ADVOCACIA-GERAL DA UNIÃO
CONSULTORIA-GERAL DA UNIÃO
CÂMARA NACIONAL DE CONVÊNIOS E INSTRUMENTOS CÔNGENERES - CNCIC/DECOR/CGU
PARECER n. 00001/2021/CNCIC/CGU/AGU
NUP: 00405.023537/2016-61
INTERESSADOS: JURANDIR DA ROSA E OUTROS
ASSUNTOS: COBRANÇA E RECUPERAÇÃO DE CRÉDITOS
EMENTA: DIREITO ADMINISTRATIVO. CONVÊNIOS. CONSULTA SOBRE A INCLUSÃO DE CLÁUSULA DE RESPONSABILIZAÇÃO SUBSTITUTIVA DOS AGENTES POLÍTICOS OU REPRESENTANTES LEGAIS DOS MUNICÍPIOS. IMPOSSIBILIDADE.
I - A responsabilidade dos agentes públicos na gestão de recursos públicos: qualquer que seja a esfera de apuração, a responsabilidade dos agentes públicos é subjetiva e pressupõe a observância de um rito específico previsto em lei, garantido o contraditório e ampla defesa;
II - A responsabilização nos ajustes públicos de natureza convenial comporta, ao menos, as seguintes acepções: (i) aquela decorrente do descumprimento das obrigações do instrumento, com repercussão na esfera jurídica do ente político convenente (sanções); (ii) aquela decorrente do proveito pela aplicação irregular dos recursos federais, podendo alcançar o ente político diretamente (imputação de débito); (iii) aquela decorrente de ilícito na sua execução, podendo alcançar tanto o(s) gestor(es) público(s) responsáveis pelas irregularidades ou omissões, de forma solidária, independente de ser(em) o(s) subscritor(es) do convênio, quanto os particulares que tenham concorrido ou se beneficiado do fato danoso (imputação de débito e/ou sanções das esferas cabíveis);
III - Não obstante a previsão normativa de rito específico para apurar a responsabilidade do agente político no que se refere aos danos a ele imputados decorrentes da não aprovação da prestação de contas no âmbito dos processos em que há dispensa da instauração de tomada de contas especial, não se tem como resultado imediato da referida apuração a força de título executivo da decisão no âmbito administrativo, por ausência de previsão legal, tampouco a possibilidade de inscrição em dívida ativa em face dos representantes legais dos Municípios, porque não integram a relação jurídica do convênio;
IV - Tem-se que a impossibilidade de inscrição em dívida ativa dos agentes públicos nos convênios decorre da ausência de dispositivo legal específico que a autorize expressamente, uma vez que, conforme jurisprudência remansosa do Superior Tribunal de Justiça, o ilícito extracontratual deve ser previamente apurado pela via judicial, porque não há certeza da existência de uma relação jurídica que dê ensejo ao crédito. Daí ressai a proposta de inserção de cláusula que permita a responsabilização substitutiva e pessoal dos titulares dos referidos entes Municípios, a fim de criar vínculo contratual (sentido amplo) com os possíveis responsáveis;
o princípio da relatividade dos contratos, aplicado, supletivamente, aos convênios; a duas por colide com o princípio constitucional da impessoalidade, bem como desnatura a teoria do órgão, uma vez que não se cogita admitir que o agente público pratique atos de vontade em nome do Poder Público e, ao mesmo tempo, assuma obrigações em nome próprio; e V - Impossibilidade de acolhimento da cláusula proposta diante da potencial objetivação da responsabilidade do agente e da extensão dos efeitos obrigacionais do ajuste de forma indevida, a uma porque afronta
VI - O ordenamento jurídico dispõe de normas e mecanismos para alcançar a devida reparação dos agentes públicos no caso de ações ou omissões que resultem em prejuízo ao erário, contando com ritos de apuração e exigibilidade na esfera de controle da atividade financeira (tomada de contas especial), na esfera cível (ação de improbidade ou ação de regresso), no estatuto jurídico dos servidores (reposições ou indenizações após processo administrativo, com possibilidade de inscrição em dívida ativa, ou mesmo ação de reparação) e na esfera penal (ação penal culminada com reparação de danos), sem prejuízo de outras que não tenham sido aqui abordadas.
Trata-se de consulta submetida a esta Câmara Nacional de Convênios e Instrumentos Congêneres acerca da possibilidade de inserção nos instrumentos de convênio de cláusula específica que permita a responsabilização substitutiva e pessoal dos agentes políticos ou representantes legais dos Municípios, formulada pela Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional no bojo do Parecer SEI nº 26/2018/PGDAU-CDA-NOAN, da lavra do Procurador da Fazenda Nacional Rodrigo Sampaio Correia.
Com o intuito de contextualizar a questão ora submetida, faz-se necessário esclarecer duas situações: a primeira delas relacionada ao início e desdobramento do processo administrativo em epígrafe, a segunda referente às circunstâncias fáticas que levaram à emissão do parecer supramencionado da PGFN.
Pois bem, o presente processo teve início a partir de provocação da Procuradoria-Seccional da União em Varginha/MG, a qual formulou questionamento à Procuradoria-Geral da União acerca do ajuizamento de ações de ressarcimento nos casos em que há apuração concomitante pelo Tribunal de Contas da União. Tratava-se de demanda com o objetivo de evitar conflito de atuação por parte da AGU, proporcionar maior segurança jurídica à recuperação de ativos, além de evitar eventual condenação em honorários, no caso de sentença de improcedência na ação de ressarcimento.
Na oportunidade, a Coordenação-Geral de Créditos e Precatórios da Procuradoria-Geral da União analisou a questão sob vários aspectos, aproveitando o ensejo para definir a estratégia de atuação da União em relação (i) aos processos administrativos que apurem dano ao erário não passíveis de instauração de TCE (valor inferior a R$ 100.000,00); (ii) aos procedimentos de tomada de contas especiais encaminhados pela CGU (valores acima de R$500.000,00); e (iii) aos acórdãos que imputem débito a responsáveis, quando há demanda judicial visando ao ressarcimento ao erário em razão dos mesmos fatos. O Parecer nº 025/2017/PGU/AGU estabeleceu parâmetros de atuação aos órgãos de execução da PGU, opinando pelos seguintes encaminhamentos:
3.4 ENCAMINHAMENTOS
78. Por todo exposto, sugere-se a expedição de ofício ao TCU e à CGU, para que sejam comunicados de que os órgãos de execução da PGU não ingressarão mais com ações de ressarcimento quando houver apuração concomitante dos fatos pelo TCU, conforme princípios da eficiência e economia processual, o que reforça a necessidade de exercício mais constante da competência de decretação de indisponibilidade de bens pelo TCU, de acordo com art. 44, §2º, da Lei 8.443/92, ou que essa Corte solicite à AGU para que seja requerida em juízo o bloqueio de bens por meio da cautelar antecedente, nos termos do art. 61 da Lei 8.443/1992, ou a adoção de outras medidas de natureza cautelar, a fim de garantir a futura ação de execução do acórdão do TCU, conforme Parecer nº 89/2014-EMLPO-EAO/DPP/PGU/AGU, de 08/09/2014.
79. Solicita-se ainda a abertura de tarefa à Consultoria-Geral da União para que:
a) oriente as respectivas Consultorias Jurídicas sobre a necessidade de somente encaminhar os processos administrativos para apuração do dano e cobrança dos responsáveis, quando for dispensada a instauração da TCE por valor abaixo de R$ 100.000,00, conforme art. 6º da IN TCU 71/2012, somente com a devida instrução probatória, devendo ser considerada por analogia o art. 10 da Instrução Normativa TCU nº 71/2012 e o modelo de Relatório do Tomador de Contas Especial, previsto na Portaria nº 807, de 25 de abril de 2013, da CGU, a fim de que haja uma padronização nesses processos a serem encaminhados aos órgãos de execução da PGU, o que viabiliza uma atuação judicial mais consistente por estes órgãos;
b) avalie, na elaboração das minutas de contratos e convênios, a inserção de cláusulas que garantam a eficácia de título executivo extrajudicial aos aludidos acordos, de forma a tornar mais eficiente a cobrança dos créditos pelos órgãos de execução da Procuradoria-Geral da União.
No contexto da análise acerca dos processos de cobranças de débitos encaminhados diretamente pela autoridade administrativa à PGU (item 2 do Parecer nº 025/2017/PGU/AGU), constatou-se que não há previsão expressa nos instrumentos de convênio quanto à eventual responsabilidade dos agentes públicos que, por dolo ou culpa, derem causa a prejuízo causado ao erário. Dessa forma, o Parecer em referência sugeriu submeter à Consultoria-Geral da União consulta sobre "a possibilidade de aprimoramento das cláusulas das minutas para reforçar a possibilidade de constituição imediata do título executivo na forma do art. 784, II, do CPC".
O processo foi então submetido ao Departamento de Coordenação e Orientação de Órgãos Jurídicos - DECOR, que entendeu pela necessidade de colher as manifestações da Consultoria Jurídica junto ao Ministério do Planejamento, Desenvolvimento e Gestão e da Assessoria Jurídica junto à Controladoria-Geral da União, antes da análise de mérito, conforme Cota n.º 65/2017/DECOR/CGU/AGU, aprovada pelo Despacho nº 163/2017/CAPS-Decor/CGU/AGU e Despacho n. 00167/2017/DECOR/CGU/AGU.
Em resposta, a Secretaria de Gestão do Ministério do Planejamento, Desenvolvimento e Gestão expediu a Nota Técnica nº 8771/2017-MP, informando que o Ministério da Transparência, Fiscalização e Controladoria-Geral da União já vem adotando providências para tratar do assunto em questão, dentre as quais a elaboração de minuta de portaria para definir as regras e diretrizes a serem adotadas pelos Órgãos Concedentes nos casos de débitos relativos a valores inferiores a R$ 100.000,00 (cem mil reais) referentes a convênios e contratos de repasse. Não houve pronunciamento complementar acerca da questão em exame.
Já o Ministério da Transparência, Fiscalização e Controladoria-Geral da União, por meio do Despacho S/N da Coordenação-Geral de Auditoria de Pessoal e Tomada de Contas Especial - CGPTCE, informou que "Para processos inferiores a R$ 100.000,00, o TCU, em parceria com esta CGU, criou o e-TCE, sistema eletrônico de inserção das TCE. Para normatizar esta atividade, o TCU editou a Portaria n.º 122/2018 (cópia anexa), criando o Cadastro de Débitos, para inserção de débitos inferiores ao limite de R$ 100.00,00".
Novamente os autos seguiram para o Departamento de Coordenação e Orientação de Órgãos Jurídicos - DECOR, que se manifestou pela necessidade de esclarecimentos adicionais da Procuradoria-Geral da União, conforme teor da NOTA n.º 197/2018/DECOR/CGU/AGU, aprovada pelo Despacho nº 683/2017/Decor/CGU/AGU e Despacho n° 17023/2018/PGU/AGU. Acerca da referida manifestação jurídica, confira-se o questionamento formulado:
7. Inicialmente, observa-se que as Consultorias Jurídicas junto aos Ministérios do Planejamento, Desenvolvimento e Gestão e da Transparência e Controladoria-Geral da União não enviaram manifestações conclusivas que possam auxiliar no enfrentamento aos itens "a" e "b" do § 79 do Parecer n.º 25/2017/PGU/AGU.
8. De qualquer modo, há duas questões que impedem, neste momento, uma análise de mérito por parte deste DECOR.
9. Em primeiro lugar, a padronização requerida pela Procuradoria-Geral da União certamente sofreu reflexos após a emissão do Parecer PGFN/CDA Nº 885/2017 e do E-Mail Circular n.º 013/2018, o que deve ser esclarecido.
10. O segundo ponto que merece exame por parte da Procuradoria-Geral da União diz respeito à recomendação de inserção de cláusula específica em convênios e contratos administrativos com o escopo de lhes garantir eficácia de títulos executivos extrajudiciais.
11. Há dúvidas sobre como tal cláusula poderia facilitar a demonstração da liquidez do crédito perseguido pela União. E, nesse caso, vale recomendar que a Procuradoria-Geral da União apresente minuta da cláusula vislumbrada para que possível alteração possa, de fato, atender aos objetivos imaginados pelo contencioso.
12. Entender a real intenção da cláusula sugerida é fundamental para a fixação dos procedimentos administrativos e judicias que garantam o ressarcimento ao erário da forma mais eficiente possível.
13. Ante o exposto, sugere-se a manifestação da Procuradoria-Geral da União sobre os pontos abordados nos §§ 9 a 12 da presente nota. (Grifo nosso)
A Coordenação-Geral de Recuperação de Ativos da PGU, por meio da NOTA n. 03845/2018/PGU/AGU, aprovada pelo Despacho n. 17259/2018/PGU/AGU e Despacho n. 17277/2018/PGU/AGU, consignou a ausência de interesse nas providências solicitadas no item 79 do Parecer n.º 25/2017/PGU/AGU, em razão da mudança no contexto fático, conforme transcrição a seguir:
2. O Parecer n.º 25/2017/PGU/AGU foi elaborado a partir da premissa de que a PGFN não atuaria na cobrança dos créditos inferiores a R$ 100.000,00 (cem mil reais), diante do indicativo de manifestações exaradas pelo órgão quanto à impossibilidade de inscrição em dívida ativa, como, por exemplo, na NOTA/PGFN/CDA Nº 819/2015, que havia concluído pela ilegalidade da inscrição de débitos oriundos do Programa de Subsídio à Habitação de Interesse Social.
3. Para aumentar a eficiência na recuperação dos referidos créditos, o item 79 do Parecer n.º 25/2017/PGU/AGU solicitou à Consultoria-Geral da União que:
a) oriente as respectivas Consultorias Jurídicas sobre a necessidade de somente encaminhar os processos administrativos para apuração do dano e cobrança dos responsáveis, quando for dispensada a instauração da TCE por valor abaixo de R$ 100.000,00, conforme art. 6º da IN TCU 71/2012, somente com a devida instrução probatória, devendo ser considerada por analogia o art. 10 da Instrução Normativa TCU nº 71/2012 e o modelo de Relatório do Tomador de Contas Especial, previsto na Portaria nº 807, de 25 de abril de 2013, da CGU, a fim de que haja uma padronização nesses processos a serem encaminhados aos órgãos de execução da PGU, o que viabiliza uma atuação judicial mais consistente por estes órgãos;
b) avalie, na elaboração das minutas de contratos e convênios, a inserção de cláusulas que garantam a eficácia de título executivo extrajudicial aos aludidos acordos, de forma a tornar mais eficiente a cobrança dos créditos pelos órgãos de execução da Procuradoria-Geral da União.
4. Posteriormente, o Tribunal de Contas da União implementou o sistema E-TCE, criado para permitir a instauração, a tramitação e a autuação de processos de tomada de contas especial (TCE), bem como o cadastramento de débitos resultantes de dispensa de instauração de TCE, nos termos do art. 6º, incisos I e II, da IN-TCU nº 71, de 28 de novembro de 2012, e § 4º do art. 11 da DN-TCU nº 155/2016. Nesse sentido, o próprio sistema determinou a padronização nos documentos e nos relatórios de encaminhamento para ajuizamento das ações, seja pela PGU, seja pela PGFN.
5. Tendo em vista a força normativa da Portaria TCU nº 122/2018, que instituiu o E-TCE, tornando a instauração dos procedimentos obrigatória para os órgãos da administração pública federal pelo sistema, não há necessidade de atuação da Consultoria-Geral da União na uniformização de procedimentos de cobrança, uma vez que já foram definidos os parâmetros pelo TCU.
6. Além disso, posteriormente à elaboração do referido parecer, a PGFN modificou substancialmente o seu entendimento quanto à possibilidade de inscrição em dívida ativa de débitos não tributários, como analisado por esta PGU nos seguintes procedimentos:
a) NUP: 00405.029445/2017-75: o PARECER/PGFN/CDA Nº 860/2017 reconhece que os débitos cujos valores sejam inferiores a R$ 100.000,00 (cem mil reais), não sujeitos à instauração de Tomada de Contas Especial - TCE, decorrentes do dever de ressarcimento relacionados a contratos para operacionalização do Programa de Subsídios à Habitação de Interesse Social (PSH), devem ser inscritos em Dívida Ativa da União;
b) NUP 00405.011301/2017-62: o PARECER/PGFN/CDA Nº 885/2017 reconhece que os débitos cujos valores sejam inferiores a R$ 100.000,00 (cem mil reais), decorrentes de contratos, convênios ou instrumentos similares - a exemplo de contratos de repasse -, devem ser inscritos em Dívida Ativa da União; e
c) NUP 25000.097667/2015-32: a NOTA PGFN/CDA Nº 1301/2017 reconhece que os valores apurados em processo de auditoria do Programa Farmácia Popular, não sujeitos a instauração de Tomada de Contas Especial, conforme valores de alçada definidos pelo TCU, são passíveis de inscrição em DAU e execução fiscal por parte da PGFN.
7. Diante da possibilidade de inscrição dos referidos débitos em dívida ativa, não há necessidade de sustentar que os contratos e convênios teriam eficácia de título executivo extrajudicial, superando-se, dessa forma, a estratégia processual de cobrança dos créditos que havia sido construída no Parecer n.º 25/2017/PGU/AGU. Por tais motivos, entendo que não há necessidade na alteração das cláusulas de convênios, como solicitado, salvo entendimento diverso da PGFN, que reconheceu sua competência para a cobrança dos referidos créditos.
8. Ressalto que a Coordenação Anticorrupção da CGU/DEAEX, em conjunto com a PGU, TCU, PGFN e os órgãos administrativos, está coordenando esforços para a criação de mecanismos que permitam a identificação de atos de improbidade administrativa nos débitos inferiores a R$ 100.000,00 por meio das Consultorias Jurídicas. Ademais, estão sendo avaliadas eventuais limitações na inscrição dos créditos em dívida ativa, tal como a cobrança de terceiros responsáveis que não fizeram parte da formação do contrato administrativo ou do convênio, que podem atrair a competência subsidiária da PGU para cobrança dos créditos.
9. Nesse sentido, eventuais demandas que surjam desse trabalho no tocante à padronização e alteração de cláusulas ainda devem ser avaliadas e podem ser encaminhadas diretamente pela Coordenação Anticorrupção da CGU/DEAEX, sem que haja, por parte deste DPP, interesse no atendimento à solicitação do item 79 do Parecer n.º 25/2017/PGU/AGU.
10. Pelo exposto, opino pela ausência de interesse nas providências solicitadas no item 79 do Parecer n.º 25/2017/PGU/AGU, em razão da mudança no quadro fático e no trabalho desenvolvido pela Coordenação Anticorrupção da CGU/DEAEX.
Verifica-se que a partir da elaboração do PARECER/PGFN/CDA Nº 885/2017, a PGFN reconheceu a possibilidade de inscrição em Dívida Ativa da União dos débitos decorrentes de contratos, convênios ou instrumentos similares de valor inferior a R$ 100.000,00 (cem mil reais). Com isso, a Procuradoria-Geral da União opinou pela desnecessidade de os contratos e convênios terem eficácia de título executivo extrajudicial "superando-se, dessa forma, a estratégia processual de cobrança dos créditos que havia sido construída no Parecer n.º 25/2017/PGU/AGU.", tendo sido o processo administrativo arquivado.
Ocorre o Parecer SEI nº 26/2018/PGDAU-CDA-NOAN trouxe nova provocação sobre o tema, conforme narrado a seguir.
Como desdobramento da modificação do entendimento da Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional quanto à possibilidade de inscrição em dívida ativa de tais débitos não tributários, a Procuradoria-Geral da União confeccionou o E-MAIL CIRCULAR 013/2018 (Seq. 35), com os procedimentos quanto aos pedidos de ajuizamento de ações de ressarcimento recebidos pelos órgãos de execução da PGU, são eles:
a) As ações de ressarcimento já ajuizadas continuará a ser conduzidas pelos órgãos da PGU;
b) Caso ainda não tenha sido ajuizada ação de ressarcimento, o processo deverá ser restituído ao órgão de origem, informando que se trata de crédito passível de inscrição em DAU, fazendo-se remissão ao PARECER/PGFN/CDA N° 885/2017, para que verifiquem se a apuração de crédito observou os requisitos definidos na Cartilha aos Órgãos de Origem, editada pela PGFN e disponível em http://www.pgfn.fazenda.gov.br/assuntos/divida-ativa-da-uniao/orgaos-envolvidos/cartilha_orgaos-de-origem.pdf;
c) A providência indicada na alínea "b" não impede a análise acerca da eventual prática de ato de improbidade administrativa, com o consequente ajuizamento das ações cabíveis pelos órgãos de execução da PGU, devendo-se, apenas, no momento da execução do julgamento, verificar se houve ajuizamento de execução da CDA por parte da PFN, evitando cobrança em duplicidade;
d) Havendo execução concomitante de CDA e título executivo formado em ação de improbidade administrativa, decorrentes do mesmo contrato/convênio/repasse, devem ser compensados os valores pagos nas respectivas ações, a título de ressarcimento do encargo legal, previsto no art. 1° do Decreto-lei n° 1.025, de 21 de outubro de 1969 e da multa civil, aplicada com base na Lei n° 8.429, de 2 de junho de 1992.
Tomando por base o quanto dito e ainda no contexto deste processo, o Ministério da Saúde encaminhou à PGFN os autos do procedimento administrativo registrado sob o NUP 25018.004671/2016-57, que trata de irregularidades constatadas na execução do Convênio n° 1385/2002, firmado entre a Prefeitura Municipal de Frei Martinho e o MS, cujo objeto era a aquisição de Unidade Móvel de Saúde.
A análise do caso foi empreendia pela Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional por meio do Parecer SEI nº 26/2018/PGDAU-CDA-NOAN, tendo sido firmado entendimento em aparente contradição ao que foi definido no PARECER/PGFN/CDA Nº 885/2017, confira-se os principais pontos da manifestação:
1. Trata-se do Ofício nº 00084/2018/CONJUR-MS/CGU/AGU em que a Consultoria Jurídica junto ao Ministério da Saúde encaminhou para esta Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN) os autos do Procedimento Administrativo registrado sob o NUP 25018.004671/2016-57, que, como posto, “versam sobre irregularidades constatadas na execução do Convênio nº 1385/2002, firmado entre a Prefeitura Municipal de Frei Martinho e o Ministério da Saúde, cujo objeto era a aquisição de Unidade Móvel de Saúde.”
2. Pelo que pudemos inferir, o encaminhamento do procedimento em epígrafe encontra esteio na Nota nº 00695/2018/PGU/AGU, onde a Procuradoria-Geral da União (PGU), em análise de semelhante caso concreto, entendeu que os valores decorrentes do descumprimento do convênio em epígrafe poderiam ser inscritos em Dívida Ativa da União diretamente em face de agente político do Município – Prefeito.
(...)
4. De observa-se que a Consultoria Jurídica junto ao Ministério da Saúde, acolhendo orientação exarada pela Procuradoria-Geral da União (PGU) – E-mail Circular nº 013/2018 – determinou o encaminhamento dos autos do Procedimento Administrativo registrado sob o NUP 25018.004671/2016-57 para fins de inscrição de valores em Dívida Ativa da União e cobrança por esta Procuradoria.
5. Ao que nos parece, a Procuradoria-Geral da União (PGU), interpretando as conclusões exaradas por esta Coordenação-Geral no Parecer PGFN/CDA nº 885/2017, entendeu que os valores decorrentes do descumprimento de convênios firmados entre a União e Municípios, especialmente se inferiores a R$100.000,00 (cem mil reais), poderiam ser inscritos em Dívida Ativa da União diretamente em face dos seus agentes políticos ou representantes legais.
6. Não nos parece que possa ser assim, entretanto. Outrossim, de primeiro, calha recapitularmos o que restou efetivamente enfrentado, expendido e alfim concluído no Parecer PGFN/CDA nº 885/2017.
7. Pois bem. Insta destacarmos que o caso concreto analisado no Parecer PGFN/CDA nº 885/2017 dizia respeito a possibilidade desta Procuradoria inscrever em Dívida Ativa da União créditos decorrentes do descumprimento de convênio firmado entre a União e entidade do terceiro setor, Organização da Sociedade Civil de Interesse Público (OSCIP).
8. Na oportunidade, com fulcro na legislação de regência – art. 39 e parágrafos da Lei nº 4.320/1964; art. 1º, II, do Decreto-Lei nº 147/1967; art. 2º e parágrafos da Lei nº 6.830/1980; e art. 116 da Lei nº 8.666/1993 –, bem ainda em orientação outrora exarada por esta Coordenação-Geral – Parecer PGFN/CDA nº 723/2004 –, afiançamos que os créditos decorrentes do descumprimento de contratos entabulados com a União deveriam ser equiparados aos convênios. Outrossim, na hipótese analisada, também os créditos decorrentes de convênios firmados entre a União e OSCIP deveriam, indubitavelmente, ser inscritos em Dívida Ativa da União.
9. Ademais, em atenção ao disposto no art. 3º da Lei nº 8.443/1992, complementado pelo disposto no art. 6º, I, e no art. 7º, III, da Instrução Normativa – TCU nº 71/2012, com redação dada pela Instrução Normativa – TCU nº 76, de 23 de novembro de 2016 –, reiteramos, afinal, orientação consignada no Parecer PGFN/CDA nº 561/2017: “não sendo hipótese de instauração e remessa de Tomada de Contas Especial ao Tribunal de Contas da União, em virtude do valor do débito, será cabível a inscrição em DAU (...)”
10. Portanto, linha de resumo, no Parecer PGFN/CDA nº 885/2017 restou afiançado que: (i) forte na legislação de estilo, bem como em orientação outrora expendida por esta Coordenação-Geral, os créditos decorrentes do descumprimento de convênios avençados entre entidade do terceiro setor – OSCIP – e a União deveriam ser inscritos em Dívida Ativa da União e cobrados por esta PGFN; e (ii) não sendo o caso de remessa da questão para o Tribunal de Contas da União (TCU) para, em razão do valor do débito, instauração de tomada de contas especial, seria possível a sua inscrição em Dívida Ativa da União, conforme posição consignada no Parecer PGFN/CDA nº 561/2017.
11. No Parecer PGFN/CDA nº 561/2017, a que fizemos alusão no Parecer PGFN/CDA nº 885/2017, a decisão de proceder a inscrição em Dívida Ativa da União em razão do valor – insuficiente para autorizar a instauração e remessa de Tomada de Contas Especial para o Tribunal de Contas da União (TCU) – teve como base legal a avença contratual firmada entre a União e a pessoa jurídica privada, prestadora do serviço.
12. De observar-se, portanto, que, em nenhum momento, tratou esta Coordenação-Geral da possibilidade de realizamos a inscrição em Dívida Ativa da União e cobrança de valores decorrentes do descumprimento de convênios firmados com a União diretamente contra agentes políticos ou representantes legais dos Municípios.
13. Tanto no Parecer PGFN/CDA nº 885/2017, como no Parecer PGFN/CDA nº 561/2017, a inscrição de valores em Dívida Ativa da União restou autorizada apenas em face de entidade convenente – OSCIP – e contratada – pessoa jurídica de direito privado –, respectivamente. Jamais diretamente contra os seus representantes legais.
14. Vê-se, outrossim, que as hipóteses narradas tanto no Ofício nº 00084/2018/CONJUR-MS/CGU/AGU, quanto na Nota nº 00695/2018/PGU/AGU, ora sob apreciação, não se coadunam com as orientações exaradas por esta Coordenação-Geral nos Pareceres PGFN/CDA nº 885/2017 e PGFN/CDA nº 561/2017.
15. Feitas tais considerações, persiste, de qualquer forma, a dúvida: Afinal os créditos decorrentes do descumprimento de convênios firmados com a União podem, de fato, ser inscritos em Dívida Ativa da União diretamente contra os agentes políticos ou representantes legais dos Municípios? Esta a quaestio iuris que este opinativo se propõe a resolver.
(...)
44. Temos para nós que tal medida se revela, na pior das hipóteses, inefetiva. Tendo sido apurado, em prévio processo administrativo, que a indevida aplicação de recursos, objeto do convênio, decorreu de culpa de agente político ou representante legal do Município, acreditamos que a União deverá se voltar apenas contra este último. Para tanto, pelas razões já expendidas, deverá se valer de outros meios de cobrança que não a inscrição do crédito em Dívida Ativa da União e o manejo da ação de execução fiscal.
45. A inscrição do crédito em Dívida Ativa da União em face do Município implicaria penalizá-lo duas vezes. Além de ter sido prejudicado pela incorreta aplicação dos recursos federais que lhe foram disponibilizados pela União, também teria que se sujeitar a ação de execução fiscal, a protesto da respectiva certidão de Dívida Ativa, a inclusão do seu nome nos órgãos de proteção ao crédito, a negativa de expedição de certidão negativa de débitos, entre outras gravosas consequências.
46. Por outro lado, a ação de execução fiscal que seria ajuizada em face do Município deveria, obrigatoriamente, seguir o rito estipulado no art. 910 e parágrafos do Código de Processo Civil. Obstada a penhora de bens públicos e julgados improcedentes os embargos à execução – que certamente seriam manejados pelo Município –, restaria a União se sujeitar ao regime de pagamento mediante expedição de precatório.
47. Após alguns longos anos de litígio, eventualmente poderia o Município propor ação regressiva em face do seu agente político ou representante legal. É claro que tal medida se revela antieconômica – caput do art. 70 da Constituição Federal – e contrária ao tão propalado princípio da eficiência – caput do art. 37 da Constituição Federal.
48. Na prática, seja pela demora de todo trâmite descrito, seja pela falta de controle que tal acarretaria, apenas o patrimônio público municipal acabaria arcando com as consequências decorrentes da indevida aplicação dos recursos federais disponibilizados.
49. De conseguinte, uma vez que, nos moldes hoje adotados, a relação convenial conclusivamente se estabelece apenas entre a União e o Município, sugerimos que a Advocacia-Geral da União (AGU) verifique a possibilidade de inserção, em todos os termos ou instrumentos de convênio, de cláusula específica que permita, a partir de então, a responsabilização substitutiva e pessoal dos agentes políticos ou representantes legais dos Municípios.
50. Temos para nós que, desta maneira, os créditos decorrentes do descumprimento de convênios firmados com a União poderão, de fato, ser apurados e inscritos em Dívida Ativa da União diretamente em face dos agentes políticos ou representantes legais dos Municípios.
Dois pontos do opinativo merecem destaque: (i) a conclusão de que a inscrição na DAU da municipalidade seria inefetiva; e (ii) a impossibilidade de inscrição em dívida ativa dos agentes políticos ou representantes legais dos Municípios. Em relação ao primeiro ponto, tem-se que o despacho de aprovação do Procurador-Geral Adjunto de Gestão da Dívida Ativa da União e do FGTS determinou o envio do processo administrativo à unidade da PFN na Paraíba, para fins de análise e inscrição em dívida ativa em face do Município. No que se refere ao segundo ponto, analisando os limites subjetivos do ato de inscrição na DAU, a douta Procuradoria da Fazenda concluiu que a relação convenial se estabelece apenas entre a União e o Município, sugerindo: que a Advocacia-Geral da União (AGU) verifique a possibilidade de inserção, em todos os termos ou instrumentos de convênio, de cláusula específica que permita, a partir de então, a responsabilização substitutiva e pessoal dos agentes políticos ou representantes legais dos Municípios.
A referida manifestação acabou por suscitar dúvidas acerca de qual o entendimento prevaleceria na Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional. Em razão disso, a Coordenação-Geral de Defesa de Probidade - DPP/CGPRO expediu a NOTA n. 02776/2019/PGU/AGU (NUP: 25003.017194/2010-63, Sec. 13), solicitando remessa dos autos à PGFN com a finalidade de "apurar se estão realizando a inscrição em dívida ativa dos Municípios ou não, pois, sem prévio posicionamento da PGFN acerca do assunto, não há como a Procuradoria-Geral da União decidir por um fluxo diverso".
Ante à dúvida formulada pela PGU, a Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional efetivou a análise jurídica da questão por meio da Nota SEI nº 33/2019/PGDAU-CDA-NOAN/PGDAU-CDA/PGDAU/PGFN-ME (NUP: 25003.017194/2010-63, Sec. 17), esclarecendo que o Parecer SEI nº 26/2018/PGDAU-CDA-NOAN buscou esclarecer os lindes subjetivos do ato de inscrição na DAU. Nesse sentido o opinativo aduziu que "o ato administrativo de formação do título executivo extrajudicial, dados os poderes legalmente atribuídos a este órgão, somente comportam as partes das avenças firmadas pela União, não podendo desbordar a relação jurídica negocial para alcançar sujeitos a ela não formalmente vinculados.".
Dessa forma, restou claro que não houve revogação do Parecer PGFN/CDA nº 885, de 2017, mantido o entendimento, portanto, da possibilidade de inscrição em Dívida Ativa da União dos partícipes das relações jurídicas contratuais/conveniais descumpridas, com as seguintes ressalvas expostas na conclusão da Nota SEI nº 33/2019/PGDAU-CDA-NOAN/PGDAU-CDA/PGDAU/PGFN-ME:
(a) o caso concreto não se afeiçoe ao procedimento de tomada de contas especial, situação em que o TCU açambarcaria as atribuições de acertamento das obrigações e formaria título executivo extrajudicial a ser executado pela Procuradoria-Geral da União (PGU);
(b) o crédito de ressarcimento, se lastreado unicamente nas obrigações negociais, tenha sido constituído contra os partícipes do convênio e não contra terceiros estranhos à relação jurídica convenial.
É o relatório, passemos à análise jurídica da questão posta.
A questão jurídica endereçada a este colegiado diz respeito à possibilidade de inserção, em todos os termos ou instrumentos de convênio, de cláusula específica que permita, a partir de então, a responsabilização substitutiva e pessoal dos agentes políticos ou representantes legais dos Municípios, uma vez que a PGFN entende pela impossibilidade de sua inscrição em Dívida Ativa da União.
Para analisar tal questionamento algumas premissas precisam ser enfrentadas, são elas, a responsabilidade dos agentes públicos na gestão de recursos públicos, a responsabilidade de reparação nos ajustes públicos de natureza convenial, o rito para identificação dos responsáveis e quantificação dos danos fora da alçada do Tribunal de Contas da União e a teoria geral dos contratos: o princípio da relativização (res inter alios acta).
A intenção deste tópico é trazer à lume os regramentos que se relacionem com o ressarcimento ao erário de maneira mais abrangente possível, especificamente em relação à atuação dos agentes públicos na gestão dos recursos federais.
Em matéria de contas públicas, o dispositivo constitucional que trata genericamente do controle da atividade financeira é o art. 70, que dispõe: "A fiscalização contábil, financeira, orçamentária, operacional e patrimonial da União e das entidades da administração direta e indireta, quanto à legalidade, legitimidade, economicidade, aplicação das subvenções e renúncia de receitas, será exercida pelo Congresso Nacional, mediante controle externo, e pelo sistema de controle interno de cada Poder."
Nos termos do parágrafo único do mesmo artigo, a prestação de contas atingirá toda e qualquer pessoa física ou jurídica, pública ou privada, que, de alguma forma, lide com dinheiro público.
No âmbito da administração pública federal, o art. 93 do Decreto-lei n° 200/1967 impõe a boa e regular utilização dos recursos públicos, conforme as normas estabelecidas para tanto[1]. No mesmo sentido, o art. 66 do Decreto n° 93.872/1986 prevê que: "Quem quer que receba recursos da União ou das entidades a ela vinculadas, direta ou indiretamente, inclusive mediante acordo, ajuste ou convênio, para realizar pesquisas, desenvolver projetos, estudos, campanhas e obras sociais ou para qualquer outro fim, deverá comprovar o seu bom e regular emprego, bem como os resultados alcançados".
Dessa forma, tem-se claro que a comprovação adequada do destino dado aos recursos públicos federais é decorrente do disposto no parágrafo único, do art. 70, da Constituição Federal, bem assim do disposto no art. 93 do Decreto-Lei n. 200/1967 c/c o art. 66 do Decreto n. 93.872/1986.
Não se pode olvidar que um mesmo ato omissivo ou comissivo relacionado ao dever de prestar contas pode ter repercussão nas esferas administrativa, cível e penal. Antes, porém, é preciso elucidar a responsabilidade civil do Estado e de seus agentes no sistema constitucional vigente.
Pois bem, a Constituição Federal de 1988 trouxe a seguinte previsão quanto à responsabilidade civil do Estado, em seu art. 37, § 6.º:
As pessoas jurídicas de direito público e as de direito privado prestadoras de serviços públicos responderão pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros, assegurado o direito de regresso contra o responsável nos casos de dolo ou culpa.
Apesar de não ser o único dispositivo no ordenamento jurídico pátrio a tratar do assunto, certamente é o mais relevante para a análise do tema, pois consagra a adoção da responsabilidade objetiva do Estado. Isso porque, a norma constitucional se refere à ação causadora e ao efeito danoso, independentemente de qualquer aspecto de culpa do agente causador.
Do mesmo artigo é possível extrair que o agente estatal também poderá ser responsabilizado, mas em segundo plano, perante o Estado, no caso de ter agido com culpa ou dolo. A responsabilidade do agente estatal perante o Estado é, portanto, “subjetiva” – por culpa.
Nessa linha de raciocínio, lecionava Hely Lopes Meirelles[2] acerca da responsabilidade civil do servidor para com a Administração, que:
A responsabilidade civil é a obrigação que se impõe ao servidor de reparar o dano causado à Administração por culpa e dolo no desempenho de suas funções. Não há, para o servidor, responsabilidade objetiva ou sem culpa. A sua responsabilidade nasce com o ato culposo e lesivo e se exaure com a indenização.
No âmbito do controle da atividade financeira, não há dúvidas de que a responsabilidade dos administradores de recursos públicos, com base no art. 70, parágrafo único, da Constituição Federal, é de natureza subjetiva, seguindo a regra geral da responsabilidade civil ventilada acima. São precedentes do Tribunal de Contas da União nesse sentido os Acórdãos de n°s 6660/2015-Segunda Câmara; 2781/2016-Plenário; 4485/2020-Primeira Câmara.
Nesse contexto, são exigidos simultaneamente três pressupostos para a responsabilização, quais sejam: (i) o ato ilícito na gestão dos recursos públicos; (ii) a conduta dolosa ou culposa e; (iii) o nexo de causalidade entre o dano e o comportamento do agente. Há de ser investigado, ainda, se houve a ocorrência de alguma eventual excludente de culpabilidade, tal como a inexigibilidade de conduta diversa ou a ausência de potencial conhecimento da ilicitude.
Sobre o elemento volitivo, o Tribunal de Contas da União fixou o entendimento de que pode ser caracterizado mediante a presença de simples culpa stricto sensu, sendo desnecessária a caracterização de conduta dolosa ou má-fé do gestor para que ele seja instado a ressarcir os prejuízos que tenha causado ao erário (Acórdãos nºs 4485/2020-Primeira Câmara; 9004/2018-Primeira Câmara; 635/2017-Plenário; 2781/2016-Plenário, dentre outros), mas cujo resultado seja a violação dos deveres impostos pelo regime de direito público aplicável àqueles que administram recursos federais (Acórdãos nºs 6660/2015-Segunda Câmara; 6.479/2014 - Segunda Câmara; e 1.512/2015 - Plenário).
O processo que objetiva apurar responsabilidade por ocorrência de dano à administração pública federal é a Tomada de Contas Especial, no qual serão apurados os fatos, identificados os responsáveis e quantificado o dano causado ao erário, visando ao seu imediato ressarcimento.
O referido processo tem por base a conduta do agente público que agiu em descumprimento à lei ou deixou de atender ao interesse público, quando da omissão no dever de prestar contas, da não comprovação da aplicação de recursos, da ocorrência de desfalque, alcance, desvio ou desaparecimento de dinheiros, bens ou valores públicos, ou de prática de ato ilegal, ilegítimo ou antieconômico de que resulte dano à administração pública federal[3].
O julgamento de Tomada de Contas Especiais no âmbito federal é competência originária do TCU, conferida pela Constituição Federal em seu art. 71, inciso II, devendo ser instaurada somente quando, apurados os fatos, for constatado prejuízo aos cofres públicos e identificado(s) o(s) responsável(is) pelo dano e não houver êxito na recomposição ao Tesouro Nacional do dano causado ao erário. Isso porque, nos termos do art. 3º da IN/TCU nº 71/2012, constitui medida de exceção, devendo ser instaurada após esgotadas todas as medidas administrativas internas objetivando o ressarcimento do prejuízo ao Erário.
As medidas administrativas internas são aquelas com vistas à regularização de pendências ou reparação do dano no âmbito da prestação de contas dos instrumentos relativos às transferências de recursos da União.
Quando julgar as contas irregulares, havendo débito, o Tribunal condenará o responsável ao pagamento da dívida, podendo, ainda, aplicar-lhe multa, sendo que tal decisão terá eficácia de título executivo, nos termos do §3° do art. 71, da CF/88.
No que se refere à esfera cível, segundo estabelece o inciso VI do art. 11 da Lei nº 8.429/92, constitui ato de improbidade administrativa deixar de prestar contas quando a autoridade competente for obrigada a fazê-lo, caracterizando este um ato que atenta contra os princípios da Administração Pública.
Diferente do que ocorre na responsabilidade de reparação decorrente do disposto no parágrafo único, do art. 70 da Constituição Federal, a configuração dos atos de improbidade do art. 11, da Lei nº 8.429/92, pressupõem a má-fé ou o dolo genérico, conforme jurisprudência pacífica do Superior Tribuna de Justiça[4].
Dessa forma, para a configuração da hipótese do inciso VI do art. 11 da Lei nº 8.429/92, torna-se necessário: (a) ausência de regular prestação de contas; (b) dever do agente público em prestar contas; (c) dolo, vontade de não prestar contas; de igual modo, insuficiente a presença de simples negligência ou mero atraso.
Também os atos (ações ou omissões) que causam lesão ao erário, aqui entendida a perda patrimonial, desvio, apropriação, malbaratamento e a dilapidação do patrimônio público de forma ampla, podem caracterizar atos de improbidade, atraindo a incidência das hipóteses do art. 10 da Lei nº 8.429/92. Nesses casos, a lei estabelece que, para que seja reconhecida a tipificação da conduta do réu, é necessária a demonstração do elemento subjetivo consubstanciado pelo dolo ou pela culpa.
Ora, jamais poderá ser admitida, no caso de incidência da Lei de Improbidade Administrativa, uma responsabilidade objetiva, exigindo-se o elemento subjetivo (culpa ou dolo). Nesse prumo, a modalidade dolosa é comum a todos os tipos de improbidade administrativa, especificamente os atos que importem enriquecimento ilícito (art. 9.º), causem prejuízo ao erário (art. 10) e atentem contra os princípios da administração pública (art. 11), e a modalidade culposa somente incide por ato que cause lesão ao erário.
De acordo com o § 4º do art. 37 da CF/88, se a pessoa praticar um ato de improbidade administrativa, estará sujeita às sanções de suspensão dos direitos políticos, perda da função pública, indisponibilidade dos bens e ressarcimento ao erário. No que se refere ao ressarcimento ao erário, tal sanção somente poderá ser determinada por meio da respectiva ação de improbidade administrativa, ou por meio de ações autônomas para obtenção de ressarcimento ao patrimônio, como autoriza o § 2.º do art. 17 da LIA, todas manejadas perante o Poder Judiciário.
Na esfera administrativa federal, a Lei nº 8.112/90 estabelece duas situações em que o servidor poderá ser chamado a ressarcir os prejuízos causados ao erário. Na primeira, quando causar danos diretamente à Administração Pública. Na segunda, quando causar danos a terceiros no exercício da função pública.
Nas lições Rodrigo Bordalo[5], são as chamadas reposições ou indenizações ao erário. A reposição consiste na devolução da quantia recebida a maior pelo agente público e decorre de uma cláusula geral prevista no Código Civil, segundo a qual “todo aquele que recebeu o que lhe não era devido fica obrigado a restituir” (art. 876). Já a indenização envolve o ressarcimento de um dano causado ao erário e encontra fundamento legal genérico no art. 927 do Código Civil: “Aquele que, por ato ilícito (arts. 186 e 187), causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo.”.
Em qualquer um dos casos a responsabilidade civil do servidor público perante a Administração é, como dito, subjetiva e depende da prova da existência do dano, do nexo de causalidade entre a ação e o dano e da culpa ou do dolo da sua conduta, conforme inteligência do art. 122 da Lei nº 8.112/90 e do art. 37, § 6º, da Constituição Federal.
Sobre o tema, é preciso mencionar que o pleno do Supremo Tribunal Federal, apreciando o tema n° 940 da repercussão geral[6], fixou a seguinte tese:
A teor do disposto no art. 37, § 6º, da Constituição Federal, a ação por danos causados por agente público deve ser ajuizada contra o Estado ou a pessoa jurídica de direito privado prestadora de serviço público, sendo parte ilegítima para a ação o autor do ato, assegurado o direito de regresso contra o responsável nos casos de dolo ou culpa”
A tese do Ministro Relator Marco Aurélio restou vencedora sob o argumento de que "Consoante o dispositivo, a responsabilidade do Estado ocorre perante a vítima, fundamentando-se nos riscos atrelados às atividades que desempenha e na exigência de legalidade do ato administrativo. A responsabilidade subjetiva do servidor é em relação à Administração Pública, de forma regressiva.". Nesse prumo, prossegue o Relator, "A Constituição Federal preserva tanto o cidadão quanto o agente público, consagrando dupla garantia".
Na hipótese de dano causado à Administração Pública, prevê o art. 46 da Lei nº 8.112/90 que a indenização do prejuízo financeiro causado pelo servidor poderá ocorrer ainda no âmbito administrativo, mediante desconto autorizado do valor devido em folha de pagamento, após regular processo administrativo, cercado de todas as garantias de defesa do servidor, conforme prevê o art. 5º, inciso LV, da Constituição Federal.
O servidor em débito com o erário, que for demitido, exonerado ou que tiver sua aposentadoria ou disponibilidade cassada, terá o prazo de 60 (sessenta) dias para quitar o débito. A não quitação do débito no prazo previsto implicará sua inscrição em dívida ativa para cobrança por meio de ação de execução judicial, conforme estabelece o parágrafo único do art. 47, da Lei n° 8.112/90.
Ocorre que a hipótese prevista no art. 46 é autorizativa, ou seja, depende de haver concordância do servidor público. Se não houver, contudo, sua expressa anuência, é necessário o ajuizamento de ação judicial pela Administração com a finalidade de, apurada sua responsabilidade civil subjetiva, condená-lo a ressarcir o prejuízo causado ao erário.
Sobre o tema, segue o escólio de Hely Lopes Meirelles[7] no que concerne à reposição pelo servidor feita na esfera administrativa:
Em qualquer caso, é necessária a concordância do responsável, porque a Administração não pode lançar mãos dos bens de seus servidores, nem gravar unilateralmente seus vencimentos, para ressarcir-se de eventuais prejuízos. Faltando-lhe esta aquiescência, deverá recorrer às vias judiciais, quer propondo ação de indenização contra o servidor, quer executando a sentença condenatória do juízo criminal ou a certidão da dívida ativa.
O referido entendimento já foi acolhido pelo Superior Tribunal de Justiça, por ocasião do julgamento, pela colenda Quinta Turma, do Recurso Especial 669.953/RJ, da relatoria do Ministro Felix Fisher:
ADMINISTRATIVO. SERVIDOR PÚBLICO. RESPONSABILIDADE CIVIL. DANOS AO ERÁRIO. RESTITUIÇÃO. SINDICÂNCIA. PROCEDIMENTO ADMINISTRATIVO. IMPOSSIBILIDADE. PROCESSO JUDICIAL. VIA ADEQUADA
O Estatuto do Servidores Públicos prevê a responsabilização civil do servidor público, quando este causar prejuízo ao erário ou a terceiros, porém, a via adequada para apuração do dano causado e conseqüente aplicação da pena de restituição do prejuízo deve ser o processo judicial regular. Recurso não conhecido." (REsp 669953/RJ, Rel. Ministro FELIX FISCHER, QUINTA TURMA, julgado em 16/11/2004, DJ 06/12/2004, p. 362)
Cabe trazer à baila também precedente do Pleno do Supremo Tribunal Federal, em que se estabeleceu a necessidade, ante a falta de concordância do servidor, de propositura de ação de indenização pela Administração para a confirmação do ressarcimento apurado na esfera administrativa:
"Mandado de Segurança. 2. Desaparecimento de talonários de tíquetes-alimentação. Condenação do impetrante, em processo administrativo disciplinar, de ressarcimento ao erário do valor do prejuízo apurado. 3. Decisão da Mesa Diretora da Câmara dos Deputados de desconto mensais, em folha de pagamento, sem a autorização do servidor. 4. Responsabilidade civil de servidor. Hipótese em que não se aplica a auto-executoriedade do procedimento administrativo. 5. A Administração acha-se restrita às sanções de natureza administrativa, não podendo alcançar, compulsoriamente, as conseqüências civis e penais. 6. À falta de prévia aquiescência do servidor, cabe à Administração propor ação de indenização para a confirmação, ou não, do ressarcimento apurado na esfera administrativa. 7. O Art. 46 da Lei no 8.112, de 1990, dispõe que o desconto em folha de pagamento é a forma como poderá ocorrer o pagamento pelo servidor, após sua concordância com a conclusão administrativa ou a condenação judicial transitada em julgado. 8. Mandado de Segurança deferido." (MS 24.182/DF, Plenário, DJ de 03/09/2004, p. 9, Rel. Min. MAURÍCIO CORRÊA.)
A responsabilidade do servidor na esfera penal deve ser definida pelo Poder Judiciário, com a aplicação das respectivas sanções cabíveis, que poderão ser, conforme o caso, privação de liberdade, restrição de direitos ou multa (art. 32, incisos I, II e III, do Código Penal). Nessa esteira, cabe apenas lembrar que é possível ao juiz, no momento de proferir a sentença condenatória, fixar valor mínimo para reparação dos danos causados pela infração, considerando os prejuízos sofridos pelo ofendido, nos termos do inciso IV, do art. 387, do Código de Processo Penal
Por fim, de acordo com as circunstâncias do caso concreto, as sanções administrativas, civis e penais poderão ser aplicadas de forma independente, sem que se considere dupla ou tripla punição para o mesmo fato irregular (princípio do “non bis in idem”).
Traçado o panorama acerca da responsabilidade dos agentes públicos na gestão de recursos públicos, convém destacar que, qualquer que seja a esfera de apuração, a responsabilidade dos agentes públicos é subjetiva e pressupõe a observância de um rito específico previsto em lei, garantido o contraditório e ampla defesa. Passemos agora a avaliar a responsabilidade de reparação nos ajustes de natureza convenial, conforme tópico a seguir.
É cediço que existem várias espécies de convênios administrativos, mas, ao que importa para a análise da questão, abordaremos apenas os convênios administrativos de cooperação federativa, celebrados entre entidades públicas, entes federados, bem como entidades da administração direta e indireta.
O modelo federativo vigente estabelece a possibilidade de gestão associada entre os entes federados nos diversos níveis de governo (União, Estados, Distrito Federal e Municípios). A Constituição Federal de 1988 previu como instrumentos de cooperação os convênios e os consórcios públicos, conforme art. 241, com redação dada pela EC 19/1998:
Art. 241. A União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios disciplinarão por meio de lei os consórcios públicos e os convênios de cooperação entre os entes federados, autorizando a gestão associada de serviços públicos, bem como a transferência total ou parcial de encargos, serviços, pessoal e bens essenciais à continuidade dos serviços transferidos. (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 19, de 1998)
A natureza jurídica dos convênios administrativos é tema de intenso debate na doutrina, havendo três linhas de pensamento a respeito: (i) a linha mais tradicional que entende os convênios como acordos, nos quais não há interesses contrapostos; (ii) doutrinadores que defendam a natureza contratual dos convênios, como espécie do gênero contratos; e (iii) a terceira corrente doutrinária, para quem os convênios são atos administrativos complexos.
Sem a intenção de aprofundar a discussão doutrinária e fixar posicionamento sobre o assunto, ao que nos parece, ainda que sejam ajustes com objetivo de alcançar interesse comum e sem o pagamento de preço ou remuneração, a reciprocidade das obrigações é inegável.
A Lei de Licitações, em seu art. 116, equiparando os convênios aos contratos para fins de aplicação da norma, reconheceu pertinentes a incidência de algumas de seus regramentos. Não por acaso é legítima a aplicação de sanção à parte convenente que descumprir as cláusulas obrigacionais, a exemplo da suspensão de repasse de verbas federais, nos termos do art. 25 da Lei de Responsabilidade Fiscal, quando, dentre outras hipóteses, a entidade não prestar ou deixar de prestar contas dos recursos recebidos que não sejam oriundos de transferência legal ou constitucional:
Art. 25. Para efeito desta Lei Complementar, entende-se por transferência voluntária a entrega de recursos correntes ou de capital a outro ente da Federação, a título de cooperação, auxílio ou assistência financeira, que não decorra de determinação constitucional, legal ou os destinados ao Sistema Único de Saúde.
§ 1o São exigências para a realização de transferência voluntária, além das estabelecidas na lei de diretrizes orçamentárias:
(...)
IV - comprovação, por parte do beneficiário, de:
a) que se acha em dia quanto ao pagamento de tributos, empréstimos e financiamentos devidos ao ente transferidor, bem como quanto à prestação de contas de recursos anteriormente dele recebidos;
Ressalta-se que esta e outras sanções são aplicadas aos entes convenentes, pessoa jurídica de direito público, que figuram como parte nos convênios, não à pessoa física dos gestores, já que estes poderão ou não sofrer penalidades específicas por atos pessoais que praticaram e que resultaram na situação de inadimplência.
Ocorre que a responsabilidade de ressarcimento ao erário pode alcançar o gestor público que tenha causado prejuízo ao erário, de acordo com procedimento específico de tomada de contas ou por ação de improbidade de iniciativa da União e/ou do Ministério Público Federal, o que não afasta a responsabilização político-financeira do ente convenente que lhe outorgou os poderes de representação.
Pode-se afirmar que, em regra, as cláusulas obrigacionais e sanções do instrumento estão endereçadas ao ente político, ao passo que a prática de ilegalidade na sua execução é imputada aos gestores públicos. Isso porque a responsabilização não decorre da subscrição do ajuste, mas, como visto, do dever de prestar contas e de utilizar os recursos públicos de forma boa e regular.
Não obstante, para além da repercussão em razão do descumprimento obrigacional, convém lembrar que o Tribunal de Contas da União, por meio da Decisão Normativa n. 57, de 5 de maio de 2005, regulamentou hipótese de responsabilização direta dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, nos casos em que reste comprovado que o ente federado se beneficiou pela aplicação irregular dos recursos federais transferidos, confira-se:
Art. 1º Nos processos de Tomadas de Contas Especiais relativos a transferências de recursos públicos federais aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios, ou a entidades de sua administração, as unidades técnico-executivas competentes verificarão se existem indícios de que esses entes da federação se beneficiaram com a aplicação irregular dos recursos.
Art. 2º Configurada a hipótese de que trata o artigo anterior, a unidade técnico-executiva proporá que a citação seja feita também ao ente político envolvido, na pessoa do seu representante legal, solidariamente com o agente público responsável pela irregularidade.
Art. 3º Caso comprovado que o ente federado se beneficiou pela aplicação irregular dos recursos federais transferidos, o Tribunal, ao proferir o julgamento de mérito, condenará diretamente o Estado, o Distrito Federal ou o Município, ou a entidade de sua administração, ao pagamento do débito, podendo, ainda, condenar solidariamente o agente público responsável pela irregularidade e/ou cominar-lhe multa.
Art. 4º A Secretaria-Adjunta de Contas providenciará a atualização do Manual de Tomada de Contas Especial, incorporando os procedimentos de instrução aplicáveis em razão da presente regulamentação. (grifo nosso)
A referida hipótese comporta responsabilização solidária do agente público responsável pela irregularidade e/ou cominação de multa.
Lembre-se, também, que a obrigação de prestar contas e consequente responsabilização pode alcançar o prefeito sucessor. Sobre o assunto, confira-se o teor da Súmula n° 230 do Tribunal de Contas da União, recém revisada pelo Acórdão 206/2020 - Plenário:
Compete ao prefeito sucessor apresentar a prestação de contas referente aos recursos federais recebidos por seu antecessor, quando este não o tiver feito e o prazo para adimplemento dessa obrigação vencer ou estiver vencido no período de gestão do próprio mandatário sucessor, ou, na impossibilidade de fazê-lo, adotar as medidas legais visando ao resguardo do patrimônio público.
Vale destacar que, com base no já mencionado art. 70, parágrafo único, da Constituição Federal, c/c alínea "b" do §2º do art. 16 da Lei Orgânica do TCU - Lei 8.443, de 16 de julho de 1992, o Tribunal e Contas da União entende pela possibilidade de responsabilização do particular que sabidamente recebeu recursos públicos em relação a convênios federais cuja execução não fora comprovada.
O TCU tem, predominantemente, caminhado na linha de imputar, de forma solidária, o débito à empresa contratada que recebe recursos federais para a realização de eventos, na hipótese de não se reconhecer a execução do objeto avençado. Nesse sentido, o voto condutor do Acórdão 1632/2015-1ª Câmara, da lavra do Ministro José Múcio, dispôs:
9. Quanto à empresa contratada, que foi especificamente remunerada para promover o evento, esperava-se que ela fosse capaz de apresentar documentos mais sólidos, suficientes para comprovar as atividades por ela desempenhadas, a exemplo de contratos com terceiros (especialmente com as bandas que teriam sido, supostamente, por ela subcontratadas) ou recibos/notas fiscais, mas nenhum desses elementos foi apresentado. Como consequência, não há como afastar a hipótese de não execução dos serviços contratados, razão pela qual a empresa responde solidariamente pelo débito. (grifou-se)
O Boletim de Jurisprudência n° 279/2019, originário do Acórdão 1927/2019 Plenário (Tomada de Contas Especial, Redator Ministro-Substituto Augusto Sherman), estabeleceu o seguinte enunciado:
Deve ser imputado débito, de forma solidária, à empresa contratada para a realização de eventos no caso de o TCU não reconhecer a execução do objeto conveniado. É inerente às contratações celebradas sob o regime jurídico administrativo a necessidade de a contratada que recebe recursos federais manter, sob sua guarda, documentação comprobatória da execução avençada, considerando a possibilidade de vir a ser exigida pelo Tribunal.
Na esfera da responsabilização por ato de improbidade, o art. 3° da Lei n° 8.429/1992, estabelece o alcance da norma àquele que, mesmo não sendo agente público, induza ou concorra para a prática do ato de improbidade ou dele se beneficie sob qualquer forma direta ou indireta.
Não é demais mencionar que a responsabilidade entre os agentes públicos também pode se dar de forma solidária. A título de exemplo, convém mencionar o §2° do art. 28 da Portaria n. 424, de 12 de 30 de dezembro de 2016:
Art. 28. A execução dos objetos definidos nos instrumentos de que trata esta Portaria, no caso do convenente ser órgão público,poderá recair sobre unidade executora específica, desde que:
(...)
§ 2º Quando constatado o desvio ou malversação de recursos públicos, irregularidade na execução do contrato ou gestão financeira do instrumento, responderão solidariamente os titulares do convenente e da unidade executora, na medida de seus atos, competências e atribuições.
De tudo quanto dito, a responsabilização nos ajustes públicos de natureza convenial comporta, ao menos, as seguintes acepções: (i) aquela decorrente do descumprimento das obrigações do instrumento, com repercussão na esfera jurídica do ente político convenente (sanções); (ii) aquela decorrente do proveito pela aplicação irregular dos recursos federais, podendo alcançar o ente político diretamente (imputação de débito); (iii) aquela decorrente de ilícito na sua execução, podendo alcançar tanto o(s) gestor(es) público(s) responsáveis pelas irregularidades ou omissões, de forma solidária, independente de ser(em) o(s) subscritor(es) do convênio, quanto os particulares que tenham concorrido ou se beneficiado do fato danoso (imputação de débito e/ou sanções das esferas cabíveis).
Passemos agora à terceira premissa, atinente ao procedimento para identificação dos responsáveis e quantificação dos danos em relação aos processos que estejam fora da alçada do Tribunal de Contas.
O Decreto-Lei nº 200, de 25 de fevereiro de 1967, estabelece a obrigatoriedade de instauração da tomada de contas quando se verificar que determinada conta não foi prestada, ou que ocorreu desfalque, desvio de bens ou outra irregularidade de que resulte prejuízo para a Fazenda Pública, conforme previsão de seu art. 84:
Art. 84. Quando se verificar que determinada conta não foi prestada, ou que ocorreu desfalque, desvio de bens ou outra irregularidade de que resulte prejuízo para a Fazenda Pública, as autoridades administrativas, sob pena de co-responsabilidade e sem embargo dos procedimentos disciplinares, deverão tomar imediatas providência para assegurar o respectivo ressarcimento e instaurar a tomada de contas, fazendo-se as comunicações a respeito ao Tribunal de Contas.
No que se refere aos instrumentos conveniais, a Lei n. 10.522, de 19 de julho de 2002, que dispõe sobre o Cadastro Informativo dos créditos não quitados de órgãos e entidades federais e dá outras providências, estabelece que o órgão ou entidade que receber recursos para execução de convênios, contratos de repasse e termos de parcerias na forma estabelecida pela legislação federal estará sujeito a prestar contas da sua boa e regular aplicação.
O art. 26-A da referida lei estabelece algumas regras básicas sobre a prestação de contas e consequências em razão de seu inadimplemento, confira-se:
Art. 26-A. O órgão ou entidade que receber recursos para execução de convênios, contratos de repasse e termos de parcerias na forma estabelecida pela legislação federal estará sujeito a prestar contas da sua boa e regular aplicação, observando-se o disposto nos §§ 1o a 10 deste artigo. (Incluído pela Lei nº 12.810, de 2013)
§ 1o Norma específica disporá sobre o prazo para prestação de contas e instauração de tomada de contas especial, se for o caso. (Incluído pela Lei nº 12.810, de 2013)
§ 2o Quando a prestação de contas não for encaminhada no prazo estabelecido, será concedido o prazo máximo de 30 (trinta) dias para sua apresentação, ou recolhimento dos recursos, incluídos os rendimentos da aplicação no mercado financeiro, atualizados monetariamente e acrescidos de juros de mora, na forma da lei. (Incluído pela Lei nº 12.810, de 2013)
§ 3o Para os convênios em que não tenha havido qualquer execução física nem utilização dos recursos, o recolhimento à conta única do Tesouro deverá ocorrer sem a incidência de juros de mora, mas com os rendimentos da aplicação financeira. (Incluído pela Lei nº 12.810, de 2013)
§ 4o Apresentada a prestação de contas, o concedente deverá apreciá-la aprovando ou rejeitando, total ou parcialmente, as contas, de forma motivada. (Incluído pela Lei nº 12.810, de 2013)
§ 5o Na ocorrência de uma das hipóteses de inadimplência previstas nos §§ 1o a 4o, ou no caso de as contas prestadas serem rejeitadas total ou parcialmente, o concedente registrará a inadimplência no sistema de gestão do instrumento e comunicará o fato ao órgão de contabilidade analítica a que estiver vinculado, para fins de instauração de tomada de contas especial, ou outro procedimento de apuração no qual sejam garantidos oportunizados o contraditório e a ampla defesa das partes envolvidas. (Incluído pela Lei nº 12.810, de 2013)
§ 6o Confirmada a existência de prejuízo ao erário ou desvio dos recursos na forma do § 5o, serão implementadas medidas administrativas ou judiciais para recuperação dos valores, sob pena de responsabilização solidária. (Incluído pela Lei nº 12.810, de 2013)
§ 7o Cabe ao prefeito e ao governador sucessores prestarem contas dos recursos provenientes de convênios, contratos de repasse e termos de parcerias firmados pelos seus antecessores. (Incluído pela Lei nº 12.810, de 2013)
§ 8o Na impossibilidade de atender ao disposto no § 7o, deverão ser apresentadas ao concedente justificativas que demonstrem o impedimento de prestar contas e solicitação de instauração de tomada de contas especial. (Incluído pela Lei nº 12.810, de 2013)
§ 9o Adotada a providência prevista no § 8o, o registro de inadimplência do órgão ou entidade será suspenso, no prazo de até 48 (quarenta e oito) horas, pelo concedente. (Incluído pela Lei nº 12.810, de 2013)
§ 10. Norma específica disporá sobre o prazo para registro de inadimplência no sistema de gestão do instrumento e a forma de notificação prévia com os referidos prazos. (Incluído pela Lei nº 12.810, de 2013)
Os dispositivos em destaque revelam a necessidade de norma específica sobre a prestação de contas e instauração de tomada de contas especial, bem como já prevê algumas das hipóteses que dão ensejo à instauração da TCE ou outro procedimento de apuração no qual sejam garantidos e oportunizados o contraditório e a ampla defesa das partes envolvidas.
Ainda no âmbito da legislação federal, o inciso III, do §10, do art. 10, do Decreto 6.170/2007, prevê que a instauração da tomada de contas especial decorre da rejeição da prestação de contas pelo convenente ou, ainda, da ausência de devolução dos saldos financeiros remanescentes, inclusive os provenientes das receitas obtidas das aplicações financeiras realizadas, conforme o parágrafo único do art. 12.
A Portaria Interministerial n° 424, de 30 de dezembro de 2016, que estabelece normas para execução do Decreto nº 6.170/2007, estabelece que a TCE somente deverá ser instaurada depois de esgotadas as providências administrativas a cargo do concedente pela ocorrência de algum dos seguintes fatos: I - a prestação de contas do instrumento não for apresentada no prazo de até 60 (sessenta) dias após o encerramento da vigência ou a conclusão da execução do objeto, o que ocorrer primeiro; e II - a prestação de contas do instrumento não for aprovada em decorrência de:
a) inexecução total ou parcial do objeto pactuado;
b) desvio de finalidade na aplicação dos recursos transferidos;
c) impugnação de despesas, se realizadas em desacordo com as disposições do termo celebrado ou desta Portaria;
d) não utilização, total ou parcial, da contrapartida pactuada, na hipótese de não haver sido recolhida na forma prevista no § 1º do art. 60 da Portaria;
e) inobservância do prescrito no § 4º do art. 41 da Portaria (gestão dos recursos na conta bancária específica do instrumento);
f) não devolução de eventual saldo de recursos federais, apurado na execução do objeto, nos termos do art. 60 da Portaria; e
g) ausência de documentos exigidos na prestação de contas que comprometa o julgamento do cumprimento do objeto pactuado e da boa e regular aplicação dos recursos.
Convêm lembrar que a TCE conta com duas fases, uma interna, no âmbito do órgão/entidade da Administração Pública Federal responsável pela apuração, a qual tem por objetivo constatar a existência do dano, apurar seu montante, identificar quem lhe deu causa e buscar obter o respectivo ressarcimento (inteligência do art. 2º da IN TCU n. 71, de 2012); e outra externa, quando a partir do processo administrativo que originou a tomada de contas especial haverá a instrução e julgamento pelo TCU, garantidos o contraditório e ampla defesa, inclusive com possibilidade de interposição de recursos.
Sobre a fase interna, a Portaria nº 807, de 25 de abril de 2013, aprova a Norma de Execução destinada a orientar tecnicamente, sobre Tomada de Contas Especial-TCE, os órgãos e entidades sujeitos ao Controle Interno do Poder Executivo Federal, da qual destacamos as seguintes disposições e modelos sobre a demonstração de responsabilidade dos agentes envolvidos:
ANEXO I
NORMA DE EXECUÇÃO Nº 2, DE 25 DE ABRIL DE 2013
(...)
Na fase interna da TCE, deve-se garantir aos envolvidos o direito à ampla defesa e ao contraditório.
(...)
ANEXO II
EXEMPLO DE RELATÓRIO DO TOMADOR DE CONTAS ESPECIAL (PARA CONVÊNIO OU INSTRUMENTOS CONGÊNERES)
(...)
III - DAS IRREGULARIDADES MOTIVADORAS DA TCE
5. O motivo para a instauração da presente Tomada de Contas Especial foi a impugnação parcial das despesas, decorrente da execução parcial do objeto, fato que se encontra demonstrado na documentação constante do processo, conforme verificado no relatório de fiscalização "in loco" nº 18/2010(fls. 35-40) e nas peças técnicas às fls. 42-45 e 74-80.
IV - DA DEMONSTRAÇÃO DA RESPONSABILIDADE DOS AGENTES ENVOLVIDOS
6. Da análise da ata de posse do gestor (fl. 47) e das datas de recebimento das ordens bancárias pela Prefeitura X (fls. 48/49) verifica-se que o Senhor Fulano de Tal, prefeito do Município X durante o período de 2009 a 2012, era a pessoa responsável pela gestão dos recursos federais recebidos por meio do convênio nº 123/2009 e, no entanto, não tomou as medidas para que tais recursos fossem corretamente utilizados, sendo, portanto, o responsável pelo prejuízo de R$ 40.000,00 apurado nesta tomada de contas especial.
(...)
ANEXO III
ORIENTAÇÕES GERAIS SOBRE A FORMALIZAÇÃO DOS PROCESSOS DE TOMADA DE CONTAS ESPECIAL:
Com relação aos documentos que devem constar da tomada de contas especial, são suficientes as peças principais do processo, quais sejam: os relacionados ao levantamento do prejuízo; os necessários à comprovação do nexo de responsabilidade do agente que causou a irregularidade, os relatórios de fiscalização in loco e de auditoria, quando for o caso; dos pareceres técnicos relativos à execução física do objeto e à consecução dos objetivos; dos pareceres financeiros com manifestação sobre os valores aprovados nas contas; e dos demais documentos citados neste modelo de Relatório de tomada de contas especial, além de outros necessários à sustentação da opinião do tomador de contas quanto à irregularidade levantada.
(...)
Todas as opiniões emitidas devem estar fundamentadas em documentos e na legislação vigente.
ANEXO V
MODELO DE RELATÓRIO DO TOMADOR DE CONTAS ESPECIAL (PARA CONVÊNIO OU INSTRUMENTOS CONGÊNERES)
(...)
III - DAS IRREGULARIDADES MOTIVADORAS DA TCE
5. O motivo para a instauração da presente tomada de contas especial foi [incluir o motivo da TCE (ex.: 1- a execução parcial do objeto pactuado; 2- a impugnação parcial das despesas, de corrente de irregularidades na execução do objeto)], fato que se encontra demonstrado na documentação constante do processo, conforme verificado no relatório de fiscalização "in loco" nº XX (fls. XX-XX) e nas peças técnicas (ex.: Relatório Técnico, Relatório Financeiro, Nota Técnica, Informação) às fls. XX-XX.
IV - DA DEMONSTRAÇÃO DA RESPONSABILIDADE DOS AGENTES ENVOLVIDOS
6. Da análise dos documentos às fls. XX-XX (ex.: 1- ata de nomeação do gestor; 2- data do recebimento, pela entidade, da ordem bancária) verifica-se que o Senhor Fulano de Tal, [inserir cargo ou função ocupada pelo agente responsável à época dos fatos (ex.: prefeito, secretário municipal ou estadual, superintendente, diretor, presidente de entidade) e as suas respectivas competências ou atribuições, de maneira a demonstrar a responsabilidade deste com relação ao dano a ele imputado (ex.: o Senhor Fulano de Tal, prefeito do Município X durante o período de 2001 a 2004, era a pessoa responsável pela gestão dos recursos federais recebidos por meio do convênio nº XX/2001 e, no entanto, não tomou as medidas para que tais recursos fossem corretamente utilizados, sendo, portanto, o responsável pelo prejuízo de R$ 99.999,99 apurado nesta tomada de contas especial).
(...)
Não obstante, de acordo com o art. 6° da Instrução Normativa - TCU Nº 71, de 28 de novembro de 2012, que dispõe sobre a instauração, a organização e o encaminhamento ao Tribunal de Contas da União dos processos de tomada de contas especial, fica dispensada a instauração da tomada de contas especial, nas seguintes hipóteses: I - o valor do débito for inferior a R$ 100.000,00, considerando o modo de referenciação disposto no § 3º deste artigo (NR)(Instrução Normativa nº 76, de 23/11/2016, DOU de 12/12/2016); e II - houver transcorrido prazo superior a dez anos entre a data provável de ocorrência do dano e a primeira notificação dos responsáveis pela autoridade administrativa competente.
O mesmo dispositivo prevê também que a dispensa de instauração de tomada de contas especiais, conforme previsto na primeira hipótese, não exime a autoridade administrativa de adotar outras medidas administrativas ao seu alcance ou requerer ao órgão jurídico pertinente as medidas judiciais e extrajudiciais cabíveis, com vistas à obtenção do ressarcimento do débito apurado, inclusive o protesto, se for o caso (§2°, do art. 6°).
As medidas ao alcance da autoridade administrativa perpassam pela mesma necessidade de quantificar o dano e identificar os responsáveis, a fim de que sejam adotadas eventuais medidas judicias, como o ajuizamento de ação de ressarcimento e/ou ação de improbidade administrativa; e extrajudiciais, como cobrança administrativa, o registro de inadimplência nos sistemas da administração pública federal e a inscrição do convenente em dívida ativa.
Some-se a isso o fato de que, após a edição da Portaria nº 122, de 20 de abril de 2018, que dispõe sobre a implantação e a operacionalização do sistema informatizado de tomada de contas especial (Sistema e-TCE), passou a ser obrigatório o cadastramento de débitos resultantes de dispensa de instauração de TCE, nos termos do art. 6º, incisos I e II, da IN-TCU nº 71, de 28 de novembro de 2012 e § 4º do art. 11 da DN-TCU nº 155/2016.
Nessa esteira, extraí-se do Capítulo IV do citado normativo que a inserção de dados e documentos no Sistema e- TCE concernentes aos débitos resultantes de dispensa de instauração de TCE deve observar a mesma instrução processual dos processos de TCE, confira-se:
Art. 24. Os débitos que não forem objeto de instauração de TCE em razão do disposto nos incisos I ou II do art. 6º da IN-TCU nº 71/2012, devem ser cadastrados pela autoridade competente no Sistema e-TCE, conforme previsto no § 4º do art. 11 da DN-TCU nº 155/2016.
§ 1º A inserção de dados e documentos no Sistema e- TCE concernentes aos débitos de que trata o caput deve observar o disposto do art. 11 desta Portaria;
(...)
Art. 11. A TCE será constituída por documentos previstos no art. 10, inciso I e §§ 1º, 2º e 3º, da IN-TCU nº 71/2012, c/c arts. 3º, 4º e 5º, da DN-TCU nº 155/2016, conforme lista disponível no sistema para cada origem de valores ensejadora da TCE, devendo ser inseridos de acordo com a ordem cronológica constante no processo administrativo originário.
§ 1º Além dos documentos previstos no caput, outros deverão ser incluídos no Sistema e- TCE sempre que necessários à demonstração da ocorrência de dano ou melhor apreciação do processo.
IN-TCU nº 71/2012
Art. 10. O processo de tomada de contas especial será composto pelos seguintes documentos (NR)(Instrução Normativa nº 76, de 23/11/2016, DOU de 12/12/2016):
I - relatório do tomador das contas, que deve conter (NR) (Instrução Normativa nº 76, de 23/11/2016, DOU de 12/12/2016):
a) identificação do processo administrativo que originou a tomada de contas especial (NR)(Instrução Normativa nº76, de 23/11/2016, DOU de 12/12/2016);
b) número do processo de tomada de contas especial na origem;
c) identificação dos responsáveis;
d) quantificação do débito relativamente a cada um dos responsáveis;
e)relato das situações e dos fatos, com indicação dos atos ilegais, ilegítimos ou antieconômicos de cada um dos responsáveis que deram origem ao dano;
f) relato das medidas administrativas adotadas com vistas à elisão do dano;
g) informação sobre eventuais ações judiciais pertinentes aos fatos que deram ensejo à instauração da tomada de contas especial;
h) parecer conclusivo do tomador de contas especial quanto à comprovação da ocorrência do dano, à sua quantificação e à correta imputação da obrigação de ressarcir a cada um dos responsáveis;
i) outras informações consideradas necessárias.
(...)
§ 1º Devem acompanhar o relatório a que se refere o inciso I deste artigo as peças abaixo relacionadas, cuja localização nos autos deve ser informada, quando nele mencionadas (NR)(Instrução Normativa nº 76, de 23/11/2016, DOU de 12/12/2016):
a) dos documentos utilizados para demonstração da ocorrência de dano;
b) das notificações remetidas aos responsáveis, acompanhadas dos respectivos avisos de recebimento ou de qualquer outro documento que demonstre a ciência dos responsáveis;
c) dos pareceres emitidos pelas áreas técnicas do órgão ou entidade,incluída a análise das justificativas apresentadas pelos responsáveis;e
d) de outros documentos considerados necessários ao melhor julgamento da tomada de contas especial pelo Tribunal de Contas da União.
§ 2º A identificação dos responsáveis a que se refere a alínea "c"do inciso I deste artigo será acompanhada de ficha de qualificação do responsável, pessoa física ou jurídica, que conterá:
a) nome;
b) CPF ou CNPJ;
c) endereço residencial e número de telefone, atualizados;
d) endereços profissional e eletrônico, se conhecidos;
e) cargo, função e matrícula funcional, ou matrícula no Sistema Integrado de Administração de Recursos Humanos (SIAPE), se for ocaso;
f) período de gestão; e
g) identificação do inventariante ou do administrador provisório do espólio e/ou dos herdeiros/sucessores, no caso de responsável falecido.
§3º A quantificação do débito a que se refere a alínea "d" do inciso I deste artigo será acompanhada de demonstrativo financeiro que indique:
a) os responsáveis;
b) a síntese da situação caracterizada como dano ao erário;
c) o valor histórico e a data de ocorrência;
d) as parcelas ressarcidas e as respectivas datas de recolhimento.
DECISÃO NORMATIVA - TCU Nº 155, DE 23 DE NOVEMBRO DE 2016
Art. 3º O relatório do tomador de contas deve contemplar, além das informações constantes do inciso I do art. 10 da IN TCU 71/2012, as seguintes, quando cabíveis:
I - UG responsável pela instauração da tomada de contas especial (denominação e código);
II - beneficiário dos recursos federais (denominação, CNPJ/CPF);
III - motivo ensejador da tomada de contas especial, observada a classificação constante do Anexo II;
IV - origem dos recursos objeto da tomada de contas especial, observada a classificação constante do Anexo III; V – a classificação funcional programática;
VI - datas da ocorrência do dano e do início do prazo para instauração da tomada de contas especial;
VII - no caso de transferências voluntárias, como convênio, contrato de repasse ou instrumento congênere, ou ainda, termo de compromisso:
a) registro no Siconv e/ou Siafi;
b) objeto do instrumento de transferência.
Art. 4º O relatório do tomador de contas será acompanhado dos documentos constantes do § 1º do art. 10 da IN - TCU nº 71/2012, devendo ser incluídas as seguintes cópias:
I - com relação aos documentos utilizados para demonstração da ocorrência de dano a que se refere a alínea “a” do § 1º do art. 10 da IN - TCU nº 71/2012, quando aplicáveis ao objeto da tomada de contas especial, entre outros:
a) ordens bancárias, ou equivalente que demonstre a execução financeira;
b) notas de empenho, ou equivalente que demonstre a execução orçamentária;
c) relação de pagamentos;
d) relatório de execução físico-financeira;
e) relatório de cumprimento do objeto;
f) declaração de realização dos objetivos a que se propunha o instrumento;
g) relação de bens adquiridos, produzidos ou construídos, de serviços prestados, ou de treinados ou capacitados, conforme o caso, com a discriminação, por unidade de medida adotada, do que efetivamente executado;
h) comprovante de recolhimento de saldo de recursos;
i) extrato bancário da conta específica, desde a data do crédito dos recursos até o encerramento da movimentação;
j) notas fiscais ou outros comprovantes de despesas relacionadas com as irregularidades apontadas;
k) cheques, comprovantes de transferência bancária ou outros documentos de débito, acompanhados da identificação dos respectivos beneficiários, sempre que forem necessários à evidenciação da irregularidade apontada;
l) relatórios de fiscalização do órgão ou entidade repassador;
m) relatórios de fiscalização do órgão de controle interno;
n) contrato firmado com a empresa contratada para a execução da obra ou serviço;
o) documento de atesto do recebimento da obra ou serviço, com expressa indicação do(s) responsável(eis) pela liquidação da despesa;
p) termo de recebimento definitivo da obra;
q) termos de homologação e de adjudicação do processo licitatório.
II - no que se refere a outros documentos considerados necessários ao melhor julgamento da tomada de contas especial pelo Tribunal de Contas da União, objeto da alínea “d” do § 1º do art. 10 da IN - TCU nº 71/2012:
a) matriz de responsabilização para os responsáveis identificados no processo, elaborada conforme modelo constante do Anexo IV desta Decisão Normativa;
b) relatórios de comissão de sindicância, de inquérito, de procedimento administrativo disciplinar, ou outro instrumento de investigação ou apuração, quando existentes.
§ 1º A espera pela emissão de relatórios de que trata a alínea “b” do inciso II não pode prejudicar a tempestividade no encaminhamento da tomada de contas especial.
§ 2º Quando a tomada de contas especial não vier acompanhada de relatório de que trata a alínea “b” do inciso II em razão do disposto no § 1º, caberá à autoridade administrativa, finalizado o procedimento de investigação, propor a sua juntada à tomada de contas especial instaurada, caso ainda esteja pendente de julgamento pelo Tribunal de Contas da União.
Art. 5º As tomadas de contas especiais conterão ainda, observada a origem dos recursos, conforme classificação constante do Anexo III, as seguintes cópias:
I - recursos repassados por meio de convênio, contrato de repasse, termo de compromisso ou instrumento congênere:
a) pareceres técnicos e financeiros de avaliação do plano de trabalho apresentado pelo interessado;
b) plano de trabalho aprovado, acompanhado da especificação do bem a ser produzido, construído ou adquirido ou do serviço a ser prestado, conforme o caso, do cronograma de execução físico-financeira e da planilha orçamentária, ou documento equivalente, com detalhamento das metas, etapas ou fases e respectivos custos;
c) parecer jurídico sobre a minuta do instrumento que formalizou a transferência;
d) instrumento que formalizou a transferência e respectivos termos aditivos;
e) pareceres emitidos acerca da execução física do objeto e do atendimento aos objetivos da avença.
II - recursos transferidos por meio de termo de colaboração e de fomento, de que trata a Lei nº 13.019/2014, com organizações da sociedade civil:
a) parecer do órgão técnico da administração pública com pronunciamento, de forma expressa, a respeito do mérito da proposta, da viabilidade de sua execução, da verificação do cronograma de desembolso, da descrição de quais serão os meios disponíveis a serem utilizados para a fiscalização da execução da parceria, assim como dos procedimentos que deverão ser adotados para avaliação da execução física e financeira, no cumprimento das metas e objetivos;
b) plano de trabalho aprovado;
c) avaliação pela administração pública na qual demonstre que os objetivos e finalidades institucionais e a capacidade técnica e operacional da organização da sociedade civil foram avaliados e são compatíveis com o objeto;
d) parecer jurídico acerca da possibilidade de celebração da parceria;
e) instrumento que formalizou a parceria e respectivos termos aditivos;
f) relatório técnico de monitoramento e avaliação da parceria.
III - recursos transferidos por meio de termo de compromisso com o CNPq e Capes:
a) termo de concessão e de aceitação da bolsa e aditivos;
b) comprovantes de pagamentos efetuados ao beneficiário;
c) cópia do diploma ou declaração de conclusão;
d) pareceres técnicos, financeiros e jurídicos;
e) relatório final.
IV - incentivos fiscais:
a) demonstrativo de recursos aprovados e captados;
b) relatório de execução da receita e da despesa;
c) conciliação bancária;
d) pareceres técnicos;
e) relatório parcial e/ou final.
Diante do exposto, é possível afirmar que, há previsão normativa de rito específico para apurar a responsabilidade do agente político no que se refere aos danos a ele imputados decorrentes da não aprovação da prestação de contas no âmbito dos processos em que há dispensa da instauração de tomada de contas especial. Isso porque, além de subsistir a obrigação de adoção das providências judiciais e administrativas para fins de ressarcimento, o ordenamento jurídico impõe o cadastramento dos débitos a partir do mesmo rito interno da tomada de contas especial.
O que não se tem como resultado imediato da sobredita apuração é a força de título executivo da decisão no âmbito administrativo, por ausência de previsão legal, tampouco a possibilidade de inscrição em dívida ativa em face dos representantes legais dos Municípios, porque não integram a relação jurídica do convênio. Não se desconhece a possibilidade, no âmbito administrativo, de pagamento mediante ato voluntário do(s) agente(s) responsável(eis), mas a questão aqui se refere a meios imperativos com vistas ao ressarcimento.
Sobre a impossibilidade de inscrição em dívida ativa dos agentes públicos, vale transcrever a primorosa fundamentação desenvolvida no bojo do Parecer SEI nº 26/2018/PGDAU-CDA-NOAN:
16. De primeiro, cumpre diferenciarmos as partes efetivamente vinculadas pela avença, com personalidade jurídica própria, daqueloutras pessoas naturais, agentes investidos em cargos públicos eletivos, que apenas funcionam como representantes legais dos Municípios no ato de assinatura do instrumento de convênio.
17. A matéria – personalidade jurídica – encontra-se disciplinada já na parte prefacial do Código Civil:
Art. 1º Toda pessoa é capaz de direitos e deveres na ordem civil.
Art. 2º A personalidade civil da pessoa começa do nascimento com vida;
(...)
Art. 41. São pessoas jurídicas de direito público interno:
I - a União;
II - os Estados, o Distrito Federal e os Territórios;
III - os Municípios;
(...)
(destacamos)
18. Na seara pública, a questão remonta, ademais, o princípio da imputação volitiva, base da teoria do órgão, desenvolvida pelo jurista alemão Otto Gierke. Segundo o insigne publicista, o Estado, integrado por diversos órgãos e agentes, funciona como um todo harmônico. Deveras, para a sua boa e expedita atuação, as ações dos seus agentes deverão ser imediatamente atribuídas à pessoa jurídica de direito público a que esteja vinculado.
19. Discorrendo sobre os agentes públicos, leciona Celso Antônio Bandeira de Mello que “O querer e o agir destes sujeitos é que são, pelo Direito, diretamente imputados ao Estado (manifestando-se por seus órgãos), de tal sorte que, enquanto atuam nesta qualidade de agentes, seu querer e seu agir são recebidos como o querer e o agir dos órgãos componentes do Estado; (...)”.[1]
20. Daí porque, ainda segundo o ilustre administrativista de São Paulo, “Nos vínculos entre o Estado e outras pessoas, os que se relacionam são, de um lado, o próprio Estado (atuando por via dos agentes integrados nestas unidades de plexos de competência denominados órgãos) e, de outro, a pessoa que é contraparte no liame jurídico travado.”[2]
21. Vê-se, outrossim, que os agentes políticos investidos em cargos públicos, que funcionam como representantes legais dos Municípios em avença convenial firmada com a União, apesar de poderem eventualmente responder pelos ilícitos praticados no exercício das suas funções, com aqueles não se confundem. Cada qual induvidosamente possui personalidade jurídica própria.
22. Portanto, a rigor, apenas encontra-se estritamente vinculado aos termos do convênio pactuado com a União, o Município convenente. Os seus agentes políticos – Prefeitos –, apesar de funcionarem, no ato de assinatura do instrumento, como seus representantes legais, possuem, em última análise, tão-somente, vínculo extracontratual com a União[3].
23. Todavia, como é cediço, nem todos os créditos, notadamente aqueles que decorrem de relação extracontratual, podem ser inscritos em Dívida Ativa da União e cobrados por esta Procuradoria. Não por outro motivo, há algum tempo, tratou esta Coordenação-Geral de, em acurado estudo, estabelecer algumas balizas acerca do polêmico assunto.
24. No Parecer PGFN/CDA nº 2348/2012 tratamos da inscrição em Dívida Ativa da União e cobrança de créditos extracontratuais devidos por servidores públicos civis da União para fins de ressarcimento ou reposição ao erário.
25. A análise se ateve, basicamente, a possibilidade jurídica de se proceder a constituição e inscrição em Dívida Ativa de créditos decorrentes de fatos ou atos relacionados com indivíduos que possuem ou, em algum momento, possuíram vínculo com à Administração Pública Federal, onde as reposições ou ressarcimentos ao erário poderiam, então, ter lugar. O opinativo, obviamente, levou em consideração a jurisprudência prevalente no âmbito do egrégio Superior Tribunal de Justiça (STJ) acerca do assunto.
26. Vejamos o que dispõe a legislação de regência a respeito da chamada dívida ativa não tributária:
Lei nº 4.320/1964:
Art. 39. Os créditos da Fazenda Pública, de natureza tributária ou não tributária, serão escriturados como receita do exercício em que forem arrecadados, nas respectivas rubricas orçamentárias.
(...)
§2º - Dívida Ativa Tributária é o crédito da Fazenda Pública dessa natureza, proveniente de obrigação legal relativa a tributos e respectivos adicionais e multas, e Dívida Ativa não Tributária são os demais créditos da Fazenda Pública, tais como os provenientes de empréstimos compulsórios, contribuições estabelecidas em lei, multa de qualquer origem ou natureza, exceto as tributárias, foros, laudêmios, alugueis ou taxas de ocupação, custas processuais, preços de serviços prestados por estabelecimentos públicos, indenizações, reposições, restituições, alcances dos responsáveis definitivamente julgados, bem assim os créditos decorrentes de obrigações em moeda estrangeira, de subrogação de hipoteca, fiança, aval ou outra garantia, de contratos em geral ou de outras obrigações legais.
Lei nº 6.830/1980:
Art. 2º - Constitui Dívida Ativa da Fazenda Pública aquela definida como tributária ou não tributária na Lei nº 4.320, de 17 de março de 1964, com as alterações posteriores, que estatui normas gerais de direito financeiro para elaboração e controle dos orçamentos e balanços da União, dos Estados, dos Municípios e do Distrito Federal.]
§1º - Qualquer valor, cuja cobrança seja atribuída por lei às entidades de que trata o artigo 1º, será considerado Dívida Ativa da Fazenda Pública.
§2º - A Dívida Ativa da Fazenda Pública, compreendendo a tributária e a não tributária, abrange atualização monetária, juros e multa de mora e demais encargos previstos em lei ou contrato. (destacamos)
27. Como muito bem pontuado no Parecer PGFN/CDA nº 2348/2012, apesar do conceito legal de dívida ativa ser amplo e generalista, “o legislador, de forma pouco técnica, optou por defini-la exemplificativamente, deixando ao intérprete a árdua tarefa de fixar precisamente seus contornos e limites. A Lei nº 6.830, de 1980, de igual forma, parece ratificar o entendimento largo acerca dos valores passíveis de inscrição em dívida ativa não tributária.”
28. Como tanto a autorizada doutrina, quanto a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça (STJ), apresentavam ressalvas quanto à possibilidade, ampla e irrestrita, de se proceder a inscrição em dívida ativa de quaisquer créditos não tributários exemplificados no §2º do art. 39, da Lei nº 4.320/1964, tratou o Parecer PGFN/CDA nº 2348/2012 de, em acurado estudo, estabelecer balizas a respeito da questão.
29. Apesar do §2º do art. 39, da Lei nº 4.320/1964, enumerar como créditos não tributários passíveis de compor a dívida ativa da União aqueles decorrentes de indenizações, reposições e restituições, por exemplo, este não deveria ser o único critério seguro para defini-la.[4]
30. Outrossim, segundo o Parecer PGFN/CDA nº 2348/2012, em reforço às enumerações contidas no §2º do art. 39, da Lei nº 4.320/1964, deveria também o exegeta verificar se o crédito não tributário decorreu de fatos ou atos relacionados com indivíduos que possuem ou, em algum momento, possuíram vínculo com à Administração Pública Federal.
31. Tal vínculo, entretanto, também não seria suficiente. Para incidir plenamente o seu jus imperi, forte no caput do art. 37 da Constituição Federal, deveria haver específica autorização legal para que a Administração Pública Federal pudesse constituir tais créditos e, assim, encaminhá-los para inscrição em Dívida Ativa.
32. Havendo expressa e específica autorização legal para cobrar, também haveria suficiente outorga legislativa para que a Administração Pública Federal pudesse constituí-los unilateralmente e inscrevê-los em Dívida Ativa, forte no §1º do art. 2º, da Lei nº 6.830/1980.[5]
33. No caso dos servidores públicos civis da União, estatutariamente a ela vinculados, a autorização para a Administração Pública Federal apurar e constituir créditos não tributários para fins de ressarcimento ou reposição ao erário, encontra-se expressamente prevista em lei.[6]
34. Nada obstante, no caso sub examine, os agentes políticos, representantes legais dos Municípios, obviamente, apenas possuem relação legal e estatutária com os Municípios. Como sublinhamos, com a União limitam-se a manter vínculo não estatutário, de natureza simples e extracontratual, portanto.
35. Se assim o é – e porque assim o é –, parece-nos no mínimo incongruente imaginar possam os créditos decorrentes do descumprimento de convênios firmados com a União ser inscritos em Dívida Ativa da União diretamente em face de agentes políticos ou representantes legais de outros entes federativos – Municípios. Tal teria o condão de infirmar, por vias transversas, a bem abalizada orientação exarada no Parecer PGFN/CDA nº 2348/2012 por esta Coordenação-Geral.
36. Não bastasse isso, com o julgamento do Recurso Especial nº 1.350.804/PR sob o regime dos recursos repetitivos, a Primeira Seção do egrégio Superior Tribunal de Justiça (STJ) recentemente posicionou-se sobre a intrincada questão – inscrição em Dívida Ativa de indivíduos que apenas possuem vínculo mediato e extracontratual com a União:
PROCESSUAL CIVIL E TRIBUTÁRIO. RECURSO ESPECIAL REPRESENTATIVO DA CONTROVÉRSIA (ART. 543-C, DO CPC). BENEFÍCIO PREVIDENCIÁRIO INDEVIDAMENTE PAGO QUALIFICADO COMO ENRIQUECIMENTO ILÍCITO. ART.154, §2º, DO DECRETO N. 3.048/99 QUE EXTRAPOLA O ART. 115, II, DA LEI N. 8.213/91. IMPOSSIBILIDADE DE INSCRIÇÃO EM DÍVIDA ATIVA POR AUSÊNCIA DE LEI EXPRESSA. NÃO INCLUSÃO NO CONCEITO DE DÍVIDA ATIVA NÃO TRIBUTÁRIA. EXECUÇÃO FISCAL. IMPOSSIBILIDADE. NECESSIDADE DE AJUIZAMENTO DE AÇÃO PRÓPRIA.
1. Não cabe agravo regimental de decisão que afeta o recurso como representativo da controvérsia em razão de falta de previsão legal. Caso em que aplicável o princípio da taxatividade recursal, ausência do interesse em recorrer, e prejuízo do julgamento do agravo regimental em razão da inexorável apreciação do mérito do recurso especial do agravante pelo órgão colegiado.
2. À mingua de lei expressa, a inscrição em dívida ativa não é a forma de cobrança adequada para os valores indevidamente recebidos a título de benefício previdenciário previstos no art. 115, II, da Lei n. 8.213/91 que devem submeter-se a ação de cobrança por enriquecimento ilícito para apuração da responsabilidade civil. Precedentes: REsp. nº 867.718 - PR, Primeira Turma, Rel. Min. Teori Albino Zavascki, julgado em 18.12.2008; REsp. nº 440.540 - SC, Primeira Turma, Rel. Min. Humberto Gomes de Barros, julgado em 6.11.2003; AgRg no AREsp. n. 225.034/BA, Segunda Turma, Rel. Min.Humberto Martins, julgado em 07.02.2013; AgRg no AREsp. 252.328/CE, Segunda Turma, Rel. Min. Humberto Martins, julgado em 18.12.2012;REsp. 132.2051/RO, Segunda Turma, Rel. Min. Herman Benjamin, julgado em 23.10.2012; AgRg no AREsp 188047/AM, Primeira Turma, Rel. Min. Benedito Gonçalves, julgado em 04.10.2012; AgRg no REsp. n. 800.405 - SC, Segunda Turma, Rel. Min. Mauro Campbell Marques, julgado em 01.12.2009.
3. Situação em que a Procuradoria-Geral Federal - PGF defende a possibilidade de inscrição em dívida ativa de benefício previdenciário indevidamente recebido por particular, qualificado na certidão de inscrição em dívida ativa na hipótese prevista no art.115, II, da Lei n. 8.213/91, que se refere a benefício pago além do devido, art. 154, §2º, do Decreto n. 3.048/99, que se refere à restituição de uma só vez nos casos de dolo, fraude ou má-fé, e artigos 876, 884 e 885, do CC/2002, que se referem a enriquecimento ilícito.
4. Não há na lei própria do INSS (Lei n. 8.213/91) dispositivo legal semelhante ao que consta do parágrafo único do art. 47, da Lei n. 8.112/90. Sendo assim, o art. 154, §4º, II, do Decreto n. 3.048/99 que determina a inscrição em dívida ativa de benefício previdenciário pago indevidamente não encontra amparo legal.
5. Recurso especial não provido. Acórdão submetido ao regime do art. 543-C do CPC e da Resolução STJ 08/2008.
(REsp 1350804/PR, Rel. Ministro MAURO CAMPBELL MARQUES, PRIMEIRA SEÇÃO, julgado em 12/06/2013, DJe 28/06/2013)
37. Apesar da tese enfrentada pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ) no julgamento Recurso Especial nº 1.350.804/PR diferir factualmente da quaestio iuris que este opinativo se propõe a resolver, nos é possível extrair, do teor do julgado, remansosa posição da sua Seção de Direito Público a respeito do assunto.
38. Achamos por bem, aliás, trazer à colação trechos do voto prolatado pelo eminente Ministro Mauro Campbell Marques que alfim acabou sendo acolhido, por unanimidade, pela Primeira Seção do Superior Tribunal de Justiça (STJ). Vejamos:
Cinge-se a controvérsia a respeito da possibilidade de inscrição em dívida ativa de benefício previdenciário indevidamente recebido por particular, qualificado como enriquecimento ilícito. A certidão de inscrição em dívida ativa qualifica a hipótese como aquela prevista no art. 115, II, da Lei n. 8.213/91 que se refere a benefício pago além do devido, art. 154, §2º, do Decreto n. 3.048/99, que se refere à restituição de uma só vez nos casos de dolo, fraude ou má-fé, e artigos 876, 884 e 885, do CC/2002, que se referem a enriquecimento ilícito (e-STJ fl. 4).
A matéria se encontra há muito pacificada no âmbito do STJ.
(...)
Conforme já asseverei por ocasião do julgamento do AgRg no REsp nº 800.405/SC, Segunda Turma, julgado em 1º.12.2009, de minha relatoria, a inscrição em dívida ativa de valor decorrente de ilícito extracontratual deve ser fundamentada em dispositivo legal específico que a autorize expressamente.
(...)
Sendo assim, se o legislador quisesse que o recebimento indevido de benefício previdenciário ensejasse a inscrição em dívida ativa o teria previsto expressamente na Lei nº 8.212/91 ou na Lei n. 8.213/91 (como ocorre para o servidor público ativo, aposentado ou pensionista, inclusive o da própria autarquia INSS, a teor dos arts. 46 e art. 47, da Lei n. 8.112/90), o que não fez.
(...)
Vê-se, portanto, que os benefícios previdenciários indevidamente recebidos, qualificados como enriquecimento ilícito, não se enquadram no conceito de crédito tributário ou não tributário previsto no art. 39, §2º, da Lei n. 4.320/64 e tampouco permitem sua inscrição em dívida ativa.
Desta forma, torna-se imperativo que seu ressarcimento seja precedido de processo judicial para o reconhecimento judicial do direito do INSS à repetição e no qual sejam assegurados o contraditório e a ampla defesa ao acusado, ficando a ação executiva reservada para uma fase posterior.
(...)
Desse modo, com acerto a seguinte linha jurisprudencial:
(...)
PROCESSUAL – EXECUÇÃO FISCAL – DÍVIDA ATIVA NÃO TRIBUTÁRIA - TÍTULO EXECUTIVO – RESPONSABILIDADE CIVIL – CRIAÇÃO UNILATERAL DO TÍTULO – IMPOSSIBILIDADE – NECESSIDADE DE PROCESSO JUDICIAL - EMBARGOS À EXECUÇÃO – RECEBIMENTO.
1. A dívida tributária já nasce certa e líquida, porque o lançamento gera presunção de certeza e liquidez. Isso não ocorre com os créditos oriundos de responsabilidade civil que somente recebem tais atributos, após acertamento amigável ou judicial.
2. Os créditos incertos e ilíquidos não integram a dívida ativa, suscetível de cobrança executivo fiscal. É que o conceito de dívida ativa não tributária, a que se refere a Lei de Execuções Fiscais, envolve apenas os créditos assentados em títulos executivos. Há créditos carentes de certeza e liquidez necessárias ao aparelhamento de execução.
3. Crédito proveniente de responsabilidade civil não reconhecida pelo suposto responsável não integra a chamada dívida ativa, nem autoriza execução fiscal. O Estado, em tal caso, deve exercer, contra o suposto responsável civil, ação condenatória, em que poderá obter o título executivo.
4. É nula a execução fiscal por dívida proveniente de responsabilidade civil, aparelhada assentada em títulos.
(REsp 440.540/SC, Rel. Ministro HUMBERTO GOMES DE BARROS, PRIMEIRA TURMA, julgado em 06/11/2003, DJ 01/12/2003, p. 262)
(...)
PROCESSUAL CIVIL E TRIBUTÁRIO. AGRAVO REGIMENTAL. RECURSO ESPECIAL. EXECUÇÃO FISCAL. CDA. NULIDADE. REQUISITOS. REEXAME DE MATÉRIA FÁTICA. IMPOSSIBILIDADE. SÚMULA 7 DO STJ. INSCRIÇÃO EM DÍVIDA ATIVA DE SUPOSTO CRÉDITO ORIUNDO DE ILÍCITO CIVIL EXTRACONTRATUAL APURADO ADMINISTRATIVAMENTE. IMPOSSIBILIDADE.
1. A inscrição em dívida ativa não é forma de cobrança adequada para os créditos provenientes exclusivamente de ilícitos civis extracontratuais que não tenham sido previamente apurados pela via judicial. Isto porque, em tais casos, não há certeza da existência de uma relação jurídica que vai ensejar o crédito, não havendo ainda débito decorrente de obrigação vencida e prevista em lei, regulamento ou contrato. Precedentes: REsp. Nº 441.099 - RS, Primeira Turma, Rel. Min. Humberto Gomes de Barros, julgado em 07 de outubro de 2003; REsp. Nº 362.160 - RS, Rel. Min. José Delgado, julgado em 05 de fevereiro de 2002.
2. Afirmação que não agride os valores decorrentes de casos de ilícitos administrativos cometidos por servidores públicos como o alcance, a reposição e a indenização, posto que sua inscrição em dívida ativa se submete a disciplina legal específica, com processo administrativo prévio, e nesses casos há uma relação jurídica entre o causador do dano e a administração pública (condição de servidor ou funcionário público) que preexiste ao próprio dano causado.
3. Hipótese em que a certidão de inscrição em dívida ativa trouxe como fundamento legal exclusivamente os arts. 159 e 1.518, do Código Civil de 1916 (art. 186, art. 927 e art. 942, do atual Código Civil), que tratam da reparação de danos por atos ilícitos civis extracontratuais, deixando de apontar os dispositivos normativos referentes ao alcance, à reposição ou à indenização.
4. Necessidade de análise dos requisitos da CDA - reexame do conjunto fático e probatório - o que chama a incidência do enunciado n. 7 da Súmula do STJ: "A pretensão de simples reexame de prova não enseja recurso especial". Precedentes: EDcl no AgRg no REsp 663703, 1ª Turma, DJ 13/06/2005, p. 185; REsp 430413, 2ª Turma, Rel. Min. Castro Meira, DJ 13/12/2004, p. 279. 5. Agravo regimental não-provido.
(AgRg no REsp 800.405/SC, Rel. Ministro MAURO CAMPBELL MARQUES, SEGUNDA TURMA, julgado em 01/12/2009, DJe 26/04/2011)
(...)
Veja-se que o que aqui afirmamos não agride os valores decorrentes de casos de ilícitos administrativos cometidos por servidores públicos federais da autarquia previdenciária como o alcance, a reposição e a indenização, justamente porque sua inscrição em dívida ativa se submete a disciplina legal específica. Além disso, nesses casos há uma relação jurídica entre o causador do dano e a administração pública (condição de servidor ou funcionário público) que preexiste ao próprio dano causado, veja-se:
a) reposição: devolução feita ao erário, pelo servidor público, de determinado quantum , em razão de recebimento indevido (normalmente de remuneração ou proventos) ou de indenização indevida (art. 45, parágrafo único, e art. 46, da Lei n. 8.112/90);
b) indenização: reparação do dano causado pelo servidor público ao erário no exercício de suas funções (art. 46, da Lei n. 8.112/90);
c) alcance: diferença para menos apurada em um processo de tomada de contas entre os valores confiados a um funcionário público, ante o cargo por ele ocupado ou função pública por ele desempenhada, perante a Administração, em virtude de ter havido sua sonegação, extravio ou desvio (art. 214, §1º e art. 225, §1º, da Lei n. 1.711/52, e art. 1º, do Decreto-lei n. 3.415/41).
Em todos os casos citados acima, a inscrição em dívida ativa decorre da aplicação conjunta do art. 47, caput e parágrafo único, da Lei n. 8.112/90, c/c art. 39, §2º, da Lei n. 4.320/64.
Observe-se também que as hipóteses citadas para o servidor público em muito diferem da inscrição em dívida ativa de pessoa que, sem qualquer relação jurídica prévia com a administração pública, lhe causa dano, v.g. acidente de veículo ou outros ilícitos extracontratuais de natureza civil para os quais a lei não expressamente reserva o rito da inscrição em dívida ativa. Essas hipóteses de inscrição foram rechaçadas pela jurisprudência do STJ (REsp. Nº 441.099 - RS, Primeira Turma, Rel. Min. Humberto Gomes de Barros, julgado em 07 de outubro de 2003, e REsp. Nº 362.160 - RS, Rel. Min. José Delgado, julgado em 05 de fevereiro de 2002), devendo o ente público procurar as vias judiciais para obter a reparação mediante ação condenatória.
Pensar de modo diferente significaria abolir a existência da ação condenatória para os entes públicos e permitir-lhes a formação unilateral do título executivo, sem fundamento legal ou contratual prévio, em todas as relações de direito público e privado de que participem, o que gera enorme insegurança jurídica.
(destacamos)
39. De observar-se que a posição do Superior Tribunal de Justiça (STJ) acerca do assunto – inscrição em Dívida Ativa de pessoas que apenas possuem vínculo extracontratual com a União – além de encontra-se há muito pacificada, também se revela em total harmonia com orientação firmada no Parecer PGFN/CDA nº 2348/2012 por esta Coordenação-Geral.
40. Temos para nós, portanto, que acolher a proposta sugerida tanto pelo Ofício nº 00084/2018/CONJURMS/CGU/AGU, quanto pela Nota nº 00695/2018/PGU/AGU, que advogam a inscrição em Dívida Ativa de créditos decorrentes do descumprimento de convênios firmados com a União diretamente em face de agentes políticos ou representantes legais dos Municípios, além de carecer de suficiente amparo teórico e legal, fragiliza a posição que, há alguns anos, vem sendo defendida pela PGFN perante o Poder Judiciário.
41. Ademais, com o julgamento do Recurso Especial nº 1.350.804/PR, sob o regime dos recursos repetitivos, restou efetivamente ratificado que qualquer tese que defenda a formação unilateral de título executivo – certidão de dívida ativa –, sem suficiente vínculo e fundamento legal específico, serão plenamente rechaçadas.
42. Como sustentar entendimento contrário ao que sinaliza a Primeira Seção do Superior Tribunal de Justiça (STJ) poderia implicar anulação de milhares de certidões de dívida ativa, extinção de outras milhares de execuções fiscais, condenação em honorários advocatícios, além do gasto de material humano e físico desnecessário, acreditamos que encampar referida tese seria, na melhor das hipóteses, temerário.
A fim de sintetizar o posicionamento da PGFN sobre o assunto, tem-se que a impossibilidade de inscrição em dívida ativa dos agentes públicos nos convênios decorre da ausência de dispositivo legal específico que a autorize expressamente, uma vez que, conforme jurisprudência remansosa do Superior Tribunal de Justiça, o ilícito extracontratual deve ser previamente apurado pela via judicial, porque não há certeza da existência de uma relação jurídica que dê ensejo ao crédito.
Nas palavras do Ministro Humberto Gomes De Barros, não é lícito emitir, unilateralmente, título de dívida ativa para suposto crédito proveniente de responsabilidade civil. É exatamente o que se extrai do voto do eminente relator no REsp 440.540/SC, confira-se:
A dívida tributária já nasce certa e líquida, porque o ato estatal do lançamento, por força do ordenamento jurídico, incute no crédito esses dois atributos. Alguns créditos não tributários – como os provenientes de multas – transformam-se em dívida ativa, após simples procedimento administrativo. Nesses créditos, assim como nos tributários, a própria Administração cria o título executivo.
Isso não ocorre, entretanto, com os créditos oriundos de responsabilidade civil. Para que tais créditos se traduzam em títulos executivos, é necessário o acertamento capaz de superar discussões. Isso é conseguido mediante reconhecimento, transigência ou mediante processo judicial. É que, nesses casos, a origem da dívida não é o exercício do poder de polícia, nem o contrato administrativo.
No caso deste processo, o crédito surgiu de uma suposta culpa no pagamento de benefício previdenciário indevido. O INSS, pretende ressarcir-se do dano sofrido com tal pagamento. Como a suposta responsável não admite a culpa Civil, faz-se necessário o exercício de ação condenatória. Do processo resultante de tal ação, poderá resultar sentença capaz de funcionar como título executivo.
Não é, portanto, lícito ao INSS emitir, unilateralmente, título de dívida ativa, para cobrança de suposto crédito proveniente de responsabilidade civil.
Conforme bem destacado no Parecer SEI nº 26/2018/PGDAU-CDA-NOAN, "no caso sub examine, os agentes políticos, representantes legais dos Municípios, obviamente, apenas possuem relação legal e estatutária com os Municípios. Como sublinhamos, com a União limitam-se a manter vínculo não estatutário, de natureza simples e extracontratual, portanto". Daí ressai a proposta de inserção de cláusula que permita a responsabilização substitutiva e pessoal dos titulares dos Municípios, a fim de criar vínculo contratual com os possíveis responsáveis.
O enfrentamento da questão exige, ainda, a abordagem teleológica que cerca os conflitos contratuais, por meio dos princípios informadores que regem a matéria, com destaque para o princípio da relatividade.
O princípio da relatividade dos contratos expressa, em síntese, que a força obrigatória desse negócio jurídico é restrita às partes contratantes (res inter alios acta). Os atos das partes de um contrato não aproveitam nem prejudicam terceiros, apenas vinculando os contratantes entre si.
Ora, os direitos e as obrigações nascidos de um contrato não atingem terceiros, cuja manifestação de vontade não teve participação na formação desse negócio jurídico. De igual forma, nenhum terceiro pode intervir no contrato regularmente celebrado.
Segundo lições Fábio Ulhoa Coelho[8], denomina-se princípio da relatividade “a regra que obstaculiza a extrapolação dos efeitos atinentes à criação de obrigação para além dos próprios contratantes”.
No âmbito do direito privado, é possível que dois sujeitos criem, por contrato, direitos a terceiros estranhos à relação contratual. Conforme previsão do art. 467, do Código Civil, qualquer contrato pode ser celebrado com o objetivo de gerar direitos a terceiros, confira-se:
Art. 467. No momento da conclusão do contrato, pode uma das partes reservar-se a faculdade de indicar a pessoa que deve adquirir os direitos e assumir as obrigações dele decorrentes.
Se de um lado as vantagens podem afetar patrimônio de sujeito não contratante, como ocorre no caso de um contrato de seguro de vida que beneficia terceiro, o mesmo não ocorre com a criação de obrigações, cujos efeitos são restritos aos contratantes.
Os efeitos obrigacionais dos contratos não podem ultrapassar os interesses dos próprios contratantes, salvo em três hipóteses: estipulação em favor de terceiros, estipulação por conta de terceiro e contrato com pessoa a declarar. Ainda tomando por base as lições de Fábio Ulhoa, vejamos cada uma das hipóteses:
a) Estipulação em favor de terceiros. O contratante pode negociar direitos em favor de outrem, com quem normalmente tem algum vínculo jurídico anterior. Trata-se de negócio jurídico em que um sujeito (estipulante) contrata com outra pessoa (devedor) a entrega de prestação em proveito de terceiro (beneficiário) (Mazeaud, 1998:894/905). O exemplo corriqueiro é o da estipulação de seguros de vida e acidentes pessoais em grupo. O estipulante contrata com a seguradora uma apólice para garantir risco de terceiros, intermediando a operação (Cap. 35, item 2.e).
Em princípio, tanto o estipulante como o terceiro em favor de quem se estipulou podem exigir o cumprimento do contrato (CC, art. 436). Mas se o terceiro não puder, por força do contratado, demandar a execução do contrato estipulado em seu favor, o estipulante não poderá exonerar o devedor (art. 437). Se autorizado em contrato, o estipulante pode substituir, por ato inter vivos ou por disposição de última vontade, o terceiro em favor de quem contratou (art. 438).
b) Estipulação por conta de terceiro. Trata-se de hipótese específica do contrato de seguro, em que um sujeito de direito (estipulante) assume, perante a seguradora, obrigações a serem cumpridas por terceiros, os segurados (Cap. 35, item 2.e) (Alvim, 1983:331).
c) Contrato com pessoa a declarar. A lei disciplina a hipótese de contrato em que um dos contratantes reserva-se a faculdade (evidentemente, mediante a concordância do outro, já que, ao contrário, o vínculo contratual não se forma) de indicar a pessoa que irá assumir os direitos e obrigações do negócio (CC, arts. 467 a 471). Raramente se concorda em contratar com pessoa a declarar, porque o conhecimento do contratante é a base de qualquer relação de confiança, necessário ao bom andamento das negociações e à execução do contrato.
De qualquer forma, se chegar a ser celebrado contrato com pessoa a declarar, a indicação do titular dos direitos e obrigações deverá ser feita pelo contratante no prazo de 5 dias seguintes à conclusão do negócio, se outro não tiver sido convencionado. A aceitação, para ser eficaz, deve revestir a mesma forma do contrato; não poderá ser oral o aceite, por exemplo, se adotado o instrumento escrito na contratação. A assunção de obrigações e direitos tem por termo inicial a data do contrato e não a da indicação ou aceitação. Se não houver indicação ou se a pessoa indicada não aceitar o contrato, for incapaz ou estiver insolvente, o contrato produzirá seus efeitos apenas entre os contratantes originários.
O contrato não gera efeitos para pessoa que dele não faça parte, exceto na estipulação em favor de terceiro por conta de terceiro ou celebrado com pessoa a declarar.
Orlando Gomes[9] insere a questão sob a seguinte ótica:
O princípio da relatividade dos contratos não é absoluto. Sofre importantes exceções.
Para defini-las, cumpre fixar a noção de terceiro. Como tal se considera quem quer que seja totalmente estranho ao contrato ou à relação sobre a qual ele estende os seus efeitos. Assim, o sucessor, a título universal de um contratante, embora não tenha participado da formação do contrato, terceiro não é, porque a sua posição jurídica deriva das partes, como tal devendo ser tido.
(...)
Consideradas as pessoas em cuja esfera jurídica podem incidir efeitos finais de contrato, é de ressaltar a noção de oponibilidade, distinguindo três categorias de terceiros: 1) os que são estranhos ao contrato, mas participantes do interesse, cuja posição jurídica é subordinada à da parte, como os subcontratantes e mandatários; 2) os que são interessados, mas têm posição independente e incompatível com os efeitos do contrato; 3) os que são normalmente indiferentes ao contrato, mas podem ser legitimados a reagir quando sofram particular prejuízo dos efeitos do mesmo contrato, como os credores.”
Em que pese as considerações acima serem atinentes ao regime jurídico de direito privado, tem-se que os princípios da teoria geral dos contratos e as disposições de direito privado são aplicados aos contratos administrativos, convênios e outros ajustes, de forma supletiva, por força do art. 54 c/c o caput do art. 116, ambos da Lei n. 8.666, de 1993.
Ante o exposto, é possível afirmar que os titulares dos Municípios são terceiros, estranhos ao vínculo convenial, apesar da condição de representantes do ente político, não estando pessoalmente sujeitos às obrigações do ajuste. Isso porque, como o órgão é instrumento de atuação da pessoa jurídica, o ato do agente é imputado ao órgão e, consequentemente, à pessoa jurídica da qual este faz parte (Teoria do Órgão). Nesse contexto, lembre-se que o exercício das funções públicas tem, obrigatoriamente, a marca da impessoalidade, o que significa dizer que, as pessoas físicas praticam atos na qualidade de agentes do Estado, abstraindo-se de suas individualidades pessoais.
In casu, não se vislumbra nenhuma das hipóteses restritas que autorizam a extensão dos efeitos obrigacionais do ajuste, o que torna indevida a construção mediante cláusula. Ademais, não é juridicamente possível que a manifestação de vontade do agente se confunda com sua vontade pessoal para fins de assunção de obrigações em nome próprio, o que colide frontalmente com o princípio constitucional da impessoalidade e desnatura a teoria do órgão.
A proposta de inserção de cláusula que permite a responsabilização substitutiva e pessoal dos agentes foi proposta no contexto de que a inscrição em Dívida Ativa da União da municipalidade seria inefetiva, bem como de que os limites subjetivos do ato de inscrição na DAU somente comportam as partes das avenças firmadas pela União, não podendo desbordar a relação jurídica negocial para alcançar sujeitos a ela não formalmente vinculados.
Pois bem, considerando que a responsabilidade dos agentes públicos é subjetiva e que a responsabilização nos ajustes de natureza convenial decorrentes de ilícito na sua execução pode alcançar tanto o ente político diretamente, quanto o(s) gestor(es) público(s) responsáveis pelas irregularidade ou omissões, de forma singular ou solidária, independe de ser(em) o(s) subscritor(es) do instrumento de convênio, bem como os particulares que tenham concorrido ou se beneficiado do fato danoso; entende-se que a cláusula proposta encontra óbice jurídico diante da potencial objetivação da responsabilidade dos agentes políticos, isso porque, não obstante a existência de rito específico para apurar a conduta dos agentes envolvidos, a responsabilidade civil não se dá em substituição à do convenente, tampouco decorre da condição de representante legal do ente político, mas das ações ou omissões praticadas, que podem concorrer ou não com outros agentes/atores e se dar de forma singular ou solidária.
Dessa forma, não se vislumbra possível cláusula de convênio que transfira a responsabilidade de reparação dos danos ao titular do ente federado de maneira substitutiva, porque a responsabilização decorre do nexo da conduta com o dano, alcançando os agentes na medida de sua culpabilidade, jamais decorrendo do cargo que ocupam.
Além disso, incluir os titulares dos Municípios na relação jurídica convenial por meio de cláusula significa estender os efeitos obrigacionais do ajuste de forma indevida, porque a manifestação de vontade do agente público seria imputada, a um só tempo, ao órgão que ele representa e a ele mesmo, em flagrante afronta ao princípio da relatividade dos contratos, o qual obstaculiza a extrapolação dos efeitos atinentes à criação de obrigação para além das partes.
Não se cogita admitir que o agente público pratique atos de vontade em nome do Poder Público e, ao mesmo tempo, assuma obrigações em nome próprio, o que colide frontalmente com o princípio constitucional da impessoalidade e desnatura a teoria do órgão. O resultado prático que primeiro se visualiza em relação a tal circunstância é a não celebração de convênios por razões estritamente pessoais.
Apesar da conclusão pela impossibilidade da proposta em debate, como visto no tópico 2.1, o ordenamento jurídico dispõe de normas e mecanismos para alcançar a devida reparação dos agentes públicos no caso de ações ou omissões que resultem em prejuízo ao erário, contando com ritos de apuração e exigibilidade na esfera de controle da atividade financeira (tomada de contas especial), na esfera cível (ação de improbidade ou ação de regresso), no estatuto jurídico dos servidores (reposições ou indenizações, com possibilidade de inscrição em dívida ativa, ou mesmo ação de reparação) e na esfera penal (ação penal com reparação de danos), sem prejuízo de outras que não tenham sido aqui abordadas.
Por fim, outra possibilidade que exsurge é o ajuizamento de ação monitória, desde que após a identificação dos responsáveis e quantificação do quantum devido, como resultado de um procedimento administrativo com ampla defesa e contraditório, conforme já defendido. Aqui, tal premissa é ainda mais indispensável, na medida em que inexiste espaço para qualquer procedimento de liquidação no processo monitório, já que o Novo Código de Processo Civil impõe a identificação da expressão econômica do direito reclamado.
Essa possibilidade, no entanto, parece percorrer caminho similar ao que se pretendeu evitar quando da fixação da estratégia pela via da inscrição em dívida ativa. Porém, em se tratando de um procedimento de cognição sumária e contraditório diferido, acredita-se que poderá ter sua viabilidade e eficácia avaliada pela Procuradoria-Geral da União, caso entenda pertinente, considerando que as hipóteses aqui ventiladas somente se prestam a refletir eventuais alternativas existentes.
Dessa forma, considerando as premissas aqui lançadas, conclui-se pela impossibilidade de inserção, no termos ou instrumentos de convênio, de cláusula específica que permita a responsabilização substitutiva e pessoal dos agentes políticos ou representantes legais dos Municípios, diante da potencial objetivação da responsabilidade de seus titulares e da extensão dos efeitos obrigacionais do ajuste de forma indevida, em afronta ao princípio da relatividade dos contratos e ao princípio constitucional da impessoalidade, sem prejuízo de que a Procuradoria-Geral da União avalie a viabilidade e eficácia de eventual ação monitória, caso entenda pertinente.
Apesar da conclusão pela impossibilidade da proposta em debate, como visto no tópico 2.1 do Parecer, o ordenamento jurídico dispõe de normas e mecanismos para alcançar a devida reparação dos agentes públicos no caso de ações ou omissões que resultem em prejuízo ao erário, contando com ritos de apuração e exigibilidade na esfera de controle da atividade financeira (tomada de contas especial), na esfera cível (ação de improbidade ou ação de regresso), no estatuto jurídico dos servidores (reposições ou indenizações após processo administrativo, com possibilidade de inscrição em dívida ativa, ou mesmo ação de reparação) e na esfera penal (ação penal culminada com reparação de danos), sem prejuízo de outras que não tenham sido aqui abordadas.
À consideração.
Brasília, 27 de maio de 2021.
(assinado eletronicamente)
Marcela Muniz Campos
Advogada da União
(assinado eletronicamente)
Michelle Marry Marques da Silva
Advogada da União
Coordenadora da Câmara Nacional de Convênios e Instrumentos Congêneres
(assinado eletronicamente)
Bruno Veloso Maffia
Advogado da União
(assinado eletronicamente)
Carlos Freire Longato
Advogado da União
(assinado eletronicamente)
Cristiane Souza Braz Costa
Procuradora Federal
(assinado eletronicamente)
Gustavo Almeida Dias
Advogado da União
(assinado eletronicamente)
João Paulo Chaim da Silva
Advogado da União
(assinado eletronicamente)
Marcos Henrique Oliveira Andrade Góis
Advogado da União
(assinado eletronicamente)
Marcus Monteiro Augusto
Advogado da União
(assinado eletronicamente)
Rafael Schaefer Comparin
Advogado da União
(assinado eletronicamente)
Sebastião Gilberto Mota Tavares
Procurador da Fazenda Nacional
(assinado eletronicamente)
Viktor Sá Leitão de Meira Lins
Advogado da União
Atenção, a consulta ao processo eletrônico está disponível em http://sapiens.agu.gov.br mediante o fornecimento do Número Único de Protocolo (NUP) 00405023537201661 e da chave de acesso 637693b2
Notas