ADVOCACIA-GERAL DA UNIÃO
CONSULTORIA-GERAL DA UNIÃO
CONSULTORIA JURÍDICA DA UNIÃO ESPECIALIZADA VIRTUAL DE OBRAS E SERVIÇOS DE ENGENHARIA
NÚCLEO JURÍDICO
PARECER n. 00109/2020/NJUR/E-CJU/ENGENHARIA/CGU/AGU
NUP: 08672.001011/2017-62
INTERESSADOS: UNIÃO - SUPERINTENDÊNCIA REGIONAL DA POLÍCIA RODOVIÁRIA FEDERAL NO ESTADO DE SERGIPE - SR/DPRF
ASSUNTOS: CONCORRÊNCIA
EMENTA: CONTRATO EXTINTO EM RAZÃO DA EXTRAPOLAÇÃO DO PRAZO DE VIGÊNCIA. IMPOSSIBILIDADE DE RESCISÃO UNILATERAL DO CONTRATO. POSSIBILIDADE DA INSERÇÃO DA PARTE REMANESCENTE EM NOVO CONTRATO ADMINISTRATIVO, O QUAL DEVERÁ SER PRECEDIDO DE LICITAÇÃO OU ENQUADRADO EM ALGUMA HIPÓTESE DE DISPENSA OU INEXIGIBILIDADE. IMPOSSIBILIDADE DE CONTRATAÇÃO DO REMANESCENTE COM BASE NO ART. 24, XI, DA LEI Nº 8.666/93.
RELATÓRIO
Trata-se de processo administrativo submetido a esta Consultoria Jurídica da União com base no disposto na alínea “a”, do inciso VI, do artigo 11, da Lei Complementar n.º 73, de 10 de fevereiro de 1993, para apreciação prévia de rescisão unilateral do contrato administrativo nº 08/2018, que tem por objeto a reforma da 2ª Delegacia e da Unidade Operacional São Cristóvão da Polícia Rodoviária Federal em Sergipe.
Encontram-se nos autos, dentre outros, os seguintes documentos:
Apresente análise deu-se com base exclusivamente nos documentos eletrônicos existentes no SEI.
É o breve relatório.
FINALIDADE E ABRANGÊNCIA DO PARECER JURÍDICO
A presente manifestação jurídica tem o escopo de assistir a autoridade assessorada no controle interno da legalidade administrativa dos atos a serem praticados.
Nossa função é justamente apontar possíveis riscos do ponto de vista jurídico e recomendar providências, para salvaguardar a autoridade assessorada, a quem compete avaliar a real dimensão do risco e a necessidade de se adotar ou não a precaução recomendada.
Importante salientar, que o exame dos autos processuais restringe-se aos seus aspectos jurídicos, excluídos, portanto, aqueles de natureza técnica. Em relação a estes, partiremos da premissa de que a autoridade competente municiou-se dos conhecimentos específicos imprescindíveis para a sua adequação às necessidades da Administração, observando os requisitos legalmente impostos.
De fato, presume-se que as especificações técnicas contidas no presente processo, inclusive quanto ao detalhamento do objeto da contratação, suas características, requisitos e avaliação do preço estimado, tenham sido regularmente determinadas pelo setor competente do órgão, com base em parâmetros técnicos objetivos, para a melhor consecução do interesse público.
Finalmente, é nosso dever salientar que as orientações são feitas sem caráter vinculativo, mas em prol da segurança da própria autoridade assessorada, a quem incumbe, dentro da margem de discricionariedade que lhe é conferida pela lei, avaliar e acatar, ou não, tais ponderações. Não obstante, as questões relacionadas à legalidade serão apontadas para fins de sua correção. O seguimento do processo sem a observância destes apontamentos será de responsabilidade exclusiva da Administração, cuja autoridade administrativa competente deverá apresentar a motivação devida, consoante previsão do art. 50, VII, da Lei de Processo Administrativo Federal.
ANÁLISE
A rescisão unilateral do contrato é um instituto previsto nos arts. 58, II e 79, I, da Lei nº 8.666/93, constituindo uma prerrogativa da Administração Pública e um exemplo do que a doutrina denomina de cláusulas exorbitantes.
As cláusulas exorbitantes são prerrogativas previstas a favor da Administração Pública e que incidem nos contratos administrativos, tendo como razão de existir a tutela do interesse público subjacente ao contrato.
Segundo relatado pelo órgão, a contratada descumpriu, por sua culpa exclusiva, o prazo de execução da obra.
Em razão desse atraso, o órgão já aplicou à contratada a sanção de multa.
Ademais, a Administração pretende se valer da rescisão unilateral do contrato, como lhe faculta os arts. 58, II e 79, I, da Lei nº 8.666/93.
O descumprimento do prazo de execução pode dar ensejo à rescisão unilateral do contrato.
No entanto, para que haja a rescisão unilateral do contrato, é necessário, por lógica, que o contrato ainda exista.
No caso concreto, o contrato encontra-se extinto, uma vez que a data final de vigência prevista no item 2.1 do contrato (08/08/2020) foi alcançada sem que tenha sido formalizada tempestivamente a rescisão unilateral.
Uma das formas de extinção do contrato administrativo é pelo término do seu prazo de vigência.
Estando já extinto o contrato nº 08/2018, não é possível a rescisão.
Tem-se que a matéria em questão foi tratada com muita clareza e precisão no PARECER Nº 13/2013/CPLC/DEPCONSU/PGF/AGU, aprovado pelo Procurador-Geral Federal, a cujos termos me reporto, inclusive quanto às possíveis soluções apresentadas, conforme se segue:
I. CONSIDERA-SE EXTINTO O CONTRATO ADMINISTRATIVO QUE ATINGE SEU PRAZO FINAL DE VIGÊNCIA, AINDA QUE SEJA CLASSIFICADO COMO CONTRATO "DE ESCOPO";
II. EXPIRADO O PRAZO DE VIGÊNCIA E PENDENTE A CONCLUSÃO DO OBJETO ALMEJADO NO CONTRATO DE ESCOPO, DEVE-SE PROVIDENCIAR A INSERÇÃO DA PARTE REMANESCENTE EM NOVO CONTRATO ADMINISTRATIVO, O QUAL DEVERÁ SER PRECEDIDO DE LICITAÇÃO OU ENQUADRADO EM ALGUMA HIPÓTESE DE DISPENSA OU INEXIGIBILIDADE;
III. A DISPENSA DE LICITAÇÃO DO ART. 24, IV, DA LEI Nº 8.666/93 PODE SER UTILIZADA MESMO NOS CASOS EM QUE O PRAZO DE VIGÊNCIA DO CONTRATO DE ESCOPO TENHA EXPIRADO POR DESÍDIA DA ADMINISTRAÇÃO, DESDE QUE CUMPRIDOS OS REQUISITOS DO DISPOSITIVO LEGAL E RECOMENDADA A APURAÇÃO DE RESPONSABILIDADE DE QUEM DEU CAUSA À SITUAÇÃO EMERGENCIAL;
IV. A EXECUÇÃO DE CONTRATO EXTINTO, SEJA ELE DE ESCOPO OU DE EXECUÇÃO CONTINUADA, CONFIGURA CONTRATO VERBAL, APLICANDO-SE A ON/AGU Nº 04/2009, QUE DETERMINA O PAGAMENTO POR MEIO DE RECONHECIMENTO DA OBRIGAÇÃO DE INDENIZAR NOS TERMOS DO ART. 59 DA LEI Nº 8.666/93;
V. É VEDADA A REALIZAÇÃO DE OUTROS ATOS CONTRATUAIS, TAIS COMO PRORROGAÇÃO OU RESCISÃO, DE CONTRATO ADMINISTRATIVO EXTINTO POR DECURSO DO PRAZO DE VIGÊNCIA.
Por sua vez, de acordo com a ORIENTAÇÃO NORMATIVA Nº 3/2009 da Advocacia-Geral da União:
“NA ANÁLISE DOS PROCESSOS RELATIVOS À PRORROGAÇÃO DE PRAZO, CUMPRE AOS ÓRGÃOS JURÍDICOS VERIFICAR SE NÃO HÁ EXTRAPOLAÇÃO DO ATUAL PRAZO DE VIGÊNCIA, BEM COMO EVENTUAL OCORRÊNCIA DE SOLUÇÃO DE CONTINUIDADE NOS ADITIVOS PRECEDENTES, HIPÓTESES QUE CONFIGURAM A EXTINÇÃO DO AJUSTE, IMPEDINDO A SUA PRORROGAÇÃO”.
Corroborando o que aqui se defende, cabe também mencionar o PARECER Nº 133/2011/DECOR/CGU/AGU, aprovado pelo Consultor-Geral da União através do Despacho 1079/2012, que estabeleceu algumas premissas para contrato de escopo, dentre as quais destaco a seguinte:
"Caso o termo final do prazo de vigência esteja para ser atingido e a Administração e o contratado pretendam estendê-lo, é necessário formalizar a prorrogação, que, se cabível, deverá ser justificada por escrito e previamente autorizada, por meio de termo aditivo aprovado pela assessoria jurídica, pela autoridade competente para celebrar o contrato."
Cabe observar que, em 04/08/2020, a NOTA Nº 139/2020/DECOR/CGU/AGU (00593.000026/2020-87, Seq. 10) foi aprovada pelo Consultor-Geral da União, reafirmando as conclusões do Parecer n. 133/2011/DECOR/CGU/AGU. Na referida Nota, destacou-se o seguinte:
"11. Portanto, nos moldes do estabelecido pelo do Parecer nº 133/2011/DECOR/CGU/AGU, segundo a ON AGU n.º 03/2009, e conforme a IN n.º 05/2017, havendo necessidade de prorrogação do prazo contratual para a continuidade da execução do objeto pactuado - mesmo para os contratados por escopo, deverá a Administração diligenciar-se para realizar o ato dentro do prazo de vigência; pois, uma vez expirado o prazo de vigência sem a conclusão do objeto contratual, deve a Administração pública proceder a apuração do que foi executado e realizar a nova licitação para contratação da parte remanescente.
12. Lembra-se que caso a contratada conclua a obra ou o serviço após a vigência contratual, as despesas deverão ser objeto de reconhecimento de dívida, conforme a ON AGU n.º 04/2009: “a despesa sem cobertura contratual deverá ser objeto de reconhecimento da obrigação de indenizar nos termos do art. 59, parágrafo único, da Lei nº 8.666, de 1993, sem prejuízo da apuração da responsabilidade de quem lhe der causa.”
13. Por fim, conforme o aqui defendido, foi o PARECER SEI Nº 8624/2020/ME, seq. 9, da PGFN, do qual se destaca os seguintes trechos:
6. No entendimento desta Procuradoria, o advento do termo final do prazo de vigência contratual gera necessariamente a extinção do contrato, independentemente de ele ser um contrato de escopo ou continuado, excepcional ou não, já que se trata de uma decorrência lógica da própria existência de um prazo. Esse entendimento foi esposado no PARECER SEI Nº 4524/2020/ME, no processo 59800.000183/2011-51, quanto a convênios, aplicando-se, também, quanto aos contratos administrativos.(...)8. Não se desconhece a existência dos Acórdãos supracitados do TCU, mas entende-se que, muito embora o seu efeito prático possa ser justificável, a forma como se chega nele é pouco técnica, na medida em que se "ressuscita" uma relação contratual fora das hipóteses previstas na lei, correndo-se o risco de transformar uma excepcionalidade em regra. Não se verifica ser de melhor técnica potencialmente desnaturar um instituto jurídico, de caráter lógico, para abrir margem a uma exceção, quando essa desnaturação pode ter um efeito bem maior.9. É que admitir a prorrogabilidade de contrato vencido no caso de situações "excepcionais" significa submeter a conclusão lógica de impossibilidade de retroação a uma análise subjetiva. O termo final do contrato extinguiria o contrato salvo se este for importante ou tiver características X, Y, Z ao ponto de essa extinção não ser interessante. Como a extinção contratual pelo termo final do prazo de vigência é uma consequência de ordem natural/lógica, submetê-la a uma análise de caráter casuística gera uma incompatibilidade ontológica invencível. Ou o prazo de vigência não existe nos contratos de escopo e apenas o prazo de execução interessa (de modo que apenas a finalização do objeto extingue o contrato) e o aditamento com efeitos retroativos é admissível independentemente de "excepcionalidade", ou o prazo de vigência existe e produz os seus efeitos lógicos de extinção contratual e eventuais situações excepcionais deverão ser tratadas de outra forma.10. Em outras palavras, finalizado o termo contratual, necessariamente haverá a extinção do contrato. Pode-se cogitar de hipóteses de prorrogação do contrato (em especial quando a administração der causa ao atraso da contratada), permissão de pagamento posterior à extinção contratual para atos feitos durante a vigência contratual, conforme o caso, ou de admissão de execução de contrato verbal nulo, mediante reconhecimento de dívida (com as consequências decorrentes desse enquadramento). Mas é da essência do prazo de vigência que o seu fim gere a extinção do contrato e essa premissa nos aparenta ser absolutamente inafastável.(...)22. Desse modo, conclui-se que, com o advento do termo final contratual, a consequência lógica é a extinção do contrato, independentemente de ser por escopo ou continuado, bem como de haver a incidência do art. 79, §5º da Lei nº 8.666/93, se não houver a respectiva prorrogação mediante aditamento contratual. O tratamento de eventual e excepcional continuidade da prestação de serviço se dará por incidência do art. 59, parágrafo único da lei nº 8.666/93 e da Orientação Normativa AGU nº 4/2009, como um reconhecimento de débito, com todas as consequências decorrentes desse enquadramento.
14. Desta maneira, por todo o exposto, parece-nos forçosa a conclusão no sentido de que o entendimento estabelecido pelo Parecer nº 133/2011/DECOR/CGU/AGU permanece conforme o melhor direito, portanto, este Parecer não merece ser revisto neste momento."
Como se vê, o entendimento da Advocacia-Geral da União é no sentido da extinção dos contratos em que se verifica a extrapolação do prazo de vigência, seja contrato continuado ou contrato de escopo.
Conforme Ofícios 91, 92 e 93, verifica-se que o órgão possui a intenção de contratar diretamente o remanescente da obra com base na dispensa de licitação prevista no art. 24, XI, da Lei nº 8.666/93. No entanto, a aplicação do art. 24, XI, da Lei nº 8.666/93 pressupõe que a extinção do contrato tenha se dado em razão de rescisão contratual. No caso concreto, a extinção do contrato não se deu em razão de rescisão contratual, mas sim por causa da expiração do prazo de vigência. Assim, não é possível a contratação do remanescente com base no art. 24, XI, da Lei nº 8.666/93.
Nesse sentido, Jorge Ulisses Jacoby Fernandes[1]cita a seguinte decisão do TCU:
"(...) a dispensa de licitação prevista no art. 24, XI, da Lei nº 8.666/1993, que pressupõe a convocação de concorrente classificado imediatamente após o licitante vencedor cujo contrato foi rescindido, incide tão-somente na espécie rescisão do gênero extinção, não se aplicando, portanto, às contratações extintas por atingimento do prazo de duração."[2]
Na mesma linha, Lucas Rocha Furtado[3] aduz que:
"Acerca da aplicação dessa hipótese de contratação sem licitação, questão tormentosa diz respeito a saber se seria possível a sua aplicação em qualquer hipótese de extinção contratual.
Acreditamos que esse permissivo legal não se aplica às contratações extintas por advento do termo ou cumprimento de prazo. A razão é que o dispositivo legal acima transcrito trata da contratação de remanescente de obra, serviço ou fornecimento "em conseqüência de rescisão contratual". Enquanto a extinção é gênero que, embora compreenda como espécie a rescisão, contempla também outras espécies que não se classificam como tal, a exemplo do advento do termo ou cumprimento de prazo."
CONCLUSÃO
Diante do exposto, abstraídas questões técnicas que não competem ao assessoramento jurídico, recomenda-se a restituição do feito ao órgão consulente a fim de que possam ser conhecidas e implementadas as orientações acima, com destaque para aquelas em negrito e/ou sublinhadas. Eventuais dúvidas ou dificuldades para a adoção do recomendado deverão ensejar consulta especifica a esta Consultoria.
Rio de Janeiro, 22 de setembro de 2020.
GILSON ESTEVES GOMES
ADVOGADO DA UNIÃO
Atenção, a consulta ao processo eletrônico está disponível em http://sapiens.agu.gov.br mediante o fornecimento do Número Único de Protocolo (NUP) 08672001011201762 e da chave de acesso 05e090ed
Notas