ADVOGADO DA UNIÃO

 

TULIO PICANÇO TAKETOMI

ADVOGADO DA UNIÃO

 

 


Atenção, a consulta ao processo eletrônico está disponível em http://sapiens.agu.gov.br mediante o fornecimento do Número Único de Protocolo (NUP) 00688000724201990 e da chave de acesso 500b59f1

Notas

  1. ^ MURARO, Leopoldo Gomes. Instrumentos Jurídicos de Parceria. In: BARBOSA, Caio Márcio Melo; DUBEUX, Rafael; MURARO, Leopoldo Gomes; PORTELA, Bruno Monteiro. Marco Legal de Ciência, Tecnologia e Inovação no Brasil. 1. ed. Salvador: Editora JusPodivm, 2019. p. 146-147.
  2. ^ DUBEUX, Rafael; PORTELA, Bruno Monteiro. Cenário Local, Nacional e Internacional. BARBOSA, C. M. M.; DUBEUX, R.; MURARO, L. G.; PORTELA, B. M. Marco Legal de Ciência, Tecnologia e Inovação no Brasil. 1. ed. Salvador: Editora JusPodivum, 2019. p. 40-41. 
  3. ^ CORREIA, Marcus Orione Gonçalves. Comentários ao art. 195. In: CANOTILHO, J. J. Gomes; MENDES, Gilmar F.; SARLET, Ingo W.; STRECK, Lenio L. (Coords.). Comentários à Constituição do Brasil. São Paulo: Saraiva/Almedina, 2013, p. 1921.
  4. ^ BARROSO, Luís Roberto. O Direito Constitucional e a Efetividade de suas Normas – limites e possibilidades da Constituição brasileira. 9ª. Ed. Rio de Janeiro : Renovar, 2009. p. 47.
  5. ^ CHARLES, Ronny. Lei de licitações públicas comentadas. 6.ed. Salvador: Juspodium, 2014, p. 59.
  6. ^ VALE, Horácio. Princípios jurídicos da Inovação Tecnológica: aspectos constitucionais, administrativos, tributários e processuais.  Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2018.



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